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1. INTRODUÇÃO
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O presente trabalho tem por foco conflitos fundiários urbanos, cuja política pública deve ser executada
precipuamente pelos Municípios (art. 182 da CF/1988).
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admitindo adaptações quanto às regras do processo clássico, para ampliar o âmbito da discussão
e assegurar, como fim maior, a realocação das pessoas retiradas das invasões.
Cabe dizer que este trabalho não sustenta o aniquilamento do direito do proprietário, até
mesmo porque não tem por objeto analisar os requisitos relativos ao cumprimento ou não da
função social do imóvel objeto da invasão. O que se questiona é a forma com que se tem operado
essas desocupações, mediante a aplicação dos instrumentos tradicionais da reintegração de
posse, os quais se mostram incapazes de conduzir a uma melhor resposta, por desconsiderarem
por completo o direito constitucional à moradia daqueles que sofrerão a ordem de desocupação.
Partindo desse pressuposto, há necessidade de relativização de conceitos clássicos para
que a reintegração de posse possa atender aos novos critérios. Tem-se que aceitar certas
transformações do processo para ensejar o tratamento adequado ao litígio de interesse público.
Diante dessas questões, o presente trabalho traz alguns apontamentos sobre a prática
processual passível de ser adotada nesse tipo especial de reintegração de posse, os quais, ainda
que não tenham por pretensão esgotar o tema, bem podem servir como um norte na busca de
soluções mais comprometidas com a complexidade da questão que se coloca.
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Sobre a terminologia structural injunction, com apoio em RODRIGUES e VARELLA (2017: 518-519), cumpre
registrar que as injuctions norte-americanas, tal qual nossas medidas de tutela específica, partem do pressuposto
de que o Poder Judiciário pode ordenar que se faça ou se abstenha de fazer algo, e essas ordens detém alta carga
coercitiva, implicando, no caso de desobediência, em várias penalidades. A structural injuction é uma espécie de
injuction, na qual o Judiciário intervém na organização do Estado, determinando a formatação de instituições ou
mesmo sua abolição. As structural injuctions também têm sido utilizadas para formatar políticas públicas que tem
desempenho insatisfatório em tema de efetivação de direitos, máxime os direitos sociais.
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THEODORO JR., NUNES e BAHIA (2013: 121) destacam que a Constituição de 1988 permitiu o surgimento
de uma nova litigiosidade com potencial emancipador e contra-hegemônico, que cobra uma maior participação de
todos os atores do processo na concretização da Constituição, que não pode ser um repositório de promessas
inconsequentes. Com a ampliação do acesso à justiça e a constitucionalização do Direito se permitiu o ingresso no
Judiciário de inúmeras demandas que expõem os déficits de operacionalidade dos Poderes Executivo e Legislativo.
A jurisdição é, agora, chamada a suprir as deficiências de outros Poderes, através da função de garante de direitos
fundamentais, “inclusive com o advento da possibilidade quase normativa, mediante o papel contramajoritário em
prol de minorias. ”.
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Os litígios estruturais são marcados por conflitos de elevada complexidade, envolvendo
múltiplos interesses, com oposições e alianças parciais. Busca-se, nas demandas envolvendo
litígios desse jaez, a implementação, pela via judicial, de princípios constitucionais relevantes
que não foram espontaneamente concretizados pela sociedade, através da reorganização de
certas instituições que, atuando de forma comissiva ou omissa, se afiguram como protagonistas
na violação de direitos constitucionalmente estabelecidos (VITORELLI, 2017: 371-372).
Os litígios estruturais perpassam pela especial consideração que a vida em sociedade é
marcada pela influência não apenas de indivíduos, mas também de organizações de grande
porte. Essas organizações podem constituir ambiente propício para violação de direitos (FISS,
2017: 120b), e, por isso, a ressemantização da realidade social passa também pela reorganização
dessas instituições. Infere-se, pois, que as demandas estruturais, na feliz expressão de NUNES
(2011: 44), busca “precipitar a mudança social” a partir da reorganização de importantes
instituições do governo, afetando a vida de milhares de pessoas.
A Suprema Corte dos Estado Unidos, julgando o caso Brown vs. Board of Education of
Topeka, em 1954-1955, após superar a doutrina separate but equal, e se vendo no dilema de
como abolir das entranhas da estrutura educacional norte-americana a segregação racial entre
brancos e negros, acabou por instaurar um dos mais emblemáticos capítulos da litigância de
interesse público4.
O julgamento de Brown vs. Board of Education e de vários outros casos visando unificar
o sistema educacional norte-americano evidenciou que sistema tradicional de litígio era
insuficiente para a implementação de direitos e a adequação das instituições e de políticas
públicas à Constituição. A experiência colhida a partir daqueles julgados permitiu que a
Suprema Corte dos Estados Unidos empreendesse uma série de reformas estruturais em grandes
instituições e serviços públicos, como hospitais, estabelecimentos prisionais, departamentos de
polícia (FISS, 2017: 25), contribuindo com a gramática da democracia e da efetivação de
direitos no repertório dos debates institucionais daquelas organizações (BERIZONCE, 2017:
267)5.
