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e Extensão Rural:
Construindo o Conhecimento
Agroecológico
Presidência da República
Luis Inácio Lula da Silva
Agência de Agronegócios
Raimundo Valdelino Cavalcante
Assistência Técnica
e Extensão Rural:
Construindo o Conhecimento
Agroecológico
Organização:
Jorge Tavares
Ladjane Ramos
Manaus • 2006
Coordenação Editorial
Antônio Jandir Contente Morais
Ladjane Ramos
Organização:
Jorge Roberto Tavares
Ladjane Ramos
Revisão
Peta Teixeira
Fotos
Arquivo ProVárzea/L.C. Marigo
Dania Lolah
Catalogação na Fonte
I 18 a IDAM. Assistência técnica e extensão rural: construindo o
conhecimento agroecológico/por Jorge Roberto
Tavares e Ladjane Ramos. – Manaus: 2006. 128 p.1.
Extensão Rural. 2. Agroecologia. 3. Desenvolvimento
Rural Sustentado. I. TAVARES, Jorge Roberto. II.
RAMOS, Ladjane. III. GTZ.CDU 631.588.9+63.001.8(042)
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Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Política Nacional de Ater: Primeiros passos de sua implementação
e alguns obstáculos e desafios a serem enfrentados 9
Paulo de Jesus
7
ção de processos democráticos pela equidade e pela inclusão social
não só das populações rurais, mas dos extensionistas envolvidos, que
o Projeto de Desenvolvimento Local Sustentável -DLS-AM
(Sepror/GTZ/IDAM) em parceria com a Secretaria da Agricultura
Familiar (SAF/MDA) e Departamento de Educação da Universidade
Federal Rural de Pernambuco tomou a iniciativa de realizar o Curso
de “Metodologia em Extensão Rural, com enfoque Agroecológico”. Os
textos reunidos nesta publicação resumem as apresentações feitas
pelos professores e pesquisadores durante o curso. Além desses, foi
incluído um artigo de Francisco Roberto Caporal, Coordenador Geral
de Ater (Dater/SAF/MDA), que trata sobre a implementação da nova
Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural que vem
sendo realizada pelo Dater - Departamento de Assistência Técnica e
Extensão Rural, em parceria com entidades governamentais e não go-
vernamentais e cujo conteúdo está intimamente relacionado ao esfor-
ço de capacitação do Projeto de Desenvolvimento Local Sustentável.
O projeto de Desenvolvimento Local Sustentável (DLS-AM) é exe-
cutado pelo Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazo-nas
(IDAM) e pela Agência de Cooperação Técnica Alemã (GTZ), que
executa, pelo Ministério de Cooperação Econômica e Desenvol-
vimento da Alemanha (BMZ), Programas de Cooperação Técnica em
diferentes países, inclusive no Brasil.
Edimar Vizolli
Presidente do Instituto de Desenvolvimento
Agropecuário do Estado do Amazonas
Paulo de Jesus
Universidade Federal Rural de Pernambuco
8
Política Nacional de Ater: primeiros passos de sua
implementação e alguns obstáculos e desafios a
serem enfrentados
Introdução
Em 2003, o Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA passou a
ser responsável pelas atividades de Assistência Técnica e Extensão
Rural – Ater, como estabelece o Decreto Nº 4.739, de 13 de junho
daquele ano. Por delegação da Secretaria da Agricultura Familiar –
SAF, um grupo de técnicos coordenou a elaboração da nova Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - Pnater, promo-
vendo um amplo processo de consulta, a partir de audiências, en-
contros e seminários envolvendo representações dos agricultores
familiares, de movimentos sociais e de prestadoras de serviços de
Ater governamentais e não governamentais. Este processo, demo-
crático e participativo que envolveu mais de 100 entidades e mais de
500 pessoas, levou à construção de alguns consensos e a um con-
junto de acordos e redundou no documento que sintetiza a Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (MDA, 2004).
Desde finais de 2003, seguindo as orientações desta Política, a SAF,
através do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural –
Dater, vem implementando esta nova proposta. O objetivo deste artigo
é registrar alguns passos deste processo e identificar alguns
9
desafios que ainda precisam ser enfrentados para que o Brasil possa
vir a ter, de fato, um novo perfil de Assistência Técnica e Extensão
Rural – Ater, capaz de contribuir para o fortalecimento da agricultu-ra
familiar, numa perspectiva de desenvolvimento rural sustentável.
10
vos de melhoria da qualidade de vida e de promoção
do desen-volvimento rural sustentável”. (MDA, 2004)
Como é possível observar, o estabelecimento desta Missão e destes
Princípios supõe uma mudança de rumos com respeito às práticas
difusionistas, que marcaram a história da extensão rural convencio-nal. A
teoria da Difusão de Inovações (ROGERS, 1969; 1995) não perde sua
vigência, não obstante, ela deve deixar de ser usada na perspectiva da
“persuasão”, da “educação bancária”, da “alienação”, (FREIRE, 1982;
1983), da pseudo superioridade do conhecimento científico sobre o saber
popular, para dar lugar a novas formas e novos conteúdos desta
intervenção. Deve-se adotar, necessariamente, metodologias
participativas que ajudem a democratizar a relação entre extensionistas e
agricultores. Ao contrário dos métodos que geram dependência e
alienação, deverão ser adotadas metodologias que possam contribuir
para o “empoderamento” dos atores sociais. Es-tas formas de intervenção
devem favorecer o estabelecimento de plataformas de negociação entre
técnicos e agricultores que permi-tam a construção de saberes novos e
mais compatíveis com a vida real das populações envolvidas. Estes
novos saberes, na prática coti-diana, poderiam ser aqueles
conhecimentos sobre a realidade social, ambiental, econômica, cultural e
política, onde agricultores e técni-cos buscam o “desenvolvimento” 2. Logo,
ao contrário da visão cartesiana e tecnicista que orientou as décadas do
desenvolvimentismo, a nova Ater exige uma visão holística e o esta-
belecimento de estratégias sistêmicas e não apenas métodos apro-
priados para uma difusão unilinear e unidirecional de tecnologias, próprios
do difusionismo. Por isto mesmo, na nova Ater, técnicos disponibilizam
seus conhecimentos e não simplesmente os difun-dem, segundo o
modelo clássico e a lógica linear do princípio de “estender” da fonte ao
receptor. Esta nova visão, supõe a quebra da
11
hierarquia de saberes e o respeito aos conhecimentos dos agriculto-res,
que devem ser considerados válidos e necessários para a cons-trução de
conhecimentos mais complexos, mediados pela realidade. Do ponto de
vista tecnológico, a Pnater também supõe a necessidade de mudanças,
pois parte do princípio de que o padrão tecnológico e as formas de
manejo dos agroecossistemas que foram instituídos e modelados no
escopo das estratégias de “modernização”, centradas nos pacotes
tecnológicos da Revolução Verde, não são adequados para o
estabelecimento de estilos de agricultura e de desenvolvimento
sustentável que são desejados pela sociedade e que passaram a ser um
imperativo deste século. Os ideais de sustentabilidade e a segurança das
condições de vida das futuras gerações, não são compatíveis com
modelos que levam à exclusão social, à expulsão de massas da popula-
ção rural, num verdadeiro processo de geração de pobreza, de violên-cia,
de iniqüidade, de subdesenvolvimento, como ocorreu nas déca-das do
desenvolvimentismo. Os esquemas “modernizadores” da agri-cultura,
sequer são adequados do ponto de vista da manutenção da base de
recursos naturais que as futuras gerações vão necessitar para que
possam assegurar condições dignas de vida. Trata-se, pois, da
necessidade do estabelecimento de uma nova ética sócio-ambiental. Esta
“visão de mundo” deve levar à formulação de novos processos sócio-
econômicos, que sejam produtivos mas que não percam de vista as
dimensões sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável. Por isto
mesmo, a Pnater estabelece a necessidade de adoção dos princípios da
Agroecologia e suas bases epistemológicas, para o dese-nho de
agroecossistemas sustentáveis e para o estabelecimento de estratégias
de desenvolvimento rural sustentável, que sejam opostas àquelas que
foram implementadas ao longo do século passado.
De certa forma, poderia ser dito que o enfoque metodológico e
tecnológico que está proposto na Pnater, requer a implementação de
uma extensão rural agroecológica ou ecossocial 3. Definimos a Exten-
são Rural Agroecológica como um processo de intervenção de cará-
12
ter educativo e transformador, baseado em metodologias de
investi-gação-ação participante, que permitam o desenvolvimento
de uma prática social mediante a qual os sujeitos do processo
buscam a cons-trução e sistematização de conhecimentos que os
leve a incidir cons-cientemente sobre a realidade, com o objeto de
alcançar um modelo de desenvolvimento socialmente eqüitativo e
ambientalmente sus-tentável, adotando os princípios teóricos da
Agroecologia como cri-tério para o desenvolvimento e seleção das
soluções mais adequadas e compatíveis com as condições
específicas de cada agroecossistema e do sistema cultural das
pessoas implicadas em seu manejo. (CAPORAL, 1998)
13
situam-se no campo desse paradigma cartesiano e, como lembra
Morin (1998 p. 272-3), “o paradigma dispõe de um princípio de
exclusão; exclui não apenas os dados, enunciados e idéias
divergen-tes, mas também os problemas que não reconhece.
Assim, um paradigma de simplificação (disjunção ou redução) não
pode reco-nhecer a existência do problema da complexidade”.
Portanto, quando se trata de buscar estratégias de desenvolvimento rural
sustentável, que visam à inclusão social, o fortalecimento da agricultura
familiar e novos desenhos de agroecossistemas sustentá-veis, não se
pode trabalhar com base num paradigma de redução, pois o redesenho
de agroecossistemas e o estabelecimento de agri-culturas sustentáveis,
com inclusão social, é algo que exige um enfoque sistêmico e uma visão
holística, ou seja, é necessário lidar com a complexidade dos processos
de desenvolvimento. Na agricultura, isto se manifesta pela necessidade
de complexificar os sistemas agrí-colas, introduzindo biodiversidade e
manejando as relações entre solos, plantas e animais, ao invés de
simplificá-los, como no modelo da Revolução Verde. Ademais, trata-se,
também, de entender não só a diversidade, mas as relações entre os
indivíduos e entre eles e o meio ambiente, assim como as estratégias de
resistência da agricul-tura familiar e as lógicas orientadoras dos processos
decisórios que ocorrem nas unidades familiares de produção.
14
porque as ações continuam subordinadas ao paradigma
convencio-nal que, embora invisível, atua “na ordem inconsciente
e na ordem supraconsciente; é o organizador invisível do núcleo
organizacional visível da teoria, onde dispõe de um lugar invisível”
(MORIN, 1988). Assim, embora não apareça explícito nos projetos
e nas atividades convencionais de Ater, pesquisa e ensino, estes
expressam a nature-za virtual do paradigma que os orienta, pois o
paradigma “se mani-festa constantemente e encarna no que gera”
(MORIN, 1999). Por isto, a busca do desenvolvimento rural
sustentável exige o rompi-mento com o paradigma dominante, que
como se disse antes, não coaduna com ideais e sustentabilidade,
inclusão social e fortaleci-mento da agricultura familiar. 4
Do mesmo modo, há que se fugir das armadilhas do modelo produtivista
convencional, pois a construção de agriculturas sustentáveis, como
propõe a Pnater, requer outra relação entre Agronomia e Ecologia e outro
entendimento a respeito de resultados econômicos. As análises
convencionais sobre ganhos de produtividade e resultados econômi-cos,
baseadas no enfoque da economia neo-clássica não dão conta de novas
abordagens. O enfoque holístico requer que se avaliem os resul-tados em
termos de estabilidade, resiliência, durabilidade no tempo e produtividade
do agroecossistema como um todo (ou da unidade fa-miliar de produção)
e não de um cultivo em particular. Como é sabido, os sistemas
convencionais baseados na busca de maiores produtivida-des físicas de
monoculturas, jamais serão sustentáveis, pois depen-dem, sempre, e
cada vez mais, da degradação dos seus entorno. Eles têm alto potencial
entrópico. Isto está explicado pela Segunda Lei da Termodinâmica, ou Lei
da Entropia, que mostra os sistemas dinâmicos funcionando na natureza
em condições de baixo equilíbrio termodinâmico, somente se mantêm
funcionando porque extraem ener-gia do seu entorno. Ou seja, requerem
um permanente subsídio
15
energético para alcançarem os patamares de
produtividade desejados, gerando degradação ambiental.
Assim, projetos inovadores, serão aqueles que não seguem a lógica da
Revolução Verde, pois aquela não permite resolver os problemas sócio-
ambientais, uma vez que se baseia no modelo de altos insumos – altas
respostas, desenhado a partir de uma visão utilitarista do meio ambiente,
sem preocupação ecológica. A construção de agriculturas sustentáveis
requer, portanto, um marco tecnológico baseado em outro paradigma, que
trate de estabelecer uma nova e qualificada aproximação entre Agro-
nomia e Ecologia, que leve ao manejo integrado de sistemas complexos.
Isto exige técnicas e formas de manejo que se articulem entre si, respei-
tando princípios ecológicos básicos e gerando sistemas de produção que
se assemelhem, em seu desenho e em seu funcionamento, aos
ecossistemas naturais onde estão inseridos. Repetimos, trata-se, portan-
to, de complexificar os sistemas, ao invés de buscar sempre maior sim-
plificação, como ocorre na agricultura convencional.
Por estas e outras razões de natureza científica, a ciência e a
tecnologia necessárias para o desenvolvimento rural sustentável,
com inclusão social, com fortalecimento da agricultura familiar,
com produção de alimentos sadios e com preservação ambiental,
devem basear-se num paradigma ecossocial 5, buscando alicerçar-
se nos princípios e bases epistemológicas da Agroecologia 6.
16
Devido à natureza deste artigo, não serão tratados os esforços realiza-
dos e que redundaram num significativo aumento do orçamento para
apoio federal aos serviços de Ater no país. Sequer seria adequado abor-
dar as ações destinadas a ampliar o espectro e fortalecer as relações do
MDA/SAF/Dater com entidades executoras de serviços de Ater, entre
outros. Ainda que alguns destes aspectos venham a aparecer mais adi-
ante, quando forem colocados os desafios para a nova Ater, parece ne-
cessário restringir esta breve incursão, simplesmente, àqueles aspectos
que visam fortalecer a transição da extensão rural convencional em dire-
ção ao cumprimento dos Princípios e da Missão antes enunciados.
Por enquanto, somente para deixar registrado, caberia informar duas
ações importantes, realizadas no final de 2004, visando recolocar a
Extensão Rural na pauta da política nacional. Assim, em novembro,
foi realizada, em Brasília, a Conferência Nacional de Ater, com re-
presentação de quase todos os estados. Em paralelo, o Dater orga-
nizou uma exposição sobre a História da Extensão Rural no Brasil
(disponível na página www.pronaf.org.br), no térreo do Palácio do
Planalto. A exposição que teve duração de duas semanas, contou
com a colaboração e ativa participação de organizações de Ater go-
vernamentais e não governamentais de vários estados brasileiros 7.
O processo de implementação da Política também veio acompanha-
do do estabelecimento de parcerias com entidades de Ater e entida-
des envolvidas em atividades de capacitação de agricultores familia-
res8. Neste sentido, cabe salientar que, em 2004, a SAF/Dater execu-
17
tou 96,12 % do orçamento destinado ao Fomento de Atividades e
Ater e Capacitação – PRONAF. Além de ações diretas, foram
firma-dos 101 Convênios com entidades de Ater nos 27 estados da
Fede-ração, no valor de R$ 42,1 milhões. Com isto a SAF/Dater
contri-buiu, decisivamente, para que a abrangência dos serviços
de Ater pudesse chegar, direta ou indiretamente, a um total
aproximado de 1,6 milhões de unidades familiares de produção 9.
Cabe destacar que, em 2004, as entidades estaduais de Ater
contrataram mais de 2.400 novos profissionais.
Para levar adiante o processo de implementação da Pnater, foram
estabelecidas algumas linhas estratégicas capazes de contribuir para
a aceleração e qualificação do processo. O eixo principal desta estra-
tégia está centrado no campo do conhecimento. Para esta decisão,
partiu-se do entendimento de que para levar à prática a nova Política
de Ater, o primeiro passo seria dar ampla divulgação dos principais
enfoques da Política. Isto foi feito, ao longo do primeiro semestre de
2004, quando o Dater promoveu seminários em todos os estados da
federação. Além de divulgar a Política estes seminários destina-ram-
se, também, a propor aos atores institucionais de Ater em cada estado
a elaboração de um Plano Estadual de Ater que pudesse bus-car a
sinergia e a cooperação entre as ações das diferentes entida-des, de
modo que se abrisse um caminho para a formação de futuras redes
de serviços de Ater nos estados. Embora com diferenças, hou-ve
maciça participação neste processo. Dele resultou a formação de
algumas redes ou o fortalecimento de redes já existentes. Do mesmo
modo, alguns estados já elaboraram seus Planos Estaduais, enquan-
to outros estão com esta ação em andamento. Observe-se que o
18
Dater adotou como princípio, o respeito às dinâmicas estaduais,
não estabelecendo obrigatoriedade nem prazos, simplesmente
passando a apoiar financeiramente a realização de centenas de
eventos regionalizados e/ou estaduais que passaram a acontecer.
Outra ação concretizada em 2004, foi a realização de Oficinas de
Nivelamento Conceitual, com a participação de mais de 270 Agen-tes
de Ater vinculados a organizações governamentais e não gover-
namentais e que pudessem ser multiplicadores destas bases
conceituais em suas entidades e em seu entorno de trabalho, em
todos os estados. Isto visava, também, contribuir para que estes
técnicos passassem a atuar mediante a adoção das bases conceituais
da nova Ater. Foram realizadas, em 2004, 8 oficinas envolvendo, em
média, 10 técnicos por estado. Dada a avaliação positiva desta ação,
o Dater, por decisão do Grupo de Trabalho de Formação do Comitê
Nacional de Ater, decidiu pela realização, em 2005, de mais de 135
encontros de nivelamento sobre a Política Nacional de Ater, que
deverão ser realizados de agosto a novembro, com a participa-ção de,
no mínimo, 5.400 Agentes de Ater de todos os estados do país. Isto
assegurará que, em 2006, já haverá uma importante quan-tidade de
técnicos apropriados dos conceitos básicos que devem orientar as
atividades da extensão rural brasileira.
Neste mesmo sentido, o Dater implementou duas ações com caráter
de Projeto Piloto, para avaliar a possibilidade de viabilizar outras
estratégias. A primeira delas foi a realização de convênios com esco-
las agrotécnicas e universidades, num total de dez instituições de
ensino, visando a qualificação de 200 estudantes, com bolsas para
estágios de fim de curso e, posteriormente, a oferta de bolsas para
que estes jovens recém formados passem a atuar junto a entidades
de Ater, com garantia de bolsa por dois anos. Assim mesmo, foram
estabelecidos acordos com Universidades para a realização de 4
cursos de Especialização em “Extensão Rural para o Desenvolvi-
mento Sustentável”. Destes cursos, três estão em fase de execução,
com a oferta de 35 vagas por curso. Os cursos são totalmente finan-
ciados pelo Dater, inclusive as ajudas de custo para os estudantes e
19
têm por objetivo formar profissionais capazes de influir
em suas en-tidades e contribuir para a ampliação de
processos de capacitação de técnicos nos estados.10
Na linha da formação de agentes, o Dater promoveu, também, cur-sos
de curta duração para Agentes de Ater que trabalham com indí-genas,
extrativistas, quilombolas, pescadores artesanais, inauguran-do,
assim, uma forma de contribuir para que as ações das entidades de
Ater contemplem, de forma adequada, as especificidades sócio-
culturais de públicos diferenciados, que exigem uma ação de exten-
são e assistência técnica que respeite estas diferenças e as
caracterís-ticas de suas atividades produtivas. Participaram destes
cursos cerca de 200 Agentes de extensão, no ano de 2004 e início de
2005. No primeiro semestre deste ano, o Dater realizou dois cursos
para Agen-tes de Ater que atuam no resgate de conhecimentos,
produção, uso e comercialização de Plantas Medicinais, atendendo
uma demanda específica de um campo de trabalho da extensão que
vem crescendo nos últimos anos e que está relacionado com outras
políticas públi-cas. Do mesmo modo, realizou um curso de 40 horas
para Agentes de Ater que atuam em Saúde no Meio Rural.
