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A RELIGIÃO NO BRASIL

APRESENTAÇÃO
O QUE É RELIGIÃO?

Em termos de etimologia, religião é o que liga, especificadamente o que liga o homem a


Deus. A religião engaja o homem de duas maneiras: primeiramente, explicando a natureza e
o significado do universo, ou justificando os caminhos de Deus para o homem , isto é,
Teodicéia; em segundo lugar, elucidando a função e o propósito do homem no universo,
ou ensinando-lhe como libertar-se de suas limitações e terrores (isto é soteriologia).
No segundo ponto, religião é uma doutrina da unidade : Deus, que em sua realidade
mais elevada é um, é o Criador, Senhor e fim último do universo e do homem nele. No
segundo ponto, religião é um método de união: um caminho sacramental, um meio de
salvação.
Quaisquer que sejam as maneiras pelas quais os chamemos, estes dois componentes
estão sempre presentes: teodicéia e soteriologia; doutrina e método; teoria e prática; dogma
e sacramento; unidade e união.
Doutrina ou teoria diz respeito à mente (ou no nível mais alto, ao intelecto, no
sentido preciso e metafísico do termo); método ou prática, diz respeito à vontade. A
religião, para ser ela mesma, deve sempre engajar tanto a mente quanto a vontade.
O segundo componente da religião, ou a prática, pode ser dividido em dois; isto é,
culto e moralidade. O culto, o elemento sacramental propriamente falando, em geral
assume a forma de participação nos ritos revelados (públicos ou privados) de uma dada
religião, com vistas a assimilar a vontade do homem à de Deus. A moralidade, o elemento
social é fazer as coisas que devem ser feitas e não fazer a s coisas que não devem ser feitas.
Alguns dos conteúdos da moralidade são universais: “não matarás”, “não roubarás” etc. e
alguns dos conteúdos são específicos da religião em questão: “não farás imagens
esculpida”, “o que Deus uniu o homem não separa”
Chegamos assim a três elementos que René Guénon considera os aspectos
definidores de toda a religião:
DOGMA - CULTO - MORALIDADE
Quando elevados a um grau mais intenso, isto é, o da espiritualidade ou mística,
tornam-se palavras:
VERDADE - VIA ESPIRITUAL - VIRTUDE

Religiões universais e religião de um povo


Quando se usa a expressão “religiões mundiais” é importante ter em mente a
distinção entre as religiões que dirigem sua mensagem a todos os povos e aquelas cuja
mensagem é restrita a um povo. Na primeira categoria estão as “religiões missionárias”:
Budismo, Cristianismo e Islamismo que podem ser apropriadamente designadas
“universais”, que pregam a todos, e que tem adeptos em muitas terras. Na Segunda
categoria estão Hinduísmo e Judaísmo, que não são missionárias e que, em termos gerais,
são religiões de um povo ou de uma nação apenas
Budismo, Cristianismo e Islã aceitam e em geral buscam vigorosamente
convertidos. O Hinduísmo e o Judaísmo, de outro lado, (sem dúvida com algumas
exceções muito especiais), não buscam, nem normalmente aceitam convertidos. Em geral,
para ser um membro de uma destas religiões é necessário ter nascido nelas.

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Religião e Diversidade Cultural

Vivemos atualmente na era da modernidade, da democracia e do pluralismo cultural. As


fronteiras vão se desfazendo e sendo ultrapassadas obrigando o ser humano a conviver real
ou virtualmente com outras culturas. Muitas vezes o contato com o “outro” nos obriga a
um constante exercício de Alteridade, ou seja, aprender a acolher e cultivar a diversidade
cultural para não cair no preconceito, na exclusão e na intolerância. Mas antes de ser
cultivada a diversidade deve ser reconhecida para ser conhecida.

A diversidade religiosa é parte integrante da diversidade cultural. Conhecer as religiões da


humanidade tornou-se um ponto básico na educação geral dos jovens, que pretende ser
pluralista e democrática, preparando o espírito humano para ser cada vez mais aberto e
cosmopolita.
É imprescindível conhecer as diferenças culturais para que se desenvolva o respeito ao
outro, ao diferente. O conhecimento é uma grande arma contra o preconceito e a
intolerância.
De todas as intolerâncias, a mais grave sempre foi a intolerância religiosa. Religião é um
tema delicado. Um rápido olhar na história revela que a religião serviu argumento para o
dogmatismo e a prepotência. É comum a religião abrir as portas para o fanatismo e no
lugar de instaurar o amor erguer barreiras entre as culturas.
É necessário abrir a mente e descortinar os horizontes. Dialogar e conhecer outras
religiões é plantar o grão da verdade e da compaixão .

Tolerância, ou seja, respeito pelas pessoas que têm pontos de vista diferentes do nosso é
uma palavra chave no estudo das religiões. Não significa necessariamente o
desaparecimento das diferenças e das contradições ou que não importa no que você
acredita, se é que acredita em alguma coisa. Uma atitude tolerante pode perfeitamente
coexistir com uma sólida fé.

Por vezes é do mergulho nas próprias crenças e raízes, no pessoal, silencioso e


incomunicável mistério é que brota a atitude de compaixão e de tolerância. Em outras
palavras: O auto-conhecimento é a chave para o conhecimento e a aceitação do outro.

É essa crença que nos levou a escrever este trabalho. Conhecer e aprofundar o
conhecimento sobre a História da Religião no Brasil, contribuindo dessa forma para
compreender melhor a complexidade que permeia a realidade brasileira e estimular o
conhecimento das outras crenças....

Muitos perguntam: Por que há tantas religiões? Não existe a verdadeira religião? Qual a
religião certa e qual a errada?.

Sobre isso cito as palavras de um teólogo alemão, Hans Kung, que sugere : “Segundo o
critério ético geral, uma religião é verdadeira e boa, na medida em que ela é humana, na
medida em que não oprime nem destrói o humanismo, mas o protege, o fomenta.”

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INTRODUÇÃO

Religião no Brasil

O Brasil é o país que reúne o maior número de católicos no mundo. São 121,8 milhões de
acordo com o último Censo oficial do IBGE, de 1991, o equivalente a 83% da população
brasileira. A Igreja Católica chega ao país já no descobrimento e a partir daí exerce grande
influência social, política e cultural. Seu predomínio permanece até hoje, porém em menor
escala. Entre 1960 e 1980, a porcentagem de católicos diminui de 93% para 89%. Calcula-
se que a cada ano cerca de 600 mil pessoas abandonem o catolicismo, migrando para outras
igrejas, principalmente para as protestantes pentecostais e neopentecostais. Os dados mais
recentes são de 1994, de um levantamento realizado pelos pesquisadores Reginaldo Prandi
e Flávio Pierucci, da Universidade de São Paulo (USP), em conjunto com o instituto
Datafolha, que considerou a religião da população eleitora. Segundo a pesquisa, 75% dos
eleitores brasileiros são católicos.

DISTRIBUIÇÃO DOS RELIGIOSOS NO BRASIL


Segundo a população eleitora - 1994
RELIGIÃO ELEITORES %
CATÓLICA 74,9
PROTESTANTES PENTECOSTAIS 9,9
ATEUS 4,9
PROTESTANTES HISTÓRICOS 3,4
ESPÍRITAS 3,5
AFRO-BRASILEIROS 1,3
OUTRAS 2,1
SEM DECLARAÇÀO -

As igrejas protestantes pentecostais e neopentecostais foram as que mais cresceram a partir


dos anos 60. Os ateus e não religiosos formam o terceiro maior grupo, com crescimento de
250% entre 1980 e 1991. Outros grupos de maior relevância no país são os protestantes
históricos e os espíritas. As religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda,
contam com um grande número de praticantes ocasionais, cuja maioria não se declara
adepta.

O foco principal deste trabalho é reconstruir a trajetória histórica da religiosidade brasileira.


Nossa principal linha de problematização é compreender a conexão entre a Igreja Católica,
suas relações com o Estado, ora de submissão (Colônia e Império) , ora de cooperação
(Período Liberal e Populista), ora de combate (Igreja Popular).

O trabalho está distribuído da seguinte forma: No primeiro capítulo, escrito pelo professor
André Figueiredo Rodrigues, analisa a Igreja no Período Colonial, quando seu papel se
tornou relevante. Como tinha em suas mãos a educação das pessoas, ou seja, o “controle
das almas” na vida diária, era um instrumento muito eficaz para veicular a idéia geral de
obediência e, em especial, a de obediência ao poder do Estado português. O papel da igreja
não se limitava só a isso. Na vida da comunidade estava presente desde o nascimento até a
morte de uma pessoa.

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As relações de subordinação da Igreja ao Estado – o padroado – consistiu em uma ampla
concessão da Igreja de Roma ao Estado luso, em troca da garantia de que a coroa
promoveria e asseguraria os direitos e a organização da Igreja católica em todas as terras
descobertas. O rei de Portugal ficava com o direito de administrar e recolher o tributo
devido pelos súditos da igreja, conhecido por dízimo, correspondente a um décimo dos
ganhos obtidos em qualquer atividade regular. Também cabia à coroa criar dioceses,
escolher e nomear bispos, proteger e/ou perseguir ordens religiosas, construir conventos e
pagar os vencimentos de capelães, vigários e bispos, como se fossem funcionários da coroa
portuguesa.

O segundo Capitulo, desenvolvido pelo professor Marco Antonio Albuquerque, analisa a


Igreja Católica no Período Imperial, mostrando que a situação da Igreja no começo do
século XIX continuou sendo verdade para praticamente todo aquele século até, pelo
menos, 1875. Após a independência o catolicismo continuou sendo a religião oficial do
Estado brasileiro. As atribuições do clero estavam descritas na Constituição de 1824 e o
Imperador, da mesma forma que o monarca luso durante o período colonial, interferia nas
questões da Igreja através do padroado e do beneplácito.
A Constituição previa a manutenção do Regalismo português, ou seja, a união entre o
trono e o altar, criando o sistema de Padroado e Beneplácito.
O sistema do Padroado, relativamente antigo, pois já era tradição em Portugal bem antes
da Independência brasileira, dava ao imperador a regalia de indicar nomes para o
preenchimento dos cargos eclesiásticos mais importantes (principalmente os responsáveis
pelas dioceses brasileiras), dependendo apenas de uma confirmação pontifícia. De outro
lado o clero recebia proventos do Estado, transformando-se os padres em verdadeiros
funcionários públicos, em tudo dependentes do governo.
O Beneplácito era uma instituição vigente desde a Carta outorgada de 1824 e que
obrigava as bulas papais a passar pela sanção do imperador antes de terem aplicação efetiva
no país. Dessa forma, quaisquer decretos do sumo-pontífice só teriam validade depois de
receberem uma aprovação explícita do monarca, mesmo aqueles que envolvessem apenas
questões estritamente religiosas, como os referentes à liturgia, por exemplo.
A Igreja no Brasil submetia-se ao Estado duplamente: no plano interno, pelo efetivo
controle do episcopado e do clero em geral, através do padroado; no plano internacional,
pelo controle da aplicação da legislação pontifícia, através do beneplácito.
A Constituição vigorou com algumas modificações até o fim do Império. Definiu o
governo como monárquico, hereditário e vitalício. A religião católica romana continuava a
ser religião oficial, permitindo-se apenas o culto particular de outras religiões, "sem forma
alguma exterior de templo"

No terceiro Capítulo, o professor Jorge Miklos, analisa a situação da Igreja após a


proclamação da República em que ocorre o fim do Regalismo e a Separação entre a Igreja e
o Estado. Ao longo da história republicana a Igreja irá desenvolver três tipos de relações
com o Estado e a Sociedade. O Período Liberal (1889-1930), marcado sobretudo pelo
processo de romanização e afastamento da Igreja tanto das elites como da massa popular;
O Período Populista (1930-1964) no qual a Igreja buscava fortalecimento institucional
através de alianças com o Estado e o nascimento da Igreja Popular (1964-80) em que
ocorrem várias mudanças na esfera internacional européia com Concilio Vaticano II
(1962-1965) alterou o rumo da Igreja Católica Apostólica Romana. No transcurso de suas
sessões, o Concílio modernizou algumas crenças, destacou a importância do movimento
ecumênico e reafirmou algumas das velhas doutrinas católicas, como a da

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transubstanciação foi convocado pelo papa João XXIII - que morreu pouco antes da
primeira sessão e foi sucedido por Paulo VI.
Na esteira do Concílio que modernizou a Igreja Católica nasce a Teologia da Libertação
na qual o clero latino Americano após dois encontros: Medellín, Colômbia (1968) e, em
Puebla, México (1979), colocam no centro da orientação da Igreja – latino americana a
“opção preferencial pelos pobres”.

Enquanto a Igreja Católica latino americana se modernizava e se aproximava de suas


origens populares, o Brasil eras surpreendido em 1964 por um golpe militar que derrubava
o governo democrático do presidente João Goulart e implantava uma Ditadura Militar que
iria perdurar por vinte e um anos.

A Igreja brasileira, antes aliada ao Estado, depara-se com uma situação de violência e
desrespeito aos princípios básicos da vida humana, depara-se com uma situação de
violência e desrespeito aos princípios básicos da vida humana e ergue-se, junto com outras
religiões, na luta pela dignidade e respeito a esses direitos. Dom Paulo na Igreja de São
Paulo e Dom Helder Câmara no Nordeste serão os principais símbolos desse combate.

A Igreja Católica era a única instituição que, graças ao seu prestígio internacional, podia
oferecer resistência ao regime militar e lutar contra a violação dos Direitos
Humanos.Durante os anos do governo Médici (1971-1974), em nenhum outro lugar a
repressão foi pior do que em São Paulo: as organizações de guerrilha e os grupos
clandestinos eram mais fortes e organizados; a linha dura comandava o Segundo Exército e
o esquadrão da morte também era atuante na cidade. A Igreja assumiu essa tarefa porque as
demais instituições estavam impedidas de se manifestar e incapazes de funcionar. Como
afirmou Dom Paulo: ”a sociedade necessita de uma voz e devido à repressão, nenhuma
outra instituição poderia oferecer essa voz a todos aqueles setores que não têm voz”.