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A litigância de interesse público (public interest litigation), consoante THEODORO JR., NUNES e BAHIA
(2103: 121) encerra a ideia de um conjunto de litígios destinados a implementar direitos fundamentais, em especial
direitos sociais. “A ideia principal nessa modalidade de litigância é exigir a efetivação de políticas públicas tanto
expressas em lei, como decorrentes de princípios consagrados constitucionalmente ou de iniciativa, pela via
judicial, de aplicação normativa. ” (THEODORO JR., NUNES, BAHIA, 2013: 121)
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OSNA (2017: 194-198) reconhecendo a importância de certas instituições na sociedade contemporânea
problematiza os riscos de suspender certas atividades de forma abrupta, ainda que se verifique a transgressão do
sistema normativo por parte dessas organizações. Se de um lado parece haver consenso de que atividades dessas
instituições devem se amoldar ao ordenamento jurídico, o sancionamento dessas instituições de um modo
tradicional pode implicar em resultados negativos – e ainda mais graves – para toda a coletividade. O
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A despeito do entusiasmo de alguns sobre esse novo desenho da jurisdição a partir do
estabelecimento de medidas estruturantes, especialmente no que concerne ao asseguramento de
direitos sociais, existem relevantes críticas a esse modelo de tutela jurisdicional, que
inequivocamente muda as chaves em relação ao tradicional modelo de litigação (modelo de
resolução de disputas).
O próprio FISS (2017: 25-51; 2017: 120b) – um dos mais relevantes teóricos sobre o
tema – reconhece a contundência de algumas delas, especialmente porque decisão dada em
demandas estruturais constituem um tipo especial de adjudicação, caracterizado,
principalmente, pelo caráter constitucional dos princípios e diretrizes políticas postos em
questão e por envolver um embate entre o Judiciário e as burocracias estatais.
Essas circunstâncias evidenciam certa indefinição quanto aos contornos do próprio
direito a ser concretizado. Sugerem alguns que a definição desse direito, muitas vezes instituído
a partir de fluídas prescrições constitucionais, pela via jurisdicional resulta em violação ao
princípio da separação de funções, atribuindo aos juízes, de forma antidemocrática, a função de
desenvolver políticas públicas que reclamam amplo conhecimento técnico do qual eles não
dispõem. Isto é, as medidas estruturantes unilateralmente determinadas pelo Judiciário podem
colocar em pouca conta as políticas públicas desenvolvidas no âmbito do Executivo e
Legislativo e os custos exigidos para o desenvolvimento das ações destinadas a implementar
ou maximizar o gozo de determinado direito, ou para a estruturação de uma instituição.
À essas críticas somem-se aqueloutras que veem no sistema tradicional de jurisdição
uma estrutura polarizada, incapaz de suprir os déficits de legitimidade exigidos para a
construção de medidas de drástica modificação no tecido social.
Essas críticas, a nosso sentir, antes de desautorizar a atuação do Judiciário nesse
complexo contexto de litígios estrutural apenas avulta a importância de se fazer do processo um
ambiente dialogal e plural. Isso passa necessariamente pelo resgate da importância das partes e
dos atores sociais na construção e implementação das decisões. Sem a necessária fusão de
realinhamento dessas instituições ao ordenamento jurídico sem comprometer o desenvolvimento de suas atividades
constitui hard case. É dentro desse contexto que no discurso jurídico e econômico das últimas décadas incorporou
a noção do too big to fail. Não obstante, essas instituições não estão blindadas ao sistema normativo e suas
transgressões à ordem jurídica não podem ser ignoradas. Concordamos com OSNA, quando afirma que: “(...) o
que se vê é que a atuação repressiva nesse tipo de hipótese poderia levar a uma série de problemas e a evidenciar
a insuficiência de uma resposta puramente dicotômica. Ao não inibir e não sancionar as condutas, a quebra da
confiança institucional seria configurada – estimulando-se, ainda, a sua repetição; ao inibi-las e sancioná-las de
forma integral, haveria um risco real de colapso econômico. (...) Em outras palavras, a lógica proposta conduziria
a uma verdadeira reestruturação das corporações: em atenção à manutenção do ambiente econômico, seria
razoável impedir as consequências imediatas da crise; contudo, além dessa intervenção salvadora, competiria à
esfera pública agir repressiva e prospectivamente para redesenhas as instituições e readequar seu funcionamento
futuro” (2017: 198).
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horizontes dos diferentes sujeitos processuais será impossível resolver questões sociais
fraturantes.
A jurisdição enquanto mecanismo de criação e implementação de medidas estruturantes
não se assenta na suposição de uma privilegiada superioridade da magistratura em relação a
outros atores políticos. O próprio FISS, entusiasta do papel desempenhado pela magistratura no
final da década 50 do século passado, cuidou de reconhecer a inexistência de qualquer
superioridade dos juízes em relação a outros atores políticos. Para o americano a supremacia
do Judiciário nessas questões se dá pelas restrições da razão pública no qual atua o Judiciário.