Ao longo dos dois anos de implementação da Pnater, o Dater pro-
moveu vários cursos de Agroecologia, com destaque para cursos
ministrados por especialistas internacionais, como Miguel Altieri, Clara
Nicholls (Universidade de Berkeley – USA), Carlos Guadarrama e
Laura Trujillo (Universidade de Chapingo – México). Com a colabo-
ração destes professores foram realizados dois cursos em Itabuna
(BA) com a participação de mais de 120 profissionais, Belém (PA) e
São Luis (MA), com cerca de 40 profissionais em cada curso. Além da
realização direta, a SAF/Dater apoiou dezenas de cursos de
20
Agroecologia, em diferentes estados, além de dezenas de eventos,
como encontros, fóruns, seminários e congressos de Agroecologia,
investindo recursos técnicos, materiais e financeiros com vistas a
acelerar o processo de socialização de conhecimentos neste novo
campo de estudos, que está bastante enfatizado como eixo da Polí-
tica Nacional de Ater. Destes eventos participaram milhares de téc-
nicos, agricultores, estudantes e outros interessados.
Cabe destacar, o apoio decisivo dado pelo MDA à realização do II
Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado em Porto Alegre em
novembro de 2004, que reuniu mais de 3.500 participantes. Do
mesmo modo, cabe destacar a realização, em abril de 2005, da I
Semana de Agroecologia do Estado do Maranhão, que embora tenha
tido uma participação menor, constitui-se num marco das ações
articuladas de instituições e técnicos daquele estado para a atuação
na perspectiva da transição agroecológica. Ainda como parte deste
processo de socialização o Dater promoveu, em novembro de 2004,
uma vídeo-conferência, transmitida diretamente do auditório da Sede
da Embrapa, para todas as unidades descentralizadas daquela insti-
tuição, criando a oportunidade para que centenas de interessados
assistissem as intervenções de dois especialistas em Agroecologia
vindos da Universidade de Córdoba, Espanha e outros dois vindos
das Universidades de La Plata e Buenos Aires, Argentina.
Outra iniciativa importante foi a elaboração pela SAF do Programa de
Apoio à Agricultura de Base Ecológica nas Unidades Familiares de
Produção, apelidado de Programa de Agroecologia. Através des-te
Programa a SAF/Dater aportarão, em 2005, cerca de R$ 40 mi-lhões
para ações de capacitação de técnicos e agricultores(a),
disponibilização de conhecimentos e tecnologias, e para a realização
de diversos eventos entre os quais alguns seminários para a discus-
são dos currículos das ciências agrárias, além de outras tantas ativi-
dades. Dentro deste Programa, o Dater vem coordenando o “Con-
curso Nacional de Sistematização de Experiências em Agroecologia”,
cujos 50 melhores trabalhos serão apoiados financeiramente visan-do
ao seu fortalecimento, enquanto que o material recolhido será
21
publicado, objetivando a socialização do conhecimento
sobre estas experiências.
Por fim, é importante citar as ações da SAF/Dater no campo da
pesquisa e extensão universitária. Neste sentido, em 2004 foi reali-
zado acordo entre MDA e MCT (Secretaria de C&T para a Inclusão
Social) e através de dois editais foram acolhidos projetos para a
disponibilização de tecnologias adaptadas à agricultura familiar e
tecnologias de base ecológica. Foram financiados projetos no valor
total de R$ 5 milhões para entidades de pesquisa e outros R$ 5
milhões para grupos de professores que atuam em extensão
universitária11. Em 2005, foi aberto outro Edital, com a mesma par-
ceria, no valor total de R$ 4 milhões destinados ao financiamento
de projetos para disponibilização de tecnologias de base
ecológica. No momento em que este artigo está sendo escrito,
mais de 450 proje-tos estão em fase de avaliação.
Este breve resumo das iniciativas do Dater, especialmente na área
de formação de Agentes de Ater e socialização de conhe-cimentos
necessários para a implementação da Política Nacio-nal de Ater 12,
pretende dá uma idéia aos leitores de uma ques-tão fundamental:
para que as orientações da Pnater possam ser postas em prática é
necessário que mudem as instituições e suas diretrizes e
prioridades, mas também é necessário que os Agentes incorporem
novos conhecimentos e novas concepções sobre agricultura e
desenvolvimento sustentável e sobre o pa-
11 Participaram dos editais entidades públicas de pesquisa, de âmbito nacional e estadual, além
de pesquisadores vinculados a atividades de Extensão Universitária das Universidades
Públicas, em ambos os casos houve articulação com entidades de representação dos
agricultores e/ou entidades executoras de serviços de Ater. Como resultado desta iniciativa,
foram aprovados 170 projetos e firmados Contratos e Convênios com Universidades e
instituições de pesquisa. Destaque-se que a maior parte dos recursos foi destinada às regiões
Nordeste e Norte. Esta ação teve ampla e positiva repercussão nos meios científicos e
acadêmicos, quer pela inovação, quer pelo conteúdo dos editais.
22
pel da Assistência Técnica e Extensão Rural diante destas
novas exigências da sociedade. Igualmente, é necessário
que as insti-tuições de ensino e pesquisa tratem de rever
seus paradigmas adotando novas bases epistemológicas,
novas metodologias, novos formatos pedagógicos e novos
conteúdos, em todas as suas atividades.
23
social heterogêneo e à construção de uma agricultura de base ecoló-
gica, mais compatível com a necessidade de produção de alimentos
sadios em quantidades suficientes para garantir a segurança alimen-
tar de toda a população, sem descuidar da necessária proteção dos
recursos naturais. O que vemos hoje, sob a orientação de um mes-mo
Governo nacional é a disputa de dois modelos de desenvolvi-mento
rural e de agricultura: um modelo já velho, não sustentável, mas ainda
hegemônico; e outro, em construção, que trata de buscar a
sustentabilidade. A solução desta contradição poderá definir os rumos
futuros do nosso desenvolvimento como sociedade. No en-tanto, no
momento, este é um limite objetivo que só não se tornou
intransponível, até agora, porque a agricultura familiar ocupa mais de
4,1 milhões de estabelecimentos rurais, onde a mudança pode ser
praticada, dando uma margem de tempo até que os modelos venham
a se encontrar na expressão completa de sua contradição.
Ressalvado este grande limite, cabe destacar, então, alguns dos prin-
cipais desafios para a implementação plena dos conceitos da Pnater,
tais como:
a) A necessidade de mudança institucional
As entidades públicas estatais de Ater foram criadas e se desenvol-
veram à luz de uma perspectiva desenvolvimentista, imediatista e
voltada para a “modernização do campo” 13. Por esta razão, em ge-ral,
as instituições estaduais foram adaptadas para isto, e suas dire-trizes
e objetivos orientaram para uma ação de tipo produtivista, baseada na
transferência de tecnologias, visando ao aumento da pro-dução e da
produtividade na agropecuária. Isto resultou na monta-gem de uma
estrutura hierárquica, tanto técnica como administrati-va, voltada para
a obtenção de resultados de curto prazo. A pers-pectiva da transição
Agroecológica como está proposta na Pnater, requer outros formatos
organizacionais e a adoção de outros indica-dores para a medição de
resultados. Neste sentido é necessário
24
horizontalizar e democratizar os processos de gestão e de decisão
destas instituições, incluindo a possibilidade de participação dos
“beneficiários”. Ao mesmo tempo, o trabalho dos agentes deve
pas-sar a ser medido por resultados de médio e longo prazo, e,
inclusive, a partir da observação das diferentes dimensões da
sustentabilidade: econômica, social, ambiental, cultural, política e
ética e não apenas dos ganhos de produção e produtividade 14 .
Esta não é uma tarefa direta do Dater, senão que cabe ao Departa-
mento um trabalho de assessoria que contribua para que estas mu-
danças ocorram. Do mesmo modo, as entidades não governamen-
tais, que nasceram no vácuo deixado pelas instituições de Ater dos
estados, na maioria dos casos também precisam passar pelos mes-
mos processos de mudança, ainda que com natureza e alcances dife-
renciados. Cabe recordar que não é por ser uma ONG que uma
entidade têm, automaticamente, representação dos agricultores(as)
ou participação deles na gestão das entidades. Ainda que tenham
surgido para ocupar o espaço e combater as políticas modernizadoras
da Revolução Verde e as políticas neo-liberais, muitas das ONGs e
outras entidades privadas que atuam em Ater, fazem uma disputa por
recursos e espaços que não contribui para formação de redes de Ater.
Além disso, na maioria dos casos, não há suficiente investimen-to das
entidades não governamentais na capacitação dos seus profis-sionais
e, por isso, nem todas adotam metodologias compatíveis com a
Pnater, ainda que muitas dominem e pratiquem completamente estas
metodologias.
Ademais, cabe destacar que independente da instituição em que atuem,
os profissionais de Ater são parte de uma parcela privilegiada da socie-
dade. Ainda que venham de origem humilde, seu status profissional lhes
coloca, queiram ou não, numa posição “pequeno burguesa” que acaba
por influir no seu profissionalismo, na sua forma de ver e se relacionar
com as coisas do mundo e do trabalho, o que se cons-titui em mais um
risco para o sucesso de uma prática que deve ser
25
comprometida com os agricultores(as) familiares e
pescadores(as) artesanais.
b) Sobre a necessidade de um “novo profissionalismo”
Entre os desafios de uma extensão rural para o desenvolvimento sus-
tentável está a necessidade de estabelecer-se um “novo
profissionalismo”. Em efeito, como sabemos, uma das deformações
geradas pelo modelo de desenvolvimento rural e agrícola ainda vi-
gente, foi a transformação imposta aos modelos de educação e for-
mação de profissionais das ciências agrárias e outras áreas do conhe-
cimento. E, lamentavelmente, a absoluta maioria das escolas de nível
médio e superior das ciências agrárias continuam com o mesmo per-fil
de formação profissional da época dos convênios MEC-USAID. Em
realidade, em vez de formar profissionais que entendam as con-dições
específicas e totalizadoras inerentes aos ecossistemas e
agroecossistemas, o ensino nas universidades e escolas agrotécnicas
brasileiras adotou um modelo que privilegia a divisão disciplinar, a
especialização e, por conseqüência, os profissionais egressos sabem
mesmo é fazer difusão de receitas técnicas e pacotes tecnológicos.
Assim, os profissionais que saem destas instituições de ensino, em
geral, não tiveram a oportunidade de chegar a uma compreensão da
agricultura como uma atividade que, ademais de sua “função de pro-
duzir bens”, é um processo que implica uma relação entre o homem e
o ecossistema onde vive e trabalha, sem considerar também, que,
para muitos agricultores e agricultoras familiares, a atividade que
desenvolvem é parte de seu modo de vida e não apenas um negócio.
Em geral, durante a formação profissional não se faz sequer um
momento de integração das disciplinas. Cada uma delas é repassada
aos alunos em sua própria “gaveta”, isolada das demais e, quase
sempre, alheia à realidade objetiva das pessoas e dos processos pro-
dutivos concretos. Esta primeira carência na formação limita os pro-
fissionais quanto à possibilidade de ter uma visão holística da reali-
dade na qual vai atuar, o que minimiza sua possibilidade de ter uma
compreensão da agricultura a partir dos princípios básicos dos pro-
cessos naturais.
26
A segunda grande deformação na formação dos profissionais das
ciências rurais e agrárias está relacionada com a distância abstrata
com que se trata ao homem-agricultor. Em geral, se estuda muito
sobre as máquinas e os insumos, o solo como substrato para susten-
tação da produção, são estudadas algumas culturas e a criação de
alguns animais domésticos, mas muito pouco se estuda sobre o ho-
mem e a mulher trabalhadores da agricultura e o papel decisivo que
eles têm na agricultura. O ensino costuma basear-se numa visão da
agricultura como um conjunto de técnicas agrícolas aplicadas e pou-
co mais, sequer conseguindo integrar a agronomia com a ecologia.
Além disso, não se pode esquecer que existem fortes implicações
ideológicas e políticas no ensino, presentes na dimensão
“meritocrática” e de competição (status) que conformam a concep-ção
educativa das sociedades atuais e que acabam introduzindo na
formação dos profissionais alguns valores éticos individualistas, que
são dominantes na sociedade, e que se reproduzem, posteriormen-te,
nas atitudes individuais e na prática dos agentes.
Por tudo isto, a formação determina um estilo de profissionalismo, que
pode ser entendido como um “profissionalismo normal”, ou seja, como
aquele que se refere ao pensamento, valores, métodos e com-
portamentos dominantes em uma profissão ou disciplina, de maneira
que, como a ciência normal, o profissionalismo normal é conserva-dor,
baseado numa estrutura de geração e transferência de conheci-
mentos, reforçada pela educação e pelo treinamento, pela hierarquia
das organizações e por pautas de recompensa e carreiras, que ten-
dem a reproduzir ações profissionais também conservadoras.
Logo, a implementação da Pnater exige um amplo processo
de for-mação de profissionais com outro perfil, cujas bases
podem ser bus-cadas nos conceitos, princípios e objetivos
estabelecidos na Política Nacional de Ater.
c) Sobre a formação dos futuros profissionais para a Ater
Dado o que vimos antes, pode-se afirmar que a nova extensão rural
exige um “novo profissionalismo”, que se caracterize, em primeiro
lugar, pela capacidade de colocar e ver as pessoas antes das coisas,
27
com especial atenção aos grupos menos favorecidos. Como já se
destacou, os métodos ajudam, mas não são suficientes para cons-truir
novas relações entre agentes de Ater e agricultores, de modo que os
profissionais da Extensão Rural Agroecológica deveriam as-sumir
novos conceitos, valores e comportamentos, ademais de no-vos
métodos. Deve-se considerar que este “novo profissionalismo”
é necessário, inclusive porque os métodos não são neutros, já
que correspondem a contextos sociais, ideológicos, políticos e
históri-cos, de modo que podem ser utilizados para levar a uma
genuína capacidade de construção e organização, assim como
podem ser utilizados apenas para satisfazer objetivos externos.
Um “novo profissionalismo”, ademais, requer reconhecimento de que
nem sempre o que pensamos e estabelecemos como necessida-des
dos indivíduos e grupos assistidos, corresponde às necessidades
sentidas por eles mesmos, de modo que o Agente deveria estar,
quotidianamente, em busca dos valores próprios dos beneficiários.
Por outro lado, estabelecer um “novo profissionalismo” exige que, ao
contrário da especialização profissional, se adote uma formação mais
multidisciplinar ou pelo menos se amplie a capacidade de interagir
com outras profissões e disciplinas. Como destacam diversos auto-
res, este “novo profissionalismo” é mais um grande desafio, de modo
que os Agentes não devem se intimidar frente à complexidade e
incerteza, próprios de ações que devem estar baseadas no diálogo e
na participação.
Portanto, ainda que não seja papel do MDA/SAF/Dater, há que se
criar mecanismos capazes de influir na mudança curricular, pelo
menos das ciências agrárias, de modo que possam ser estabelecidos
currí-culos capazes de formar profissionais que tenham as habilidades
para olhar a realidade com as lentes de um novo paradigma e atuar a
partir de uma compreensão multidisciplinar e humanista e adotando
métodos e pedagogias construtivistas. Em verdade, cabe às escolas
de nível médio e às universidades, a iniciativa do processo de mu-
dança curricular necessária para atender os imperativos do desen-
volvimento sustentável e das novas práticas exigidas pela Pnater. Se
28
não o fizerem, seguirão formando profissionais para o
passado e não para o futuro.
d) A legitimação e institucionalização da Pnater
Qualquer política pública corre o risco de ser alterada ou, inclusive,
abandonada, dados os interesses políticos em jogo. Sabe-se que na
tradição brasileira, governos alteram políticas em função de seus pro-
gramas partidários ou de prioridades de governo ou até mesmo em razão
de acordos ou alianças. Neste sentido, a Pnater apresenta uma
reconhecida fragilidade, na medida em que não foi instituída por lei.
Embora tanto a Constituição como a Lei Agrícola estabeleçam a res-
ponsabilidade do Governo Federal com a oferta destes serviços, a história
dos anos 1990 a 2003 mostra que nem sempre estas deter-minações
constitucionais e legais são transformadas em ação governa-mental. O
fato de em 2003 o orçamento federal destinar apenas R$ 3,8 milhões para
apoiar atividades de Ater no país é ilustrativo desta questão. Portanto, o
desafio que está colocado é, não só institucionalizar a Política de Ater,
senão buscar formas permanentes de alocação de recursos financeiros.
Estas são ainda tarefas por fazer.
Não obstante esta debilidade, a Pnater, por ter sido construída de
forma participativa, como foi mencionado antes, encontra amplo
acolhimento entre as entidades do setor, como também entre as en-
tidades de representação da agricultura familiar brasileira. Seus con-
teúdos e propósitos atendem às demandas e interesses dos segmen-
tos potencialmente beneficiários destes serviços. Ademais, a criação
do Comitê Nacional de Ater, do CONDRAF – Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável, composto por 31 entidades e
paritário (Estado, ONGs e entidades de representação da agricultura
familiar), onde as ações e programas do Dater são discutidas e
consensadas, vem dando uma maior solidez a esta Política. Assim
mesmo, o Dater, juntamente com o Comitê deverá promover, ainda
em 2005 um Seminário de avaliação da Pnater e do processo de sua
implementação, de modo que todos os atores sociais envolvidos
possam contribuir para a superação de eventuais dificuldades e para
o aperfeiçoamento da Política.
29
Reflexões finais
30
Nordeste, e a formação de outras, como por exemplo a Rede de
Técnicos em Agroecologia do Estado do Maranhão. Cabe salientar
que o menor avanço em termos de capacitação de técnicos para
atuarem com base nas orientações da Pnater ocorreu no âmbito das
prestadoras de serviços de Ates contratadas pelo INCRA para pres-tar
assessoria aos assentados da reforma agrária.
A articulação do Dater com algumas universidades e escolas de nível
médio vem demonstrando que há, no interior das instituições de
ensino, núcleos de alunos e professores que já atuam ou querem
adotar em suas ações de formação as orientações contidas na Pnater.
O tema da Agroecologia, por exemplo, tem sido objeto de seminári-os
e cursos realizados dentro de instituições de pesquisa e de ensi-no,
alguns deles motivados, diretamente pelas ações do Dater, como está
ocorrendo na UFBA, nas escolas da CEPLAC, entre outras, ou em
cursos específicos como vem ocorrendo na UFPR 15. No momen-to,
lamentavelmente, o Dater não conta com a estrutura de pessoal que
seria necessária para contribuir mais decisivamente no avanço deste
processo, de modo a acelerar as mudanças no ensino e na pesquisa.
Este é um limite que precisa ser enfrentado.
Ao longo destes dois anos, a SAF/Dater firmou convênios com as
entidades estatais dos 27 estados da federação, ao mesmo tempo em
que apoiou financeiramente dezenas de entidades não governamen-tais
que atuam em Ater e em capacitação de agricultores(as) familiares, como
vimos antes. Todos os Termos de Referência, chamadas de Pro-jetos e
Editais lançados nestes dois anos estabeleceram as bases para a
elaboração de projetos que seguissem os princípios, diretrizes, objeti-vos
e orientações metodológicas da Pnater. Isto assegurou certo avan-ço no
caminho do que recomenda a nova Política, e embora se identi-fiquem
muitas imitações, o Dater parte do princípio de que é necessá-rio que
exista um período de transição, para que Agentes de Ater e suas
instituições internalizem e se apropriem dos novos conceitos, se
15 Observe-se que a Universidade Federal do Paraná acaba de abrir concurso para contratar
professores de Agroecologia, Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente, o que é uma
iniciativa pioneira que deve abrir uma nova história do ensino universitário brasileiro.
31
capacitem para uma atuação diferenciada, de modo que
possam por em prática um novo modo de fazer extensão rural.