No quarto capítulo o professor Marco Antonio Albuquerque contribui novamente


descrevendo as religiões afro-brasileiras revelando o perfil multicultural e multireligioso do
Brasil.

O trabalho conta ainda, no quinto capítulo, com a participação do professor Carlos


Eduardo Pires Moraes que contribui com informações sobre as religiões protestantes no
Brasil.

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CAPÍTULO UM
A IGREJA CATÓLICA E A RELIGIÃO NO BRASIL COLONIAL

I) Descobrimento e colonização: o Padroado


Em 1500, o litoral da região que hoje corresponde ao Brasil foi incorporado pelos
navegadores portugueses à coroa do reino de Portugal. Com a chegada de Pedro Álvares
Cabral, comandante de uma esquadra de treze navios e 1500 homens que se dirigia às
Índias, a Igreja católica, enquanto instituição e religião oficial do Estado português, aqui
também desembarcou, para nunca mais sair.
Quando as caravelas de Cabral ancoraram em Porto Seguro, parte da tripulação
desembarcou para assistir a uma missa rezada para celebrar o achamento do novo
território, no dia 26 de abril, quatro dias depois de avistarem a costa brasileira. No dia 1º de
maio ergueu-se uma enorme cruz de madeira, que veio dar o nome ao Brasil: Terra de
Santa Cruz.
O escrivão da esquadra, Pero Vaz de Caminha, em carta enviada ao rei de Portugal, dom
Manuel I, solicitou que enviasse àquelas terras recém empossadas ao patrimônio lusitano
religiosos para converterem os nativos (índios) e batizá-los na fé cristã.
A preocupação com a cristianização dos indígenas explica-se pela estreita ligação da Igreja
católica com o Estado português. A aliança entre ambos chamou-se padroado. Embora se
trate de instituições distintas, naqueles tempos uma estava ligada à outra. A religião do
império português era a católica e os súditos, isto é, os membros da sociedade, deviam ser
católicos. Ao Estado coube o papel fundamental de garantir a soberania portuguesa sobre o
território brasileiro, dotando-o de administração, desenvolvendo uma política de
povoamento, resolvendo problemas como mão-de-obra e estabelecendo as maneiras de
intercâmbio entre Portugal e o Brasil. Essa tarefa pressupunha o reconhecimento da
autoridade do Estado por parte dos colonizadores que se instalariam na América, seja pela
força, seja pela aceitação dessa autoridade, ou por ambas as coisas.
Nesse sentido, o papel da igreja se tornava relevante. Como tinha em suas mãos a educação
das pessoas, ou seja, o “controle das almas” na vida diária, era um instrumento muito eficaz
para veicular a idéia geral de obediência e, em especial, a de obediência ao poder do Estado
português. O papel da igreja não se limitava só a isso. Na vida da comunidade estava
presente desde o nascimento até a morte de uma pessoa.
As relações de subordinação da Igreja ao Estado – o padroado – consistiu em uma ampla
concessão da Igreja de Roma ao Estado luso, em troca da garantia de que a coroa
promoveria e asseguraria os direitos e a organização da Igreja católica em todas as terras
descobertas. O rei de Portugal ficava com o direito de administrar e recolher o tributo
devido pelos súditos da igreja, conhecido por dízimo, correspondente a um décimo dos
ganhos obtidos em qualquer atividade regular. Também cabia à coroa criar dioceses,
escolher e nomear bispos, proteger e/ou perseguir ordens religiosas, construir conventos e
pagar os vencimentos de capelães, vigários e bispos, como se fossem funcionários da coroa
portuguesa.

II) A Companhia de Jesus


O Brasil, nascido à sombra da cruz, recebeu os jesuítas apenas quinze anos depois da
criação da Companhia de Jesus. Em 1549, com o governador-geral Tomé de Souza, chegou
à Bahia a primeira leva de jesuítas, chefiada pelo padre Manuel da Nóbrega. A partir de
então, tornou-se sucessiva a entrada desses missionários. Contabilizando todas as

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expedições, chegamos a 361, distribuídas por 215 anos, sendo 75 no século XVI, 190 no
século XVII e 96 no século XVIII, numa média de 16 missionários enviados a cada ano.
A Companhia de Jesus, que fora fundada por Ignácio de Loyola, em 1534, foi a primeira
ordem religiosa oficialmente estabelecida no Brasil. Os jesuítas realizaram no território
brasileiro uma obra inigualável. Penetrando no interior da América portuguesa com as
entradas, fundaram uma rede de colégios, seminários e escolas primárias e oficinas com
ensino gratuito para brancos e índios, sustentado por explorações agropecuárias e por
propriedades deixadas para seu patrimônio. Por exemplo, tivemos, em 1554, a fundação do
colégio e da povoação de São Paulo do Campo de Piratininga, hoje a cidade de São Paulo,
pelo padre jesuíta Manuel de Paiva, a mando de seu superior, padre Manuel da Nóbrega.
No campo científico, os jesuítas efetuaram observações que vieram enriquecer o
conhecimento das regiões que percorreram na catequese dos índios, descrevendo os seus
costumes e estudando as suas línguas. A preocupação de aprender as línguas dos povos que
evangelizavam levou-os a elaborar gramáticas e dicionários e a publicar obras de catequese
e outras nas mais variadas línguas indígenas.
O empenho dos jesuítas na educação, realizou-se sempre à sombra da igreja. Os
portugueses interessaram-se pouco pela educação: basta observar o esforço do espanhol
em suas terras, criando até universidades no século XVI. No Brasil português não houve
nenhuma. Para cobrir o interesse por instrução, tivemos parcas providências, tais como a
criação de algumas “aulas”. Somente no século XVIII, a educação começou a refletir o
interesse da coroa portuguesa no Brasil, através da instituição da cobrança do “subsídio
literário”, em 1772, para tentar suprimir a falta do ensino jesuítico.
Com a expulsão da Companha de Jesus de todos os territórios portugueses em 1759, por
decisão do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde marquês de Pombal, as
atitudes educativas dos jesuítas se perdeu. Deixaram 25 residências, 36 missões, 17 colégios
e seminários, além de iniciativas menores, como escolas de ler e escrever, em todos os
pontos em que se estabeleceram no território brasileiro. Para resolver o problema do
fechamento das escolas, criaram-se as “aulas régias”, poucas e de difícil resultado.
A Companhia de Jesus era um obstáculo ao projeto político que o marquês de Pombal
queria implantar no império lusitano, que era fortalecer o sistema absolutista, regalista
(submissão da Igreja ao poder do Estado) e iluminista português. Para que isso se
realizasse, necessitava romper com o domínio do sistema de ensino jesuítico nas terras de
Portugal e nas colônias, uma vez que os inacianos representavam uma ameaça a esse
absolutismo que ambicionava controlar todos os aspectos da vida social, incluindo uma
igreja mais submissa ao Estado. A campanha antijesuítica montada por Pombal levou à
formulação de uma série de acusações espalhadas por toda a Europa, tais como a grande
quantidade de patrimônio amealhado em posse dos jesuítas; a sua resistência à aplicação do
Tratado de Madri (1750), assinado entre Portugal e Espanha para a delimitação das
fronteiras na América do Sul; a oposição, no Brasil setentrional, às leis que regulamentavam
a administração das aldeias indígenas; o exercício de atividades comerciais proibidas a
religiosos; a difamação do rei no estrangeiro e a participação, pelo menos moral, no
atentado contra o rei dom José e na revolta popular do Porto, ocorrida em 1757.
A Santa Sé, em Roma, também informada de alguns métodos usados na catequese dos
indígenas, como o confinamento em escolas, reprovou a ação dos jesuítas. Isso influiu
diretamente na posterior decisão papal de extinguir a Companhia, em 21 de julho de 1773.
Devido as constantes perseguições sofridas em vários países da Europa, os jesuítas
encontram asilo na corte de Frederico II, da Prússia, por serem considerados bons
educadores.
Restaurada a Companhia de Jesus, em 1814, seus membros somente retornaram ao Brasil a
partir de 1841, através de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Durante todo o segundo
reinado, o antijesuitismo marcará presença como mal crônico e assumirá, em diversas

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ocasiões, comportamentos radicais, intransigentes e agressivos, sobretudo por parte dos
liberais, dos políticos e do clero regalista. Em um clima de hostilidades, a penetração dos
jesuítas nas diversas regiões do país se fazia sempre com discrição. Somente com a
República, os jesuítas terão condições de se fixar e trabalhar em todos os pontos do
território nacional.

III) Outras ordens religiosas no Brasil colonial


Além de jesuítas, estabeleceram-se no Brasil outras ordens religiosas, como os carmelitas,
beneditinos e franciscanos. Entregavam-se à causa catequética, seja nos centros urbanos do
litoral, seja, sobretudo, no interior ou áreas longínquas da América portuguesa. Muitas
vezes, foram a única presença européia, no desejo de transformar a vida dos indígenas,
começando pela doutrinação religiosa. Estabeleceram-se, principalmente, na região
nordestina, no norte e no sudeste do país, fundando seminários, mosteiros e conventos.
Os carmelitas foram os segundos religiosos a se estabelecerem no Brasil, em 1580. Após
tentar conquistar a Paraíba, sem êxito, instalaram um convento em Olinda (Pernambuco),
em 1583, para, em seguida, espalhar as suas casas, tanto para a Bahia, centro de sua
irradiação para o sul, quanto para Pernambuco, centro para o norte. Na Amazônia,
especialmente, a catequese empreendida pelos carmelitas teve extraordinária importância
para a incorporação daquelas imensas regiões à comunidade brasileira.
Outra ordem presente na América portuguesa foi a dos beneditinos que, a partir de 1581,
iniciaram a sua expansão pelas áreas litorâneas ocupadas pela colonização. Estabelecendo-
se inicialmente em Salvador, onde fundaram o mosteiro, tornado abadia em 1584, dali
partiram para Ilhéus (1584), Rio de Janeiro (1586), Vitória (1589), Olinda (1592) e Paraíba
(1596). Com o domínio holandês no nordeste, perderam temporariamente as suas posições
naquela região. Compensaram-na com a fundação de novos mosteiros em outras áreas do
Brasil, destacando-se o mosteiro construído em São Paulo.
Os franciscanos foram os primeiros religiosos a virem isoladamente ao Brasil. Desde muito
cedo, dedicaram-se à conversão católica dos índios e a se expandir por todo o território
colonial.

IV) As irmandades religiosas: os leigos e o poder


As associações de caráter local, denominadas irmandades, auxiliavam a ação da igreja e
facilitavam a vida social. Elas foram gestoras e sedes de devoção, além de ajudarem na
conservação do culto, arcando com as despesas dos ofícios religiosos e na manutenção de
asilos, orfanatos e hospitais.
Sua finalidade principal era promover a devoção a um santo. Um grupo de pessoas de uma
determinada localidade ficava responsável pela organização do culto, da capela e da festa
em homenagem a seu dia, caracterizando assim a participação leiga (pessoa não ligada
institucionalmente à igreja), no culto católico.
Assim, os fiéis assumiam e promoviam suas próprias atividades devocionais, sem
necessidade da participação direta e constante de padres e outros religiosos. A coroa
portuguesa incentivava a criação das irmandades leigas, uma vez que transferia à população
todos os encargos e os complexos e caros cerimoniais do culto religioso, como a assistência
social à população carente, mediante a instalação de hospitais, hospícios, cemitérios,
instrução (ensino), recolhimento para órfãos e auxílio para funerais e casamentos. Além
disso, os padres vinculados a essas instituições eram pagos por elas.

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O poderio econômico de algumas irmandades eram tantas que não somente se tornavam
proprietárias de sua igreja e respectivo cemitério, como também chegavam a possuir
escravos, alimárias, utensílios, de cujo serviços ou valor todos podiam aproveitar. Algumas
dessas irmandades chegaram a dispor de tamanha força econômica e social, que mais de
uma vez, por exemplo, no caso mineiro, as autoridades recorriam a elas para tomar
dinheiro emprestado.
A presença das irmandades na sociedade colonial brasileira nota-se com maior freqüência e
intensidade em Minas Gerais. Na região mineradora foi proibida a entrada de clérigos
regulares. Para alguns historiadores, a proibição deveu-se a política portuguesa de
promover o isolamento de Minas e evitar a instalação do inevitável poder paralelo que os
regulares representavam. Para outros, a proibição deveu-se à necessidade de combater o
desregramento nas minas de que há exemplos no início do século XVIII: muitos
eclesiásticos estavam mais interessados em minerador do que professar a fé cristã. De um
modo ou de outro, na região de Minas Gerais, diferentemente das demais da América
portuguesa, não existiram ordens religiosas até o final do período colonial.
As irmandades existentes em Minas eram autônomas, contribuindo para que a religiosidade
da população apresentasse um caráter essencialmente popular. Era grande a diversidade
existente entre as confrarias que congregavam em seus quadros homens brancos, negros e
pardos (livres ou escravos). O apogeu das irmandades nas terras do ouro teve como pano
de fundo a arte barroca e foi simbolizado pelas grandes e suntuosas festas e procissões,
pelas construções de grandes templos e pelas decorações e ornamentações nos interiores
das igrejas, entre outras.
A política restritiva em relação à fixação de clérigos na capitania mineira contribuiu
decisivamente para o florescimento de expressões artísticas e culturais próprias. O
desenvolvimento da arte deveu-se ao espírito inovador e criativo de leigos, além de ser uma
arte encomendada e, também, consumida por leigos. As irmandades eram grandes
consumidoras da mão-de-obra dos mais diversos artistas, como, por exemplo, pintores,
entalhadores, músicos, arquitetos e escultores. Foi assim que nos ficou legada as magistrais
esculturas e construções religiosas do mestre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, ou
as do pintor Manuel da Costa Ataíde, que decorou os mais belos tetos das igrejas mineiras
do período colonial.
Na sociedade colonial da segunda metade do século XVIII, tanto em Minas Gerais quanto
no Rio de Janeiro, as pesquisas históricas vêm revelando a intensa presença de mulatos na
produção musical. O mais notável compositor mineiro foi José Joaquim Emérico Lobo de
Mesquita, autor de mais de quarenta obras de altas qualidades musicais.