Os juízes, diferentemente de outros atores políticos, são obrigados a ouvir a reclamação de todas
as partes, mesmo naqueles casos que desejaria não o fazer, e após conduzir seus trabalhos em
público, devem publicamente anunciar sua decisão e justificá-la com base princípios (FISS,
2017: 30). E arremata o autor: “[e]ssa deferência pode ser justificada por uma consideração
instrumental, especificamente a crença de que, em geral, os tomadores de decisão limitados
pelo processo são mais prováveis do que outros de sair com uma resposta correta ou produzir
um verdadeiro significado da Constituição. ” (FISS, 2017: 30)
No Brasil, tal determinação se extrai da garantia constitucional de pleno acesso à justiça
(art. 5º, XXXV) que oferta a possibilidade de ingresso e de obtenção de respostas corretas ao
fim do devido processo jurisdicional.
De fato, o processo é o fiel da balança, que permite superar os déficits de legitimidade
e acusações acerca da usurpação de competências por parte do Judiciário. Vale dizer: o
processualismo constitucional democrático (NUNES, 2012), a partir da visão dinâmica das
garantias processuais, é que permite a construção de espaços de produção de consenso/redução
de tensões entre o público e o privado, a partir do diálogo interdependente entre todos os atores
do processo. Nesse sentido, o processualismo constitucional democrático objetiva construir
uma concepção de processualização dos direitos não apenas sob a ótica do protagonismo
judicial, mas sobre o debate interdependente de todos os interessados na decisão, dentro dos
papeis por eles desenvolvidos ao longo do processo, sem embargo da possibilidade de se incluir
órgãos governamentais com a adequada expertise para participar, de modo direito ou indireto,
do processo, vislumbrando, assim, a compreensão panorâmica do litígio e a construção de uma
decisão mais próxima do adequado (THEODORO JUNIOR; NUNES; BAHIA, 2013:121).
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estruturais comportam variadas formas de concretização. Como se viu, esse desapego à regra
da adstrição não se dá pela superioridade cognitiva do magistrado, mas porque a execução dessa
decisão de ter seus fluxos de efetivação dilatados. A execução negociada tem especial campo
de atuação em litígios desse jaez.
Se de fato é difícil estabelecer medida específica para asseguramento de direitos
inespecíficos (ZARING, 2004), especialmente no caso em esses direitos são violados de forma
massiva e reiterada, não se pode esperar que o juiz de modo solitário consiga fixar todos os
aspectos relevantes para a decisão, especialmente porque a complexidade que envolvem essas
questões perpassam pela delimitação de objetivos constitucionais, pela alocação de recursos
escassos e de atuação e arregimentação de muitos grupos e atores. BAUERMANN (2017: 291)
ressalta que as medidas estruturantes devem ser utilizadas com parcimônia, pois as chances de
serem malsucedidas é enorme.
É bem por isso que que não se pode esperar exclusivamente do Judiciário todas as
respostas para complexos problemas estruturais. Muito pelo contrário, a complexidade desses
temas implica na redobrada exigência de diálogo e cooperação dos mais diversos atores do
processo; que se abra o processo para novos fluxos comunicativos, buscando uma construção
de um horizonte decisório a partir de diferentes e multifacetadas perspectivas. Assim, “[q]uando
o Judiciário tem diante de si a responsabilidade de prover resposta à pretensão que envolva a
realização de políticas públicas [e de reorganização de órgãos da estrutura estatal] deve - assim
com maior ênfase do que já se é exigido em qualquer processo - ter em vista a garantia do
contraditório como comparticipação.” (THEODORO JR., NUNES, BAHIA, 2013: 121).
Com efeito, o processo deve, pelo necessário respeito ao devido processo, comportar a
participação de todos os envolvidos na política pública ou na gestão da organização cuja
mudança estrutural se pretende implementar, de forma que se colham elementos relevantes para
a elaboração e implementação da medida estrutural6. É preciso que se insista que o processo,
especialmente no campo de demandas estruturais, deve ser ambiente que fomente a cooperação
entre os mais diversos atores processuais. É justamente nesse ambiente de comparticipação que
se deve construir e implementar as medidas destinadas a evitar a perpetuação de violação de
direitos.
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Compartilhando dessa ideia, BAUERMANN (2017: 290): “(...) o Judiciário pode exercer importante papel no
sentido de definir direitos e emitir decisões. Todavia, é imprescindível que se tenha consciência do fato de a ele
ser impossível garantir o cumprimento das strucutural injuctions de forma isolada, porque é indispensável o
comprometimento dos outros ramos de poder com o quanto determinado para que se obtenha a observância integral
dos direitos.”
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A sociedade, o governo e os juízes devem negociar e se comprometer com essas
medidas, e, acaso o remédio escolhido não atinja os objetivos esperados, eles devem ser
substituídos por outros, eleitos em ambiente igualmente dialogal. A arregimentação dos atores
em prol da concretização dos direitos e da implementação das mudanças estruturais é
indispensável, especialmente porque as mudanças estruturais complexas demandam tempo e
recursos. Nada obsta (e, aliás, a prudência recomenda) que essas medidas sejam implementadas
por etapas.
Certamente um ambiente comparticipativo é determinante para que se perceba que nem
todo ensaio frustrado significa um descompromisso com a reforma estrutural, mas uma
oportunidade de se aprimorar de forma constante a medida estruturante instituída.