Antes de finalizar este artigo, é importante deixar registrado o apoio de
algumas entidades estatais, como a EMATER-RS, Centros da
EMBRAPA de Belém, de Bagé, de Pelotas, convênio EMBRAPA-
Epagri, NEAF-UFPA, UFRPE e tantas outras que, ao longo destes
dois anos, têm liberado profissionais de seus quadros para
participarem como facilitadores em cursos de capacitação promovidos
pelo Dater. Além destas, destacamos o apoio de muitas ONGs que
contribuíram tanto na facilitação de etapas como na apresentação de
suas experiências nestes mesmos eventos de capacitação. A todos os
profissionais que colaboraram, inclusive, sem cobrar honorários,
simplesmente com o objetivo de ajudar na implementação da Pnater,
assim como aos agricultores(as), pescadores(as), e suas entidades
representativas, é fundamental que se registre os agradecimentos do
Dater. Da mesma forma, deve ser registrada a participação e
contribuição dos membros do Comitê Nacional de Ater e do Fórum de
Apoio à Gestão do Pro-grama de Agroecologia, sem cuja colaboração
não teria sido possível levar adiante os propósitos de implementação
de uma nova Política de Ater no nosso País. Uma Política que se
destina a fortalecer a agricul-tura familiar e ajudar o Brasil a construir
um modelo de desenvolvi-mento rural sustentável, com participação
da cidadania, com inclusão social, com proteção ao meio ambiente e
produção de alimentos sadi-os e acessíveis para todos.
Bibliografia
32
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável: perspectivas para uma nova
Extensão Rural. Porto Alegre: EMATER/RS, 2001 (Este artigo
também está publicado na Re-vista Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto Alegre, EMATER/RS, v.
1, n° 1, jan./mar. 2000. Disponível em: www.pronaf.gov.br/Dater
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MARÃES, L. L. Comunicação de Novas Idéias: pesquisas aplicáveis ao
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33
ROGERS, E. M. “Elementos da Difusão de Inovações”. In: WHITING, G.;
GUIMARÃES, L. L. Comunicação de Novas Idéias: pesquisas aplicá-
veis ao Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Financeiras, 1969b.
ROGERS, E. M. “La subcultura de los campesinos”. In:
ROGERS, E. M.; SVENNING, L. La modernización entre los
campesinos. México: Fondo de Cultura Económica, 1973.
ROGERS, E. M. Diffusion of innovations. 4. ed. New York: Free Press, 1995.
34
Desenvolvimento local e territorialidade
Guilherme Soares1
Introdução
Historicamente a abordagem do desenvolvimento instiga debates acerca
de sua abrangência e significados econômicos e sociais. No atual
contexto das relações globais, desenvolvimento tem recebido os
qualificativos local, integrado e sustentável que agregam ao dis-curso a
tendência de enfoque dada a esse processo. A globalização como
fenômeno multidimensional – econômico, social, cultural – e de natureza
contraditória, suscita movimentos de reação as tentati-vas de
homogeneização diante da diversidade da criação humana. Os processos
globais são contraditórios à medida que inclui e exclui pessoas, cidades e
países, cria e recria atividades econômicas, res-saltando ainda que tais
processos não ocorrem igualmente nos vári-os locais. Tal fato impõe
condições diferenciadas às localidades, al-gumas dessas restritivas ao
alcance do desenvolvimento. Portanto, a globalização, longe de ser um
fenômeno mundial de homogeneização contribui para acentuar ainda
mais as diferenças entre nações e regi-ões, ressaltando assim, aspectos
que lhes são singulares. Nesse sen-tido, o fenômeno da globalização
suscita dinâmicas locais, agora tomadas como foco dos processos para
promoção do desenvolvimen-to. Assim, a abordagem do desenvolvimento
na atualidade enseja movimentos locais com perspectivas de inserção
nas relações globais. Nesse contexto, o território também assume um
significado amplo além daquele de realização das atividades produtivas
e/ou apenas deli-mitação geográfica, como sendo uma trama de relações
sociais com-
35
plexas formadoras de identidades culturais, econômicas e sociais,
res-ponsáveis por diferenciações importantes no âmbito global.
Diante da complexidade das relações global e local a nova aborda-
gem conferida ao desenvolvimento tem como condição precípua para
sua consecução, a participação ativa dos atores locais, de modo
particular, a sociedade civil em suas várias formas de representa-ção.
O esgotamento do modelo desenvolvimentista de planificação
centralizada no qual o estado era promotor e provedor de recur-sos,
dá lugar ao modelo horizontal de promoção do desenvolvi-mento no
qual a sociedade civil é chamada a responder às ques-tões que lhe
afligem através de sua influência na formulação de políticas públicas.
No Brasil, o processo de redemocratização tem avançado nessa
direção e vemos nos mais diversos recantos do país iniciativas para
promover o desenvolvimento local. Então, atu-almente, o
desenvolvimento tem um forte apelo à participação so-cial, seja nos
vários tipos de conselhos municipais, seja nos fóruns e espaços
públicos de discussão e deliberação política, no qual a sociedade,
juntamente com o poder local, assume o papel de pro-tagonistas
desse processo.
Desenvolvimento
É recorrente a discussão conceitual do termo desenvolvimento e, não
rara, polêmica devido as interpretações das várias correntes de
pensadores acerca de sua abrangência e significado. Fischer (2002.
p.17) atribui ao termo uma polissemia conceitual, ou seja, abriga
várias acepções, significados, dizendo que ‘desenvolvimento’ com-
preende mesmo uma rede de conceitos. A confrontação inevitável que
acontece comumente se dá entre os termos desenvolvimento e
crescimento por vezes aplicados de forma confusa e equivocada a
alguns fenômenos socioeconômicos.
36
Portanto, a abordagem conceitual de desenvolvimento e crescimen-to
é ainda pertinente, pois trata daqueles assuntos que não apresen-tam
uniformidade de tratamento e, por conseguinte, consensos. Para
Furtado, (apud PREVOST 1997) a noção de desenvolvimento:
37
menos de natureza sócio-econômicas que vivenciamos e presencia-
mos atualmente, ainda não totalmente entendidos em sua real di-
mensão, tem causado perplexidade no meio acadêmico, talvez por-
que não esteja ainda consolidada a perspectiva de desenvolvimento
integral e multidimensional (cultural, econômico, político).
Nessa perspectiva, a multidimensionalidade do desenvolvimento apre-
senta o imperativo ambiental como uma nova vertente desse processo, de
modo que os objetivos gerais são claros: precisamos de um desenvol-
vimento justo, economicamente viável e ambientalmente sustentável.
38
exemplos desse tempo podem ser: a rodovia Transamazônica; SUDAM,
Projeto RONDON, Projeto JARI, Zona Franca de Manaus entre outros.
• Desenvolvimento integrado - Meados da década de
70, século XX: processo multirrelacional que inclui
todos os as-pectos da vida de uma coletividade.
• Desenvolvimento Endógeno – contrapõe a replicação
de modelos. Considerar as especificidades locais - país,
regiões, cidades etc, (SACHS,2001). O território deixa de
ser marco de atividades econômicas ou sociais e passa a
referência im-portante no desenvolvimento econômico.
“O território como entorno inovador depende de “estratégias de
desenvolvimento articuladas”, especificidade cultural e relações
sociais de cada lugar, (SACHS,2001) Apud (FISCHER, 2002);
• Década de 1980 (década perdida) – modelo desen-
volvimentista entra em xeque pelo ajuste econômico;
• Década de 1990 – Reforço do qualificativo INTEGRADO –
incorporando as dimensões sociais e ambientais à enaltecida
dimensão econômica. No dizer de (SACHS,1990), apud
(FISCHER, 2002): “prudência ecológica, eficiência econômi-ca
e justiça social” – tripé da Agenda 21.
• Desenvolvimento integrado é localizado espacialmente no territó-rio –
39
e sociedade civil organizada, preocupado com a melhoria da qualidade
Características:
– Concertação (PREVOST,1995) e articulação estratégica
(FISCHER,2002) são os pontos focais do conceito;
– Compreende processos compartilhados e resultados atingidos;
40
trito, em uma vila, na área rural de uma cidade, numa microrregião,
numa região ou ainda na própria cidade. Assim, o termo local não
deve ser confundido com o município, ou seja, desenvolvimento lo-cal
não é sinônimo de desenvolvimento municipal.
Um aspecto interessante dessa dinâmica de desenvolvimento é o seu
caráter participativo e democrático, construído nas várias modalida-
des de discussão pública – conselhos, fóruns entre outros. Embora o
discurso dos vários atores atuantes no processo denote uma certa
convergência na direção dos qualificativos do desenvolvimento, suas
visões de mundo todavia, apontam para trajetórias diferentes no que
tange à operacionalização dos objetivos do processo de desenvolvi-
mento. Assim, o desenvolvimento local pode ser orientado por dois
sentidos e significados:
• Da Competição – discurso totalizante (local,
integrado e sustentável), mas a ênfase é econômica.
• Da Cooperação e solidariedade – inspiram-se
nos valores da qualidade de vida e cidadania –
inclusão de setores margi-nalizados na produção
e usufruto dos resultados – economia solidária.
Diferenças entre os valores de fundo que norteiam as
duas vertentes do desenvolvimento local.
41
A diferença básica também está no peso e no papel
dos atores envol-vidos nas formas de gestão.
FATORES IMPACTANTES DAS ESTRATÉGIAS DE
DESENVOLVI-MENTO LOCAL INTEGRADO E SUSTENTÁVEL.
Fischer, (2002), tratando dos processos de gestão do
desenvolvi-mento destaca os aspectos que colocam em risco o
discurso do de-senvolvimento local e conseqüentemente
podem contribuir para seu esvaziamento:
• Desgaste conceitual;
• Desgaste dos métodos participativos e consensos vazios;
• Frustração de esbarrar em limites concretos de poder,
nas falácias de despolitização das iniciativas e na
exarcebação das potencialidades e virtualidades locais;
• Descontinuidade política;
• Dificuldades de articulação dos agentes do desenvolvimento;
• Construção externa das estratégias de desenvolvimento local;
• Fragilidades metodológicas – modismos e mimetismo metodológico;
• Superposição de programas e projetos de diferentes instituições;
• Estruturas de interesses para promoção do DL que
criam depen-dência nas comunidades apoiadas;
• Avaliação insuficiente.
Ressalte-se ainda o risco de isolamento e desarticulação com as
opor-tunidades do mundo global em função de uma
sobrevalorização dos valores locais, e que por razões ideológicas
podem estar presente nas estratégias de desenvolvimento local:
“Reificação da comunidade e da cultura local” – variável a ser manipulada
por “boas estratégias”, em detrimento de uma visão mais ampla e cosmo-
polita do desenvolvimento (BOAVENTURA, apud FISCHER, 2002).
Nesses termos o autor defende estratégias de desenvolvimento
local que se articulem com as relações globais e propõe:
“localismo cosmopolita” e plural – estratégias
multiescalares que articulem ações locais com estratégias
alternativas em escala regio-nal, nacional e global.
PENSAR GLOBALMENTE E AGIR LOCALMENTE
42
Globalização
A globalização é um processo multidimensional envolvendo
diversas variáveis simultaneamente, e que resulta em mudanças
significativas nas relações entre estado, sociedade civil e a esfera
produtiva repre-sentada pelo mercado. As definições são também
várias, a seguir apresentaremos duas definições.
Uma primeira delas define como sendo um fenômeno “...resultante
de um conjunto de forças dinâmicas – econômicas, políticas,
ideoló-gicas, culturais e religiosas – que estão modelando e
remodelando a divisão internacional do trabalho, favorecendo ou
dificultando a acu-mulação de capital, e acelerando ou refreando a
homogeneidade de consumo e comportamento humanos (Moreira,
1994: p.85) apud (CAMPANHOLA, SILVA,2000).
Outra definição interpreta o fenômeno como sendo promotor de uma
“...reorganização do espaço das relações sociais, bem como à redefinição das
relações entre as esferas política e econômica, que resultam em mudanças na
governança dos espaços democráticos e no papel do Esta-do (Bonanno et al.,
1999) apud (CAMPANHOLA, SILVA,2000).
43
longe de ser um fenômeno mundial de homogeneização
na distribui-ção de capital, contribui para acentuar ainda
mais as diferenças entre nações e regiões.
Nas cadeias agroalimentares os varejistas assumem um papel de co-
ordenação dos fluxos de informações por estarem mais próximos do
consumidor, e por conseguinte, afinal de contas serão os responsá-
veis pelas mudanças ao longo da cadeia de produção. Desse modo, a
suposta ação dos consumidores, através das redes varejistas, tem
contribuído para redefinir os mercados, fazendo surgir novos pa-drões
culturais de qualidade de nutrição e de meio ambiente (Marsden 1995;
Marsden, 1998) Apud (VILELA, 2000). Esse autor explica que as
redes de alimentos têm conexões horizontais e verticais com os
espaços nos quais elas estão situadas. A soma social das duas
conexões começa a remodelar o espaço rural a partir de dentro e da
interação com outros espaços. Assim, são criados espaços depen-
dentes e espaços dominantes.
Por essa razão, a globalização de mercados tende a ampliar a
dife-renciação territorial do que a sua homogeneização (Saraceno,
1998), apud (VILELA,2000). Os chamados “nichos” de mercado,
que se referem a demandas por produtos com características
específicas e de alto valor – por exemplo alimentos livres de
resíduos químicos ou que não tenham causado degradação
ambiental no processo de pro-dução - geralmente estão vinculadas
às classes sociais mais afluen-tes, já que a população de renda
mais baixa ainda demanda alimen-tos baratos, pouco
diferenciados, obtidos por processos de produ-ção em massa.
Território
Inicialmente ressaltemos que a abordagem conceitual do território é ampla,
conforme as diversas linhas de pensamento. Assim, não pretendemos nesse
44
Uma primeira compreensão sobre o território é aquela que diz que
território é a parte do espaço ocupada e apropriada pelo homem,
através de suas atividades produtivas, culturais e sociais. Percebe-se
a existência de um primeiro elemento de confrontação entre territó-rio
e espaço. O Dictionary of human Geography (1994), define ter-ritório:
“termo geral utilizado para descrever uma porção do espaço ocupado
pela pessoa, grupo ou estado” (RIBAS,2004). O território aparece
também como aquela porção que está apropriada pelas ações
humanas. O conceito de território aparece associado também ao
estado, e neste particular a concepção de território apresenta duas
conotações, conforme apresenta RIBAS et al., (2004 p.17): “ a pri-
meira refere-se a soberania territorial algo que tem a ver com as
reivindicações pela posse e controle legítimos e exclusivos sobre uma
dada área. A segunda conotação é aquela que se refere a uma deter-
minada área que ainda não está incorporada inteiramente na vida
política de um estado. Podemos citar como exemplo, os casos dos
outrora territórios de Rondônia, Roraima, Amapá ainda na década de
70 e meados de 80.
Sob o ponto de vista social a geografia define território como sendo
“espaço social definido, ocupado e utilizado por diferentes grupos
sociais como conseqüência de suas práticas de territorialidade” .
Para Raffestin (1993), apud (RIBAS,2004) espaço e território não são
termos equivalentes. E explica sua afirmação: “o espaço é anterior ao
território, pois o território se forma a partir do espaço, é o resultado de
uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um
programa) em qualquer nível”. Ao se apropriar de um espaço, concre-
ta ou abstratamente (...), o ator territorializa o espaço (p.143).
Os conceitos de território incorporam também outras categorias analíticas
além de estado e sociedade, tais como poder e mercado. Tais categorias
preservam suas autonomias analíticas individuais, mas apresentam entre
si interfaces dinâmicas na construção do território. Essa perspectiva se
coaduna com o que defende FISCHER (2002), que a gestão do
desenvolvimento é afinal de contas uma gestão de poderes. Portanto, não
se pode deslocar do entendimento de terri-
45
tório essas instâncias analíticas, pois constituem elementos
cruciais no entendimento das dinâmicas territoriais
contemporâneas, sobre-maneira em tempos de globalização.
Para finalizar, recorremos a duas reflexões sobre poder e
mercado relacionado ao território, a partir de dois importantes
autores, Raffestin(1993) e Badie(1995) Apud (RIBAS,2004).
Raffestin diz que a ação das pessoas ou grupos, no exercício do poder
“pode ser uma interação política, econômica, social e cultural que resul-ta
de jogos de oferta e de procura, que provém dos indivíduos e/ou dos
grupos. Isso conduz a sistemas de malhas, de nós e redes que se impri-
mem no espaço e que constituem, de algum modo, o território”.
No que concerne a relação do mercado com o território Badie (1995)
estudando a formação territorial da Europa, afirma que o mercado
sozi-nho não suscita a criação de uma nova territorialidade, mas é
sim, a forma de como ele (mercado) se articula e se integra a
diversidade social. Como se pode perceber as abordagens articulam
dimensões e cate-gorias importantes no processo de construção do
conceito de terri-tório, superando a idéia de território vinculado apenas
ao local de realização das atividades econômicas. O território hoje se
caracteri-za, então, como uma trama de relações complexas
envolvendo esta-do, sociedade e mercado, sendo por isso
incorporado hoje aos dita-mes do desenvolvimento local.
46
setores econômicos. Nesse contexto, tomam relevância as atividades
não-agrícolas que passam a compor parcela significativa da renda do
meio rural. Nessa perspectiva, o meio rural torna-se multifuncional e
articulado ao meio urbano e por isso tem sido denominado de novo
rural. Todavia, como todo fenômeno, as interpretações podem in-
correr em exageros e criação de novos mitos. A seguir apresenta
alguns dos velhos mitos do meio rural e também alguns novos mitos
criados com a emergência das atividades não-agrÍcolas.
47
• Um conjunto de atividades não-agricolas,
ligadas à mora-dia, ao lazer e a várias atividades
industriais e de prestação de serviços;
• Um conjunto de “novas” atividades agropecuárias,
impulsi-onadas por nichos especiais de mercados.
Portanto, muitas destas atividades foram recriadas a partir de de-
mandas diferenciadas surgindo os chamados nichos de mercado, al-
gumas a partir da valorização do meio rural como espaço de mora-dia
e lazer (turismo rural) e outras como decorrência de atividades de
proteção da natureza. Nesse processo o meio rural deve se apro-
ximar de uma dinâmica territorial que enseje modelos e/ou arranjos
produtivos que valorize a identidade local, os recursos naturais, o
capital humano e social existentes. Dessa forma o desenvolvimento
rural não significa necessariamente a urbanização do rural – que não
deve ser confundido com revalorização do espaço rural - e muito
menos a implantação somente de uma agricultura moderna. Depen-de
sim, de como se insere nos processos de integração local e global e
de sua articulação com o meio urbano. Não existe um modelo pronto
para alcançar o desenvolvimento rural, mas sabe-se que a diversidade
desse meio constitui um de seus pilares, que pode ser representada,
por exemplo, pela cultura local e pela biodiversidade. Neste particular
o Amazonas tem os elementos diferenciadores de seu território,
próprios para construção de um modelo de desenvol-vimento rural
sustentável, como apontam algumas das experiências nessa direção:
turismo ecológico, manejo florestal sustentável, re-servas extrativistas,
beneficiamento de frutas exóticas, aqüicultura, farmacologia
fitoterápica entre outros.
Sintetizando, a perspectiva do desenvolvimento rural a partir da noção
48
• Desenvolvimento rural pressupõe planejamento de
ações para aproveitamento dos atributos particulares
voltados para mercados que valorizem a paisagem, a
biodiversidade, a qua-lidade e a cultura local.
49
alimentação, agricultura e medicina ALBAGLI (2003). A biodiversidade
hoje é vista como fator estratégico não apenas sob o aspecto
econômico, na perspectiva de desenvolvimento de medica-mentos
futuros, mas como suporte a vida haja vista que a “diversida-de da
vida é fundamental ao equilíbrio ambiental” ALBAGLI (2003). Nesses
termos, os processos de desenvolvimento local não devem prescindir
da contribuição do conhecimento das populações tradici-onais em
relação ao uso dessa biodiversidade. A combinação do valor social
dessas populações locais junto com a disponibilidade dos recursos da
biodiversidade assume um diferencial estratégico para as regiões que
lhes abrigam. A sócio-biodiversidade, ou seja, o conhecimento das
populações tradicionais acerca dos múltiplos usos dos recursos da
flora e fauna existente constitui fator estratégico de um dado território,
com papel fundamental na promoção do desen-volvimento rural
sustentável.