V) A vida religiosa católica no Brasil colônia


Os principais aspectos da religiosidade católica sentidos na sociedade colonial estiveram
presentes em atos como o batismo, a penitência, a extrema-unção e o matrimônio.
O batismo era prática comum na sociedade colonial. Desde os primeiros dias de vida de
uma criança, esta deviria ser levada à presença de um religioso, para receber batismo, pois
se acreditava que se viesse a morrer após o recebimento desse sacramento, iria para o céu,
sem passar pelo purgatório.
No Brasil, para o homem branco de atitudes europeizadas, o batismo era quase uma
cerimônia corriqueira; para o escravo negro um ato de sobrevivência, pois quem não fosse
batizado não era considerado gente. Para o indígena, a conversão era celebrada dentro das
missões ou em qualquer aldeamento cristão.
Desde o nascimento até a morte, a vida de uma pessoa era controlada pelo Estado e pela
igreja. O casamento era exemplo disso. As práticas matrimonias durante o período colonial
serviram aos interesses da colonização. Para garantir o poder de muitas famílias, muitos

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privilégios eram concedidos para facilitar enlaces matrimoniais, como se permitir o
casamento entre primos, entre tios e sobrinhas (e vice-versa), tudo com a intenção de
preservar os bens familiares e perpetuar os descendentes no poder.
Aos escravos e pobres, a realidade era diferenciada. Permitia-se que vivessem concubinatos,
pois se valorizava a fecundidade da mulher índia e negra, aceitando-se as uniões não
legalizadas pela igreja. Entre os brancos, a união devia seguir o padrão dos casamentos
legais, ou seja, oficializados pela igreja e monogâmicos, em que se valorizavam, sobretudo,
a virgindade e a fidelidade das mulheres.
Os casamentos eram celebrados para durar eternamente. A dissolução de um matrimônio
era admitida pela igreja em circunstâncias previstas na legislação eclesiástica: entrada de um
dos cônjuges na vida religiosa, heresia comprovada de um deles, abandono do lar, adultério
e maus-tratos. Em São Paulo, por exemplo, entre os anos de 1700 e 1822, tramitaram 248
processos de divórcio, predominando, para as mulheres, os motivos de maus-tratos,
abandono e adultério do marido1.
Na hora da morte, a religiosidade colonial também esteve presente em rituais fúnebres e
enterros. Esses rituais tinham por finalidade a salvação da alma do defunto. As pessoas
preparavam-se para morrer: na espera do final de sua vida, na hora da agonia, reuniam
parentes, amigos e desafetos, para pedir perdão pelos atos cometidos; além de tentar quitar
as dívidas; mandar celebrar missas; distribuir esmolas aos pobres e orar, para se evitar a
danação eterna. Nos últimos instantes, o responsável pela família redigia o testamento, a
fim de melhor distribuir seus bens e se redimir de atos impuros, revelando adultérios e a
existência de filhos não naturais, os não legítimos.
Os enterros eram organizados normalmente pelas irmandades a que pertencia o defunto,
não importando se este fosse rico ou pobre. As confrarias organizavam enterros solenes,
obrigando seus membros a comparecer as celebrações de extrema-unção e missas, levando
velas e vestindo roupas especiais. A morte de um irmão era anunciada através dos badalos
dos sinos da igreja da irmandade.

VI- Outros credos: cristãos-novos e protestantes


As pessoas que viveram nos séculos XVI e XVII, foram marcadas pelo surgimento de
idéias de variadas religiões protestantes, como a luterana e a calvinista, que se
transportaram para o Brasil colonial. Ao lado da religião judaica, foram trazidas por
missionários e moradores que procuravam se refugiar em terras do além-mar,
principalmente fugindo de perseguições religiosas.

1) Cristãos-novos
Os cristãos-novos eram judeus que se converteram à religião católica. Chegaram ao Brasil
no começo do século XVI, instalando-se sobretudo na Bahia, em Pernambuco, na Paraíba
e no Maranhão e integraram-se rapidamente aos costumes, à língua e as práticas
econômicas da região, misturando-se aos cristãos, com quem dividiam cargos nas Câmaras
Municipais, em órgãos da administração colonial e em atividades comerciais.
As suas atitudes cristãs eram aparentes, de uso apenas social. No interior de sua casa e entre
os seus semelhantes, compartilhavam práticas judaicas que, para a época, eram clandestinas.
Na sociedade colonial era hábito comer carne de porco e ir à missa aos domingos, assim
como exercer atividades econômicas em qualquer dia da semana, inclusive aos sábados. Os

1
. Arno Wehling & Maria José C. M. Wehling. Formação do Brasil colonial. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 244.

10
cristãos-novos recusavam-se a comer carne de porco, a ir à missa aos domingos, como
guardavam o dia do sábado.
Esses pequenos atos cotidianos podiam revelar práticas desviantes das normas e condutas
sociais aceitas oficialmente por aquela sociedade. Outros indícios ajudavam os religiosos
católicos a descobrir atitudes judaizantes: vestir roupa limpa ou sofisticada aos sábados;
varrer a casa da porta para dentro; comer em mesa baixa em sinal de luto; jejuar durante o
mês de setembro, na Páscoa e nas segundas e quintas-feiras da semana; degolar animais e
cobrir o seu sangue com terra; praticar abstinência a certos alimentos como coelho, enguia,
polvo, toucinho, lebre, arraia, pescado com escamas, entre outros; os mortos eram
enterrados envoltos em mortalha nova, em terras virgens e em covas bem fundas, levando
na boca um grão de aljôfar ou uma moeda de ouro ou prata, para que pagassem a primeira
pousada.
A historiadora Mary del Priore, recuperou a confissão da cristã-nova dona Leonor, de 1591,
feita ao visitador do Santo Ofício, que diz: “... que haverá dois ou três anos veio a sua casa
uma lampreia que veio do reino [Portugal], em conserva, e ela não quis comer... e que
haverá um ano pouco mais ou menos que uma sua escrava degolou uma galinha de frente
de sua porta, e que ela mandou lançar em cima do sangue que estava derramado no chão
um pouco de serradura de madeira que se havia serrado”. Explica as duas reações: tivera
nojo do peixe, por seu mau cheiro, e o sangue fora coberto para evitar que um porco solto
nos arredores viesse devorar seus pintinhos2.
Os cristãos-novos, mesmo muitas vezes não seguindo as práticas judaicas de modo
inteiramente consciente e mantendo-as mais como lembranças, em muitos pontos
conservavam a essência de sua cultura original. Repudiavam as imagens de santos, que
naquela época enfeitavam os altares domésticos; consideravam a religião católica uma
idolatria e esquivavam-se do sacramento da confissão. Na quaresma, segundo Mary del
Priore, “quando o bispo fazia suas costumeiras visitas às paróquias do interior, reagiam
dizendo: ‘Era melhor confessar a um pau ou a uma pedra do que a outro pecador’”3.

2) Protestantes
O desejo de reconduzir o cristianismo à pureza primitiva e livrar a igreja cristã da corrupção
do excessivo poder temporal da hierarquia religiosa de Roma deu origem, ao longo do
século XVI a uma importante cisão no seio da cristandade: o protestantismo, uma
decorrência direta da Reforma.
Protestantismo é um termo empregado para designar um amplo leque de igrejas cristãs que,
embora tão diferentes entre si como a Igreja Luterana e as Testemunhas de Jeová,
compartilham princípios fundamentais como o da salvação pela graça de Deus mediante a
fé, o reconhecimento da Bíblia como autoridade suprema e o sacerdócio comum de todos
os fiéis.
O termo “protestante” tem origem no protesto de seis príncipes luteranos e 14 cidades
alemãs em 19 de abril de 1529, quando a segunda dieta de Speyer, convocada pelo
imperador Carlos V, revogou uma autorização concedida três anos antes para que cada
príncipe determinasse a religião de seu próprio território. O termo foi logo adotado, de
início pelos católicos e logo a seguir pelos próprios partidários da reforma, pois seu
protesto, entendido como uma rejeição à autoridade de Roma, constituiu um claro sinal às
diversas igrejas que se declaravam reformadas.

2
. Sobre as práticas judaicas no período colonial brasileiro, vale a pena ver: Mary del Priore.
Religião e religiosidade no Brasil colonial. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1995, p. 20-27. A citação
encontra-se à página 24.
3
. Idem, p. 25.

11
A disparidade e a progressiva subdivisão das igrejas protestantes (luteranos, calvinistas,
anglicanos etc.) decorreram do seu próprio princípio original: a interpretação pessoal das
Sagradas Escrituras sob a luz do Espírito Santo. A ênfase dada por algumas dessas igrejas
aos Evangelhos como norma de vida e à experiência pessoal da conversão acabou por
provocar o aparecimento de duas tendências no seio do protestantismo: a liberal e a
fundamentalista, autodenominada evangélica.

Embora ambas as correntes tenham coexistido em algumas igrejas, a divergência acabou


por provocar o surgimento de outras igrejas, entre as quais se destacaram a Evangélica
Alemã, a Evangélica Luterana e a Evangélica Reformada. Apesar das diferenças existentes
entre as diversas igrejas, as idéias fundamentais dos primeiros reformadores permaneceram
inalteradas na maioria das denominações e credos protestantes.

A presença de religiões protestantes no Brasil colonial pode ser dividida em dois


momentos. O primeiro que vai de 1555 a 1560, quando chegou à baia da Guanabara o vice-
almirante francês Nicolau Durand de Villegaignon, para fundar a colônia França Antártica,
com calvinistas (huguenotes) franceses, hostilizados e perseguidos em sua terra. O segundo
deu-se com a colonização holandesa no nordeste, que se estendeu de 1630 a 1654.

Na baía da Guanabara, Villegaignon e 400 homens, fundaram a França Antártica, atraídos


pela promessa de liberdade religiosa. A seguir, proclamou-se rei da América. Desconfiava
de tudo e de todos, inclusive de seus próprios homens e aliados locais, os índios tamoios.
Os problemas agravaram-se com a chegada de duzentos e oitenta missionários calvinistas
vindo de Genebra, pois traziam, entre seus pertences, cartas de recomendação de
importantes líderes religiosos e políticos. Temendo por seu prestígio na Europa, passa a
criticar os seus modos e hábitos religiosos, como usar pão comum e vinho não misturado
com água na celebração da Santa Ceia, e a questioná-los sobre a eucaristia, a invocação dos
santos, as preces pelos mortos e sobre o purgatório.

O ponto de maior discórdia entre Villegaignon, o responsável pela colônia francesa, e os


missionários, ocorreu quando proibiu a pregação do pastor Pierre Richier, ordenado e
credenciado por Calvino, naquelas terras. Diante disso, Richier partiu para a Europa com
seus auxiliares. Alguns deles, devido às más condições de travessia do oceano Atlântico,
retornaram a colônia, e lá foram recebidos com desconfiança por Villegaignon, que já
rejeitara publicamente o calvinismo, obrigando-os a escrever uma confissão, que contivesse
a doutrina de sua religião. Fingindo profunda indignação pelo teor calvinista da declaração,
mandou executar três dos assinantes, que passaram a ser considerados os primeiros
mártires do credo protestante em terras americanas.

Menos sangrenta foi a participação de protestantes em terras holandesas no Brasil (1630 a


1654). Sob os auspícios de João Maurício de Nassau (1637 a 1644), o domínio flamengo no
nordeste estendeu-se do Maranhão até abaixo do rio São Francisco, caracterizando-se por
uma excepcional liberdade religiosa. Os católicos eram livres para exercer seu culto e
manter relações oficiais com a sede episcopal na Bahia. Aos judeus foi permitida a
instalação de sinagogas e escolas hebraicas em Recife e aos protestantes foram dadas
condições de instalarem paróquias nas áreas recém conquistadas do nordeste.