Nesse sentido, OSNA (2017: 184):
Feito este introito a respeito das medidas estruturantes de forma geral, resta transpor as
lições gerais ao tema do artigo, notadamente ao conflito entre a reintegração de posse vs. direito
à moradia, e a solução do conflito coletivo por meio das strutural injuctions.
“ (...) o Estado, desaparelhado para cumprir com tal objetivo, não foi capaz de elaborar
e efetivar políticas públicas que direcionassem a prestação de serviços para tal fim.
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Dessa forma, surgiu um problema de acesso à justiça, não como acesso ao judiciário
institucionalizado, mas como a impossibilidade de que os cidadãos tenham acesso aos
direitos que lhe foram garantidos constitucionalmente”.
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dialogal e plural, em que todos os atores possam subsidiar a formação das decisões, tendo em
mente que o Judiciário, sozinho, não garantirá o cumprimento das injunctions.
Assim, a busca por um desfecho mais acertado para os conflitos fundiários urbanos
perpassa por essa nova visão, na medida em que, sob o prisma tradicional, as ações de
reintegração de posse contra coletividades, que se resumem, em sua esmagadora maioria, a
determinar a imediata retirada dos réus dos imóveis não utilizados, não fornecem uma resposta
acertada ao problema.
O direito de propriedade, que é o epicentro da reintegração de posse “privada”, impede
que se alcance uma solução equitativa quanto aos conflitos fundiários urbanos, sendo inegável
que a simples desocupação do imóvel, embora atenda ao interesse de seu proprietário, acaba
por criar um problema social maior ao colocar na rua dezenas ou centenas de famílias, as quais,
muito provavelmente, irão promover outras invasões, prolongando indefinidamente a situação,
num perverso círculo vicioso.
É imprescindível lembrar que, após a Constituição de 1988, ao mesmo tempo em que o
direito à moradia adquiriu status de direito fundamental, a noção de propriedade passou a ser
condicionada à função social, retirando-a do centro no ordenamento jurídico, para colocar a
pessoa humana em seu lugar.
E, na qualidade de direito fundamental social, o direito à moradia impõe ao Estado uma
prestação, cabendo a ele promover a efetivação desse direito junto aos que dele carecem. Nesse
sentido, o artigo 23, inciso IX, da CF/88, estabelece que “é competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias
e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. Trata-se de uma diretriz,
que não pode ser vista como “pauta retórica”, mas é “antes é um dever constitucional atribuível
a todos os entes federados” (RANGEL e SILVA, 2009).
Logo, a reintegração de posse, para ser capaz de enfrentar os conflitos fundiários
urbanos, precisa inverter a ordem patrimonialista então vigente. É imprescindível que se
desloque o centro de discussão dessas demandas: a discussão acerca do direito de propriedade
deve dividir a cena com os debates relacionados à implementação do direito de moradia, este,
infelizmente negligenciado pelo Judiciário.
Deve haver, portanto, uma revisão dos conceitos atinentes à reintegração de posse
clássica, para que o direito de propriedade não venha a se sobrepor, de forma tão absoluta, ao
direito à moradia de inúmeros indivíduos desprivilegiados, comprometendo o mínimo
existencial para essas pessoas.
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E, a litigância de interesse público é “o instrumento essencial”, capaz de unir esforços
de todos atores processuais “em torno de uma solução judicial que realmente resolva aqueles
problemas que não vêm sendo resolvidos pelas outras esferas de poder; aquelas questões em
que há necessidade de mudança social” (NUNES; BAHIA; GOMES; ASSIS, 2015).
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Outro importante ponto a ser considerado refere-se à participação do Município, que
deve integrar o polo passivo das ações de reintegração de posse interpostas contra coletividades,
na condição de ente público constitucionalmente responsável pela garantia da política de
moradia no âmbito dos centros urbanos7.
A perspectiva estruturante autoriza que a reintegração de posse, que tradicionalmente
obedece à dicotomia autor versus réu, tenha seu âmbito de participação ampliado, para
comportar a presença do principal ator envolvido na política pública em foco, de maneira que
se possa arregimentar elementos e, ainda, impor medidas efetivas no intuito de assegurar o
direito fundamental à moradia dos indivíduos atingidos pela reintegração.
A ideia é a de que a mesma sentença que venha a reconhecer o direito do autor imponha
a condenação do Município em garantir a política pública de moradia por ele mesmo traçada,
determinando que ele apresente um plano de assentamento dos réus, cuja moldura é, como
assinalado, a política pública do próprio Município.
O processo torna-se palco de amplo debate, mesmo na fase de execução, com a
finalidade de se encontrar soluções que melhor atendam aos interesses de todos envolvidos,
que, em comparticipação e inclusive com apoio técnico, se necessário, constroem um
cronograma de medidas dinâmicas, em cascata e passíveis de revisão, com a finalidade de que,
ao fim de todas as etapas estruturantes, os réus estejam devidamente assentados e o imóvel seja
restituído ao proprietário.
Por isso, é tão importante que, nesses casos, a liminar, como exposto anteriormente, seja
vista com parcimônia, sob pena de que um provimento satisfativo já no começo do processo
esvazie por completo o objeto da ação e impossibilite a completa participação de todos os
autores envolvidos, cessando de forma abrupta a dilação processual, que, em tais hipóteses,
revela-se fundamental.