Considerações finais
O desenvolvimento enseja uma trajetória de mudanças estruturais e
não apenas conjunturais, ou seja, é necessário transformar a longo
prazo a educação, o modelo econômico dependente e subordinado ao
capital internacional, melhorar a qualidade de vida das pessoas
através do saneamento básico, da saúde, moradia, segurança entre
outros. Desenvolver é alcançar uma condição de equilíbrio social,
político, econômico e ambiental enraizado na sociedade de tal ma-
neira que seja capaz de assegurar sua continuidade independente de
variações contingênciais negativas. O desenvolvimento local se inse-
re nessa perspectiva trazendo consigo a premissa da participação
efetiva da sociedade civil, diretamente ou através de suas represen-
tações que juntamente com o poder público e as instancias econô-
micas-produtivas podem debater seus problemas e soluções. Essa é a
principal característica que diferencia a abordagem do desenvolvi-
mento local própria desse momento de institucionalidade democrá-tica
e descentralização política, do modelo desenvolvimentista verti-
50
cal que predominou durante décadas no Brasil. Nesse contexto, o
fator território aparece associado ao desenvolvimento não apenas
como um lócus físico das atividades produtivas, mas por envolver
aspectos inerentes a dinâmica das relações sociais, considerados
importantes na construção de identidades e territorialidades
diferenciadoras no âmbito econômico. A região do Amazonas se ca-
racteriza por apresentar territorialidades estratégicas e
diferenciadoras de forma particular, relacionadas às populações
tradicionais, à biodiversidade e à cultura. A valorização do ambiente
natural impõe reflexões acerca do uso e proteção da natureza, o rural
passa de uma condição apenas de supridor de alimentos e matérias-
primas primá-rias, para ser então, local valorizado pelo meio urbano
pela complementaridade econômica, social e ambiental. Desse modo,
esses aspectos em conjunto e convergindo ações equilibradas
tendem a alcançar um modelo de desenvolvimento rural sustentável.
Bibliografia
ALBAGLI, Sarita. Interesse global no saber local: geopolítica da
biodiversidade. Palestra magna no Seminário “Saber local
interesse glo-bal: propriedade intelectual, biodiversidade e
conhecimento tradicio-nal na Amazônia”. Museu Paraense
Emílio Goeldi, Cesupa, Belém, Setembro, 2003.
CAMPANHOLA, Clayton; SILVA, José Graziano da. Desenvolvimento lo-
cal e a democratização dos espaços rurais. IN: Cadernos de Ciência e
Tecnologia, Vol.17, nº 1 jan./abr.EMBRAPA, Brasília, 2000.
DOWBOR,Ladislaw. Globalização e tendências institucionais. IN: Desafi-
os da globalização.Ladislaw Dowbor, Octávio Ianni e Paulo Edgard A.
Resende (Orgs.). Ed. Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 1997.
FISCHER, Tânia. Poderes locais, Desenvolvimento e Gestão –
introdução a uma agenda. IN: A gestão do desenvolvimento
e poderes locais: marcos teóricos e avaliação. Tânia Fischer
(coord.). Ed. Casa da quali-dade, Salvador, BA, 2002.
JARA, C. J. A sustentabilidade do desenvolvimento local. Recife: IICA, 1998.
51
PRÉVOST, Paul - El Desarrolo Local y las cooperativas.
Cuadernos de Desarolo Rural, nº 37, segundo semestre - 1997.
PRÉVOST, Paul. O desenvolvimento Econômico Local. Programa de
Associativismo para Pesquisa Ensino e Extensão - PAPE. Out. – 1995.
52
Estratégias de comunicação em contextos
populares: Implicações contemporâneas no
desenvolvimento local sustentável
Introdução
É recorrente, no campo da Comunicação, evocar a participação po-
pular como estratégia de inserção democrática nos processos de in-
tervenção para o desenvolvimento, particularmente no meio rural.
Desde os anos de 1980, com a redemocratização do país e a conso-
lidação da crítica à teoria rogeriana de Difusão de Inovações, se
tornou consenso, entre os pesquisadores pós-paulofreirianos, de que
a comunicação participativa ou horizontal é ponto de partida para
construção de qualquer política socioeconômica e ambiental nas or-
ganizações governamentais e não governamentais que lidam com os
contextos populares. Internalizada essa concepção, parece necessá-
rio, entretanto, redimensionar os limites das estratégias de comuni-
cação participativas frente aos cenários socioambientais contempo-
râneos. Nesse sentido, partimos do terreno da Comunicação Rural
para discutir alguns aspectos teóricos das estratégias de comunica-
ção para a participação de comunidades em processos de Desenvol-
vimento Local. Partimos, mais exatamente, de dois lugares: um que
diz respeito à utilização da Comunicação como estratégia de Difu-são
de Inovações na Agricultura dos anos de 1970/80, sobre a qual
53
faremos um breve histórico; o outro relacionado aos desafios
vivenciados na atualidade pela Comunicação Rural em contextos
populares. A preocupação com essa abordagem é a de chamar a
atenção para os resultados sociais e ambientais negativos
provoca-dos no passado pela “modernização da agricultura” como
vetor de desenvolvimento, para que, no presente, as estratégias
de comuni-cação na instância do desenvolvimento local não
representem mais uma “romaria a um novo santo”.
54
Entretanto, essas “resistências” parecem não ter obtido
repercussão suficiente, pelo menos no Rio Grande do Sul, quando
levamos em consideração o desmatamento da cobertura florestal
nativa do Esta-do, no período em questão. Segundo Ferreira e
Gausmann, citado por Francisco Caporal, a cobertura florestal
original passou dos 40% para 5,6%. Dizem eles que dos
10.764.000 hectares restavam ape-nas, em 1983, 1.585.731
hectares da cobertura florestal. Hoje, entretanto, segundo ainda
esses autores, o Estado já possui 17,52% de florestas nativas 3.
Não podemos exigir, entretanto, que, àquela época, os pesquisadores
tivessem uma leitura crítica do que significaria a modernização da agri-
cultura em termos de impactos socioculturais e ambientais, pois, afinal de
contas, a crítica à Difusão de Inovações ainda tateava, por assim dizer, o
seu poder de corrosão. Essa crítica acontecera muito lenta-mente e só
fora consolidada em meados dos anos de 1980. No que diz respeito à
questão participativa e à questão cultural das popula-ções rurais no
cenário da modernização da agricultura, é interessante observar que, em
nível do discurso, as instituições governamentais, a exemplo das
EMATER, incorporavam a participação como estratégia para se
comunicar e planejar atividades com as populações rurais 4. Mas as
práticas extensionistas não correspondiam aos preceitos dialógicos
propostos por Paulo Freire, já em vigor, à época. Tratava-se, na verdade,
de uma espécie de boutade para fazer valer as políticas públicas verticais
de desenvolvimento da agricultura pela via da mo-dernização, agora
sobre o manto da “participação”.
A cultura dita popular, através das suas expressões mais tradicionais,
foi também utilizada como estratégia de comunicação persuasiva para
viabilizar o caráter modernizador da agricultura. A Folkcomunicação
55
praticamente inaugurou esse encontro com o difusionismo tecnológico, ao
oferecer munição teórica pelo seu mais ilustre representante e cri-ador da
matéria: Luiz Beltrão. Diz ele, segundo José Marques de Melo, em 1971,
se referindo a manifestações da Folkcomunicação, no livro Comunicação
e Folclore 5, que “o alto grau de credibilidade e sua natureza lúdica
permitiam uma aceitação popular espontânea” das ino-vações6. Estão aí
incluídos como instrumentos facilitadores da adoção tecnológica os
folhetos de cordel, almanaques, teatro de fantoches, entre tantos outros
meios de comunicação popular presentes no meio rural. E agenda
seguidores. Roberto Benjamin, citado também por José Marques de Melo,
comenta, no início dos anos de 1970, que o folheto popular e o
almanaque
56
çava sobre a cultura do povo, para propor aos agentes do
capital também a expropriação dos meios de produção cultural.
E o mais grave, expropriação dos meios de produção cultural,
para reelaborar com eles novas formas de intervenção.” 8
O que é importante reter dessa digressão é que tanto a noção
de participação, quanto a questão da «valorização» das
culturas popu-lares do período da Difusão de Inovações, se
mantém implícita e explicitamente na pauta das discussões das
políticas e estratégias de comunicação para o desenvolvimento
dos cenários socioeconômicos e ambientais contemporâneos.
Estratégias de comunicação contemporâneas
Para abordar esse tema lançamos mão do interessante estudo publi-
cado recentemente por Desirée Rabelo, Comunicação e Mobilização
na Agenda 21 Local9. Com o objetivo de «identificar algumas estra-
tégias de comunicação consonantes com a mobilização pró-
sustentabilidade»10, Rabelo se debruça sobre a implantação, em
1996, da Agenda 21 local em Vitória do Espírito Santo, refazendo e
bus-cando compreender o funcionamento de todo o processo de
mobilização social e suas estratégias de comunicação. O estudo re-
vela-se como uma cartografia do planejamento comunicacional ali
desenvolvido, no qual ela acrescenta, ainda, duas outras experiênci-
as – Operação Rodízio (de automóveis), em São Paulo, e Pastoral da
Criança, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 11 Sem
a pretensão de desenvolver estudos comparativos, a autora apre-
senta, através dessas experiências, a complexidade que envolve os
diversos processos de participação dos atores sociais envolvidos nas
mobilizações e a importância das estratégias de comunicação para
flexibilizar e desobstruir canais de comunicação.
57
Para desenvolver essa pesquisa, Rabelo se estrutura teoricamente a
partir dos estudos de Bernardo Toro, que vê os processos de partici-
pação e mobilização como um “ato de comunicação” 12. Para este
autor, segundo Rabelo, são três os atores principais necessários para
iniciar um processo de mobilização: a) o produtor social. Trata-se de
“pessoa ou instituição com legitimidade e capacidade de criar condi-
ções econômicas, institucionais, técnicas e profissionais para que um
processo de mobilização ocorra.”13; b) o reeditor social. Neste caso
é uma “pessoa que, por seu papel social, ocupação ou trabalho tem
capacidade de readequar mensagens, segundo circunstâncias e pro-
pósitos, com credibilidade e legitimidade.” 14 O reeditor para Toro,
segundo Rabelo, pode ser desde um professor até os média e seus
profissionais, passando por um cabelereiro, um padre, ou seja, qual-
quer pessoa “que tem o poder de negar, transmitir, introduzir e criar
sentidos. É alguém capaz de modificar as formas de pensar, sentir e
atuar de seu público.” 15; e c) o editor. Este, para Toro, segundo ainda
Rabelo, pode ser uma instituição ou também uma pessoa que tem
como tarefa “estruturar informações em códigos pertinentes à
mobilização...”16 Cabe ao editor, talvez, a tarefa mais complexa, do
ponto de vista da comuncição para mobilização, na medida em que,
segundo o autor citado17, enfrenta os seguintes desafios: 1) “cons-truir
e divulgar imagiários”. Ou seja, criar estratégias que possibili-tem
reunir, mobilizar, diferentes atores em prol de um objetivo co-mum, ou,
como ele próprio sintetiza, através de Rabelo, “somar singularidades”.
Rabelo traz, entre outros exemplos, as campanhas Que nenhuma
família passe fome neste Natal e Para que todas as crianças tenham
vida.; 2) “identificar e instrumentalizar reeditores”; e 3) “gerar
processos de coletivização”, isto é, tornar público os
58
trabalhos que estão sendo desenvolvidos e os apoios
institucionais ou individuais recebidos. Daí a importância, segundo
a autora, dos meios de comunicação de massa, pois, em última
instância, a divul-gação dos resultados podem criar um sentimento
de auto-estima entre os atores sociais envolvidos na mobilização,
animando, por seu turno, os processos de participação 18 .
Com essa perspectiva teórica, o estudo de Rabelo oferece pistas
metodológicas para os produtores sociais, reeditores sociais e edito-
res, ou seja, a todos aqueles que se interessam pela participação/
mobilização comunitária e social em prol do desenvolvimento sus-
tentável. Além disso, realça a importância do planejamento da co-
municação, diga-se de passagem ainda tão pouco contemplado pe-
las agências de desenvolvimento dos contextos populares. Entretan-
to, o seu trabalho não aborda algumas questões que consideramos
hoje como fundamentais nos estudos de Comunicação Rural e Ex-
tensão Rural. A temática da participação popular/mobilização não
deve ser pensada, a nosso ver, apenas como um problema no âmbito
das estratégias de comunicação. Isso implicaria, tão somente, em
desafios de registrar, dissecar, revelar, aquelas estratégias mais pro-
missoras, em termos de comunicação popular, para apoiar diferentes
tipos de campanhas e público. Investir nessa direção é tratar os con-
textos populares como um produto, cujo preceito teórico seria o de
Michael Porter, em que “Agir com estratégia é deixar alguns clientes
insatisfeitos para que outros possam ficar verdadeiramente conten-
tes.”19 Como vimos, isto foi feito no passado com repercussões ne-
gativas sobre as populações rurais e o meio ambiente. É bem verda-
de que as preocupações atuais com as estratégias de comunicação
se distinguem daquelas realizadas pela Difusão de Inovações e
Folkcomunicação, na medida em que pretendem abrir/desobstruir
canais à inserção cidadã dos contextos populares nos processos de
18 Idem, p. 65-67.
19 PORTER, Michael. A nova era da estratégia. In: Estratégia e
planejamento. São Paulo : Publifolha, 2002, p. 31.
59
desenvolvimento. Portanto, essa discussão tem o seu lugar de
importânica. Mas o que parece relevante e instigante é pensar as
culturas populares na contemporaneidade a partir dos estudos de
Comunicação Rural para analisar até que ponto vale a pena se deter
nas estratégias e participação comunitária de forma específica à re-
cuperação/preservação ambiental. Se não vejamos.
20 São vários os textos que abordam o assunto. Vide especialmente FRANCO, Augusto de.
Desenvolvimento local, integrado e sustentável: dez consensos. Proposta, ano 27, n.78,
p. 6-19, 1998; Idem, Por que precisamos de desenvolvimento local integrado e
sustentável. Brasília : Instituto de Política, 2000; e JARA, Carlos. As dimensões
intangíveis do desenvolvimento sustentável. Brasília : IICA, 2001.
60
ção do espaço pelos atuais processos de reestruturação da econo-
mia mundial e sua repercussão contraditória sobre as culturas locais,
ou seja, exclui/inclui, desorganiza/organiza, pulveriza/localiza. Cou-be
à Comunicação Rural nesse novo cenário envolver-se com os
contextos populares como facilitadora/gestora dos processos
comunicacionais na concertação para o desenvolvimento local.22 As
noções de participação e de cultura popular se mantêm ainda coladas
nessa nova abordagem, mas dentro de uma leitura distinta daquela do
passado e, talvez, da que se vê embutida no estudo de Desirée
Rabelo, que abordamos.
À medida em que a Comunicação Rural lançou mão dos estudos
culturais latino-americanos da Comunicação para compreender os
processos de recepção de mensagens pelas culturas populares do
meio rural, aspectos novos apareceram para instrumentalizar a sua
ação no Desenvolvimento Local. Espelhada, principalmente, na con-
cepção de Néstor García Canclini e Jesus Martín-Barbero sobre as
culturas populares no capitalismo, que as reconfiguram como cul-
turas híbridas e ressignificadoras dos produtos midiáticos, a Co-
municação Rural tem hoje uma outra leitura no âmbito da partici-
pação comunitária. Salett Tauk Santos, por exemplo, lastreada prin-
cipalmente na categoria “consumo”, de Canclini, chega à conclu-são,
na sua pesquisa de doutoramento, de que a participação de pequenos
agricultores no programa de desenvolvimento rural ana-lisado -
Serviços de Tecnologias Alternativas (SERTA) - se configu-ra de
maneira ambivalente e refuncionalizada. Ou seja, num movi-mento
pendular entre as possibilidades de consumo ao nível de sua
existência, acenadas pelo SERTA, e as aspirações simbólicas
construídas a partir de estímulos da cultura hegemônica, em geral via
meios de comunicação de massa, os pequenos produtores ru-
61
rais dão significados incompatíveis com a noção de participação
concebida pelo programa. Em lugar de restringirem sua participa-
ção à questão política e produtiva, como deseja o SERTA, a mes-
clam, afirma a autora, com aspectos da vida cotidiana como o
lazer e a religião23. Portanto, por mais bem intencionados que
sejam os produtores sociais, reeditores sociais e editores de que
fala Desirée Rabelo na construção de estratégias de comunicação
para mobilização comunitária, é preciso levar em consideração
que as culturas populares atuam num terreno de ambigüidades
perma-nentes, nem sempre captadas (ou cooptadas) pelas
estratégias de comunicação.
Somam-se a esses aspectos os desafios enfrentados pelas popula-
ções rurais com o impacto da mundialização dos mercados no meio
agrícola brasileiro. Esse impacto tem exigido redefinições no con-ceito
de território agrário, na medida em que as atividades agropecuárias
vêm se reunindo às atividades não agrícolas. As pro-posições de
incluir as atividades produtivas já existentes no meio rural brasileiro
(lazer, turismo, artesanato, indústrias, trabalho em domicílio, entre
outras) nas políticas públicas de desenvolvimento
23 SANTOS, Maria Salett Tauk. Comunicação e consumo: espaço das mediações da cultura
transnacional e das culturas populares. Revista Brasileira de Comunicação - INTERCOM,
São Paulo, vol. XIX, N. 2, jul./dez., 1996, p. 43, 46 e 47 apud CALLOU, Angelo Brás
Fernandes. Comunicação rural e era tecnológica: tema de abertura. In: CALLOU, Angelo
Brás Fernandes (org.) Comunicação rural, tecnologia e desenvolvimento local. Recife :
Bagaço, 2002, Coleção GT Intercom, n.13. (Reprodução literal e parcial da nota de
rodapé 41, p.21); Vide também PASSOS, Aída Lúcia Mello. Comunitário: espaço
simbólico de encontros e desencontros. (o caso Pintadas/BA). Dissertação de Mestrado
em Comunicação Rural, Recife, UFRPE, 1998, 193 p.; MELO, Maria de Fátima Massena.
Mulher e consumo: a recepção das mensagens do programa de apoio ao
desenvolvimento comunitário (PRODEC) da Caixa econômica Federal, pelas mutuárias
da Cila de Chã de Marinheiro, em Surubim/PE. Dissertação (Mestrado em Administração
Rural e Comunicação Rural), Recife : UFRPE, 2001, 144 p.; SÁ BARRETO, Carmem
Virgínia M. Comunicação e reforma agrária: estudo de recepção das políticas do MEPF-
INCRA pelos assentados de Gaipió – PE. Dissertação (Mestrado em Administração Rural
e Comunicação Rural), Recife : UFRPE, 2000, 345 p.; e LIMA, Conceição Maria Dias.
Comunicação e desenvolvimento local: estudo de recepção das propostas da incubadora
tecnológica de cooperativas populares – INCUBACOOP pelas mulheres da cooperativa
de costura de Abreu e Lima – COOPECAL-PE. Dissertação (Mestrado em Administração
Rural e Comunicação Rural), Recife : UFRPE, 2003, 188 p.