12
CAPÍTULO DOIS
A IGREJA CATÓLICA E A RELIGIÃO NO BRASIL IMPÉRIO

I) Mudanças e permanências no Brasil pós-Independência


Em linhas gerais, as estruturas da sociedade brasileira permaneceram intactas após a
Independência. O latifúndio, o trabalho escravo e a monocultura, tal como no período
colonial, mativeram-se como o tripé de sustentação da economia do país e dos privilégios
da sua aristocracia rural. Mesmo quando o café provocou aquilo que um historiador
chamou de “verdadeira revolução no âmbito das atividades produtivas”,
ao tornar-se o principal produto de nossa pauta de exportação e ao promover a
modernização de diversas áreas do Sul do país, não mudou a essência agro-exporadora e
monocultora de nossa economia. Continuávamos exercendo o papel de fornecedores de
produtos tropicais às potências industrializadas e possuidoras de capital, na Europa.
Pode-se afirmar que após 1822 o novo no Brasil era representado pela organização de um
Estado independente, simbolizado pela figura do Imperador D. Pedro I , pelos poderes
representativos da aristocracia rural (Parlamento e Poder Judiciário) e por um conjunto de
leis que passou a reger a vida do país em substituição aos antigos instrumentos da
dominação colonial. No plano político, os vinte e três anos que se seguiram à declaração
da Independência foram marcados por inúmeras tentativas de revoltas e sublevações.
Inicialmente contra o autoritarismo de D.Pedro I, representado pela dissolução da
Assembléia Constituinte de 1823 e pela imposição da Carta outorgada de 1824 e que levou
à abdicação em 7 de abril de 1831. Mas a renúncia do Imperador não foi suficiente para
acalmar os ânimos e restaurar a paz e a tranqüilidade no país. Na verdade, a figura de D.
Pedro I servira para encobrir um conflito mais grave e profundo entre os grupos políticos
surgidos no Brasil após a independência:
“Após a renúncia do Imperador as contradições entre as elites vieram a tona. Os liberais
exaltados desejavam uma maior autonomia para as províncias. Defendiam o fim do Poder
Moderador, a ampliação do direito de voto, a extinção do Conselho de Estado e da
vitaliciedade do Senado, embora não propusessem reformas sociais mais profundas.
Organizaram a Sociedade Federal, sendo denominados, também, de "farroupilhas" (vestido
de farrapos), em virtude de seu proselitismo junto à arraia miúda urbana.
Os restauradores, ou "caramurus", apoiados principalmente por comerciantes e
funcionários portugueses, defendiam o retorno do Imperador e criticavam os dirigentes
regenciais que, segundo eles, permitiram a instauração da "anarquia" após a abdicação.
Com a morte de Pedro I, em 1834, os remanescentes deste grupo aderiram aos moderados.
Os Liberais Moderados, ou "chimangos", constituíram a força política do período
regencial. Organizaram a "Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional".
Eram defensores da centralização. Entre os componentes deste grupo, destacaram-se, entre
outros, o Padre Diogo Feijó, Bernardo Pereira de Vasconcelos, o jornalista Evaristo da
Veiga e o Senador Nicolau Campos Vergueiro. Os liberais moderados agiam mais como
moderados do que liberais.
Desde o início da regência os liberais moderados buscaram combater tanto os "caramurus"
quanto os "farroupilhas". Estes eram acusados de promover as "desordens" e "anarquia"
que levariam ao esfacelamento do país. Os principais cargos públicos e políticos foram
sendo ocupados pelos moderados, impondo as suas diretrizes. Os seus tentáculos se
estendiam para todos os cantos do Império, formando um verdadeiro Estado dentro do
Estado. Por outro lado, cabe ressaltar que estas facções da elite, embora pertencentes a
grupos distintos, estavam preocupadas, acima de tudo, em criar condições para a
organização do Estado. As divergências que ocorriam eram mais de forma do que de

13
conteúdo, pois nos seus quadros predominavam os grandes proprietários de terras e de
escravos.”
História do Brasil em CD-Rom ATR

Durante o Período Regencial, o Brasil foi varrido de Norte a Sul por uma dezena de
movimentos que chegaram, inclusive, a colocar em risco a unidade política e territorial do
país. Alguns destes movimentos pretendiam a volta de D.Pedro I ao trono (Ceará e
Pernambuco em 1831; Minas Gerais, em 1833); outros, insurgiram-se contra as autoridades
provinciais favoráveis ao ex-imperador (Pernambuco, em 1831; Pará, em 1835; Maranhão,
em 1838); outros, ainda, queriam separar sua província do governo central (Rio Grande do
Sul em 1835).

Movimentos regenciais mais importantes:


Cabanagem (PA, 1835);
Sabinada (BA, 1837);
Balaiada (MA,1838) e
Guerra dos Farrapos (RS,1835-1845)

Desde 1834, data da morte de D.Pedro I, o embate político ficou restrito ao conflito entre
moderados e exaltados. Por estarem ligados aos grandes proprietários de terra, cujos
interesses melhor representavam, os moderados saíram vencedores, destruindo o grupo
oponente com prisão, exílio e, não raro, a morte..
Após sua vitória, os liberais moderados acabaram por se dividir em dois grupos –
regressistas e progressistas- que mais tarde vão dar origem, respectivamente, aos Partidos
Conservador e Liberal e vão se revezar no poder até a Proclamação da República, em 1889.
Antes disso, a volta à normalidade se concretizaria somente após o período 1840/ 1845,
quando seria conseguida a consolidação da unidade nacional por intermédio de uma
monarquia centralizada e conservadora.

II) Relação Igreja e Estado no Brasil imperial


O Brasil viveu duas décadas de vigorosos choques internos desde a sua independência em
1822. Como vimos, tais conflitos levaram à Abdicação do Imperador e chegaram a
colocar em risco a unidade política e territorial do País.

Mas, como ficou a Igreja diante de tudo isto? Que posição assumiu no contexto de um
Brasil independente?

A leitura inicial dos fatos nos revela o seguinte: a Confederação do Equador de 1824 teve
entre seus principais líderes Frei Caneca, fuzilado ao fim do conflito; antes dela, em 1817,
tantos foram os clérigos que participaram da Insurreição Pernambucana que esta chegou a
receber a alcunha de a “Revolução dos Padres”; a Assembléia Constituinte Nacional
funcionou sob a presidência do Bispo do Rio de Janeiro e incluía quinze membros do
Clero; após a abdicação, um padre, Diogo Antônio Feijó, tornou-se um dos mais
importantes e influentes líderes políticos do país: foi Ministro da Justiça das Regências
Trinas e Regente Uno entre 1835 e 1837.
A presença de tantos padres nos acontecimentos mais importantes do período nos faz
supor que a influência da Igreja, enquanto instituição, nos destinos do país nesta nova fase
de sua História foi marcante:

14
“No começo do século XIX a Influência da Igreja no Brasil era insignificante. Suas bases
não tinham sido realmente estabelecidas (...) e o seu poder político era nulo.(...) Isto não
significa, porém, que os padres eram politicamente inativos. Por terem recebido uma
educação melhor do que a maioria da população, e como esta educação incluía muitos dos
princípios do liberalismo, muitos padres eram revolucionários, mas agiam individualmente,
e quase nunca em favor dos interesses institucionais da Igreja.
Thomas Bruneau: Catolicismo Brasileiro em Época de Transição

O que o autor citado nos diz sobre a situação da Igreja no começo do século XIX
continuou sendo verdade para praticamente todo aquele século até, pelo menos, 1875.
Após a independência o catolicismo continuou sendo a religião oficial do Estado brasileiro.
As atribuições do clero estavam descritas na Constituição de 1824 e o Imperador, da
mesma forma que o monarca luso durante o período colonial, interferia nas questões da
Igreja através do padroado e do beneplácito. Era prerrogativa sua sugerir nomes para os
cargos eclesiásticos mais importantes, só dependendo de uma confirmação do papa. Além
disso, todas as bulas pontifícias, mesmo aquelas que tratassem de questões estritamente
religiosas, como os rituais litúrgicos, eram submetidas a ele. Estes documentos só teriam
validade no Brasil após sua aprovação imperial, o que quase sempre provocava a
insatisfação do papado. As relações entre o Estado e a Igreja eram tão estreitas que os
padres, que recebiam proventos do governo, exerciam atribuições inerentes ao estado,
como registros de nascimentos, casamentos e óbitos. Eram quase "funcionários públicos".
Logo após a independência o Vaticano tentou mudar esta situação e buscou negociar com
o novo Estado novas formas de relação que aumentassem o grau de autonomia das
instituições católicas do país. Não houve qualquer progresso no sentido de aumentar a
independência da Igreja brasileira com relação ao Estado. Os autores da Constituição
brasileira de 1824 queriam assegurar que a “singularidade” do Brasil continuasse a refletir
na sua Igreja. No dizer de Joaquim Nabuco a Igreja teria que estar de acordo com “os
costumes do nosso país”. Daí o preceito constitucional de considerar o Imperador como
sendo “a primeira autoridade eclesiástica do país” com os poderes e prerrogativas que
analisamos no parágrafo anterior.

Em síntese: em 1827 o Papa Leão XII baixou a bula Praeclara Portugalliae em que
transferia a Ordem de Cristo para o Imperador, ponto culminante de todo um processo de
concessões às demandas das autoridades brasileiras ao pleno reconhecimento da autoridade
do Imperador sobre a Igreja brasileira. A respeito desta situação afirma Bruneau: “Desde o
princípio, portanto, o novo Estado se recusou a ceder o que quer que fosse na questão do
controle e denunciou severamente o Vaticano por tentar mudar isso. (...) Roma concordou
com o ‘modus vivendi’ aceitando, assim, uma situação ruim mas evitando o problema mais
sério de uma Igreja cismática..”
Para finalizar a montagem do quadro da relação Igreja-Estado durante o Império vamos
focalizar agora as ações dos membros da Igreja que de algum modo tinham poder de
influência sobre a ação do Estado. Tomemos como exemplo o Padre Feijó. Bruneau não
dá margem a dúvidas a respeito da postura do Padre-ministro e depois Regente quando
afirma ser ele “o mais ferrenho inimigo da supremacia papal que a Igreja do Brasil jamais
produziu”. Mais adiante: “Pe. Feijó é um exemplo clássico de um padre político que
atuou contra o aumento de influência da Igreja, porque isso envolveria uma relação
diferente com Roma..(...) E a questão particular que provocou Feijó foi o problema do
celibato.Feijó fez disto uma questão candente tanto para a sociedade em geral como para o
governo. ‘O poder temporal’, dizia ele,’tem autoridade para abolir o celibato’” ( Bruneau,
op. Cit.)

15
Como podemos observar, as questões que colocavam em confronto a Igreja de Roma e
alguns dos mais importantes membros do clero brasileiro, como é o caso do Padre Diogo
Antonio Feijó, eram muitas vezes questões que envolviam princípios caros à doutrina
oficial de Roma. Um outro exemplo que segue esta mesma linha é o do Padre Antônio
Moura, indicado a Roma em 1833, pelo governo, como Bispo do Rio de Janeiro. Moura,
de intensa militância na vida política do país desde 1830 e que tinha, inclusive, sido
Presidente da Câmara, “era conhecido como um dos mais ardentes opositores da
supremacia papal e tinha assinado três projetos de lei que envolviam importantes mudanças
na Igreja nacional. O mais importante desses teria transferido o casamento da jurisdição da
Igreja para o Estado”. Por conta disso, a sua indicação serviu como foco de uma crise
envolvendo o Estado Brasileiro e a Santa Sé, que se recusou a referendá-la. Para aumentar
ainda mais a tensão, o Padre Feijó foi indicado como Bispo de Mariana. A queda de braço
entre Roma e o Rio de Janeiro se estendeu por aproximadamente cinco anos até que tanto
Feijó quanto Moura abriram mão de suas indicações por motivos de política interna, diga-
se de passagem.
A subida de D.Pedro II ao trono não mudou substancialmente esta situação, pelo
contrário. Segundo Bruneau, “D. Pedro II não estava particularmente interessado na Igreja
e na religião, embora oficial e efetivamente as controlasse e fosse responsável pelo seu
bem-estar” Já Joaquim Nabuco, citado por Bruneau, afirma em Um Estadista do
Império que: “O espírito de D.Pedro II inclinava-se para o preconceito anti-clerical. Ele
não era exatamente anti-clerical –Não via nenhum real perigo na existência do clero. Antes
não conseguia achar atrativa a vocação religiosa. Para ele, um incansável estudante das
ciências, o soldado e o padre eram dois fenômenos sociais sem futuro, duas necessidades
temporárias a que gostaria de dar melhor emprego...”
E de fato, D. Pedro tratou a Igreja a pão e água durante os seus cinqüenta anos de reinado.
Criou apenas três novas dioceses no país durante todo este tempo. Bispos e padres estavam
submetidos a um emaranhado aparato burocrático que os manietava de todas as formas.
Alguns exemplos servirão para demonstrar a situação incômoda das regras a que se
encontravam submetidos os membros da Igreja nacional. Os bispos estavam proibidos de
deixar as suas dioceses sem a permissão do governo, sob pena de sua diocese ser declarada
vacante com a conseqüente nomeação de um sucessor; a cor do cinto do padre era
regulamentada pelo governo; também era objeto de regulamentação governamental a
necessidade ou não do uso de velas na igreja. Não é difícil perceber que normas e
diretrizes tão tacanhas, insignificantes, minavam a influência da Igreja que era mantida ao
sabor dos caprichos do Governo numa situação que, muitas vezes, beirava a humilhação.

III) A Questão religiosa


A década de 1860 marcou uma virada da Igreja de Roma com relação a uma série de
questões fundamentais, entre elas as suas relações com os países que, como o Brasil,
mantinham a supremacia do Estado sobre as “coisas do Espírito”. Em 1864 o Papa Pio IX
codificou a visão que tinha da Igreja, do Mundo e dos erros do seu tempo no Syllabus de
Erros. Ao mesmo tempo o Papa enfatizava com veemência o papel-chave da Igreja no
mundo como intérprete da vontade de Deus. Para finalizar, entre 1868/1870 foi realizado
o Concílio Vaticano I que declara a infalibilidade papal. Na Europa e EUA os liberais
reagiram com um misto de espanto e escárnio a esta ofensiva da Igreja em direção ao
centralismo e reafirmação do seu papel especial na condução vida dos homens em direção à
plenitude e à Verdade.

Em nosso país a nova postura da Igreja causa apreensão e D.Pedro II não aprovou a
encíclica Quanta Cura que acompanhava o Syillabus.

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“Para todos os efeitos o Syllabus não existiu no Brasil; se tivesse existido as contradições
entre a situação da Igreja no país e as idéias de Pio IX teriam sido flagrantes.(...) Das oitenta
teses que compõem o Syllabus destaco as seguintes: nº 28 que declara o ‘placet’ ilegal; nº
37, que se opões às Igrejas nacionais; e o nº 42 que declara ser errônea a predominância,
nos conflitos do direito civil sobre o direito canônico. O Syllabus condena violentamente a
Maçonaria, e nessa época, no Brasil, os padres mais importantes e o próprio Imperador
pertenciam a lojas maçônicas”
Thomas Bruneau, Op.cit.

A maçonaria é uma ordem secreta de caráter filantrópico cuja origem remonta ao período
medieval, sendo considerada herdeira direta da confraria inglesa dos pedreiros, de quem teria herdado
os símbolos e apetrechos (esquadro e compasso, entre outros). Por considerar a crença religiosa
uma opção de cada indivíduo a maçonaria entrou em choque com Igreja Católica Apostólica
Romana de quem sofreu forte oposição. Ocorre que ao negar a universalidade da crença os
maçons teriam colocado em questão a autoridade e prerrogativas que a Igreja considerava como
suas.
No Brasil, pode-se datar de 1815 a fundação definitiva da maçonaria no Rio de Janeiro, com a
Loja Comércio e Artes. Entre maçons brasileiros ilustres do Império figuram , entre outros, José
Bonifácio de Andrada e Silva, D. Pedro I, Pedro II, além de inúmeros bispos e padres.

