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INTRODUGAO Isabel Barca* Educapio histbric pesquisar 0 terreno, favorecer & mudanga a pesquisa recente em Educagio Historica a busca N de elementos para a compreensio da consciéncia his- t6rica, em especial a dos jovens, constitui-se como tum dos objectos centrais de pesquisa com a intengio de reunir dados empiticos que possibilitem um melhor en- tendimento acerca das ideias € sos de Histéria, 10 quo- tidiano das pessoas mais ¢ menos letradas historicamen- te, Dado que o conceito de consciéncia histérica tem sido também objecto de debate no Ambito da flosofia analiti- ca da Histéria, procurar-se-4 aqui uma reflexio sobre esse quadro conceptual, com 0 intuito de proporcionar a cla- tificacio dos enunciados teéricos que fazer parte da fun- damentagio dos estudos que se desenvolvem sobre a mesma problematica Profesora e pesquisadorn do Centro de Investgagio em Fdveagio da Univer sidade do Minko 54 serena HistrsPspctvas da Fascayfo Wt 1. EM TORNO DA COMPLEXIDADE E SIGNIFICADOS DA “CONSCIENCIA HISTORICA” Os contributos de Riisen (2001a, b), Lee (2002, 2004) ¢ Seixas (2004) para a discussio epistemoldgica sobre “consciéncia histé- tica” tém permitido identificar algumas ancoras de anilise das re- lagées da Histéria com a vida pritica de jovens ¢ professores de Histéria: a) A consciéncia histérica constitui uma atitude de orientacio temporal sustentada reflectidamente pelo conhecimento da Historia, ¢ distingue-se de uma simples resposta de senso comum as exigéncias priticas em termos de sentimentos de identidade. Esta distingio entre consciéncia histérica ¢ um certo sentido de identidade revela-se complexa, a avaliar pelos préprios estudos existentes sobre narrativas dos jo- vens acerca do passado. A distingio e relagées entre esses dois conceitos merece uma discussio af focalizada. () “Tet conscigncia histética’ no implica a adopcio, por to- ~~ dos, de um determinado paradigma historiogrifico nem tio pouco significa a defesa de uma tinica narrativa substantiva. As abordagens tedricas esto abertas a discussio, tal como as produgées histéricas concretas permanecem sujeitas 2 disconfirmagio. E, a argumentagio racional ¢ o respeito pela evidéncia que ajudario a decidir entre respostas mais ou menos vilidas. c) ‘Ter consciéncia histérica’ avangada implica adquirir um cer- to sentido do que é a Histéria como disciplina académica, dominar determinadas competéncias historiograficas, cons- truir wma narrativa (0 a narrativd) da condigéo humana (e nao apenas do seu pais) ¢ reflectir (¢ agir, intervir?) em con- soniincia com o esquema mental que cada um vai dinamica- mente formando. ete aca 55 Estes principios reflectem uma tomada de posigio, por parte de alguns investigadores em cognicio histérica, em contra-corren- te de tendéncias pés-modernistas que levam a legitimar ao mesmo nivel todas as produgdes sobre o passado. E se tais tendéncias, que chegam negagio de uma realidade extra-textual, podem ser ignoradas ou perfilhadas por historiadores que, segundo o(s) paradigma(s) que adoptaram, vio procurando sentidos em fancio das questdes que seleccionaram, elas terio de ser discutidas e pon- deradas seriamente pelos educadores de jovens que aprendem Histéria, e que facilmente podem ser seduzidos por frases do tipo ‘como posso saber a verdade se 0 passado nao existe, ou se no estive 1a?” (cf. BARCA, 2005; GAGO, 2005). Assinale-se que, Presentemente, a reflexio epistemolégica actualizada revela-se talvez ainda demasiado ténue entre os professores de Histéria, pelo menos em Portugal (MAGALHAES, 2005). Em ordem a um pensamento histético (¢ social) mais elabora- do, impde-se que a educagio histérica nio ignore o debate filosé- fico sobre a Histéria. Fulbrook (2002), na linha de um perspectivis mo que nio nega a objectividade, discute as caracteristicas de vversos paradigmas historiogrificos e a multiplicidade de metanarra- tivas que parecem confirmar a proclamacio do ‘fim da grande nar- tativa’. Ao desconstrucionismo extremo ¢ 20 narrativismo ficcional, Fulbrook contrap3e uma andlise em busca de respostas a questdes, como: ~ Até que ponto sio os paradigmas abertos a uma mudanca baseada em algum tipo de erenca sobre a possibilidade de um acesso