62
rural, bem como a reivindicação de uma reforma agrária não es-
sencialmente agrícola24, vêm exigindo que se pense de maneira
diferenciada as estratégias de Comunicação Rural. Por outro lado,
estão no bojo dessas novas ruralidades questões relativas ao meio
ambiente, ao desenvolvimento local e à sociedade tecnológica
emergente. Mais complexa essa questão se torna, quando sabemos
que os contextos populares do meio rural hoje são mais amplos do
que se imaginava. Estudos recentes mostram que o Brasil possui
mais de 70% dos seus municípios no meio rural 25. E são nesses
territórios onde se localizam as principais questões ligadas ao meio
ambiente. Diante desses aspectos, concordamos com Clayton
Campanhola e José Graziano da Silva ao incluírem a gestão
ambiental das atividades num processo mais amplo e integrado de
desenvol-vimento local para não restringir as estratégias de
mobilização aos recursos naturais ou ao meio ambiente 26. Noutras
palavras, as es-tratégias para participação de comunidades em
processos de recu-peração/preservação ambiental, como
pretendemos que sejam dis-cutidas e pesquisadas, perdem suas
singularidades para encontrar seu sentido mais dinâmico num cenário
de desenvolvimento local sustentável. Cenário este onde as culturas
populares também per-dem o caráter romântico desejado pelos
folcloristas27 para serem pensadas no substantivo plural, hibridizadas,
transnacionalizadas, excluídas, em reordenação permanente, em
várias direções e temporalidades.
24 Sobre isso vide GRAZIANO DA SILVA, José. Por uma reforma agrária não
essencialmente agrícola, p. 2, Internet; GRAZIANO DA SILVA, José. Entrevista, Revista
ops, Salvador, v. 2, n. 7, 1997; e GRAZIANO DA SILVA, José. O novo mundo rural, Nova
Economia, UFMG, Belo Horizonte, v. 7, n. 1, maio, 1997, p. 43-81.
25 Sobre o assunto veja-se VEIGA, Eli da. Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do
que se calcula. Campinas (SP) : Editora Autores Associados, 2002. 304 p.
26 CAMPANHOLA, Clayton; GRAZIANO DA SILVA, José. Diretrizes de políticas públicas
para o novo rural brasileiro: incorporando a noção de desenvolvimento local. In:
CAMPANHOLA, Clayton; GRAZIANO DA SILVA, José (edit.). O novo rural brasileiro:
políticas públicas. Jaguariúna (SP) : EMBRAPA, Meio Ambiente, v. 3, 2000, p. 66.
27 Sobre isso vide ORTIZ, Renato. Românticos e folclorista, cultura popular.
São Paulo : Olho d’Água, s.d.
63
Por último, podemos arriscar dizer, considerando os três vetores
acima abordados – desenvolvimento local, estudos culturais da Co-
municação e novas ruralidades – que o planejamento da comunica-
ção e suas estratégias de mobilização comunitária podem se tornar
rarefeitas diante das ambivalências e das ressignifações que os con-
textos populares apresentam nos processos de participação das pro-
postas de desenvolvimento local.
Bibliografia
BARBOSA, Walmir de Albuquerque. A questão agrária e a comunicação
rural no Brasil. Tese doutoramento (ECA/USP), 1986.
BENJAMIN, Roberto. Itinerário de Luiz Beltrão. Recife : AIP/UNICAP, 1998.
64
GRAZIANO DA SILVA, José. Por uma reforma agrária não
essencialmente agrícola, p. 2, Internet; GRAZIANO DA SILVA,
José. Entrevista, Re-vista ops, Salvador, v. 2, n. 7, 1997.
GRAZIANO DA SILVA, José. O novo mundo rural, Nova Economia,
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JARA, Carlos. As dimensões intangíveis do desenvolvimento sustentável.
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LIMA, Conceição Maria Dias. Comunicação e desenvolvimento
local: estudo de recepção das propostas da incubadora
tecnológica de co-operativas populares – INCUBACOOP pelas
mulheres da cooperati-va de costura de Abreu e Lima –
COOPECAL-PE. Dissertação (Mestrado em Administração
Rural e Comunicação Rural), Recife : UFRPE, 2003, 188 p.
MARQUES DE MELO, José. Comunicação, opinião, desenvolvimento.
Petrópolis : Vozes, 1977, 3a Ed.
MELO, Maria de Fátima Massena. Mulher e consumo: a recepção das
men-sagens do programa de apoio ao desenvolvimento comunitário
(PRODEC) da Caixa econômica Federal, pelas mutuárias da Cila de
Chã de Marinheiro, em Surubim/PE. Dissertação (Mestrado em Admi-
nistração Rural e Comunicação Rural), Recife : UFRPE, 2001, 144 p.
65
TAUK SANTOS, Maria Salett. Gestão da comunicação no
desenvolvimen-to regional. Comunicação e Educação. São Paulo :
Editora Moderna, n 11 : 29 a 34, jan./abr., 1998; CALLOU, Angelo
Brás Fernandes; TAUK SANTOS, Maria Salett. Extensão
pesqueira e gestão da comunicação no desenvolvimento local. In:
PRORENDA RURAL-PE (Org.). Exten-são pesqueira no Brasil:
desafios contemporâneos. Recife : Bagaço, 2002; e Baccega.
TAUK SANTOS, Maria Salett; CALLOU, Angelo Brás
Fernandes. Desa-fios da comunicação rural em tempo de
desenvolvimento local. Re-vista Signo, Revista de
Comunicação Integrada. UFPB, Ano II, N. 3, setembro/1995.
VEIGA, Eli da. Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se
calcula. Campinas (SP) : Editora Autores Associados, 2002. 304 p.
66
A metodologia científica e o quotidiano da
extensão rural: Algumas relações
67
Antes, contudo, de caracterizar os diferentes tipos de conhecimen-to,
uma reflexão se impõe: o que é conhecimento? Qual o entendi-mento
do extensionista rural e da extensionista rural em torno do significado
de conhecimento e como se processa a sua produção? De forma
simplificada e inspirada em Ruiz (1996) pode-se formular um
entendimento sobre conhecimento baseado em três elementos:
a) o sujeito cognoscente, isto é, alguém que tem a
capacidade de conhecer; b) o objeto cognoscível, isto é,
algo que pode ser conhe-cido e c) a imagem, ou seja, o
resultado, o que fica da relação entre o sujeito e o objeto.
Galliano (1986:17) assim se expressava:
Em linhas gerais, conhecer é estabelecer uma
re-lação entre a pessoa que conhece e o objeto
que passa a ser conhecido. No processo de
conheci-mento, quem conhece acaba por, de
certo modo, apropriar-se do objeto que
conheceu. Dessa for-ma, ‘engole’ o objeto que
conheceu. Ou seja, transforma em conceito
esse objeto, reconstitui-o em sua mente.
Ilustrando, um extensionista rural ou uma extensionista rural é desig-
nado para trabalhar num município amazônico em que existem algu-
mas comunidades predominantemente indígenas. Imagine-se que o
extensionista rural ou a extensionista rural, por mais absurdo que
pareça, tem conhecimentos muito elementares e talvez estereotipa-
dos sobre comunidades predominantemente indígenas. Então, um dia
se programa uma visita a uma dessas comunidades. O que vai
acontecer: o sujeito (o extensionista rural ou a extensionista rural) vai
interagir, ao vivo, com a comunidade predominantemente indígena
(situação a ser conhecido ou situação cognoscente), resultando daí
um conjunto de impressões, de sensações, de imagens sobre a co-
munidade, suas condições de vida e de produção e de
comercialização; sua composição etária e por sexo; seus valores re-
ligiosos, culturais; suas formas de lazer; suas relações com outras
68
etnias etc., ou seja, tem-se um resultado dessa relação estabelecida, tem-
se um conhecimento. As imagens, as sensações, as impressões são
captadas e armazenadas no cérebro e depois serão, por exem-plo, ou
consolidadas, ou reconstruídas com acréscimos ou substitui-ções. Tal
relação, como se sabe, é condicionada por diversos fatores (DEMO,
1995), assim como condiciona o comportamento, a atua-ção, a relação do
extensionista rural ou da extensionista rural, por exemplo, com a
comunidade predominantemente indígena e outras. Também aquele
resultado (imagens, sensações, informações) pode ser sistematizado,
escrito, registrado. Mas, se o extensionista rural ou a extensionista rural,
do exemplo acima, escrever um texto sobre a comunidade
predominantemente indígena visitada, esse texto será um resultado da
experiência de interação vivenciada. Os livros, os artigos de revista
científica, por exemplo, são conhecimentos sistematizados que resultaram
da interação sujeito – objeto, interação vivenciada sob diversas formas,
inclusive em situações de laboratórios.
Parece explicado o sentido de conhecimento e a forma como ele
é produzido. Isso favorece a compreensão daquilo que distingue
os diferentes tipos de conhecimento: é, de um lado, a forma e, de
outro lado, são os condicionamentos sob os quais a relação entre
o ser cognoscente e o cognoscível, ou seja, entre o sujeito e o
objeto se processa. No exemplo acima apresentado, são as
formas e os condicionamentos presentes na relação do
extensionista e da extensionista com a comunidade predominan-
temente indígena que podem caracterizar o tipo de conhecimen-to
resultante dessa interação.
Muito freqüentemente distingue-se o conhecimento
pela adjetivação: conhecimento popular, conhecimento
científico, conhecimento reli-gioso, por exemplo.
Muitos autores apresentam tipologias de conhecimento e
suas ca-racterísticas (RUIZ, 1996; DEMO, 1995; CERVO,
1996; ALVES, 2004, entre outros). A seguir, apresenta-se
uma classificação sobre conhecimento que distingue pelo
menos quatro tipos de conheci-mento:
69
A) Conhecimento do senso comum ou conhecimento
ordinário ou conhecimento empírico ou conhecimento
vulgar ou ainda conheci-mento intuitivo
Uma primeira observação sobre esse tipo de conhecimento diz respei-
to à adjetivação freqüentemente utilizada pelos autores: senso
comum, ordinário, vulgar, por exemplo, são adjetivos que podem
refletir uma atitude de desvalorização. No entanto, como afirma Ruriz
(1996:91) todo homem, no decorrer da existência, “vai acumulando
conheci-mentos daquilo que viu pessoalmente, daquilo que ouviu de
terceiros; vai acumulando vivências, vai interiorizando as tradições da
coletividade”.E aí está a forma como é produzido esse tipo de conhe-
cimento: espontaneamente, sem regras formais, como se vê seguir:
• quase sempre baseado na percepção sensorial,
na busca da solução para problemas imediatos;
• é elaborado de forma espontânea e instintiva,
portanto ametódica, assistemática;
• tem caráter utilitário e é repassado de um
indivíduo a outro e de geração a geração;
• visão fragmentada e subjetiva, subordinada ao
envolvimento afetivo e emotivo de quem o elabora, e,
condicionada aos interesses, crenças, convicções
pessoais e expectativas do su-jeito cognoscente, que não
valoriza o esforço da busca de provas e evidências;
• incapaz de se submeter a uma crítica sistemática e isenta
de interpretações baseadas apenas nas crenças pessoais;
• expresso em linguagem diversificada e vaga, dificultando
ou impossibilitando o controle e avaliação experimental;
70
Como se afirmou anteriormente, todos estamos impregnados desse
tipo de conhecimento, todos recorremos a ele. Assim, o extensionista
rural ou a extensionista rural é também detentor ou detentora desse
tipo de conhecimento e está constantemente interagindo
profissionalmente com pessoas que detém ou produzem esse tipo de
conhecimento e conse-qüentemente suas atitudes, seus
comportamentos, seus valores são tam-bém condicionados pelo
conhecimento do senso comum. B) Conhecimento filosófico
A compreensão do sentido e da forma de construção do conheci-
mento filosófico passa pela compreensão de que a Filosofia:
• tem como objetos, idéias, relações conceituais,
exigências lógicas não redutíveis a realidades materiais,
portanto não passíveis de observação sensorial;
• utiliza o método racional onde prevalece o processo deduti-vo,
que antecede à experiência, e se centra na coerência lógica;
C) Conhecimento religioso
Esse tipo de conhecimento supõe uma compreensão
sobre Teologia, como se vê a seguir:
71
• não se distingue da Filosofia e das outras ciências pelo
ob-jeto de estudo que é ou pode ser o mesmo (Ex.:
Teoria da Evolução das Espécies; origem do mundo);
• utiliza princípios operativos (razão iluminada, elevada pelo Dom
sobrenatural e gratuito da fé), diferentes da Filosofia e demais
ciências (sentidos corporais, inteligência e razão natural);
72
• metódico, sistemático, objetivo e crítico, resultante
da de-monstração e da experimentação.
Hoje, como afirma Cervo (1996:8).
(...) a concepção de ciência é outra. A ciência não
é considerada como algo pronto, acabado ou de-
finitivo. Não é a posse de verdades imutáveis. Atu-
almente a ciência é entendida como uma busca
constante de explicações e soluções, de revisão e
reavaliação de seus resultados e tem a consciência
clara de sua falibilidade e de seus limites.
73
uma amostra, isto é, vai ser feito contato apenas com um certo
número de habitantes, incluindo nesse conjunto, homens, mulheres,
adultos, jovens e crianças, por exemplo. Depois, teria que se definir
como registrar as impressões, as informações e como analisá-las pos-
teriormente, inclusive comparando-as com impressões produzidas e
registradas por outras pessoas. Por fim, formular sinteticamente con-
clusões e, neste caso, até hipóteses a serem investigadas posterior-
mente, numa perspectiva de aprofundar o conhecimento.
Feita essa breve caracterização dos tipos de conhecimento, pode-
se possivelmente afirmar que hoje o extensionista ou a
extensionista, por exemplo, começa a perceber a diversidade de
tipos de conhe-cimentos, a caracterizá-los, e valoriza-los, sem
preconceitos, com a consciência de que não se trata de considerar
um tipo de conhe-cimento melhor ou superior a um outro tipo de
conhecimento. Trata-se de considerá-los como eles são:
diferentes. Tal consciên-cia pode favorecer à interação
extensionista – agricultor, extensionista – indígena, extensionista –
pecuarista, por exemplo. A consciência das diferenças entre tipos
de conhecimentos com os quais se interage no cotidiano pode
contribuir para a adoção de atitudes de valorização dessas
diferenças e de aprendizagens a partir das diferenças.
Como se tentou evidenciar, as diferenças entre tipos de
conhecimen-tos são resultados dos processos
diferentes de produção de cada tipo de conhecimento.
Pelos objetivos desse texto, a seguir se tentará
apresentar elementos que favoreçam a compreensão
do processo de produção do conhe-cimento científico.
74
matizado a que se tem acesso e c) instrumentalizar-se
para sua prá-tica, para seu exercício.
Antes da adjetivação, convém definir ou apresentar um
sentido de Método.
Lungarzo (1989), por exemplo, assinala que “uma das diferenças
entre a ciência e as outras formas de conhecimento é a existência de
uma organização lógica entre as afirmações que constituem uma te-
oria científica e a possibilidade de justificá-la”. Ele assim conclui:
Uma das características da ciência, que permite organizar, comparar
seus enunciados, testar suas verdades, é a existência de um método.
A ciência tem um conjunto de procedimentos organizados para ob-ter,
compilar e testar seus resultados.(LUNGARZO, 1989:42).
Eis o sentido de método: procedimentos organizados em uma se-
qüência lógica, de forma a poder, inclusive, assegurar a repetição da
experiência, da situação de pesquisa, da interação sujeito – objeto.
Em se falando de método científico, para os objetivos desse texto,
destaca-se a importância e a caracterização da etapa de observação,
identificação e formulação do problema de pesquisa.
75
dificuldades inviabilizam o conhecimento de fa-tos
ou fenômenos, de importância significativa, para a
qual busca-se uma solução. O problema se
constitui na pergunta fundamental que norteará
todo o trabalho a ser desenvolvido na pesquisa,
cuja conclusão final deverá apresentar uma res-
posta à pergunta colocada no princípio. Consi-
deramos que, em função do problema a ser for-
mulado, o trabalho posterior pode ser facilitado ou
dificultado. Um problema, portanto, deve ser:
1. formulado como pergunta;
2. claro e preciso;
3. não deve partir de valores explícitos
do pes-quisador;
4. deve ser passível de verificação;
5. deve ser viável, passível de ser
solucionado (FERREIRA, 1998:133).
Outro autor, Lacasse (1991:252) chama a atenção para as
caracte-rísticas do enunciado do problema, quais sejam:
• em por finalidade estabelecer uma relação entre
dois ou mais elementos ou variáveis
• deve ser claro e sem ambigüidade
• deve ser formulado sob a forma de questões
• deve ser verificável, observável empiricamente.
• não deve apresentar julgamento ou posição moral
Já Goldemberg (1997:71), respondendo a pergunta: como
formular um problema específico que possa ser pesquisado
por processos científicos, afirma ser o primeiro passo tornar
o problema concreto e explícito através:
• da imersão sistemática no assunto;
• do estudo da literatura existente;
• da discussão com pessoas que acumularam
experiência prá-tica no campo de estudo.
76
E completa: “a boa resposta depende da boa pergunta. O pesquisa-
dor deve estar consciente da importância da pergunta (...)”. Acima,
falando do conhecimento científico, recuperou-se o exemplo da
relação do ou da extensionista com uma comunidade predomi-
nantemente indígena na Amazônia. Agora, se privilegiou a caracteri-
zação do que pode ser indicado como primeira etapa do método
científico. Não se quer, como foi afirmado na introdução, dar conta de
todo o processo de formação do pesquisador, mesmo sabendo-se que
o extensionista ou a extensionista rural também pode desen-volver
pesquisa científica em seu quotidiano de trabalho. A preten-são está
em alertar profissionais de extensão rural para a diversidade de tipos
de conhecimentos e de seus processos de construção.
Tal objetivo sugere reflexões ou considerações na perspectiva enun-
ciada inicialmente de contribuir para a compreensão de como o sen-
tido de ciência, o sentido de conhecimento e de pesquisa científica
podem também condicionar o desempenho do extensionista rural e da
extensionista rural no seu trabalho de escritório e de campo. Para
isso, parece oportuno considerações em torno do chamado espírito
científico, que se apresentam a seguir:
77
que pode se concretizar pelo exercício do espírito
científico caracte-rizado por Ruiz (1996). Para esse autor:
Espírito científico, mentalidade científica, ou ati-
tude científica é um estado de espírito, é uma
disposição subjetiva adequada à nobreza e à
se-riedade do trabalho científico. Esse estado
subje-tivo resulta do cultivo de uma constelação
de vir-tudes morais e intelectuais; não bastará,
pois, conhecê-las; é preciso vivê-las, reduzí-las
à práti-ca, cultivá-las. (RUIZ, 1996:132).
Ele apresenta, pois, as seguintes características do espírito científico:
a) espírito crítico – lembrando que criticar é “antes de tudo, analisar,
questionar, submeter a exame, julgar a validade, a fundamentação das
soluções estabelecidas” o autor parece querer dizer aos profissionais da
extensão rural, no caso do segmento profissional a quem prioritariamente
se destina esse texto, que é preciso ter cuidado, é preciso apropriar-se
criticamente do conhecimento, das tecnologias, dos contextos para se
assegurar uma atuação consistente e coerente. Para isso o autor acima
citado faz também a distinção entre espírito crítico (atitude amadurecida
de alguém que busca com seriedade a verdade, ponderando razões,
confrontando motivos, por exemplo) que deve ser cultivado, estimulado, e
espírito de crítica (espírito de contra-dição, indício de desorganização
mental, de superficialidade irrespon-sável, demolidor e pernicioso) que
deve ser banido (p.133);
b) espírito de confiança na ciência – a confiança na ciência
significa o conjunto de atitudes que implica em distanciar-se de
dois extremos: o ceticismo e a submissão passiva a dogmatismos;
c) busca de evidências – “O homem comum vê a natureza, ouve a
natureza. O cientista a interroga, quer explicações pela linguagem elo-
qüente dos fatos. Só evidência dos fatos sacia seu desejo de conhecer o
‘como’ e os ‘porquês’ dos fenômenos” (p. 134), em liberdade, com
autenticidade e com rejeição de toda sorte de autoritarismo, não se
satisfazendo com o simples conhecimento dos fatos, mas procurando sua
compreensão, sua justificativa e sua demonstração;
78
d) espírito de análise – entendida análise como a decomposição, o
desdobramento, a segmentação de um todo complexo em seus
com-ponentes ou elementos mais simples, operação que pode
contribuir para a compreensão do fenômeno em estudo;
e) espírito positivo de apego à objetividade – o autor lembra que é a
evidência dos fatos, de forma objetiva e irrefutável, que assume a fun-
ção de critério da verdade. Os fatos frente à hipóteses pré-concebidas
como possível explicação ou resposta à pergunta do problema podem
comprová-las, ou negá-las. Como afirma Ruiz, “o cientista não preci-
pita conclusões sem evidência suficiente oriunda dos fatos, e não de
seu engenho criativo. Ciência não é literatura de ficção” (p.135).
f) espírito criativo – a criatividade se manifesta na formulação das hipóte-
ses, na definição de instrumentos de coleta e análise de dados, por exem-
plo, assim como na concepção de outros processos de pesquisa.
g) espírito indagador – a ciência não é um ponto de chagada, fixo e
definitivo. O conhecimento científico está sempre sendo reconstruído,
a partir das novas indagações que a observação, a análise vão susci-
tando. Nunca aceitar, em termos de ciência, uma resposta, uma
tecnologia como definitiva, pois ela é sempre provisória.