Não demorou muito para que as relações entre a Igreja e o Império entrassem em crise.
Em 1872, o Bispo de Olinda, Dom Vital Maria, decidiu colocar em prática uma das
recomendações da Syllabus. Como o documento proibia qualquer ligação entre católicos e
maçons o bispo determinou que o clero não celebrasse missa em comemoração da
fundação da loja maçônica pernambucana e ordenou às confrarias religiosas que
expulsassem seus membros ligados às lojas maçônicas. Algumas das comunidades se
recusaram a cumprir as ordens do bispo e , por conta disto, foram interditadas. Para
agravar a situação, o bispo do Pará, D. Antonio Macedo Costa, fez o mesmo em sua
diocese. A maçonaria reagiu de pronto e acionou o governo imperial que através do
Conselho de Estado determinou que Dom Vital revogasse as proibições que fizera.
Lembraram-lhe que a bula Sylabbus não havia recebido a aprovação de Dom Pedro e
portanto não tinha validade no país. O bispo reagiu e, em uma atitude inédita, retrucou
que o poder civil não poderia intervir em assuntos espirituais. O resultado disso é que os
dois bispos rebeldes foram condenados a quatro anos de
prisão, com trabalhos forçados. A crise ficou conhecida por "Questão Religiosa" e rompeu
definitivamente as relações entre o Estado e o clero, antiga base de sustentação do sistema
monárquico. Apesar dos dois bispos terem sido anistiados em 1875, os padres continuaram
a usar o púlpito para criticar a forma de governo vigente.

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CAPÍTULO TRÊS
A IGREJA CATÓLICA E A RELIGIÃO NO BRASIL REPÚBLICA

I) O Período Liberal (1889-1930)


Uma das primeiras providências do Governo Provisório instaurado logo após a
Proclamação da República foi a Separação entre a Igreja e o Estado. Em outras palavras,
estava extinto o Padroado.

Em verdade o decreto apenas oficializou aquilo que já era um fato concreto desde os
tempos do Império : o distanciamento da Igreja Católica e do Clero das questões sociais e
políticas.
A Igreja Católica brasileira passava por um processo de romanização. A “romanização” da
Igreja refletiu-se na omissão por parte da hierarquia católica, dos problemas da sociedade
brasileira na segunda metade do século XIX. Por conta do Concílio Vaticano I (1869-
1870) cuja preocupação dominante da Igreja era com a sua conservação e não com o
homem e seu mundo. A perspectiva teológica, que prevaleceu, foi o monólogo e o
isolamento do mundo moderno, porque esse representava uma ameaça ao seu prestígio e
poder. os bispos brasileiros reproximaram-se de Roma e mantiveram-se distantes das
questões internas do Brasil. Optou por combater a maçonaria, o que levou à Questão
Religiosa acabando por levar a separação entre a Igreja e o Estado.

Em conseqüência dessa ruptura, Roma assumiu a condição dos assuntos internos da Igreja
no Brasil, papel antes exercido pelo Estado Imperial. A Igreja passou a ser mais européia e
romana do que brasileira, afastando-se das práticas mais populares, ligadas a religiosidade
popular. Distanciou-se tanto das elites, influenciadas pela maçonaria e pelo positivismo,
quanto do povo.

Essa omissão, entre outras razões, facilitava o despertar de movimentos messiânicos ,


liderados por beatos como o Movimento de Canudos na Bahia encabeçado por Antonio
Conselheiro, o Movimento do Contestado, liderado pelo beato João Maria.

Enquanto isso a Igreja oficial apregoava que a salvação era resultado de um elevar-se
acima do mundo ao invés de ter nele uma atuação. A missão sacerdotal era ser todo de
Deus e das almas num mundo socialmente divorciado de Deus e inimigo das almas, viver
em contato contínuo com o mundo sem ser do mundo. O bom católico manifestaria sua
relação com Deus através da ação, mas a salvação só viria através da fé. Os atos que
acompanhavam a fé não tinham nenhum significado sem ela e não eram importantes
quanto à devoção pessoal.

O reencontro da Igreja Católica com as elites brasileiras deu-se inicialmente a partir da


década de 1920 quando Dom Sebastião Leme (mais tarde eleito Cardeal) que havia sido
bispo de Olinda e depois do Rio de Janeiro preocupado com a posição subalterna da Igreja
brasileira, procurou fortalecê-la.

A Igreja Católica, agora desvinculada oficialmente das forças políticas, permaneceu


conservadora politicamente, opondo-se à secularização e a outras religiões; advogava uma
postura de combate ao protestantismo e aos demais credos, sendo portadora de um
discurso claramente anticomunista. Aliou-se às forças politicamente conservadoras e
procurou manter sua influência no sistema educacional. Era uma forma de lidar com a

18
fragilidade da instituição sem modificar de maneira significativa a natureza conservadora da
mesma.

Apesar dessa postura triunfalista de conquistar o mundo e cristianizar a sociedade,


adquirindo maiores espaços dentro das principais instituições, imbuindo-as de um espírito
católico obedecendo as diretrizes de Roma, a instituição não conseguia plena realização de
seu projeto, pois, nas áreas periféricas do poder central, em que o controle era dificultado,
emergia e se desenvolvia uma espiritualidade cristã popular e notadamente oposta às
diretrizes oficiais.

II) O Período Populista (1930- 1964)


Na fase populista a Igreja começou a reivindicar um lugar de destaque e influência nas
instituições do país.
A Igreja Católica passou a ser uma importante base de apoio ao governo . O Marco
simbólico dessa colaboração foi a inauguração da estátua do Cristo Redentor no
Corcovado, a 12 de outubro de 1931. Getúlio Vargas e todo o ministério concentraram-se
na estreita plataforma da estátua, pairando sobre o Rio de Janeiro. Aí o Cardeal Leme
consagrou a nação “ao Coração Santíssimo de Jesus, reconhecendo-o para sempre seu Rei
e Senhor”
Em troca o governo tomou medidas importantes em seu favor. O governo atendeu
praticamente a todas as reivindicações do clero católico: ensino religioso nas escolas
públicas, assistência religiosa as Forças Armadas. Mais tarde o nome de Deus foi incluído
na Constituição de 1934.
A Igreja levou a massa da população católica a apoiar o novo governo.
A Igreja passou a atuar politicamente através da Liga Eleitoral Católica (LEC) e mobilizou
os leigos por meio da Ação Católica, tendo um papel mais decisivo também no campo
educacional.

Através dos círculos operários católicos, a Igreja procurou penetrar nos meios operários,
contando para isso com o apoio do governo Vargas que tinha interesse em diminuir a
influência da esquerda sobre o movimento.

A partir de 1950 organizou diversos setores da juventude, com a criação da Juventude


Estudantil Católica (JEC), a Juventude Universitária Católica (JUC), Juventude Operária
Católica (JOC), Juventude Agrária católica (JAC) e da Juventude Independente Católica
(JIC)

Até 1964 as relações entre a Igreja e o Estado sempre foram ótimas. A colaboração se deu
em muitos setores na maioria das regiões do Brasil. Com a criação da CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos Brasileiros), em 1952 - em que se destacou a atuação de Dom Helder
Câmara - , e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), em 1955, foi crescendo a
consciência da necessidade de um trabalho conjunto entre os Bispos. Essa consciência
aumentou ainda mais a partir da realização do Concílio Vaticano II (1962-1965).

19
IV) A Igreja Popular (1964- 1990)

1) Concílio Vaticano II

Tradicionalmente, a rígida postura da Igreja Católica construiu uma imagem externa de


uma instituição inflexível e conservadora que, no entanto, não perdurou por muito tempo,
pois no século XX o Concílio Vaticano II , um dos mais importantes eventos do
catolicismo romano, promoveu, a despeito das contradições e das tensões que o cercaram,
as mudanças de maior magnitude que a Igreja já assistiu. Isso reforça o argumento inicial: a
Igreja não é uma instituição fechada a mudanças, mas é, em grande medida, influenciada
pelas mudanças da sociedade em geral.
Após o Vaticano II implanta-se um novo modelo de Igreja. Ela se reconhece como
possuidora de objetivos institucionais, quer expandir sua influência no mundo moderno e,
por isso, assume uma postura dialogal.
A Igreja Católica é uma instituição internacional e o Vaticano exerce influência sobre as
igrejas nacionais. Roma determina os parâmetros e a autoridade do Papa não é meramente
formal. A Igreja católica possui uma forma de governo monárquica, na qual o papel do
papa enquanto líder da Igreja é muito mais do que formal. A despeito das mudanças
hierárquicas , a autoridade papal permanece suprema. O Vaticano desempenhou grande
influência, ora encorajando, ora contendo as mudanças da Igreja brasileira, durante o
período 1916-1985. Entre 1955/1965 houve mudanças significativas na Igreja Católica
Romana, em âmbito internacional com reflexos na América Latina, e o país que mais
sofreu os impactos dessas mudanças foi o Brasil.

No dia 28 de outubro de 1958, após a eleição pelo colégio dos cardeais, o então Cardeal
Patriarca de Veneza Ângelo Giuseppe Roncalli foi eleito sucessor de Pio XII. Subia ao
trono pontifício um homem de origem camponesa que, em poucos anos de pontificado
mudaria significativamente a história da Igreja católica e suas relações com o mundo.
Apesar de breve, o pontificado de João XXIII teve um efeito estrondoso. A convicção de
que a Igreja Católica não acompanhava a marcha do século XX, e de que, na época, mais
de um terço da humanidade vivia sob regimes comunistas ateus, levaram o Papa a imprimir
mudanças significativas na estrutura da Igreja.

O Concílio enfatizou a missão social da Igreja, declarou a importância do leigo, imprimiu


uma noção de Igreja como povo de Deus substituindo a antiga noção de sociedade
perfeita, valorizou o diálogo ecumênico, antes embrionário, modificou a liturgia de modo a
torná-la mais flexível; e reviu as relações entre a fé cristã e o mundo moderno.
Embora o Concílio Vaticano II tenha sido um evento europeu e dirigido pela Igreja
européia, suas propostas acabaram conduzindo a mudanças que foram significativas para a
América Latina e, principalmente, para o Brasil. A Segunda Conferência dos Bispos da
América Latina, que se realizou em Medelim, na Colômbia, em outubro de 1968, acabou se
convertendo num grande esforço de traduzir os ensinamentos do Vaticano II para a
realidade ímpar do povo latino-americano e de sua situação de subdesenvolvimento.

2) Teologia da Libertação
A resposta da Igreja Católica Apostólica Romana na América Latina ao desafio
representado pelos pobres, oprimidos, excluídos e marginalizados de toda a América Latina
foi a Teologia da Libertação . Iniciada no Concílio Vaticano II e colocada em prática no
final da década de 1960, a Teologia da Libertação passa pela conscientização, organização

20
e libertação político-social, econômica e cultural de todos os submetidos a qualquer forma
de opressão. Tenta unir o político à reflexão teológica, fazendo da fé a dimensão pela qual
se filtram as questões sociais.
Leonardo Boff, um dos expoentes brasileiros da teologia da libertação, diz que "A tarefa
da teologia é ver as coisas não desligadas e suspensas nelas mesmas, mas como coisas que
remetem a algo que vai além delas e que são sinais, sacramentos, indicações do mistério que
invade o universo, que invade o coração humano, perpassa a História e que as religiões
chamam de Deus. Fazer esse discurso, articulando-o com a fé e com o discurso da
sociedade, é próprio da teologia socialmente responsável".
É sob essa ótica que a teologia da libertação analisa a divisão do poder econômico, político,
ideológico e militar em um mundo que exclui grande parte de seus habitantes. Esta teologia
acusa de perverso um sistema que se sustenta pela degradação da qualidade de vida,
opondo-se à lei fundamental do cristianismo: o amor e a solidariedade.
Crendo que o desafio moderno é criar uma consciência mundial, a teologia da libertação
tenta fazer valer os direitos cristãos - que, nesta ideologia, também significa direitos civis -,
de favelados, desempregados, moradores da periferia, negros, operários, sem-terra, presos,
índios, mulheres e organizações sindicais ou comunitárias.

As conferências do Celam realizadas em Medellín, Colômbia (1968) e, em Puebla, México


(1979) colocaram no centro da orientação da Igreja latino-americana a “opção preferencial
pelos pobres”

3) Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)


O movimento mais importante dessa Igreja voltada para os pobres é o das comunidades
eclesiais de base (CEBs). Segundo Frei Betto em seu livro: O que é comunidade eclesial de
base, p 16-7) “São comunidades porque reúnem pessoas que têm a mesma fé, pertencem à
mesma Igreja e moram na mesma região. Motivadas pela fé, essas pessoas vivem uma
comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de moradia, de luta por
melhores condições de vida e de anseios e esperanças libertadoras. São eclesiais, porque
congregadas na Igreja, como núcleos básicos de comunidades de fé. São de base, porque
integradas por pessoas que trabalham com as próprias mãos (classes populares): donas-de-
casa, operários, subempregados, aposentados, jovens e empregados dos setores de serviços,
na periferia urbana; na zona rural, assalariados agrícolas, posseiros, pequenos ,proprietários
arrendatários, peões e seus familiares. Há também comunidades indígenas. Segundo
estimativas não oficiais existem no país, atualmente, oitenta mil comunidades eclesiais de
base, congregando cerca de dois milhões de pessoas crentes e oprimidas”.

21
IV) A Igreja contra o Estado

1) O Golpe de 1964 e o Regime Militar

O movimento militar de 31 de março de 1964, responsável pela queda de João Goulart,


considerava-se revolucionário e regenerador pois seus ideais purificadores iriam libertar o
país da corrupção e do comunismo.

