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Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Liveo, SP, Brasil) rE 3 88.1909 Benveniste Emile, 1902-1976 Problems delingistics geal 1 wadasSo de Maria da Gira [Novae Maria Lia Ne evi do Pro, lstc Nicolay Sohn — 4° ed. — Carmpinas, SP: Pontes, 1995. Edtora da Universidade Esau de Campinas, (Lingagem rica) ibliografia ISBN'85-7113.015.9, 1. Lingaisca 1 Thal H, Sie cop-s10 Indices para catélogo sistemético: L.Lingtitstica 410 EMILE BENVENISTE PROBLEMAS DE LINGUISTICA GERAL I (4* EDICAO) Tradugio: Maria da Gléria Novak Maria Luta Neri Revisdio do Prof. Isaac Nicolau Salum CAPITULO 20 a natureza dos pronomes'**) ‘No debate hoje aberto sobre a natureza dos pronomes, temos ‘© habito de considerar essas formas lingiiisticas como formando ‘uma mesma classe, formal e funcionalmente; & maneira, por ‘exemplo, das formas nominais ou das formas verbais. Ora, todas as linguas possuem pronomes e, em todas, eles se definem como referindo-se is mesmas categorias de expresso (pronomes pes- soais, demonstrativos, etc) A_universalidade dessas formas ¢ dessas nogdes faz pensar que o problema dos pronomes & ao mesmo tempo um problema de linguagem e um problema de Iinguas, ou melhor, que s6 & um problema de linguas por ser, em primeiro lugar, um problema de linguagem. E como fato de Tinguagem que o apresentaremos aqui, para mostrar que os ronomes no constituem uma classe unitaria, mas espécies dife- rentes segundo 0 modo de linguagem do qual sto os signos. Uns pertencem’& sintaxe da lingua, outros sto caracteristicos daquilo a que chamaremos stancias do discurso”, isto & 08 atos discretos ¢ cada vez tinicos pelos quais a lingua é atuali- zada em palavra por um locutor. Deve considerar-se, em primeiro lugar, a situagio dos pro- nomes pessoais. Nao & suficiente distingui-los dos outros pro- inomes|portatal denneinays quo ps wepere. Tt preciso ver: que! a definigio comum dos pronomes pessoais como contendo os trés termos eu, tu, ele, abole justamente a nogdo de “pessoa”. 238, Extraido de For Roman Jakobson, Mouton & Co, Haia, 1956. 27 Esta & propria somente de eu/tu, ¢ falta em ele. Essa diferenga natural sobressairé da andlise de eu. Entre eu ¢ um nome referente a uma nosdo lexical, ha nijo apenas as diferencas formais, muito variaveis, impostas pela ¢s- trutura morfolégica e sintitica das linguas particulares. Ha outras, que se prendem ao proprio processus da enunciacio lingiistica € que so de uma natureza mais geral ¢ mais profunda. O enun- ciado que vontém eu pertence a esse nivel ou tipo de linguagem a que Charles Morris chama pragmatico, e que inclui, com os signos, aqueles que os empregam. Pode imaginar-se um texto istico de grande extensdo — um tratado cientifico, por exem- plo — em que ew e tu ndo aparecem nem uma tinica vez; inver- samente seria dificil conceber um curto texto falado em que nao fossem empregados. Entretanto, os outros signos da lingua se distribuiriam indiferentemente entre esses dois géneros de textos. Fora dessa condig&o de emprego, que jé € distintiva, destacare- ‘mos uma propriedade fundamental, e alids manifesta, de eu € ‘tu na organizagZo referencial dos signos lingilisticos. Cada instan- cia de emprego de um nome refere-se a uma nog&o constante ¢ “objetiva”, apta a permanccer virtual ou a atualizar-se num objeto singular, e que permanece sempre idéntica na represen- tagio que desperta. No entanto, as instdncias de emprego de ew nio constituem uma classe de referéncia, uma vez que no hha “objeto” definivel como ew ao qual se possam remeter iden- ticamente essas instincias. Cada eu tem a sua referéncia propria € corresponde cada vez a um ser tinico, proposto como tal Qual é portanto, a “realidade” & qual se refere eu ou tu? ““Unicamente uma “realidade de discurso”, que & coisa muito sin- gular. Eu s6 pode definir-se em termos de “locugio”, niio em termos de objetos, como um signo nominal. Eu significa “a pessoa que enuncia a presente instincia de discurso que contém eu”. Instncia tinica por definigo, e valida somente na sua unicidade. Se percebo duas instincias sucessivas de discurso contendo ew, proferidas pela mesma voz, nada ainda me assegura de que uma delas ndo seja um discurso referido, uma citagdo na qual eu seria imputivel a um outro. £ preciso, assim, sublinhar este ponto: eu s6 pode ser identificado pela instincia de 278 contém ¢ somente por ai, Nao tem valor a nfo ser na instancia na qual & produzido, Paralelamente, porém, é também enquanto instincia de forma eu que deve ser tomado; a forma eu s6 tem existéncia lingiistica no ato de palavras que a profere. Hi, pois, ‘esse processo uma dupla instincia conjugada: instancia de eu } como referente, e instancia de discurso contendo eu, como refe- f ido. A definig&o pode, entdo, precisar-se assim: eu € 0 “indi- viduo que enuncia a presente instincia de discurso que contém 4 instncia lingilistica eu”. Conseqiientemente, introduzindo-se a situagdo de “alocugio”, obtém-se uma definigdo simétrica para {u, como o “individuo alocutado na presente instincia de discurso contendo a instancia lingiiistica ru". Essas definigdes visam eu € tu como uma categoria da linguagem e se relacionam com a sua posigdo na linguagem. Nao consideramos as formas especi- ficas dessa categoria nas linguas dadas, e pouco importa que essas formas devam figurar explicitamente no discurso ou possam ai permanecer implicitas. Essa referéncia constante ¢ necessiria & instdncia de diseurso ‘constitui o trago que une a eu/tu uma série de “indicadores” que pertencem, pela sua forma e pelas aptides combinatérias, a classes diferentes — uns pronomes, outros advérbios, outros ainda locugdes adverbiai ‘Sto, em primeiro lugar, 0s demonstrativos: este, etc. na me- dida em que se organizam- correlativamente com os indicadores de pessoa, como no lat, hic/iste. Hi aqui um trago novo e distin- tivo dessa série: € a identificag4o do objeto por um indicador de ostensio concomitante com a instncia de discurso que con- tém 0 indicador de pessoa: esse seré o objeto designado por ostensio simultdnea a presente instancia de discurso, a referéncia implicita na forma (por exemplo, hic oposto a iste) associando-o eu, a tu. Fora dessa classe, mas no mesmo plano e associados mesma referéncia, encontramos os advérbios agui e ogora, Poremos em evidéncia a sua relaglo com eu definindo-os: aqui © agora delimitam a instdncia espacial e temporal coextensiva © contemporanea da presente instincia de discurso que contém eu. Essa série ndo se limita a aqui ¢ agora; € acrescida de grande nimero de termos simples ou complexos que procedem da mes- ‘ma relacdo: hoje, ontem, amanhd, em trés dias, etc. Nio adianta

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