Sobre o avanço normativo trazido pelo artigo 565, do CPC, aqui valem as mesmas
reflexões tecidas no item anterior, quando se tratou da liminar. Apesar do relevante progresso
no sentido de reconhecer a necessidade de distinção de procedimentos para essa categoria
especial de reintegração de posse, tal previsão mostra-se ainda acanhada no que diz respeito à
efetiva convocação de entes públicos para assumirem sua responsabilidade.
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O trabalho, por se limitar aos conflitos latifundiários urbanos, faz referência apenas ao Município, por ser ele o
ente federado imediatamente responsável pela execução de políticas para desenvolvimento urbano. Todavia, nada
impede que, de acordo com o caso concreto, a União e o Estado também sejam chamados a intervir no processo,
com objetivo não só de ampliar ao máximo o âmbito de discussão, mas para possibilitar a reunião de esforços e
atribuição de responsabilidade a todos os entes responsáveis pelos programas de construção de moradias (art. 23,
X, CF/1988)
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O § 4º do artigo 565, do CPC, limita-se a prever que os órgãos responsáveis pela política
agrária ou urbana da União, do Estado e do Município respectivos “poderão” ser chamados a
participar de uma audiência preliminar de mediação e a manifestarem seu interesse no processo.
Trata-se, portanto, de uma faculdade conferida tanto ao juiz, que “poderá” (ou não) determinar
a intimação, quanto aos órgãos públicos, que terão oportunidade de simplesmente negar seu
interesse no processo, sem maiores consequências.
Nota-se que o alcance desta previsão legal é bem mais reduzido daquele defendido neste
trabalho, cujo objetivo é demonstrar a necessidade da efetiva inclusão do Município no polo
passivo do litígio, a fim de que, ao final, seja possível estabelecer contra ele uma condenação.
A aludida norma restringe-se à adição de uma audiência de mediação, sem apontar
caminho para os casos em que não haja consenso entre os participantes ou para as situações em
que o ente público competente cingir-se a manifestar seu desinteresse no processo.
Assim, o reconhecimento da inclusão do Município como parte indispensável é o
primeiro passo para se sobrepor à dicotomia autor-réu que impera na reintegração de posse,
permitindo uma composição à altura da complexidade dos interesses envolvidos, ampliando os
limites da demanda, para que o litígio abandone seu aspecto cível e possa alcançar a tutela de
interesses sociais.
A consequência prática mais imediata da inserção do Município é o declínio da
competência das Varas Cíveis para varas da Fazenda Pública, onde houver, deslocando-se o
centro da discussão de um campo essencialmente privado para um âmbito de discussão de
Direito Público.
Se a primeira vista o deslocamento dessas demandas para uma Vara de Fazenda Pública
incorpora todas desventuras dos processos que tramitam nas varas desse jaez, num segundo
momento já se avança em perceber que os conflitos envolvendo a reintegração de posse em face
de coletividades não é um litígio individual, mas um litígio coletivo, e que desafia no mais das
vezes a adoção de medidas estruturantes de modo a contemplar de modo satisfatório os
interesses e os direitos da coletividade ré. Essa mudança de ótica em relação a esses conflitos
permite perceber que elementos argumentativos afetos ao direito à moradia não podem ser
olvidados do discurso judicial de aplicação do direito8.
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É bem verdade que o ideal seria criar critérios de competência que apartassem esse tipo de litígios da imensa vala
de litígios que tramitam perante as Varas de Fazenda Pública. Infelizmente no país o acesso à justiça ainda é
pensado normalmente pelo prisma quantitativo. Não obstante, é preciso insistir que o acesso à justiça passa pelo
aspecto quantitativo, sem dúvidas, mas também pelo correto mapeamento das espécies de litígios e como eles se
distribuem ao longo do território brasileiro. Os debates processuais têm avançado muito pouco quanto à esse último
aspecto, especialmente diante da perplexidade que os números da justiça brasileira ainda causam.
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Como instrumentos processuais que autorizem a intervenção do Município, poder-se-ia
falar na adaptação de institutos como a denunciação da lide ou o chamamento ao processo, que
poderiam ser requeridos pelos réus, mas a mera importação dessas formas típicas do processo
individual não atende às características do processo estruturante, que é mais aberto e rompe
com as chaves de ligação do modelo tradicional de resolução de disputas.
Impõe-se, portanto, pensar num processo realmente diferenciado, com ênfase mais no
contraditório e menos na forma, onde todos os interessados possam influir na elaboração dos
resultados, num ambiente negocial e de cooperação.
Vale observar, ainda, que sistema clássico de resolução de disputas fomenta o
comportamento do responsável de negar sua obrigação, à conta de seu desejo de se ver livre da
responsabilidade. Tal negativa alija essa parte de um debate mais consistente acerca do
redirecionamento de comportamentos futuros, o que infelizmente pode resultar na reiteração da
ocorrência do mesmo comportamento lesivo.