Esse pensamento teve inicio muito antes, no interior da Escola Superior de Guerra,
fundada em 1949, sob a influência norte-americana, que desenvolveu a teoria de
intervenção no processo político nacional. A síntese da teoria de preservação da Defesa
Nacional afirmava que não se tratava mais de fortalecer o Poder Nacional contra eventuais
ataques externos, mas reunir forças para combater um ‘inimigo interno’ que procurará
solapar as instituições.

Foi sob o manto da ideologia oficial do Regime Militar que, em nome da democracia,
rasgou-se a Constituição, fechou-se o Congresso Nacional, suspenderam-se as garantias dos
cidadãos, prendeu-se, torturou-se e assassinou-se. Forjado pela ESG, o lema “Segurança
Nacional e Desenvolvimento” (versão atualizada da expressão “Ordem e Progresso”),
inspirou um dos períodos mais tenebrosos da história do Brasil.

Vitoriosa, a revolução passou a realizar as ‘cirurgias’ necessárias para devolver ao país a


ordem e o bem estar social. A escolha de Castelo Branco como chefe do novo governo
deu-se porque o mesmo representava um projeto amplo e global de modernização do país.
Suas primeiras atitudes foram, através dos Atos Institucionais, reforçar o poder Executivo,
reduzir o campo de ação do Congresso Nacional; suspender a imunidade parlamentar;
cassar mandatos; suspender direitos políticos por dez anos. Iniciaram-se também os
expurgos nos serviços públicos, gerando um clima de medo e delação. A vitaliciedade e
estabilidade dos servidores foram anuladas. Seguiram-se também prisões e torturas.

Outra prática adotada para desmantelar o poder de organização e participação da sociedade


civil foi a intervenção em sindicatos urbanos e rurais. Foram desmobilizadas as Ligas
Camponesas e seus líderes foram presos.

Calcula-se que mais de 50 mil pessoas tenham sido demitidas nos primeiros meses do
regime militar, 144 pessoas desapareceram em conseqüência da repressão política, 1843
casos de torturas relatados pelo dossiê Brasil: Nunca Mais, 240 pessoas mortas, 238
políticos tiveram seus mandatos cassados em 1964, 452 sindicatos sofreram expurgos e
2828 pessoas foram condenadas à prisão pelo regime militar.
Para tornar o aparelho repressor eficiente, foi criado, em 1964, o SNI (Serviço Nacional de
Informações), idealizado pelo general Golbery do Couto de Silva, ligado ao grupo
castelista, cujo objetivo expresso era coletar e analisar informações pertinentes à segurança
nacional, sobre questões de subversão interna na luta contra o inimigo interno.
O regime militar se impunha pela violência e pela força, anulando a democracia e a
participação popular, seja por meio da repressão, seja pela censura aos meios de
comunicação e também pela eficiente propaganda do governo, cuja TV Globo tornou-se
beneficiada e porta-voz.
Na área econômica, o período militar, com o objetivo de promover o desenvolvimento,
realizou o ‘Milagre Econômico’.

22
Tratava-se de uma combinação de crescimento econômico com taxas relativamente baixas
de inflação. Uma proposta de modernização e reforma do Estado. Entre 1968 e 1969 o
país cresceu num ritmo impressionante, registrando a variação respectivamente de 11,2% e
10,0% do PIB o que resulta em 8,1% e 6,8% no cálculo per capita.4

A média do PIB anual foi de 11,2% sendo o pico, em 1973, cujo índice foi de 13% contra
uma inflação anual de 18%, em contraste com o período anterior, cujo crescimento
inflacionário girava em torno de 25,4 % ao ano.5

A explicação para o Milagre não tinha nada de sobrenatural. Na realidade, conjugava a


disponibilidade dos países industrializados capitalistas em fornecer capital com o aumento
do investimento de capital estrangeiro. A dívida dos países pobres para com os países
desenvolvidos saltou de menos de 40 bilhões, em 1967, para 97 bilhões em 1972 e 375
bilhões em 1980. O setor automobilístico cresceu em torno de 30%. Os investimentos
atingiram na ordem de 4,3 bilhões de dólares, o triplo de 1970. Deu-se também a
ampliação do crédito ao consumidor e facilidades ao crédito pessoal.6

O ‘Milagre’ foi o desenvolvimento do Capitalismo associado, ou seja, ao contrário de uma


política liberal, que deixava a economia ao sabor da mão invisível do mercado a tarefa de
promover o desenvolvimento, o Estado intervinha em uma extensa área, indexando
salários, concedendo créditos, isenções de tributos aos exportadores.

Muitos setores da grande indústria, dos serviços e da agricultura que gritam contra os
gastos e a intromissão do Estado na economia beneficiaram-se largamente da ação do
Estado naqueles anos.7

Entretanto, os grandes pontos vulneráveis do milagre eram a dependência externa e o


endividamento bem como a necessidade de produtos importados como o petróleo.

O Milagre deixou como herança aspectos negativos de natureza social. Apesar do PIB ser
um indicador do estado geral da economia, seja em números brutos, seja per capita,
ele não exprimia a distribuição da renda. A política econômica dos tecnoburocratas
pretendia fazer o ‘bolo crescer para depois dividi-lo’. Privilegiou-se assim a acumulação de
capitais sem contudo distribuí-los. Ao contrário, o salário dos trabalhadores acabou
comprimido em contraste com a classe media que teve um aumento de seu poder de
consumo. Tudo isso resultou em uma concentração de renda acentuada que vinha de anos
anteriores, levando a desproporção entre o avanço econômico e o retardamento e
abandono dos programas sociais pelo Estado.

Atualmente, o Brasil é um país que possui uma posição destacada pelo seu potencial
industrial em contraste a seus baixos indicadores de saúde, educação e habitação. Em 1995,
um relatório do Banco Mundial apontava o Brasil como o país em que há maior
desigualdade social e de renda do mundo. 51,3% da renda brasileira concentra-se em 10%
da população. Os 20,0% mais ricos, detêm 67,5% da riqueza, enquanto os 20,0% mais
pobres detêm apenas 2,1%.8

4 Conf. FAUSTO, Bóris - História do Brasil. p. 482


5 Ibidem. p.485.
6 Ibidem. p. 485
7 FAUSTO, Bóris - História do Brasil. p. 486
8 Folha de São Paulo, 8/4/95.

23
1% mais rico da população fica com 13,9% da renda gerada no país. Os 50% mais pobres
só tem 12,1% da renda do país. Na área rural, apenas 12% da população dispõe de
instalações sanitárias. Estão fora da escola 4 milhões de crianças. No Nordeste a
mortalidade infantil atinge 88,2 por mil crianças nascidas vivas. São considerados pobres
41,9 milhões de brasileiros, o equivalente a 26,8% da população.9 Do total de pobres 16,6
milhões são indigentes.10 Existem no país 20,2 milhões de analfabetos com dez ou
mais anos de idade. Entre crianças de 10 a 14 anos 16,9% já trabalham. Estão fora da
escola 4 milhões de crianças. Entre os trabalhadores 52% ganham menos que dois salários
mínimos e entre as pessoas idosas 31% (3,1 milhões) não recebem auxílio da seguridade
social.11

As diretrizes econômicas não consideravam a população e sequer a ecologia. O


crescimento econômico era feito em detrimento da preservação do meio ambiente.
Exemplo disso, encontramos hoje no tráfego e na poluição das grandes cidades, na
construção da Transamazônica, que ainda hoje provoca grande impacto ambiental.

2) A Igreja Católica e o Regime Militar


Inicialmente, uma parcela significativa da Igreja mostrou-se simpática ao movimento militar
de 1964. Para a maioria significativa do alto clero, era preciso conter o avanço comunista.
Um exemplo disso foi Dom Agnelo Rossi, que chegou mesmo a participar, na primeira fila,
da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, dias antes do golpe. Entretanto, não
demoraram a surgir vários conflitos entre a Igreja e o Estado.

O regime autoritário começou a prender e a torturar vários membros do clero, que tinham
uma atuação popular e eram acusados de subversão. Nesse momento, a Igreja, em especial
a de São Paulo, lança-se na defesa pelo respeito a dignidade e aos Direitos Humanos.

A Igreja latino-americana, que buscava sua identidade, acolhe as mudanças que o Concílio
Vaticano II trouxera e redimensiona seu papel na sociedade. Assiste-se ao surgimento de
uma Teologia singular nascida das exigências específicas do povo latino-americano. A
Teologia da Libertação, que se coloca numa perspectiva popular e libertária, cuja principal
missão histórica é a construção do reino ao lado do povo sofredor e oprimido,

A Igreja brasileira atravessava momentos difíceis com a situação de violência e desrespeito


aos princípios básicos da vida humana. Por isso engaja-se também na luta pela dignidade
material das populações pobres. A Igreja ergue-se na luta pela vida, pela dignidade e pelos
direitos fundamentais da pessoa humana, encontrando em outras religiões uma força aliada
na luta pelo respeito à vida e à dignidade humana. Dom Paulo e a Igreja de São Paulo serão
o principal símbolo desse combate.

Entretanto, o conflito entre a Igreja e o Estado não ocorreu apenas em São Paulo. A Igreja
do Nordeste foi a primeira a desenvolver uma ação pastoral popular e defensora da
dignidade humana. A figura de Dom Helder Câmara, entre tantos outros, confirma a
natureza humanista que a Igreja adquirirá a partir de 1964.

Durante os anos da ditadura militar, a única instituição capaz de fazer oposição ao governo
era a Igreja Católica. A maior oposição vinha do Nordeste. Lá a Igreja, desde a década de

9 Pobres são consideradas as pessoas sem renda para atender necessidades básicas como moradia, vestuário, educação, etc.
10 Indigentes, incluídos entre os pobres são aqueles que não conseguem sequer satisfazer as necessidades alimentares
11 Cf. IBGE, In Folha de São Paulo, 8/4/95.

24
1950, havia orientado suas preocupações para os problemas sociais, através de socorro às
vítimas da seca. Engajou-se amplamente em programas de Educação de Base (MEB)e na
formação de sindicatos.

A Igreja Católica foi a única instituição com autonomia suficiente para fazer oposição ao
regime. Era a única que podia criticar o modelo econômico e a repressão, defender os
Direitos Humanos e organizar as classes populares.

No Nordeste, a crítica da Igreja dirigiu-se às condições de miséria da população, agravada


pela industrialização forçada e o descaso do campo, à concentração de renda e aos
desequilíbrios regionais... O exemplo disso é Dom Helder Câmara, Arcebispo de Recife e
Olinda, cujo passado esteve ligado ao conservadorismo, passou a partir dos anos 50 a
figurar entre o maior exemplo da Igreja progressista e popular

À medida em que a Igreja denunciava o governo e a violência, o conflito entre a Igreja e o


Estado ia aumentando. Padres e Bispos passavam a sofrer intimidações policiais,
espancamentos, prisões e torturas. Os exemplos de padres vitimas de torturas são vários: O
bispo de Nova Iguaçu, Dom Adriano Hypólito, foi seqüestrado e maltratado; alguns órgãos
de imprensa da Igreja foram censurados como o Semanário ‘O São Paulo’ e a ‘Rádio
América’ e outros fechados, como a Rádio Nove de Julho. O padre Antonio Henrique
Pereira Neto assessor de Dom Helder Câmara, foi seqüestrado e morto no Recife; Frei
Tito de Alencar suicidou-se na França em conseqüência das torturas sofridas no Brasil; o
padre João Bosco Penido Burnier foi assassinado por um soldado da polícia militar, quando
acompanhava o bispo Dom Pedro Casaldáliga à cadeia de Ribeirão Bonito, no Mato
Grosso, para defender duas mulheres que estavam sendo torturadas.

Ao lado da Igreja Nordestina, a Igreja de São Paulo, sob a liderança de Dom Paulo
Evaristo Arns, saiu em defesa dos Direitos Humanos e na luta pela redemocratização do
país.

Em São Paulo, a ação da Igreja destacou-se pelo dinamismo de sua Comissão de Justiça e
Paz, sua posição firme contra as torturas e em favor dos Direitos Humanos, a mobilização
das periferias e sua ação comum com intelectuais, imprensa, universidade e sindicatos para
uma mudança do atual regime e a conquista da participação popular dentro de um Estado
de pleno Direito. A partir de 1977, a questão dos trabalhadores e seus direitos, nos
conflitos e greves do ABC, encontrou uma Igreja aberta e solidária com a classe operária e
com a sua luta.

Através da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, a Igreja contribuiu


para denunciar, ao lado do promotor de justiça, Hélio Bicudo, o Esquadrão da Morte, cujos
atos praticados por agentes policiais consistiam em eliminar pessoas consideradas
criminosas em atos brutais de assassinatos violentos.

Foi também o primeiro a apoiar publicamente a defesa da dignidade do homem,


incentivando a criação de comissões pastorais, de Centros de Defesa dos Direitos
Humanos. Para tanto, como instrumento legal, que emprestasse eficácia à defesa desses
direitos, em 30 de julho de 1975 é criada a Comissão Justiça e Paz de São Paulo. Foi um
instrumento de luta contra a linha dura do regime militar.

25
Em plena vigência do regime militar no Brasil, Dom Paulo, através da Arquidiocese de São
Paulo, abriu canais de comunicação entre a sociedade civil e o governo. Empenhou-se em
solucionar os problemas dos presos e desaparecidos do regime militar.

Mobilizou a Arquidiocese de São Paulo em torno dos padres torturados. Denunciou com
veemência as mortes dos operários Luiz Hirata, Manuel Fiel Filho e Santo Dias, este
assassinado pela polícia militar durante uma greve de metalúrgicos de São Paulo em 30 de
outubro de 197?????

Denunciou o assassinato do jornalista Wladmir Herzog em 1975, nos calabouços do DOI-


CODI, transformando o culto ecumênico em um protesto político, e do estudante
Alexandre Vannucchi Leme, preso e torturado em 1973.