Tais considerações sobre espírito científico, aqui apresentadas, sem-
pre inspiradas em Ruiz (1996:132-135) parecem contribuir muito para
a (re)construção de atitudes, de comportamentos do extensionista e
da extensionista rural em seus processos de interação com agricul-
tores e agricultoras familiares, com índios e índias, com pecuaristas e
também com trabalhadores e trabalhadoras assalariadas.
Considerações finais
No início do presente texto, declarou-se a pretensão de suscitar algumas
reflexões em torno de possíveis relações entre o domínio de princípios
básicos da metodologia científica e a atuação profissional de alguém
enquanto extensionista rural esperando contribuir esclarecer questões,
tais como: qual a compreensão do extensionista rural e da extensionista
rural em torno de ciência, em torno de conhecimento e em torno de
pesquisa? Como tal compreensão pode também condicionar o desem-
79
penho do extensionista rural e da extensionista rural no seu trabalho de
escritório e de campo? O autor desenvolveu todo o texto com tais obje-
tivos e espera que de alguma forma o seu resultado possa ajudar aqueles
e aquelas que estão com a mão na massa no campo, em contextos rurais.
Sobretudo, o autor tentou evidenciar que a compreensão sobre
conhecimento, suas formas de construção e sua diversidade pode favo-
recer a uma melhor e, possivelmente, mais eficaz interação de profissio-
nais de extensão rural com os atores sociais com os quais esses profissi-
onais lidam no seu cotidiano de trabalho profissional.
Uma última consideração, no entanto, se impõe, na tentativa de síntese: tudo
parece nos levar a afirmar que ninguém pode fugir da diversidade de tipos de
conhecimentos, que têm processos de produção (resultado da rela-ção sujeito-
objeto) diferentes; ninguém está autorizado a classificar este ou aquele
conhecimento como superior ou inferior. Trata-se apenas de tipos diferentes
de conhecimento. O extensionista rural e a extensionista rural, por exemplo,
como qualquer outro profissional, certamente, são detentores des-sa
diversidade de conhecimentos e em suas relações profissionais interagem
com tal diversidade que está presente em cada ator social.
Bibliografia
ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência. São Paulo, Edições Loyola, 2004.
80
O grande desafio da educação
empreendedora cooperativa
81
Portanto, a educação empreendedora consiste em uma atividade
contínua composta de três dimensões e estruturada por princípios
básicos, cuja finalidade é permitir ao empreendimento alcançar
van-tagens competitivas que o consolidem em um ambiente de
negócios que passa tanto pelo local, como pelo global e vice-
versa. Este pro-cesso, enquanto instrumento estruturador de
competitividade é váli-do para todo tipo de cooperativa.
No caso das cooperativas agropecuárias, inicialmente, a educação
empreendedora visa a autocompreensão. Esta etapa consiste em uma
descoberta ou redescoberta das vocações e expectativas indi-viduais
enquanto empreendedor. Nesta perspectiva, as habilida-des,
competências, desejos e aspirações, consistem em atributos
intangíveis relativos à dimensão pessoal que torna o indivíduo, sin-
gular, único e diferente dos demais a partir de características que
podem ser canalizadas e recristalizadas pelo empreendedor em prol
do seu negócio. Este processo de autoconhecimento possibilita que o
empreendedor tenha uma idéia mais clara da estrutura social em que
se encontra inserido, permitindo identificar quais os seus diferentes
papéis na sociedade local, regional e global, para poder se relacionar
e intervir com competência no seu campo de atua-ção. Por
conseguinte, este processo pautado em métodos construídos leva o
empreendedor ao entendimento das diferentes formas de
funcionamento das relações políticas e econômicas da sociedade, de
modo que se delineiem mudanças e transformações sociais. Nesta
direção, o foco tradicional e meramente econômico, cede espaço,
para se integrar com outras áreas do conhecimento tais como a
psicologia e a sociologia das organizações, a geografia econômica, a
engenharia de processos, a gestão e auto-gestão do negócio, dentre
outras, numa perspectiva de um novo processo de formação
educacional cooperativo.
A segunda dimensão da educação empreendedora consiste em iden-
tificar fragilidades e oportunidades do negócio para se poder efetuar
um mapeamento do ambiente em que a empresa vai atuar, permitin-
do então o posicionamento do empreendimento perante o cenário
82
traçado. Neste caso, o mapeamento do ambiente, a partir de uma
visão analítica sobre o campo econômico, social, político, ambiental e
tecnológico, vai nos apontar as principais variáveis que poderá
potencializar ou obstaculizar o negócio. Assim, o empreendedor
enquanto sujeito da construção do seu conhecimento irá traçar vári-os
roteiros que lhe permita identificar qual o melhor caminho a per-correr
com probabilidades de sucesso com menor risco. Ainda nesta
dimensão educativa empreendedora os métodos adotados devem
favorecer a visualização de como otimizar as oportunidades pela
cooperação, de modo a que, nas relações estabelecidas, não haja
apenas um ganhador e sim ganhadores, mútuos.
Por fim, a terceira dimensão da educação empreendedora consiste
em uma análise do ambiente interno do empreendimento, detec-tando
aspectos tangíveis e intangíveis. Neste aspecto, o empreen-dedor,
não deve estar apenas atento para a infra-estrutura disponí-vel como:
instalação, máquinas, equipamentos, quantidade de fun-cionários, tipo
de produto, os quais são partes mensuráveis. Ele deve também se
preocupar com um desafio maior sobre aquilo que não podemos
mensurar objetivamente, e que passa pela empatia e a satisfação dos
cooperados empreendedores, pelas atividades, pelas rotinas, pelos
processos e pela satisfação dos clientes. Esses aspectos, na
educação empreendedora, não podem ser negligenci-ados, pois
enquanto conteúdos a serem trabalhados eles se consti-tuem em
vetores de inovação, tanto de processos como de produ-tos, como
também, de alicerces para a formação da cultura da cooperação na
organização.
Todavia, deve ficar bem claro que estas dimensões da educação
empreendedora, somente surtirão o efeito desejado se vierem
acom-panhadas de ações complementares. Isto implica em dizer
que a educação empreendedora deve estar imersa em conceitos e
valo-res culturais que valorizem a transparência, a confiança e os
valo-res democráticos, os quais são os princípios fundamentais e
norteadores do bom funcionamento das relações tanto das pesso-
as como das cooperativas.
83
Bibliografia
FERNANDEZ, J. Réussir une activité de formation, Québec, Les
Éditions coopératives Albert Saint-Martin de Montréal, 1988.
FREITAS, F., MC INTYRE, J.P. e SIDNEY, P. Programme de Formation
et d’éducation coopérative pour les petits Producteurs ruraux de
Pes-queira au Nord-est du Brésil, trabalho apresentado no
Mestrado de Gestão e Desenvolvimento de Cooperativas no curso
COP 810, Université de Sherbrooke, Quebéc.1996.
MC INTYRE, J.P. Proposta de modelo de formação contínua para o
desen-volvimento das cooperativas agrícolas do estado de
Pernambuco. Sherbrooke, Université de Sherbrooke, 1997.
Dissertação de mestrado orientada pelo Professor Paul Prévost.
MC INTYRE, J. P. e SILVA, E. S. Planejamento estratégico e 0peracional
de cooperativa - série cooperativismo, Recife, Edição Sebrae, 2002.
MC INTYRE, J. P. e SILVA, E. S. Viabilidade do negócio cooperativo-
série cooperativismo, Recife, Edição Sebrae, 2002.
MC INTYRE, J. P. e SILVA, E. S. Como formar e gerir um empreendimento
cooperativo - série cooperativismo, Recife, Edição Sebrae, 2002.
84
Cooperativismo e desenvolvimento local
85
compartilhando com o outro representações culturais
semelhantes imprime, em cada um, uma identidade - de povo
de Bezerros ou de Caruaru. É como se fosse uma “marca
registrada”, que alimenta em cada um de nós um sentimento de
pertencimento. É com orgulho que a gente escuta muitas
vezes: “eu sou filho de Bezerros; “eu sou filho de Caruaru”.
Se é possível associar o local a uma idéia de similaridade entre os seres
no viver juntos, na igualdade, na idéia, portanto, de comunidade, o local
também revela, paradoxalmente, uma idéia de diferença, de di-versidade
cultural e multiplicidade de arranjos que fazem com que Caruaru e/ou
Bezerros tornem-se únicas cidades, sui generis, em rela-ção a todas as
outras cidades do mundo. A idéia de local guarda tam-bém uma íntima
relação com algumas questões complexas da atualida-de, como:
globalização, sustentabilidade, crise do Estado, desempre-go, violência
entre tantas outras. Isso revela que o assunto local não diz respeito tão
somente a um “local” específico, mas revela as articu-lações de um local,
com o todo, isto é, com o global.
Mas o local é apenas um município como Bezerros ou Caruaru? Não.
O local pode ser um continente, um país, uma região, um estado, uma
cidade, um bairro ou até mesmo uma rua ou uma escola. Em todos
esses lugares pode-se perceber elementos comuns que unem os mais
diversos indivíduos. De alguma forma, cada um desses locais,
imprime uma condição de pertencimento, uma identidade específica.
Se já sabemos que local é esse, podemos agora partir para
respon-der o porque de se ter despertado para a questão local nas
propos-tas de desenvolvimento. Pode-se dizer, nesse sentido, que
a idéia de desenvolvimento local, ao contrário de apenas
desenvolvimen-to, traz uma forte referência aos diversos atores
locais, na sua ca-pacidade de ação e de articulação,
especialmente num momento histórico em que se vive a chamada
“Crise do Estado”. Isso signi-fica que preocupações que antes
eram típicas do Estado como: desemprego, violência, atendimento
aos desamparados (crianças, velhos e enfermos) passam a ser
também discutidos e assumidos pelos diversos atores sociais.
86
Tal perspectiva traz presente a idéia de que somos co-autores e co-
responsáveis pelo destino de todos nós. Tal perspectiva traz também
presente idéias como democracia, autonomia, autogestão, participa-
ção. “Arregaçar as mangas” ou “mãos a obra”, envolvendo todos os
atores sociais em um projeto coletivo, define a filosofia de trabalho
que está por trás do conceito de desenvolvimento local.
Mas, finalmente, quem são os atores sociais ou atores locais? Os
atores locais somos todos nós, trabalhadores e trabalhadoras dos
mais diversos ramos – agricultura, construção, fábrica, escritório,
comércio, escolas. E o padre é um ator social? Claro. O prefeito, o
vereador também são? Com toda certeza. O associado da coopera-
tiva, a própria cooperativa, o médico, a professora, o artista, o pa-
deiro, todos são atores importantes dentro da idéia de desenvolvi-
mento local. Isso porque, cada um a sua maneira, pode trazer bené-
ficos para a sua comunidade. Isso, naturalmente, se essas pessoas
tiverem compromisso com a sua comunidade, com o local a que
pertencem e dessa forma, se dispuserem a “arregaçar as mangas”.
Potencialmente, portanto, todos somos atores sociais.
Para os propósitos desse curso, vamos situar a cooperativa (através
dos seus associados) enquanto um ator importante no desenvolvi-
mento local. Para isso, é preciso que a gente situe o cooperativismo
na sua capacidade de trazer respostas aos desafios contemporâneos
de globalização de desemprego e de crise do Estado.
O cooperativismo, nessa perspectiva, traz à tona a discussão
sobre a idéia de pertencimento, de participação, de autonomia,
de solidarie-dade que imprimem, junto com a capacidade de
“arregaçar as man-gas”, o sucesso da “fórmula cooperativa”.
Cooperativismo e globalização
De uma forma simplificada, identifica-se a globalização da economia a
partir de três características principais: - o crescimento de impor-
tância dos agentes do mercado global (empresas transnacionais) so-
bre os agentes locais, - a quebra de poder do Estado na condução
87
de questões macroeconômicas e - o grande avanço
tecnológico que caracteriza as últimas décadas.
Todas essas questões implicam uma nova divisão internacional
do trabalho, redefinindo o jogo de forças entre os diversos
atores locais /globais, indicando, inclusive, a partir da forma de
inclusão ou exclu-são, quem são os vencedores e perdedores
dessa acirrada disputa (Bonanno, 1994).
Aproximando-se da idéia de diferentes correlações de força, Santos
(1994) nega o caráter homogêneo da globalização, refutando, as-sim, a
idéia de uma única globalização; para ele, há globalizações no plural. No
seu entendimento, essas globalizações expressam proces-sos singulares
de relações sociais movidos por dinâmicas locais; o que tende a revelar
os vencedores e os vencidos a partir de relações de conflito. Tal
concepção expressa a mútua influência que existe entre o global e o local,
como duas instâncias de um único processo. “Pensar globalmente e agir
localmente” vem se tornando um chavão cada vez mais popularizado. O
fato é que dificilmente as discussões sobre os desafios do cooperativismo
podem prescindir de uma avaliação mais sistemática da relação entre
global e local - duas extremidades de um mesmo processo - a partir de
uma relação de mútua influência.
Necessário também é considerar o caráter concentrado e excludente
da globalização, o que dificulta enormemente a estabilidade da rela-
ção entre local e global. Nesse sentido, alguns estudos têm procura-
do demonstrar a importância do cooperativismo enquanto um ins-
trumento eficaz de ligação entre os pólos. Dito de outra forma, tan-to
no que diz respeito à produção quanto à comercialização a via
cooperativa tem se revelado capaz de atender às demandas globais a
partir da organização de atores locais.
Vale ressaltar, que essa capacidade de atender às exigências de um
dado momento histórico não é nova. Se nos voltamos ao passado
percebemos que, desde o advento da Revolução Industrial, o
cooperativismo vem demonstrando grande capacidade de adaptação
às realidades distintas, revelando-se, do mesmo modo, como uma
alternativa de inclusão dos trabalhadores ao modelo produtivo.
88
Hoje, principalmente, quando a globalização tem levado um grande
número de pessoas ao desemprego, o cooperativismo ganha uma im-
portância particular. De um modo geral, as práticas associativas estão
sendo identificadas como uma alternativa frente ao desemprego cres-
cente. E o cooperativismo, pelo seu caráter de associação econômica,
vem sendo particularmente ressaltado como uma alternativa de inclu-são
para enfrentar esse período marcado pela grande exclusão social. As
manchetes de jornal são prósperas em associar o cooperativismo
89
O cooperativismo entre o local e o global
A relação entre cooperativismo, globalização e desenvolvimento local
é fortemente estimulada pelo fato de que, a partir da organização da
produção e de sua comercialização sob as exigências da globalização, as
cooperativas vêm contribuindo para a potencialização dos locais em que
estão inseridas. Observa-se, com isso, um aumento do poder de
barganha dos produtores, do crescimento do emprego e renda, con-
firmando a perspectiva presente na literatura que identifica as coope-
rativas, ao lado de outras iniciativas empresariais, como uma estratégia
importante dentro da perspectiva de desenvolvimento rural (Prévost, 1996;
Pires, 1999; Pires & Buendía, 1999).
Mas a questão não se encerra aí, pois, através de uma forma de orga-
nização local – instituída através de uma empresa cooperativa - os
cooperados podem articular uma rede de relações que não se limita
ao âmbito local, redefinindo as relações entre forças locais e globais.
Vale lembrar, nesse sentido, que não apenas as cooperativas, mas
todo o empreendimento econômico capaz de gerar emprego e ren-da
é capaz de promover o florescimento ou o desenvolvimento de uma
dada localidade, desde, evidentemente, seja uma prática eco-nômica
de reconhecido sucesso. Nesse aspecto, podemos afirmar que o que
define o sucesso ou insucesso das práticas econômicas está
associado à sua capacidade de adequação permanente às trans-
formações produtivas.
É possível constatar, finalmente, que a sobrevivência e
crescimento das organizações econômicas - sejam elas
empresas cooperativas ou empresas capitalistas - depende
das estratégias usadas para respon-der aos desafios da
acirrada competição que tem lugar na economia globalizada.
Bibliografia
90
MARTÍNEZ, Inmaculada Buendía & PIRES, Maria Luiza. Nuevas ruralidades y
cooperativismo: una perspectiva comparada, Revista de Estudios Coo-
perativos (REVESCO), N. 70, Segundo Cuatrimestre, 2000, p. 31-46.
_____ . Cooperativas e desenvolvimento rural: as recentes discussões no
campo da “Nova Geração de Cooperativas”, Perspectiva Econômica,
V. 34, N. 103, Série Cooperativismo, N. 46, Outubro-
Dezembro, 1999, p. 123-137.
PIRES, Maria Luiza. O cooperativismo agrícola em questão. A trama de rela-
ções entre projeto e prática em cooperativas do nordeste do Brasil e do
Leste (Quebec) Canadá. Tese de doutorado. Recife, UFPE, out, 1999.
PRÉVOST, P. (1996). El desarrollo local y las cooperativas.
Cuadernos de Desarrollo Rural, 37, segundo semestre: 25-45.
SANTOS Boaventura S. (1994), Pela Mão de Alice. O social
e o político na pós-modernidade. Porto, Afrontamento.
91
Região amazônica e economia solidária: uma
perspectiva de desenvolvimento integrado
sustentável
93
tia de uma sobrevida mais longa às populações do planeta, reconhe-
cem que parte do problema está relacionado às relações desiguais
que estabelecem os hermisférios norte e sul deste mesmo planeta.
Para bem dizer, o efeito estufa, o buraco ozônico e a erosão
biogenética indicam, com clareza, que durante o século XXI a con-
servação e as formas de aproveitamento dos recursos naturais se
tornarão questões-chaves dentro de uma aldeia global que, do pon-to
de vista social, está profundamente dividida. Convém lembrar que,
entre 1960 e 1991, os 20% mais abastecidos da população mundial
aumentaram a sua parcela de toda a riqueza produzida de 70% para
85% enquanto, no mesmo período, os 20% mais pobres viram a sua
parte reduzida de 2.3% para 1.4% (Hauchler,1995). Neste sentido,
é óbvio que a maneira pela qual os moradores dos diversos
“bairros da aldeia global” encaram e tratam o ambiente natural está
direta-mente dependente de sua condição sócio-econômica.
Como afirma IBIRIBA (2004), “pode-se dizer que, se de um lado,
ecologistas radicados nos países da Comunidade Européia ou nos
Estados Unidos (dispondo, geralmente, de condições de segurança
social da data do seu nascimento até o momento de sua morte)
destacam, com toda a razão, que a proteção das florestas tropicais e,
conseqüentemente, de sua incomparável biodiversidade é um insumo
de fundamental importância para a sobrevivência das futuras gera-
ções da espécie humana na “aldeia global”, por outro lado, campo-
neses na Amazônia ou nas partes africanas e asiáticas do cinturão
tropical, que praticam o sistema de corte-e-queima da agricultura
itinerante, provavelmente terão problemas para entender e aceitar
essas preocupações. Diante da pressão externa, que insiste em uma
rigorosa dieta econômica, apequena-se o Estado, transferindo-se aos
grupos econômicos, de qualquer origem, setores importantes da
economia nacional, através da privatização. Porém, diante das impo-
sições externas pela conservação ambiental, os países periféricos, na
maioria dos casos, não conseguem responsabilizar todo o sistema
político global por essa conservação, e, também, pela reprodução
econômica das massas populacionais pobres ou miseráveis que, de
94
uma maneira ou de outra, sobrevivem utilizando,
predatoriamente, esses mesmos recursos.”