Sem embargo da importância de se evitar a naturalização de transgressões de direitos
ocorridos no passado, é necessário repensar o processo constitucionalizado para mediante a
jurisdição viabilizar as medidas estruturantes. Nesse contexto, a realização prática de direitos
constitucionalmente estabelecidos perpassam pelo realinhamento de certas instituições à
Constituição. O modelo tradicional de resolução de disputas, segundo FISS (2017: 33) sublima
a principal função das medidas estruturantes, que visa não apenas acabar com um incidente que
perturba o status quo, mas para também mudar o estado das coisas. Para que essa mudança do
estado das coisas ocorra pressupõe-se uma jurisdição que seja necessariamente dialogal e
horizontalizada no qual seus provimentos sejam fruto do devido processo legal.
Logo, a participação do Município é imprescindível nas ações de reintegração de posse
envolvendo disputas por terras nos centros urbanos, devendo ser autorizada como medida
indispensável não só para se alcançar uma resolução eficaz em tais litígios, mas também
promover a redefinição estrutural do ente público quanto ao tratamento futuro do direito
fundamental negligenciado.
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O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis, conforme reza o artigo 127 da Constituição Federal.
As atribuições do Ministério Público estão delineadas pela Constituição Federal, e, via
de regra, não tem interesse processual em ações que se discute reintegração de posse, quando o
objeto do pedido se limita a questões patrimoniais particulares, devidamente delimitados, sem
que haja a discussão de interesses difusos, coletivos ou de pessoas hipossuficientes.
A atuação do Ministério Público focaliza a tutela de interesses e de hipossuficientes
juridicamente tutelados a exemplo de menores, índios, disputa pela posse coletiva da terra rural
ou urbana entre outros interesses difusos e coletivos.
A simples presença do Município no processo estrutural não é suficiente para justificar
o interesse do Ministério Público. Nesse sentido, reafirmando a jurisprudência sobre esse tema,
o CPC de 2015 deixou consignado que “a participação da Fazenda Pública não configura, por
si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.” (artigo 178, parágrafo único, do CPC).
Em ambiente de processo estrutural devem ser analisadas questões que afetam o
interesse público, de maneira que o Ministério Público deve participar obrigatoriamente do
processo. Isso porque as medidas estruturantes afetam interesses que transcendem os interesses
puramente individuais. São situações em que se discute a atuação estatal em relação à efetivação
de direitos metaindividuais, a exemplo da saúde, educação, consumo, meio ambiente,
moralidade administrativa, patrimônio público, entre outros.
Conforme ensina Grinover (2017: 45):
Nos casos em que se discute a reintegração de posse de bem imóvel, ainda que seja um
imóvel particular, a implementação das medidas estruturantes por si só justifica a atuação do
Ministério Público. Pretende-se, a partir de uma inicial discussão individual sobre a propriedade
particular, com o processo estrutural, possibilitar a ampliação do objeto da discussão para
englobar o direito difuso da moradia da comunidade, de forma que o problema social da
moradia possa ser discutido com maior profundidade.
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O objeto que antes era limitado à propriedade particular, agora passa a ser o direito
difuso (moradia), envolvendo diversos atores na implementação das políticas públicas
necessárias para a sua solução.
Dessa forma, evita-se que novas demandas sejam desencadeadas sobre o acesso à
propriedade e à moradia, sendo que o processo estrutural convoca o Poder Público para
implementar políticas públicas direcionadas para a solução do problema como um todo.
Convém dizer que o Congresso Nacional discute o Projeto de Lei n. 8058/2014 que
institui “processo especial para o controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder
Judiciário e dá outras providências”. O referido projeto previu expressamente a presença do
Ministério Público no seu artigo 13, reafirmando a sua legitimidade quando o objeto da
demanda inclui interesse difuso ou coletivo, podendo, inclusive, ser acertado termo de
ajustamento de conduta, entre o Poder Público e o Ministério Público.9
Lembra-se que o Conselho Nacional do Ministério Público, em relação à atuação do
parquet em ações cíveis, recomenda a priorização daquelas que visam normatizar e regular
serviços públicos, que tenham impacto no patrimônio público e na proteção de direitos sociais,
conforme artigos 2º e 5º da Recomendação n. 34 de 05 de abril de 2016, do CNMP.
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Conforme consultado no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, o referido projeto encontra-se em tramitação
desde 2014, tendo sido realizada audiência pública, mas ainda não foi concluído, aguardando parecer da Comissão
de Finanças e Tributação, não havendo previsão de deliberação.
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sendo predisposto a dar respostas em termos que transcendam preferências e sejam
suficientes para fundamentar um julgamento considerado “constitucional”. (FISS,
2017, 133)
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Como obstáculo destaca-se: 1) a cultura política brasileira negadora de direitos; 2) restritivas ferramentas de
(de) igualdade política entre os cidadãos e 3) os movimentos sociais no final dos anos de 1980 e começo dos anos
90. (STEDILE, FERRI, OLIVEIRA, 2017).
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Discorrendo sobre o tema, as autoras destacam a importância dos conselhos no processo
de fiscalização:
O direito fundamental à moradia somente pode ser totalmente assegurado com uma
reforma organizacional profunda, que afaste as controvérsias individuais e leve em
consideração as condições da vida social, grupos sociais e a adequada representatividade de
seus interesses, diante da nova realidade apresentada.