Formou também a Comissão Arquidiocesana de Pastoral dos Direitos Humanos e


Marginalizados, cuja tarefa era ajudar as pessoas nessas questões e organizá-las para se
defenderem contra as violações dos seus direitos.

Com o intuito de ampliar a consciência dos cidadãos brasileiros sobre os seus direitos e
com isso tentar mobilizar a sociedade em seu conjunto para combater a repressão, em
1973, com a colaboração de organizações evangélicas, foram impressos os trinta artigos da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, em edição popular, gratuitamente
distribuídas, que atingiu a cifra de 200 mil exemplares na 1ª edição. Nos cinco anos
seguintes, houve mais três edições, num total de 1 milhão e 800 mil exemplares,
distribuídos até os mais longínquos rincões do país.

Tratava-se um projeto ecumênico que articulou o CESE (Coordenadoria Ecumênica de


Serviço). Foi impressa a Declaração com textos do Antigo e do Novo Testamento e com
citações de origem católica e das Igrejas evangélicas. O lançamento ocorreu em 26 de
outubro de 1973, em comemoração dos 25 anos da Declaração. Esse projeto realizado em
parceria com o reverendo Jaime Wrigth indicava que as fronteiras religiosas desapareciam
diante da necessidade de defender os Direitos Humanos
De um trabalho incansável em favor das vítimas do regime militar, surgiu o Projeto “Brasil:
Nunca Mais”, preparado secretamente durante cinco anos e baseado em documentos
oficiais do governo, copiados do Arquivo do Superior Tribunal Militar na sua totalidade,
reunindo 707 processos, com mais de um milhão de páginas.

O resultado é um resumo em forma de livro, em linguagem simples, que busca retratar com
fidelidade o que foi a tortura institucionalizada durante a vigência do regime militar.

Quando analisa-se a queda do regime militar vigente de 1964 a 1985 e o retorno gradativo
ao Estado de Direito, após a segunda metade da década de 1970, é notório a participação
da Igreja e de Dom Paulo nesse processo. Suas ações contribuíram decisivamente para a
abertura política do país.

4) Movimento Carismático

Uma das mais importantes expressões da renovação conservadora no interior da Igreja


católica foi o crescimento do Movimento Carismático.

26
Trata-se de um movimento mundial da Igreja Católica, oficialmente chamado de
Renovação Carismática Católica, criado em dezembro de 1965, depois do Concílio
Vaticano II. Tem três características: a oração, o gregarismo e o sentido de missão. Estudos
feitos na década de 1990 mostraram que, no Brasil, o movimento carismático conseguiu
conter parte da sangria de fiéis católicos para as religiões evangélicas. Enfrenta resistências
de alguns setores da Igreja Católica que vêem nesse movimento características
espiritualistas, nas quais os fiéis vão direto a Deus, sem a mediação daqueles que seriam
seus representantes na Terra.
De origem norte-americana, chega ao Brasil em 1968, introduzida pelo padre jesuíta
Haroldo Rahn. Aproxima-se do pentecostalismo ao reafirmar a presença do Espírito Santo
na religião. Ganha força principalmente no interior e entre a classe média. Em 1994, os
carismáticos representam 5% dos católicos do país. Hoje somam 8 milhões de
simpatizantes, de acordo com o próprio movimento, presente em cerca de 95% das
dioceses, na forma de grupos de oração. No Brasil é o movimento que mais atrai a
população feminina, com 70,3% dos adeptos, pela pesquisa Datafolha de 1994.
Um dos principais expoentes do movimento de Renovação Carismática é o padre Marcelo
Rossi, 31 anos. Em suas missas, realizadas na Zona Sul de São Paulo, chega a reunir cerca
de 60 mil pessoas, atraídas por seus cantos, coreografias e diálogos com a platéia. Em
setembro de 1998 lança o CD Músicas para Louvar o Senhor, que atinge venda recorde de
2,2 milhões de cópias em dois meses. Na mesma linha, desponta no Rio de Janeiro o padre
José Luiz Jansen de Mello Neto, 28 anos, conhecido como padre Zeca.

27
CAPÍTULO QUATRO
RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

I) Introdução
O nosso principal objetivo aqui é reconstituir os elementos mais importantes das religiões
afro-brasileiras

Este termo refere-se a cultos religiosos de


origem africana que, no Brasil, sofreram
influência do catolicismo e das crenças
religiosas indígenas. São exemplos de religiões
afro-brasileiras: candomblé, a macumba, o pará, o
vodu — religião dos negros fons, sobrevivente
no estado do Maranhão — e a quimbanda.

Mas esta não é uma tarefa fácil. Em seu livro Candomblé e Umbanda – Caminhos da
devoção brasileira o pesquisador Wagner Gonçalves da Silva ressalta que as religiões
africanas possuíam “princípios e práticas doutrinárias que, em geral, eram estabelecidas e
transmitidas oralmente”. Não havia, portanto, um livro sagrado como a Bíblia dos cristãos
ou o Alcorão muçulmano que reunisse e eternizasse ensinamentos, valores e crenças que
pudessem ser recuperadas de forma sistemática por pesquisadores e estudiosos da religião.
Mais à frente ele afirma que por serem os cultos e ritos afros manifestações religiosas
“originárias de segmentos marginalizados em nossa sociedade (como negros, índios e
pobres em geral) e perseguidos durante muito tempo, há poucos registros históricos sobre
eles”. E estes, quando existem, apresentam aquelas manifestações “de forma
preconceituosa ou pouco esclarecedora de suas reais características”. O autor está se
referindo basicamente aos processos de julgamento de muitos seguidores das religiões afro
que foram acusados de “bruxaria” pelas autoridades da Igreja Colonial. Ou, mais
recentemente, os documentos de origem policial que relatam a perseguição a umbandistas
e “macumbeiros”, acusados de curandeirismo e charlatanismo. Não é por acaso que ainda
hoje lemos documentos ou textos como o que transcrevemos abaixo:
A Federação Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira estima que cerca de 70
milhões de brasileiros têm ligação com alguma das duas mais importantes religiões afro-
brasileiras: candomblé ou umbanda. Segundo o IBGE, apenas 0,4% da população (cerca de
650 mil pessoas) declarava, em 1991, seguir cultos afro-brasileiros De acordo com órgãos
ligados à Igreja Católica este número percentual seria 1,5% da população brasileira (2,5
milhões de pessoas aproximadamente). A divergência tem como causa provável a própria
história dos cultos afros em nosso país. Por sofrerem uma perseguição tenaz e por serem
vistos por setores da população como seguidores de ritos bárbaros, umbandistas,
seguidores do candomblé ou de outras manifestações de origem africana, estabeleceram a
tradição de esconder sua opção religiosa. Quando questionados, declaravam-se seguidores
do catolicismo.
Almanaque Abril 2000

28
II) Origens: a imposição do catolicismo
Durante o período colonial chegavam ao Brasil negros dos mais diversos pontos da África.
A diversidade de etnias evidenciava, obviamente, a existência de uma variedade de culturas
que, agora, enfrentavam um novo habitat, ao qual precisavam se adaptar. O que ocorreu
no país naquela ocasião foi uma mistura proposital que os proprietários tomaram o
cuidado de fazer entre os negros de etnias e culturas diferentes com o objetivo claro de
dificultar a sua união contra o inimigo comum: o branco escravizador. Segundo Roger
Bastide, num mesmo local, poderiam coexistir “africanos cujas culturas variavam entre o
monoteísmo e o politeísmo, organizações políticas de base totêmicas e negros advindos de
vastos reinados; povos que seguiram a linhagem matrilinear, até aqueles que tinham
características patrilineares”. O antigo princípio de “dividir para melhor governar” ,
adaptado ao processo de dominação imposto pelo homem luso-brasileiro ao negro
africano, foi aplicado aqui com maestria. Mas não foi suficiente. O passo seguinte foi o da
“conquista da alma” como meio de efetivar o a dominação. Ao chegarem na colônia os
negros africanos eram batizados e tinham o seu nome de origem substituído por um outro,
cristão. Eram cristianizados ad hoc pois, segundo a Igreja, era sua preocupação “salvar-
lhes a alma da danação eterna”.Em seguida, houve a permissão para que pudessem ser
organizadas confrarias
como as de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e de São Benedito em que a assimilação
As Confrarias assim como outras associações de leigos como as
Irmandades e a Ordem Terceira “tinham por objetivo integrar a
comunidade católica atravésda participação de seus membros na ordem
religiosa local. Competia às irmandades organizar festas da parórquia,
recolher o dízimo e divulgar a fé cristã. (...) Os negros impedidos de
participarem em irmandades dos brancos, foram reunidos em irmandades
próprias”.
Wagner Gonçalves da Silva, op cit.

teria continuidade, agora, através da mistura de crenças e valores religiosos cristãos e


africanos. A idéia era a de se tolerar certas práticas religiosas e culturais

“Negar-lhes totalmente seus folguedos, que são o único alívio de


seu cativeiro, é
querê-los desconsolados, melancólicos. (...) Portanto, não lhes
estranhem os senhores o criarem seus reis, cantar e bailar por
algumas horas honestamente em alguns dias do ano, e o
alegrarem-se inocentemente à tarde depois de terem feito pela
manhã suas festas de Nossa Senhora do Rosário, de São
Benedito e do orago da capela do engenho...”
Antonil, apud Laura de Mello e Souza: O Diabo e a Terra
de Santa Cruz

que os negros trouxeram consigo e que não colocavam em risco os interesses dominantes
na sociedade colonial brasileira. Além do mais, esta aceitação se dava na medida em que os
elementos da crendice africana pudessem ser reinterpretados em termos cristãos.

29
Em resumo: o culto aos santos e virgens negros, imposto ao africano como uma etapa da
cristianização, representava, para o senhor branco, um meio de controle social, um
instrumento de submissão para o escravo. Todavia, este soube transformá-lo num
instrumento de solidariedade e de luta social, principalmente quando aumenta o êxodo
do campo para a cidade, onde os negros ficavam mais " livres". Há ainda um outro
aspecto: ao retomar os valores de seus ancestrais, o africano reconstruia uma tradição que
tendia a se perder com o passar do tempo. Esta tradição reinventada remete-os, por sua
vez, a um tempo e a um lugar agora idealizados: o passado africano. Com isto, mostra-
lhes que a sua história não começou quando foram escravizados e transformados em
mercadorias; mostra-lhes que sua cultura pode desafiar a opressão do branco, o seu poder
político e religioso, impondo-se, no sincretismo e na tradição, através da música, da
culinária, dos rituais do calundu, do candomblé e, mais tarde, da Umbanda.. Vejamos agora
o que estes rituais têm de mais siginificativo.

IV) Religiões afro-brasileiras mais importantes

1) O Calundu
Originário do universo cultural dos bantos

Os bantos englobam populações africanas


vindas das áreas onde hoje estão localizados o
Angola, Congo e Moçambique. É considerado
o grupo que mais escravos forneceu ao Brasil e
aquele que mais influências exerceu sobre a
nossa cultura, da culinária à música. Escravos
bantos estavam espalhados por todo o litoral
brasileiro e pela região das minas.
e uma das primeiras formas de manifestação do que hoje designamos como candomblé, o
calundu é um termo que genericamente serve para identificar toda uma série de
manifestações de caráter religioso que, segundo Wagner Gonçalves da Silva, “abrangia
imprecisamente dança coletiva, cantos e músicas acompanhadas por instrumentos de
percussão, invocação de espíritos, sessão de possessão, adivinhação e cura mágica”. De
acordo com o mesmo autor, até o séc. XVIII o calundu foi o principal e mais difundido
ritual religioso negro brasileiro, antepondo-se aos rituais dos terreiros de candomblé e
umbanda surgidos nos dois séculos seguintes. Diferentes especialistas e pesquisadores
como Luiz Mott e Laura de Mello e Souza apresentam relatos de calundus em Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, numa mostra da sua abrangência territorial
que atingia as mais importantes e populosas regiões da Colônia.
Do ponto de vista da sua organização interna, os cultos do calundu eram estruturados em
torno de sacerdotes, os calundeiros. Sincréticos, eram rituais repletos de cerimônias que
misturavam elementos diversificados: africanos como atabaques e o uso dos búzios para
previsões do futuro; católicos como crucifixos e sacramento do casamento; e , finalmente,
superstições populares de origem européia, como a crença em almas que falam através
de objetos ou incorporadas em seres vivos.

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Nascidos nas fazendas, os calundus transformaram-se quase sempre em práticas
clandestinas, dada a perseguição que sofriam os seus seguidores, acusados de bruxaria e
curandeirismo. Contudo, o crescimento das cidades e, dentro delas, o crescimento do
número de negros libertos e mulatos ampliou sensivelmente as práticas religiosas de
origem africana. A liberdade de culto garantida pela constituição de 1824 fez com que a
Igreja mudasse de tática no combate aos cultos afros: deixou de lado a perseguição e
repressão tradicionais e passou a difundir o sentimento de superioridade da fé branca,
católica e civilizada sobre as crenças “selvagens e ignorantes” do povo negro.

2) O Candomblé
A palavra candomblé tem também origem e significado que remonta à África negra e
designa reunião para fins de rituais de adeptos dos orixás, personificação ou deificação das
forças da natureza ou ancestral divinizado que, em vida, obteve controle sobre essas forças.
O termo passou a ser utilizado de forma sistemática a partir de meados do século XIX,
mas, diferentemente do calundu, os adeptos do candomblé

organizavam-se sob a forma da auto-denominada família-de-Santo. Principalmente após a


libertação dos escravos, em 1888, era esta a estrutura de terreiros “onde negros e mulatos

Termo genérico, o candomblé serve


para designar uma série de cultos
semelhantes entre si e espalhados pelo
país: candomblé de caboclo, Bahia;
Xangô, Pernambuco; macumba, Rio de
Janeiro; Cabula, Espírito Santo, entre
outros.