Para pensar alternativas de desenvolvimento para a região que impli-
quem em conservação de sua rica biodiversidade, temos que tomar
como ponto de partida que esta questão não pode ser pensada iso-
ladamente. Ao contrário, temos que ter claro que devemos enfrentá-la
de forma holística, vendo que articulações e interfaces a região
estabelece com o país e o mundo. O desenvolvimento da região deve
então ser pensado na perspectiva do desenvolvimento susten-tável,
que tem como premissa o atendimento das necessidades da geração
atual sem comprometer a habilidade de gerações futuras em atender
as suas necessidades. Além disso, temos que entender que diferentes
dimensões perpassam a discussão da temática do desen-volvimento
sustentável da região norte, tais como a política, a eco-nômica, a
social, a cultural, a ambiental, entre outras. É fundamental então
salientar que um projeto de desenvolvimento sustentável para a
Amazônia, tem que estar sobretudo calcada sobre uma proposta de
desenvolvimento humano que tenha como eixo a inclusão sócio-
econômica de milhares de trabalhadores que lá habitam e que histo-
ricamente (desde a época da colonização) têm sido proibidos de se
apropriar de seu próprio território. Uma proposta que se preocupe
com a redução dos índices de pobreza, proporcione uma maior arti-
culação de atores - sociedade civil, governo, iniciativa privada - para o
desenvolvimento sócio-econômico e apresente como eixo central o
estabelecimento de políticas articuladas de conservação ambiental.
É nesta perspectiva de articulação que queremos apontar a econo-
mia solidária, como um novo paradigma para se pensar políticas de
desenvolvimento sócio-econômico para a região. É importante res-
saltar que uma tal análise, não pode ser feita à partir de um olhar
meramente econômico, mas um olhar plural onde os elementos an-
tropológicos, sociológicos, etnológicos entre outros são imprescin-
díveis para uma compreensão do econômico. Esta perspectiva, influ-
enciada particularmente pela pesquisa de Karl Polanyi (1983) sobre a
origem política e econômica de nosso tempo, que tem inspirado
95
múltiplos trabalhos nas mais diversas áreas do conhecimento,
distin-gue quatro princípios básicos no comportamento econômico,
cada um entre eles associado a um modelo institucional. Segundo
França Filho & Laville (2004, p. 32 e 33), tais princípios são:
• O princípio da domesticidade, que “consiste em produzir
para seu próprio usufruto, ou seja, a prover as necessidades do
seu grupo (...) (...)O modelo da domesticidade é o grupo
fechado. O que determina o núcleo institucional é indiferente,
pode ser o sexo (como em relação à família patriarcal), o lugar
(como em relação ao vilarejo), ou o poder político (como em
relação ao poder senhorial)”.
• O princípio da reciprocidade, que corresponde “à
relação estabelecida entre várias pessoas, por meio da
seqüência du-rável de dádivas. A reciprocidade é por
consequência fundada sobre a dádiva como fator social
elementar – a existência da dádiva ligada a uma contra-
dádiva. O aspecto essencial da reciprocidade é que as
transferências são indissociáveis das relações humanas”.
• O princípio da redistribuição, segundo o qual “a produção
fica a cargo de uma autoridade que tem a responsabilidade de
distribuí-la, o que supõe um momento de armazenamento entre
aqueles da recepção e repartição. Ele supõe uma autoridade e
uma divisão do trabalho entre os representantes desta autori-
dade e os outros membros do grupo humano. Entretanto, seja
ela a tribo, a cidade-Estado, o despotismo ou a feudalidade, o
chefe, o templo, o déspota ou o senhor estarão no centro deste
modelo e a maneira como praticam a redistribuição é muitas
vezes um meio de aumentar o seu poder político”.
• O princípio do mercado, que “se caracteriza como um lugar
de encontro entre a oferta e a demanda de bens e serviços
para fins de troca. O mercado possui, então a particularidade
de funcionar segundo o registro de um modelo institucional que
lhe é próprio: a troca, repousando sobre um equilíbrio
96
entre oferta e demanda. (...) A troca pode assumir a forma
de pagamento em espécie quando o demandante não paga
o preço fixado em moeda mas em bens ou serviços. A troca
pode as-sumir a forma de escambo quando a troca de bens
e serviços não passa pelo intermédio de um equivalente
geral, mas se opera através de uma relação de equivalência
simples estabelecida entre dois conjuntos considerados pelo
demandante como do mesmo valor.”
No entanto, historicamente, pouco a pouco, os seres humanos, na
sociedade capitalista, foram esquecendo que existem outros princí-
pios econômicos e transformaram o mercado, que nos primórdios da
existência humana servia como lugar de encontro entre oferta e de-
manda, num mito. A partir daí, o princípio do mercado passa a ser o
dominante, e por conseguinte, é ele quem baliza a maior parte das
relações econômicas existentes. E, paradoxalmente, isto é às vezes
verdade mesmo para aqueles que de uma maneira ou de outra foram
excluídos da participação neste mesmo mercado.
Se partimos da aceitação destes princípios como sendo a base das
relações entre economia e democracia, nós podemos então reco-
nhecer na sociedade contemporânea três pólos de análise: a econo-
mia mercantil ou de mercado, a economia não mercantil (Estado) e a
economia não monetária, onde observamos uma enorme pluralidade
de trocas; pólo onde o trabalhador se coloca na perspectiva de troca
gratuita e desinteressada que se baseia principalmente nas relações
que consolidem seus vínculos com a sociedade; pólo que é extrema-
mente importante na construção da própria economia de mercado.
Assim, a economia solidária define-se como uma economia plural que
se baseia na hibridação dos principios econômicos da domesticidade,
da reciprocidade, da redistribuição e do mercado que reconcilia o
econômico e o social que se move a partir de um impulso
reciprocitário entre individuos e se consolida na sociedade através da
construção de espaços públicos autônomos. E o que seri-am estes
espaços públicos autônomos no caso brasileiro ? A partir dos anos 80,
no mundo inteiro, mas mais especificamente nos países
97
periféricos, o processo de globalização da economia se acelera, e os
impactos da reestruturação produtiva são cada vez mais fortes, ex-
cluindo milhares de trabalhadores do mercado formal de trabalho.
Estes trabalhadores, à exemplo do que aconteceu anteriormente
na Europa do século XIX, se organizam para descobrir caminhos
para o enfrentamento destas mudanças, através da criação de
cooperativas populares, que se distanciam do sistema formal do
cooperativismo brasileiro vinculado à OCB e se organizam em
sistemas próprios; de grupos informais de produção, de empresas
autogestionárias, entre outros. Como afirma Gaiger (2001, p. 109),
“Num verdadeiro polimorfismo, os empreendi-
mentos organizam-se hoje das mais diversas for-
mas, como associações informais ou grupos de
produção de caráter seguidamente familiar e co-
munitário ou, ainda, cooperativas de trabalhado-
res e empresas de pequeno e médio porte. Na
linha de frente, perfilam-se hoje empresas
autogeridas vinculadas à ANTEAG 2, cooperati-vas
de produção e prestação de serviços e cente-nas
de grupos e cooperativas agropecuárias, im-
plantadas nos assentamentos da reforma agrária,
sob a batuta do MST.”
Nós acreditamos que, embora com contornos próprios e diferencia-
dos dos países desenvolvidos, a economia solidária no Brasil aconte-
ce a partir da articulação política de diferentes polos da economia,
mas talvez, a nossa grande diferença seja que o motor do seu cresci-
mento seja o fato de que quantitativamente, o número de indivíduos
excluídos de um ponto de vista sócio-econômico seja muitas vezes
maior que nos países desenvolvidos. Assim, numa perspectiva de um
novo sentido de vinculação entre o econômico e o social, a econo-mia
solidária assume em nosso país uma multiplicidade de formas
98
que no nosso entender se organizam em três grupos
principais de atores, todos importantes na sua consolidação:
• O grupo de organizações que apoiam os trabalhadores
em suas iniciativas de economia solidária, constituído por
ONG’s, associações, universidades, igrejas, associações
de trabalha-dores autogestionários, entre outros.
• O grupo de organizações criadas pelos trabalhadores eles
mesmos com o objetivo de encontrar novas alternativas de
inserção sócio-econômica. Neste grupo, encontramos princi-
palmente as cooperativas, as empresas autogestionárias, os
grupos produtivos rurais e urbanos, de pequeno porte, que nem
sempre possuem um estatuto jurídico, como por exem-plo
alguns dos desenvolvidos pelo MST, entre outros.
• O grupo de gestores públicos que tem se consolidado cada
vez mais, por um lado, através da criação da Secretaria Naci-
onal de Economia Solidária (SENAES) e por outro através do
aumento significativo (principalmente em prefeituras vincula-
das ao partido dos trabalhadores) de criação de diretorias ou
secretarias municipais de economia solidária.
No caso da região norte, por exemplo, vários são os atores que vêm
de uma maneira ou de outra trabalhando na direção da construção de
uma proposta de desenvolvimento integral para a região. Uma
proposta que não vise apenas um desenvolvimento econômico da-
queles que detém o capital, mas que seja inclusiva daqueles que
historicamente têm sido colocados à margem de tal sistema. Pensar o
desenvolvimento da região significa em construir coletivamente com
os diferentes atores que podem possibilitar a ampliação, forta-
lecimento e consolidação das iniciativas de economia solidária um
novo caminho. Um caminho que traga novas perspectivas de desen-
volvimento que visem a recuperação e o respeito aos ecossistemas
naturais (floresta, várzea e cerrado) da região para, através de uma
proposta de desenvolvimento sustentável, planejar a reinserção só-cio
econômica de milhares de amazonenses (onde incluímos os po-
99
vos da floresta) excluídos de um ponto de vista social e econômico.
Uma proposta onde a interconexão entre consumidores, poupado-res
e produtores seja possível com vistas ao estabelecimento de re-des
sociais que dêem suporte ao estabelecimento de novas relações
econômicas entre os povos da região.
Para concluir, apontamos nesta reflexão apenas alguns elementos
para a real necessidade de não mais pensar a região amazônica ape-
nas do ponto de vista da sua biodiversidade natural, mas também da
sua biodiversidade humana. O paradigma da economia solidária se
coloca então como uma possibilidade, uma vez que o mesmo, pou-co
a pouco já se manifesta na prática cotidiana dos trabalhadores
excluídos do mercado formal de trabalho. A partir deste paradigma,
poderíamos talvez pensar na construção de um verdadeiro desenvol-
vimento integral sustentável para a região.
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minhos da produção não-capitalista Rio de Janeiro, Civilização Brasileira
101
Desenvolvimentos, uma perspectiva plural
Questão ambiental
Atualmente, a questão ambiental é um tema presente em todos os
espaços. Na imprensa internacional e nacional registra-se catástrofes
ambientais. O ser humano redescobre a importância da saúde e,
portanto, de um meio ambiente saudável. Rediscute-se a questão da
alimentação, fazendo-se uma distinção entre comida e alimento. Tal-
vez a maior e mais importante discussão seja a questão dos
transgênicos ou alimentos geneticamente modificados de forma
massiva. Um aspecto deve ser destacado. De maneira geral, os mo-
vimentos ecologistas não defendem uma volta ao passado. Não se
103
posicionam contra o avanço da tecnologia. Pelo contrário,
têm-se a ciência como aliada para uma vida de qualidade.
A agricultura exige um repensar na direção da
sustentabilidade. A discussão sobre o meio ambiente ganha
contornos nítidos não só em relação à produção, mas
também, na conservação e manejo do meio ambiente.
O Brasil vive um momento especial. Após o processo de
redemocratização, se alcançou no momento uma estabilidade eco-
nômica que se deseja permanente. Mas as contradições sociais são
muito fortes para serem ocultadas ou ignoradas. Amplia-se a consci-
ência que a questão não se localiza somente no crescimento ou de-
senvolvimento. Exige-se uma qualificação neste processo e que este
tenha como princípio a inclusão social e o resgate da marginalidade
de parte significativa da população brasileira. O desafio não é so-
mente crescer, desenvolver, mas crescer incorporando e incluindo
pessoas, de forma que se tenha para a população, qualidade de vida.
104
transformações com a introdução de uma série de conhecimen-
tos científicos e principalmente no início do século XX com o
uso do combustível fóssil. A agricultura vai se transformando no
se-tor de fornecimento de matéria prima para a indústria,
notadamente depois da segunda guerra mundial, com o que se
denominou chamar de revolução verde, que no Brasil se
intensi-fica a partir de 1970.
Afastamento da natureza
Vários elementos podem ser elencados para uma análise. Destaque-
se dois, para efeito de análise neste texto. O primeiro é o progressivo
afastamento do homem da natureza neste processo. Surge uma nova
crença. A certeza que a tecnologia resolve tudo. A segunda, a nega-
ção dos conhecimentos tradicionais. De repente, descobre-se a
modernidade e esta é entendida também como contrária aos conhe-
cimentos tradicionais. O que é tradicional é atrasado, não é moder-no.
Moderno é a competitividade, é o uso de alta tecnologia, é a negação
de uma identidade e o assumir outra forma de vida. Dos outros. É a
importação de valores. É ser do “primeiro mundo”.
É a agricultura de escala, de grandes produções. Para atender a
lógi-ca da industria, necessita-se da especialização, perde-se a
diversida-de, pela priorização de monocultivos. Ampliam-se a
produção de grãos, não somente para alimentar a população, mas
e principalmen-te, para alimentar os animais. As galinhas, os
porcos, o gado passam a serem confinados e se necessita de
alimentos para estes. A agricul-tura se especializa e torna-se um
setor totalmente dependente capi-tal financeiro e industrial.
Em realidade este não é um processo iniciado recentemente, como
parece. Ele tem seus fundamentos, em 1535, quando Portugal deci-
de colonizar o Brasil. Acrescente-se. Forçado por Holanda e França
que contestavam o “direito divino” da posse destas terras. Quais os
princípios adotados então? A agricultura em grandes áreas (latifún-
dio) e especialização (monoculturas). Surgem inicialmente os enge-
105
nhos de açúcar e depois as usinas. Lançam-se as bases de uma
agri-cultura industrial, onde inclusive se precisa importar a mão de
obra (escravidão). Em 2004, percebem-se as mesmas bases,
impera o latifúndio2, a monocultura e a exclusão. Mas surge uma
novidade, a biotecnologia. Uma continuação da “revolução verde”.
Que contri-bui para alimentar a ideologia de que a técnica encontra
solução para tudo. Mas na realidade não resolve a exclusão, a
perda da biodiversidade, a crise ecológica.
Mas não foi uma caminhada tranqüila. Surge a resistência dos
índios. As lutas dos negros. A insubordinação dos excluídos. Lutas
e mais lutas, contestando o “modelo” implantado e que as elites
continuam a reafirmá-lo. Pensam que é possível ajustar, conceder
aqui e ali, que está tudo bem. As lutas e a organização popular
sinalizam o contrá-rio. Indica de forma clara a urgência por
alterações. Há necessidade de mudanças de rumo e de modelo.
Porque a crise chegou forte e o planeta agoniza.
Crise de civilização
O progresso da humanidade se a princípio é lento, o mesmo se
acelera a partir da segunda metade do século XX e em apenas trinta
anos, se alcança uma crise de civilização, que se materializa por um
desequilíbrio na natureza, perda de solos, contaminação de lençóis
freáticos, perda da diversidade, perda de referenciais teóricos. Enfim,
uma crise de grandes proporções, por isso uma crise da civilização.
Crise que se pode até ignorar a miséria, produ-zida pelo nosso
modelo, mas não pode ignorar o perigo da conta-minação ambiental.
Os ricos podem ignorar a miséria, mas não podem ignorar a
contaminação. Porque queiram ou não, atinge a
106
todos. (Beck 1998). Isto em apenas trinta anos. É a
velocidade da tecnologia intensificando processos,
derrubando conceitos, esta-belecendo novos paradigmas.
107
caso, a natureza é para ser explorada e conquistada totalmente e para
isso se exige mais pesquisa, mais tecnologia e conquistas, inclusive de
novos mundos. Continua a exclusão de homens, de animais, da natu-
reza. Creio que não há necessidade de avançar muito nesta direção. A
situação do mundo hoje, já revela a impropriedade de seguir trilhando este
caminho. As pequenas correções de rumos já revelaram que são
inconsistentes. Aumenta a concentração de renda e de poder. Aumen-ta
as catástrofes naturais, sociais e políticas. Porém, são muitos os que
acreditam que a tecnologia vai trazer as soluções que se precisa. Que ela
é capaz de recuperar determinadas situações. Isto só revela uma
cosmovisão, onde a técnica é o centro do processo civilizatório e a
tecnologia, sua manifestação e expressão ideológica.
Mudando o rumo
Vamos mudar o ruma desta prosa. Vamos tentar trabalhar em outra
direção. No encontro do homem com a natureza. Vamos buscar uma
cosmovisão onde o ser, se materializa no concreto e no simbó-lico.
Aliás, aquilo que chamamos de concreto é fruto de nossa per-cepção,
do nosso simbólico, do nosso imaginário. (Castoriades,1982) Mas é
pensar no homem nas suas múltiplas dimensões, inclusive a
espiritual, que necessariamente não significa religiosidade. É traba-
lhar na complexidade dos elementos que compõe a vida. Nos pro-
cessos auto-organizativos e complexos através da neguentropia.
(Morin, 1997). Nas cadeias tróficas. Na diversidade e complemen-
tariedade. Em uma nova racionalidade ambiental. (Leff,2002). Na
recuperação dos conhecimentos tradicionais. Na etnoecologia como
expressão de uma compressão do tradicional, para avançar na
construção de um novo, comprometido com suas raízes. (Toledo,
2002). Pela co-evolução dos conhecimentos, valores, organizações
sociais, tecnologia e sistemas biológicos (Norgaard,1989). No
entendimento de uma racionalidade camponesa ou indígena, onde a
reprodução de sua família é o centro de suas estratégias.
(Chayanov,1974), (Shanin, 2001)
108
Vamos pensar na agroecologia, como expressão de um método e de
uma nova área de conhecimento, que busca uma agricultura ecoló-
gica (Altieri, 2001), (Gliessman, 2002) e um desenvolvimento sus-
tentável (Sevilla Guzmán e Woodgate, 2002). Ë pensar no desenvol-
vimento e em uma agricultura sustentável como um processo de
transição, construído social e participativamente, tendo como base
teórica, a agroecologia. (Caporal e Costabeber, 2004). Partindo dos
agroecosistemas, como unidade/totalidade de análises e de inter-
venções. De forma peculiar, diferente, própria. Trabalhando com as
diversas dimensões e campos das ciências. Avançando e construindo
um conhecimento especifico, próprio, onde não há fórmulas pré-
estabelecidas. Aceitam-se princípios e metodologias. Como cami-
nhos de uma construção.
Alguns princípios
Alguns princípios poderiam ser listados para esta proposta de de-
senvolvimento sustentável. A valorização do conhecimento endógeno
e das potencialidades locais; o desenvolvimento local sustentável; a
participação da família do agricultor em todas as fases e etapas do
projeto; considerar os aspectos de gênero, etnia, raça e geração; o
caráter inter e multidisciplinar da intervenção do início até o fim.
Ecossistemas como unidade de análise e intervenção. O diálogo de
saberes. Shiva (2003:15) recomenda que “adotar a diversidade como
forma de pensar, como um contexto de ação, permite o surgimento de
muitas opções.”
Um desenvolvimento diferente?
Esta construção parece indicar a necessidade de considerar como
elemento determinante o meio ambiente. Discutir propostas de de-
senvolvimento implica considerar os diferentes meios ambientes.