A necessidade de adaptação do procedimento de reintegração de posse está
estreitamente ligada a compressão dos conflitos fundiários sob o prisma do litígio de interesse
público, em que o juiz abandona uma postura puramente passiva e assume uma
responsabilidade afirmativa para assegurar a representação adequada, construindo uma ampla
estrutura representativa, sem afastar do compromisso com a imparcialidade (FISS, 2017: 143).
Dada a complexidade das demandas estruturais, a adequação da representação é
primordial para atender aos interesses dos participantes presentes ou futuros, afetados direta ou
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Os novos desafios propostos pelo tamanho e pela crescente complexidade das sociedades modernas, aliadas às
novas visões da administração pública produzidas no bojo desses novos modelos, exigem novas formas de agir e
pensar a accountability, que estabeleçam e reforcem a confiança pública não só no desempenho governamental,
mas, e principalmente, que restabeleçam e reforcem a confiança pública no serviço público e nos seus servidores.
(ROCHA, 2011: 15).
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As funções decorrentes do exercício do poder estatal devem observar as normas jurídicas que compõe o
ordenamento jurídico. Destaca Ronaldo Brêtas que “o Estado é que detém a soberania em nome do povo, sua
comunidade política. E o exercício do poder pelo Estado é limitado pelas normas constitucionais e
infraconstitucionais que integram seu ordenamento jurídico, legitimado e definido pelo intransigente respeito aos
direitos e garantias fundamentais, uma das importantes marcas do Estado Democrático de Direito” (BRÊTAS,
2015: 18).
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indiretamente com a inovação procedimental. A participação de certas organizações e órgão
públicos como amicus litigante é necessária, e conforme assevera Own Fiss, tem o propósito
de obter um compromisso do Poder Executivo com o cumprimento da decisão e também de
ampliar a estrutura representativa. (FISS, 2017: 144-145).
A abordagem dos conflitos fundiários demanda uma análise profunda das condições
objetivas do litígio, envolvendo utilização de atos de violência ou clandestinidade, perda total
da posse do imóvel pela invasão de famílias de baixa renda, condições precárias de moradia e
sobrevivência, destacando-se a resistência quanto a medida judicial que concede a reintegração
de posse, buscando, a qualquer custo, eliminar as ameaças do direito fundamental à moradia,
assegurado no art. 6o da Constituição Federal de 1988.
Por ser uma demanda estrutural complexa, ela deve ser resolvida levando em
consideração a importância do direito fundamental à moradia no Estado Democrático de
Direito, indispensável para uma vida digna.
Desta forma, a implementação da decisão não tem a finalidade de corrigir um evento
isolado, pelo contrário, visa eliminar as condições que ameaçam o direito constitucional à
moradia, por meio de uma relação longa e contínua entre o juiz e município que é competente
constitucionalmente para estabelecer políticas para desenvolvimento urbano. (FISS, 2017:
145).
A partir das considerações de FISS, devido à complexidade do caso, a implementação
da decisão ocorrerá por etapas, e o exercício da jurisdição durará enquanto a ameaça existir:
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O planejamento de acordo com o senso comum, diz respeito às técnicas ou ferramentas gerenciais capazes de
organizar a ação das pessoas físicas e jurídicas em torno de objetivos e de metas ao longo do tempo. Trata-se,
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complexas e a efetivação dos direitos fundamentais. Sem o reconhecimento do planejamento
como um instituto jurídico o Estado não se consolidará como um Estado Democrático de
Direito. (VELOSO, 2014: 18).
A Lei no 10.257/2001, também conhecida como Estatuto das Cidades, regulamenta os
artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, estabelecendo diretrizes gerais de política
urbana, destacando no art. 4o, a relevância do Planejamento para o desenvolvimento das
cidades, já no âmbito municipal, a organização das cidades está prevista no Plano Diretor. Os
planos elaborados devem ser legítimos e legitimados pela sociedade por meio de consultas e
audiências públicas como decorrência da democracia e como condição de efetividade.
(VELOSO, 2014: 131). Nesse sentido, a ausência da compreensão do Planejamento como
instituto jurídico, implica graves dificuldade para a efetivação de políticas públicas e a
promoção de direitos fundamentais:
(...) a incompreensão por parte desses operadores pode gerar um risco para o êxito das
políticas públicas, ou mesmo um obstáculo para a efetivação dos direitos. Essa
incompreensão muitas vezes gera um conflito no seio da administração pública entre os
gestores e detentores do conhecimento jurídico técnico – por exemplo, entre o
Executivo e Judiciário. Muitas políticas públicas deixam se ser efetivadas em função de
obstáculos ou pseudo-obstáculos legais. (VELOSO, 2014, p.14).
grosso modo, de raciocínio simples no sentido de identificar aonde se quer chegar e qual o caminho a ser seguido
(VELOSO, 2014: 15-16). Do ponto de vista jurídico, o planejamento pode significar o ato do plano ou o processo
de elaboração do plano. E o plano é o instrumento jurídico propriamente dito. VELOSO, 2014: 17).
22
decisão jurisdicional estabelece um cronograma temporal, prestigiando a construção conjunta
de soluções e medidas destinas à satisfação da pretensão.