extra-paradigmatico ao “passado real”? ~ Existird alguma forma de arbitear entre eles na busca de ‘um tinico “super-paradigma” (no sentido Kuhniano de cia amadurecida); ou haverd algo na natureza da iavestigacio histérica que signifique a permanente inevitabilidade da exis- téncia de um conjunto de paradigmas separados, concorren- ss| serine epee ice tes, concomitantes e mutuamente incompativeis, n4o se po- deado decidir entre eles com base em critérios consensuais? Neste diltimo caso, 0 que significa isso para a natureza da Historia ou paca o estatuto do conhecimento histérico en- ‘quanto “verdade” acerca do passado?? Apesar de as respostas a tais questdes no apontarem actual- mente para um consenso, existe, contudo, um conjunto de crité- tios metodolégicos de validade partilhados pela comunidade aca- démica ¢ transversais a qualquer paradigma ou histéria substanti- va, € que Fulbrook lista: ~ empenhamento no trabalho com honestidade e integridade; = auséncia de distorgdes ou omissdes voluntitias; - aceitagio da possibilidade de revisio de interpretagbes par- ticulares face a nova evidéncia; ~ 6, talvez, empenhamento na fruigio da criatividade do his- toriador enquanto esctitor - mas aderindo a uma nogio de fidelidade a pasado. Dentro do respeito destes critérios, existe uma variedade de paradigmas, por vezes incompativeis entre si, devido a diferentes, postulados, como por exemplo no que fespeita a natureza das re- ages entre o individuo e a sociedade, ou entre ‘consciéncia’, cul- turs, ideias e condicdes materiais, ou se se deve procurar além ou abaixo das ‘aparéncias de superficie’. Ao nivel da macro anilise, 08 diversos paradigmas historiogrificos poderio nio permitir a falsificabilidade (tal como Popper afirmara em 1961, por exemplo ‘Teadog doextrct: To ad att ae pra sent lag rote ae fr of eb the pow of er pradgmac aes teal as? I er some aay of aig among he and "ching fo igh "geparai”i t Kalin sexe of meat ies ri tr somtig shen the ature of coral ing ich moans that thre wll inet ad wags be w uber of pat omeing sing, matali parr amo mth ane amas case omar rece rund? he kei hte, wa et ti nf te mare of ty othe tats of itd noe raat te pt? (4 4 respeito da teotia da luta de classes). Com base nesses grandes paradigmas, uma variedade de metanarrativas sio possiveis e, porventura, infalsificveis: cfclicas (Spengler), de progressio line- ar (versio Whig), dialécticas idealistas (Hegel) ou materialistas (verses marxistas), ou sem sentido intrinseco (Oakeshott). Mas quando nos movemos dos grandes quadros narratives para o nivel de natrativas mais especificas, parcelares ¢ concottentes, sera jé possivel responder 4 questio: ‘qual delas é mais valida?’, dentro de critérios de falsicabilidade. Em relagio com este quadro filoséfico tém emergido algumas investigagdes em profundidade sobre consciéncia histérica dos jovens. Entre estes autores, destacam-se os que assentam a pes- quisa na questio essencial de ancorar conhecimento de uma his- (dria substantiva em ideias de segunda ordem, que permitam ‘usar’ esse conhecimento para uma anilise critica do mundo actual (como consciéncia histérica avangada, ¢ nio como conhecimento iner- te), como é 0 caso de Lee (2002), Seixas, Peck ¢ Poyntz (2006), Barton ¢ McCully (2005). Nas questdes relacionadas com a neces- séria destringa a fazer entre consciéncia histérica e identidade na- ional, destaque-se 0 trabalho de P. Lee e sua equipa (R. Ashby, S. Foster e J. Howson), pelo enfoque na exploragio das natrativas que os jovens possam construir sobre a histéria a escala humana. (Os trabalhos referidos tém exercido influéncia considerével na cla- tificagao do quadro tedtico € no aprofundamento das questdes de investigagio de vitios estudos, nomeadamente dos que integram © projecto portugués Hicon (Consciéncia Histérica - Teoria e Priti- cas?): * © Projecto "Consciéncia Mistria - "Teo Priticss (I), fnancado pela Fundasio para a Gincia€ Teenologi-FCT, constitu uma segunda fase destes tabalhos, e vise aprofundar € dlssemina os etudos em tomo da conseéncahistiviea de alos e pofessores de Hist, uma euipa qu integra. invetigadores portugues, do Brasil (Hof, M. Ausiiados Schmid) de Cabo Verde (Graga Sanches) 57

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