Resulta, portanto, discutir diferentes desenvolvimentos. Nesta linha, a
Amazônia é um grande desafio e uma grande oportunidade. Têm-
109
se a floresta e a exigência de sua continuidade, para manter as pos-
sibilidades de configurar um desenvolvimento. Oportunidade pelo seu
caráter único da maior floresta tropical do mundo. Em sendo assim,
configura-se uma extraordinária diversidade. Diversidade ve-getal e
humana. Ao mesmo tempo, em que se constitui um ecossistema
também singular. Região onde se concentra maior po-pulação
indígena do país. O que sinaliza para aa existência de um
conhecimento tradicional da floresta. Schröder (2003:42) defende “que
os indígenas manipulam ativa e conscientemente o meio ambi-ente” e
cita como exemplo desta complexa manipulação as “ilhas de
recursos”4 dos Kayapó-Gorotire. Região, afortunadamente pouco
desenvolvida. Mas com grande potencial para um desenvolvimento
diferenciado. Nesta direção é fundamental entender, compreender,
analisar a “modernidade” e a crise de civilização provocada por este
tipo de desenvolvimento. A crise do mundo é uma crise do capital.
Cabe, neste ponto, alguns questionamentos, por que repetir o mes-mo
estilo e modelo de desenvolvimento de outras regiões? Por que o
caminho é a industrialização, a devastação, o desrespeito ao meio
ambiente, a concentração e a exclusão? Quais são os elementos
diferenciadores que indicam possibilidades de avanços? Será que há
alguma dúvida que adotando o modelo clássico de desenvolvimento,
na realidade se está contribuindo para agravar a atual crise mundial?
Ambiente inadequado?
São muitas as perguntas. Porém existem umas poucas certezas. No
caminho já iniciado de uma agricultura dita “moderna” altamente
dependente de capitais externos a propriedade. O resultado a médio
110
e longo prazo é a destruição da floresta e de sua biodiversidade, para
implantação da monocultura. Nesta perspectiva deste desen-
volvimento, pode-se entender a tese de Meggers (1954) que a flo-
resta tropical é um ambiente inadequado ao sustento de sociedades
mais complexas. Pode ter razão, principalmente, se esta sociedade
não considera as peculiaridades locais do meio ambiente. Negando
esta tese está a existência de aproximadamente dois milhões de indí-
genas, no século XVI, vivendo, produzindo, exportando,
comercializando produtos e interagindo com a floresta de forma ati-va
e conseqüente, na maioria das vezes. O desequilíbrio ocorre, com a
chegada dos “civilizados”, atrás de ouro e pedras preciosas, dizi-
mando, o meio ambiente. Homens, mulheres, animais, floresta são
reduzidos à mercadoria e ocidentalizados, na perspectiva do capital e
da cultura dos europeus. É este o desenvolvimento que se tem como
referência?
A Amazônia, no mundo, é sinônima de meio ambiente. Turistas de
paises que destruíram suas florestas vêm conhecer as nossas. Expe-
dições de pesquisadores, oficiais ou não, adentram na floresta na
busca de suas preciosidades. Hoje, não somente minérios, ouros,
mas também da biodiversidade. A exportação de peixes ornamen-tais,
pássaros, animais e tantas outras coisas é uma constante. Legal-
mente ou não. Madeira de lei que revestiram palácios, no passado, no
presente continuam sendo contrabandeadas para decorar casas de
outras pessoas fora da região. Reconheça-se, “eles” conhecem a
Amazônia, bem mais que nós. E aí, surge um enorme desafio: a
necessidade de se conhecer e conhecer bem este magnífico
ecossistema. Conhecer não apenas para identificar onde existem mi-
nas de metais preciosos. Mas, conhecer sua fisiologia, sua cultura,
seu manejo. É imprescindível uma aproximação com o conhecimen-to
tradicional. É fundamental o estabelecimento de um diálogo de
saberes. Sem preconceitos. Com respeito às diferenças e às distintas
cosmovisões. Com o intuito de construir um conhecimento coletivo a
partir das experiências e das vivências locais. Que, diga-se de pas-
sagem, não são poucas. Existem SAF’s, as experiências com
111
Permacultura. Os consórcios vegetais. Manejo da floresta com
pou-co impacto ambiental. Uso medicinal e extrativista.
Experiências de pesca e de manejo de pescado. Conhecimentos,
vários, que funda-mentam um desenvolvimento diferenciado.
Turismo e biodiversidade
Um projeto de desenvolvimento diferente, onde políticas públicas se-
jam formuladas para estrategicamente fortalecer duas direções. Uma,
o turismo e outra, a biodiversidade. Estas dimensões têm inúmeros
desdobramentos. Um turismo que não seja simplesmente a oferta de
bons hotéis com programas de incursões ecológicas. Mas um turismo
que alie, hotéis, incursões ecológicas, com apresentação de distintas
manifestações culturais e serviços, seja através da dança, do
artesana-to, da comida, da biodiversidade. Vale salientar que não é de
hoje que a cultura na Amazônia desperta admiração. Carvajal
(1941:47), assim relata sua impressão sobre a cerâmica. “... a melhor
que já se viu no mundo, porque a ela nem a de Málaga se iguala. É
toda vidrada e esmaltada de todas as cores, tão vivas que espantam
e, além disso, os desenhos e pinturas que fazem nela são tão
compassados que com naturalidade eles trabalham tudo em romano.”
Quando se fala da biodiversidade, têm-se visões múltiplas de suas
possibilidades. Captação de carbono. Indústria farmacêutica.
Indús-tria de cosméticos. Patenteamento de espécies raras e
exóticas. Extrativismo. O pescado e sua indústria. Doces e sucos.
Orquídeas. Animais e plantas que não conhecemos e que não
existem em outra parte do mundo. Uma diversidade de opções.
Porém, estas alterna-tivas exigem uma floresta.
Mas, possibilidades diferentes do modelo convencional. Por isso, com
amplas perspectivas de fundamentar um desenvolvimento efetivamen-
te sustentável cujo resultado, seja a inclusão social e o envolvimento
ativo da população no manejo adequado de seus ecossistemas.
Qual a novidade destas propostas? Por que não existem políticas
112
ta direção? Esta proposta é absurda? Inconseqüente? Quantos
já fi-zeram, com mais competência e mais detalhes propostas
nesta dire-ção e não foram sequer escutados? Estas propostas
são contra um projeto de desenvolvimento? Estas propostas
significam uma volta ao passado e voltar a viver em malocas e
não ter acesso à tecnologia e às inovações?
Necessidade de conhecimentos
Claro que não. Esta é efetivamente uma proposta de desenvolvimen-
to. Aonde se necessita cada vez mais de tecnologia. Exigem-se mais
conhecimentos. Alias, este é um fator de desenvolvimento e com
amplas perspectivas de exportação. Conhecimento do manejo ade-
quado e apropriado da floresta amazônica. Esta proposta traz em si
uma necessidade de avanço cientifico, porém a partir de outros
paradigmas. Morin (1991:17) diz que “todo conhecimento, incluin-do o
conhecimento cientifico, está enraizado, está inscrito em e é
dependente de um contexto cultural, social, histórico. Porém o pro-
blema consiste em saber quais são estas inscrições, enraizamentos,
dependências e perguntar-se se pode haver, e em que condições,
uma certa autonomia e uma relativa emancipação do conhecimento e
da vida”. Qual o conhecimento amazônico? Qual o conhecimento que
reflete e responde ao contexto cultural, social, histórico e natu-ral da
Amazônia? Este conhecimento poderá apontar para um de-
senvolvimento sustentável. Mas, com certeza o conhecimento pro-
duzido em outro contexto cultural, social, histórico e natural se
implementado na Amazônia poderá concorrer para uma catástrofe e
não para um desenvolvimento.
Para concluir
O mundo muda a cada instante porque é formado por entes vivos. Assim,
113
melhor e outras para pior. Por se pensar que o mundo é uma matéria
prima para o capital, chega-se a esta situação de esgotamento. Há um
enfraquecimento e um estado débil de vida, com um aumento cada vez
maior e mais presente de mortes. Esta separação do homem da natureza
nos leva a uma crise de civilização. Configura-se depois de muitos anos
nesta caminhada a constatação que muitas estratégias foram
equivocadas. Talvez a maior delas, foi a opção por acumular riquezas e a
estratégia antropocêntrica de dominação da natureza.
Schumacher, (1981) alerta que é um equivoco pensar que está re-
solvido a questão da produção e destaca a batalha do homem contra
a natureza. Registra-se, porém, que não há crise para o capital. Este
está cada vez mais bem remunerado, cada vez mais concentrado,
cada vez mais excludente. E, as pessoas na Universidade, nos órgãos
de desenvolvimento, nas agências de cooperação técnica têm uma
enorme responsabilidade. Precisa-se assumir uma postura favorável
na direção de contribuir para efetivas mudanças. Precisa-se repensar
a maneira de agir em casa, no trabalho, nas relações pessoais e pro-
fissionais. Precisa-se olhar a volta e analisar efetivamente que mundo
se quer construir. Analisar e aprofundar os conhecimentos sobre a
proposta agroecológica e criticando-a, reconstruindo-a, reelaborando-
a, identificando-a se pode ser uma ferramenta, uma metodologia e
uma epistemologia. Que permita subsidiar e fundamentar o cami-nhar
para mudança de paradigmas e de reafirmação de sonhos, que
implantados, leve a construção de outro modelo de sociedade. Que
pode ser em uma comunidade, em um grupo, ou individualmente.
Marx-Neef (1994:147) diz que “só temos o poder de modificar a nós
mesmos, porém o ponto fascinante é que se eu mudo, pode ocorrer
algo em conseqüência que pode conduzir a uma mudança no mundo”.
Pode ser pequeno, simples. Mas, que seja na direção contrária aos
caminhos que levaram a esta crise. Que seja contrária à acumulação,
à monocultura, ao enfrentamento, à competição, à pretensa
dominação da natureza e à exclusão social. Seja de reafirmação da
cooperação, da diversidade, da distribuição e a acu-mulação
comunitária, da inclusão. Seja nos integrando com a natu-
114
reza, cooperando, aprendendo, observando, entendendo o mistério de
sua reprodução em sua complexa auto-organização, promoven-do
radicalmente a vida. Novamente, reafirma-se, necessita-se da
manutenção dos ecossistemas. Necessita-se da floresta, até porque
floresta, em última instância significa vida. Inclusive e principalmente
para os que vivem fora dela. Retomando a Schumacher(1981:12) que
lembra que a batalha do homem contra a natureza se vencida pelo
primeiro, significa simplesmente a ameaça de “continuidade da
existência do gênero humano”, pelo menos neste planeta.
Bibliografia
115
Porro, Antonio (1996) – O povo das águas. Ensaios de etno-
história ama-zônica. Editora Vozes. Petrópolis.
Redclift, Michael e Woodgate, Graham (Coor.) (2002) – Sociología
del medio ambiente. Una perspective internacional. Mcgraaw-
Hill/ Interamericana de Espana. Madrid.
Schröder, Peter (2003) – economia indígena. Situação atual e
problemas relacionados a projetos indígenas de comercialização
na Amazônia le-gal. Editora Universitária da UFPE. Recife.
Schumaacher, E. F. (1981) – O negócio é ser pequeno. Zahar Editores.
Quarta edição. Rio de Janeiro.
Shiva, Vandana (2003) – Monoculturas da mente. Editora Gaia.São Paulo.
116
Da contradição do sujeito na
extensão rural
117
a este profissional um saber que produz a liberdade de si, a sua
interação e a dos agricultores familiares. Ao longo de décadas
assis-timos focos de reações à prática demandada pela revolução
verde, por parte de muitos desses técnicos que buscavam muito
mais uma postura de educador-educando, do que mesmo uma
atitude de al-guém que estende seus conhecimentos a um outro.
No entanto isto não foi hegemônico, na verdade constituia-se mais em
focos de resistência de alguns sujeitos sociais e, principalmente, das
organizações da sociedade civil, dos movimentos de igreja, de grupos
de extensionista das empresas estatais e de agricultores que faziam
frente a ação desenvolvimentista das políticas agrárias e à formação
universitária dos profissionais da área.
Resistência à falsa nomeação “extensionista” que o colocava e ainda põe
em evidência o dilema que vai incidir principalmente sobre sua forma de
relação com os agricultores/as, ou seja: ser educador ou transmissor de
conhecimento?; apoiar a apropriação de processo de transformações ou
levar pacotes tecnológicos?. O que é exigido ou demandado? Que pos-
tura tomar? Tratamos aqui de mudanças, de modificar a forma de atua-
ção, mas principalmente de alterar as crenças, valores e conceitos que
até então eram tidos como válidos. Mas, como fazer este processo de
mudança? O que pode impulsionar a reflexão?
O novo papel do extensionista está contido no Plano de Desenvolvi-
mento Sustentável do Brasil, que assim define “Ater deve ser instru-
mento capaz de contribuir decisivamente para: (a) colocar o agricul-tor
familiar e todos os atores envolvidos na condição de sujeito do
processo; (b) promover a organização dos agricultores familiares em
formas associativas e cooperativas; (c) reduzir a dispersão social; e
(d)estimular o exercício da prática solidária como
argamassa de uma nova consciência coletiva”3
Neste aspecto o caminho apontado pelo discurso da política brasileira, é o
118
Se por um lado esta participação não pode ser considerada “a
caixa de pandora” da assistência técnica e extensão rural, onde
estão de-positadas as soluções e tudo se transformará, por outro
lado, enten-de-se que atuar com um enfoque participativo significa
recolocar o homem no centro do processo, e aqui falamos tanto do
extensionista como do agricultor, da agricultora, do consumidor, da
consumidora e de todos aqueles que integram este universo.
O enfoque participativo, aqui é entendido como a possibilidade de
resgatar a cidadania e presentificar a ação política, social, econômi-
ca, cultural dos diferentes atores, construindo e reeditando novos
laços e pactos sociais de solidariedade e de contribuição voluntária,
permitindo o crescimento do espírito cooperativo sem que isto sig-
nifique o desaparecimento da individualidade, mas também propor-
cionando uma (re)leitura do coletivo.
O privilégio da participação e de processo dialético permitiria a cria-
ção de espaço de esperança na construção de novos arranjos de
relações sociais. É principalmente o privilégio do ser humano sobre a
tecnologia. Assim seria possível que “algo mais” se construa e con-
seqüentemente, que o sujeito social se presentifique, ampliando as-
sim a governabilidade sobre “as coisas” públicas.
A resignificação do rural impõe revisões teóricas e mudanças dos
profissionais e das organizações que atuam neste meio. Cabe, por-
tanto, entender que o enfoque de atuação humanista necessita mui-to
mais de uma conduta mediadora de diferentes saberes do que uma
atitude de persuasão junto aos agricultores. Conduta mediado-ra
significa permitir que os agricultores familiares possam, através de
processos comunicacionais, ampliar sua capacidade de análise e de-
cisão. E aqui se coloca algumas interrogações: como se reconhece e
dialetiza o saber e como se legitima a posição de sujeito? E especial-
mente como alimentar, na mente humana, a idéia de viabilidade de
um projeto de mundo com mais eqüidade e participação?.
Como afirmamos anteriormente, os processos comunicacionais per-
mite, através da dialética, que técnicos e agricultores possam interagir
e encontrar signos comuns, como também ampliar a compreensão
119
sobre crenças, valores, atitudes, conhecimentos e comportamento.
Isso implica numa compreensão do contexto desses dois mundos
que interagem. No entanto há dissonâncias e/ou contradições, pois
os processos de comunicação humana estão condicionados aos
as-pectos socioculturais e a forma como cada um deu sentido a
sua história. O processo dialógico, através da problematizacão da
reali-dade e da ação-reflexão é o caminho encontrado pelas
técnicas e métodos que priorizam a participação.
Esse conceito significa, dentre outras definições, correr o risco de
experimentar novas formas de relação e soluções criativas, para ve-
lhos problemas sociais, econômicos, ambientais e culturais. É a opor-
tunidade de reescrever a história. Este desafio é colocado pela Polí-
tica Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) que
de uma forma muito audaciosa, tenta reescrever a Agroecologia como
impulsionadora de mudanças nas relações sociais, políticas, cultu-
rais, econômicas e ética na sociedade, com a agricultura sustentável
ou mais diretamente, no contexto do desenvolvimento sustentável. O
avanço da humanidade se escreve nos desafios, nas idéias de li-
berdade e igualdade, na luta, assumindo-se riscos. É assim que os
sujeitos mudam sua realidade e influenciam o entorno. Este é o de-
safio para os agentes da extensão: decidir ousar e reinventar as rela-
ções sociais no Brasil.
Mas até que ponto os técnicos ou agentes de Ater estão optando por
isto? Quantos podem ser capazes de sair de seu espaço de conforto
relativo e se responsabilizarem pelo fato de que podem fazer a histó-
ria? Estas são interrogações que escutamos no discurso, constante-
mente. Quais são os limites? Pois estamos falando aqui de se fazer
presente no mundo, e isto implica em adotar-se uma postura ética e
reflexiva que vai ao encontro da democracia e ao respeito pelo outro.
Também significa se colocar enquanto sujeito, e não enquanto objeto
das políticas e das relações institucionais nos quais estão inseridos.
Não podemos deixar de considerando que processos de mudanças só
ocorrem por um desconforto que mobiliza a energia para a busca de
alternativa, de um fazer diferente e daí para a tomada de decisão
120
e, conseqüentemente para uma nova situação de conforto
e domí-nio. A nossa presença no mundo implica escolha e
decisão. Como afirma Paulo Freire (...)
“se alguém me pergunta... se acho que, para
mudar o Brasil, basta que nos entreguemos ao
cansaço de constantemente afirmar que mudar
é possível e que os seres humanos não são
puros espectadores, mas atores também da
história, direi que não. Mas direi também que
mudar implica saber que fazê-lo é possível”(...)
É a partir da consciência de que mudar é difícil, mas não impossível,
que se constroem a democracia e o ato de liberdade, ou como afirma
Paulo Freire é parte de “...nossa ação política-pedagógica”. Assim a
PNATER aponta para o caminho da democratização e liberdade dos
atores, a crença de que é possível mudar e, especificamente, neste
caminho, é preciso inventar e praticar novos saberes.
A mudança não tem sentido em si mesma. A configuração de um pro-
cesso de mudança precisa sempre de situações específicas. Ela
implica necessariamente a focalização de um objetivo, a saída de
uma situação a outra. Neste caso a PNATER aponta este foco de
mudança, ou seja, a busca de um modelo de desenvolvimento mais
sustentável, onde a Agroecologia aparece como a orientação para a
dialetização dos atores. Neste contexto as instituições estatais ou não
governamentais têm um papel importante para a concretização destas
mudanças. Impor-tante ressaltar que não existem fórmulas, mas como
abordamos an-teriormente, há diferentes possibilidades que devem
ser pautada pela capacidade criativa e por soluções locais,
priorizando e construindo formas de atuação que considerem a
participação e saberes dos membros das organizações de Ater, dos
agricultores familiares e demais atores sociais que integram este
sistema de relações ligadas ao desenvolvimento do meio rural.
Os processo de mudanças impulsionam para a aprendizagem coleti-va e
121
Sendo assim, estes processos são impulsionados por sonhos, que
são projetos pelos quais se lutam, a luta de um e a luta de muitos,
sejam seres engajados em organizações, sejam coletivos ou
individu-almente. A busca de realização de desafios implica
avanços, recuos, resistência, medos, mas principalmente a tomada
de consciência que mudar é possível, que se pode reescrever a
história e a relação hu-mana no mundo rural e deste com o
urbano, construindo assim o desenvolvimento sustentável. Como
afirma Freire: “ O que o sonho aspira é um ato político”.
E em meio a tudo isto, temos um sujeito que tem que se presentificar
com todas as suas contradições de estar em um mundo globalizado e
que deve ir em busca de seus sonhos e lutas. Se resignificando e
reinventando enquanto sujeito emergente, político, coletivo. Crian-do
novas formas de vida e buscando acima de tudo uma relação mais
solidária com os seus. Seja estes sujeitos, técnicos, agricultores ou
consumidores. Este é o maior desafio que nos coloca a PNATER,
transformar o modo de relações sociais em busca de uma melhor
forma de viver, e para dizer mais claramente, um modo de ser mais
feliz, dentro do limite possível da felicidade e da realidade.
Bibliografia
BROSE, Markus. Participação na Extensão Rural: Experiências
Inovadoras de Desenvolvimento Local, Tomos editorial, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas
pedagógicas e outros es-critos, Editora UNESP, 2000.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?, 12ª edição, Paz e Terra, 2002.
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