A retirada de famílias de áreas invadidas, por meio da ação de reintegração de posse,
exigem a efetivação de políticas públicas na área de habitação, observada as peculiaridades do
caso.
Para ser extremamente produtiva, a medida judicial exige nada menos que uma
reorganização de uma instituição existente, de forma a remover a ameaça que ela representa
para os valores constitucionais (FISS, 2017: 145). Na solução de demandas referentes a ação
de reintegração de posse ela deve:
c) indicar o prazo e o órgão administrativo que ficará responsável pela fiscalização das
condições de cadastro e pela análise da renda familiar dos moradores;
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das famílias. Não obstante, é a análise dos casos é que permitirá descortinar a medida
mais adequada.
Observada essas medidas, resta evidente que a concessão de tutelas provisórias em casos
dessa natureza é uma ameaça direta do direito fundamental à moradia e esvazia, por completo,
o objeto da demanda, em total desconformidade com o interesse dos envolvidos. Desta forma,
é potencialmente produtiva a suspensão convencional do processo na efetivação judicial de
políticas públicas (RODRIGUES, GISMONDI, 2017: 163) para a pacificação do litígio.
Nessa linha de raciocínio, RODRIGUES e GISMONDI destacam:
Portanto, somente nos estágios finais da reforma estrutural, depois de muitos ciclos de
medidas suplementares, quando as diretivas tornam-se muito específicas, as sanções criminais
ou mesmo as indenizações tornam-se disponíveis (FISS, 2017: 140).
8. CONCLUSÃO
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A realidade do país, a ineficiência do Estado, a desídia do Executivo e do Legislativo
não deixam alternativa senão a de outorgar ao Judiciário a competência cada vez mais ampla e
complexa.
A judicialização de direitos constitucionais, como muito já se viu com a saúde e
educação, a título de exemplo, deixa de se mostrar tão simples e linear, quando cabe à justiça,
na defesa desses direitos, interferir e implementar políticas públicas que os executem.
Milhares de decisões judiciais em todo o país, em demandas individuais em que se
discutiam o fornecimento de medicamentos, procedimentos médicos e toda a gama de direitos
envolvendo o direito constitucional à saúde, a despeito do impacto financeiro causado ao Poder
Público, não tomaram o contorno que deveriam de forma a interferir nas políticas públicas do
Estado, e de o fazer implementar este direito de forma mais justa e efetiva.
A experiência de pouco sucesso da judicialização saúde não deve ser repetida nas
demandas que envolvem o direito constitucional à moradia. A judicialização, aqui, não deve se
limitar ao direito à moradia: espera-se que se promova a judicialização da política pública
relativa a esse direito. Daí o papel do processo estrutural.
Desde o caso Brown vs Border Of Education as medidas estruturais vêm ganhando força
como instrumento judicial de efetivação de direitos fundamentais constitucionalmente
assegurados, que por razões de política pública acabam por não ser implementados.
A antiga e estreita concepção de lide resta ultrapassada pela noção deste processo
estrutural que, por sua vez, também vai além da mera discussão jurídica envolvendo direitos
coletivos: conforme amplamente debatido, dele submerge a necessidade de interferência
judicial nas políticas públicas, na busca da implementação dessas políticas.
A ampliação objetiva e subjetiva da demanda, e consequente aprimoramento do debate
jurídico e político envolvendo o direito constitucional em discussão, a necessidade de
observância da garantia máxima da ampla defesa e do contraditório, a presença indispensável
dos órgãos públicos competentes no processo, tanto na fase de conhecimento, quanto nas fases
de construção da decisão e do cumprimento da sentença, são os elementos que tornam o
processo estruturante necessário para decidir questões de alta complexidade.
A demanda torna-se multidimensional: envolve além das partes originárias, os entes
públicos competentes e órgãos de fiscalização, exigindo que as garantias processuais formas de
execução judicial também ultrapassem as medidas tradicionais, promovendo um verdadeiro
diálogo institucional, capaz de tornar minimamente exequível a decisão que ali venha a ser
construída.
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Todos esses elementos são indispensáveis não só à legitimação dessa decisão, como
também para garantir a factibilidade do seu cumprimento.
A decisão judicial proferida como medida estruturante interferirá, inevitavelmente, nas
prioridades das políticas públicas do Poder Executivo Municipal, terá impacto no orçamento
deste Município na medida em que deverá conduzir estes posseiros a um local destinado à
moradia definitiva, no direito de munícipes outros que não invasores e, igualmente detentores
do direito à moradia.
Daí a importância do comprometimento das instituições envolvidas no processamento
do feito, no debate das medidas, na construção do provimento judicial, no cumprimento em
conjunto da decisão e no enfretamento da burocracia pública para a efetivação dos direitos
garantidos em tese por este comando.
Assim, ainda que o processo estrutural se mostre como solução adequada ao conflito e
como via própria à implementação do direito constitucional não efetivado, fato é que os
contornos desta demanda e a complexidade que ela envolve são os desafios a serem vencidos.
A esperança é que tais desafios sejam, ao menos, enfrentados nas demandas que envolvam o
direito à moradia, fazendo a diferença não só aos desabrigados, mas para a evolução do direito
coletivo e da judicialização das políticas públicas como forma eficiente de demanda judicial.
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