(...) se reuniam, estabelecendo vínculos baseados em laços de parentesco religioso”. O pai-


de-santo é autoridade religiosa máxima desta estrutura e é quem pode “manipular amuletos
e fazer sacrifícios de animais, rezas e invocações secretas, conhecer o futuro, curar doenças,
melhorar a sorte e transformar o destino das pessoas ( Wagner G. Silva, op.cit.).
As questões que se colocam então são as seguintes: qual a origem desta forma de
organização dos cultos afros no Brasil? Por que há a afirmação da família-de-santo como
célula mãe da religiosidade negra no Brasil?
Só poderemos responder adequadamente a estas perguntas se mantivermos um olhar
atento ao que ocorreu em nosso país nos anos que se seguiram ao fim da escravidão e à
Proclamação da República; se examinarmos como passou a viver o grande contingente de
negros que vivem agora na condição de ex-escravos.
Os últimos anos do séc XIX encontram no Brasil um quadro social em que o negro recém
liberto da escravidão na medida mesma em que ganhou sua liberdade pessoal perdeu os
meios de garantir a sua subsistência. Expulsos das fazendas onde foram substituídos pelos
imigrantes europeus, só restava a milhares de negros a periferia das cidades, onde o que
lhes esperavam eram as mais degradantes condições de vida e de trabalho. Restou aos
antigos cativos das fazendas os serviços mais desqualificados no cais do porto, na limpeza
pública, na construção civil, nas oficinas, na construção e manutenção das vias férreas.
Eram os trabalhos mais pesados, sujos e de pior remuneração. Alguns poucos dedicavam-
se ao comércio ambulante, da venda de porta em porta de produtos artesanais ou doces.

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Os mais desafortunados –se é que isto é possível- viviam longos períodos de desemprego e
miséria quase absoluta.
É dentro deste contexto que surgirão nos principais centros urbanos do país, como Rio de
Janeiro, Salvador e Recife, os terreiros e casas do Candomblé. Pertencer a uma familia-de-
santo era a saída encontrada para a maioria daqueles que haviam sido destituídos de um
grupo de referência, inicialmente pela escravidão e depois pela miséria e o abandono a que
foram relegadas as massas de origem afro após a abolição.
Assim, os terreiros se tornavam centro de solidariedade e resistência étnica, traço que só
muito mais tarde deixou de ser a marca do Candomblé quando foi substituído pelos
vínculos puramente espirituais e religiosos, abrindo mão do caráter de “local de uma raça”
para se tornar num espaço de certa forma ecumênico.
A iniciação dos que aderiam aos terreiros e famílias-de-santo se dava da seguinte maneira:

“É pela iniciação que uma pessoa passa a fazer parte de um terreiro e de sua família-de-
santo, assumindo um nome religioso (africano) e um compromisso eterno com o seu deus
pessoal e ao mesmo tempo com o seu pai ou mãe-de-santo. Assim, um adepto, ao iniciar,
nasce para a vida religiosa como “filho” espiritual de seu iniciador, o pai ou mãe-de-santo.
Tendo o iniciado um pai ou mãe-de-santo, terá também irmãos/irmãs-de-santo (os
iniciados por seu pai-de-santo), tios e tias-de-santo (os irmãos/irmãs de seu pai-de-santo),
avô e avó-de-santo (pai ou mãe-de-santo de seu pai-de santo) e assim sucessivamente. A
esses parentes religiosos, deve-se consideração, o respeito, o amor e a obediência que,
supôe-se, deveriam existir entre os membros de qualquer família; ou ainda mais, pois são
pessoas unidas por vínculos sagrados” (Wagner Gonçalves da Silva , op. Cit )

Vejamos agora quais eram as principais entidades do panteão do candomblé

(2) S.m. O conjunto das divindades de uma religião


politeísta.

Há que se ressaltar inicialmente o fato de que na constituição


Novo Aurélio do
– Séc.panteão
XXI das religiões
afro-brasileiras em geral, e no candomblé em particular, o sincretismo ocupou um espaço
todo especial e desempenhou um papel fundamental.

Classificação dos Orixás


Orixá Catolicismo Elemento Cor Dia
Exu Demônio Fogo Vermelho, preto Segunda, Sexta
Ogum Sto.Antonio (BA) Fogo, ar, ferro Vermelho, azul-escuro Terça
S. Jorge (RJ)
Oxóssi S. Miguel (PE), S.Jorge Mata Azul-claro, verde Quinta
(BA), S.Sebastião (RJ)
Xangô S. Jerônimo Raio, trovão Vermelho, branco Quarta
S.Pedro
Oxum NS. Conceição Água doce Amarelo Sábado
N.S. Aparecida
Iemanjá N.S. Conceição Água salgada Azul-claro Sábado
N.S. Navegantes
Iansã Santa Bárbara Vento, raio, Vermelho, marron, Quarta
tempestade rosa
Oxalá Jesus Cristo Ar Branco Sexta
N.Sr. do Bonfim
Fonte: Wagner G. Silva: op.cit (pp. 94-97)

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Qual a razão disso? Por que a influência e a mistura de crenças agora que o negro podia
com mais liberdade voltar-se para os deuses de seus ancestrais?
A verdade é que embora o negro, escravo ou liberto, tenha sido capaz de manter no Brasil
boa parte dos seus valores e crenças religiosas há um problema a ser enfrentado: o nosso
país não é a África. As condições sociais aqui existentes não reproduziam as estruturas
familiares e sociais típicas do continente africano. Isto explica o porquê de ganhar força no
candomblé o culto aos orixás: divindades mais diretamente ligadas às forças da natureza e
à maninpulação de elementos mágicos e de adivinhação. Por tudo isto, no Brasil perde
espaço o culto aos ancestrais e aos deuses familiares que eram a base de sustentação dos
cultos de bantos e yorubás africanos.
Por outro lado, a relação com o mundo do branco empurrava as crenças afros em direção
ao sincretismo com os santos do catolicismo. Para sentir-se “brasileiro” e não ser colocado
à margem da vida social do país, o negro tinha de assumir em alguma medida o catolicismo.
Na passagem do século XIX para o século XX era impensável alguém sentir-se brasileiro
sem ligação com a religião dominante do país. Além do mais, o culto católico aos santos
ajustou-se como uma luva ao politeísmo africano. (ht-7)
Divindades do panteão afro-brasileiro:
Acima de todos paira o Ser Supremo Olodumaré, criador de todas as coisas da natureza,
os homens e os orixás, entidades intermediárias entre o Supremo e os homens.
Principais orixás:
Exu: Mensageiro entre os homens e os deuses; Espírito justo mas vingativo. Por suas
características (entre seus alimentos prediletos estavam a pimenta e a cachaça...) era
considerado demoníaco pela Igreja no Brasil.
Ogum: Orixá da guerra e do fogo. Seus símbolos são a espada e ferramentas agrícolas; É
associado a Santo Antônio, santo guerreiro que no séc.XVI em Portugal era considerado o
protetor dos católicos contra os luteranos.
Oxóssi: Protetor das matas e caçador. É um dos mais populares deuses do panteão afro.
Na Bahia foi sincretizado com São Jorge e no Rio de Janeiro com São Sebastião.
Xangô: É o senhor dos raios e do trovão. Controla as intempéries e, no Brasil, é associado
a São Jerônimo.
Oxum: É a deusa das água doce, fontes, lagos e cachoeiras. Na África está relacionada com
a fertilidade das mulheres, à garantia da procriação e à subsistência das comunidades. No
Brasil está relacionada à Nossa Senhora da Conceição.
Iemanjá: É a mãe das águas e tida como mãe de todos os orixás. Chamada de Rainha do
mar, Iara, Mãe D´Água etc, é das mais populares entidades dos cultos afro. É associada a
Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora dos Navegantes.
Iansã: Deusa iorubana dos ventos, raios e tempestades. Mulher de Xangô. No sincretismo
afro-brasileiro é associada a Santa Bárbara.
Oxalá: É o orixá da criação. Modelou em barro o corpo dos homens para que estes
recebessem o sopro de vida de Olodumarê. Por estas características, é relacionado a Jesus
Cristo no sincretismo afro-brasileiro.

3) A Umbanda
As três primeiras décadas do século XX viram nascer em nosso país uma nova maneira de
se enxergar o povo brasileiro, seu dia-a-dia e sua cultura. Desde a publicação, em 1902, de
Os Sertões, obra em que Euclides da Cunha narra a epopéia dos sertanejos de Canudos, até

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o lançamento de Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire, em 1933, há um processo de
mudança no modo com que setores da nossa intelectualidade passam a tratar a realidade
brasileira. Há uma idealização do “nacional e popular” e uma tentativa de buscar nas nossas
raízes, na nossas tropicalidade e mestiçagem o fio condutor para a “construção de um país
moderno e progressista”. O caipira ingênuo e bem intencionado de Monteiro Lobato;
Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter” de Mário de Andrade; e os personagens
populares e mestiços da pintura de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari e da música
de Dorival Caymmi, são os elementos que servirão de estofo para a reconstrução histórica
do país e a criação de um Brasil novo, moderno, diferente dos carcomidos modelos
europeus...
No plano político, o movimento tenentista pregava abertamente contra a República
Oligárquica dos coronéis e defendia a necessidade de se promover “a modernização do
país” . Entre 1925 e 1927 a Coluna Prestes percorreu 24 mil quilômetros pelo interior do
país, promovendo o encontro dos seus integrantes com um Brasil quase que
desconhecido de suas elites urbanas.
No plano cultural, as religiões populares e os ritos afros tornam-se referência para muitos
autores, como Jorge Amado, que se dispõem a retratar a realidade brasileira. Sua obra
Jubiabá torna o candomblé nacionalmente conhecido ao colocar como personagem um
pai-de-santo como guia espiritual de um líder popular interessado na integração do negro
na sociedade brasileira. Em Casa Grande e Senzala Gilberto Freire criou o mito da
“democracia racial brasileira” ao tratar do processo de miscigenação ocorrida neste lado
dos trópicos e que, segundo ele, deu origem a um povo “de caráter benevolente e
cordial”...

Num quadro como o que sintetizamos acima não é irrelevante a afirmação de que estavam
dadas as condições para o surgimento de uma religião “brasileira”. E é esta a pretensão da
umbanda: religião que nasce no Rio de Janeiro, nos anos 20, a partir da mistura de crenças
e rituais africanos e europeus. Segundo Wagner Gonçalves da Silva a umbanda nasceu
quando “ kardecistas de classe média (...) passaram a mesclar com suas práticas elementos
das tradições religiosas afro-brasileiras e a professar e defender publicamente esta ‘mistura’
com o objetivo de torná-la legitimamente aceita, com o status de uma nova religião”
(op.cit.)

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“Criado na França em meados do sécul XIX por Allan Kardec esta
doutrina filosófica e religiosa fez grande sucesso no Brasil. Como
base doutrinária, o kardecismo estabelece a existência de um Deus
criador, onipotente e onipresente , porém muito distante dos
homens. Mais próximos destes estão os ‘guias’ (espíritos dos
mortos), cuja missão é ajudar os homens a evoluir através da
prática da caridade, do bem e do amor ao seu semelhante.(...) A
crença na reencarnação é um dos pontos centrais deste sistema
religioso. Os espríritos passariam por sucessivas encarnações ao
longo das quais poderiam evoluir através da prática do bem ou
regredir cedendo aos vícios do corpo material (alcoolismo,
violência, ignorância etc.)
(...) A mediunidade (capacidade de entrar em contato como o
mundo dos espíritos) é considerada uma qualidade inata e
necessária ao homem em seu processo de evolução espiritual.”
Wagner Gonçalves da Silva, op cit.

Em linhas gerais, o culto umbandista considera que o universo é povoado de entidades


espirituais, os guias. Estes entram em contato com os homens através de um iniciado (o
médium), que os incorpora. Tais guias se apresentam por meio de figuras como o caboclo,
o preto-velho e a pomba-gira.. Pode-se dizer que o kardecismo ao abraçar os ritos africanos
do candomblé depurou-o dos seus “excessos” e “atrasos” (sacrifício de animais, bebedeiras,
presença de espíritos diabólicos) e acabou por legitimar e dar um sentido diferente a
entidades do novo universo sincrético. Assim, os elementos centrais da nova religião -
caboclos e pretos-velhos – representavam os espíritos de índios e negros africanos e tinham
como missão “irmanar todas as raças e classes sociais que formavam povo o brasileiro”.

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CAPÍTULO CINCO
RELIGIÕES PROTESTANTES

Afora a efêmera tentativa, por parte de huguenotes franceses, para fundar uma colônia no
Rio de janeiro no século XVI, a única manifestação de protestantismo no Brasil, até inícios
do século XIX, se deu durante a ocupação holandesa em Pernambuco, no período 1630-
1654. Data de 1824 o surgimento das primeiras igrejas luteranas, reflexo da intensificação
da imigração alemã. Na década de 1850 instalaram-se no país igrejas congregacionais e
presbiterianas, fundadas por missionários americanos. A esses grupos seguiram-se
metodistas, batistas e episcopais.
Na segunda metade do século XX difundiram-se sobretudo grupos de caráter pentecostal.
Pentecostalismo é o movimento de renovação carismática evangélica baseado na crença de
que a experiência do batismo no Espírito Santo deve ser normativa para todos os cristãos.
São muitas as denominações pentecostais, mas todas tem em comum o batismo no
Espírito Santo, que desceu sobre os discípulos reunidos em assembléia, conforme está
descrito nos Atos dos Apóstolos (At 2:1-4).
Os pentecostais acreditam que as pessoas batizadas pelo Espírito Santo poderão ser
agraciadas não só com o carisma de falar outras línguas (“glossolalia”), mas também com
pelo menos um dos demais dons sobrenaturais: a profecia, a cura, a interpretação de
línguas, as visões etc. Ao contrário da profecia, a glossolalia não tem por fim edificar nem
instruir, mas apenas confirmar a presença do Espírito divino.
O movimento de reforma carismática que fundou o pentecostalismo originou-se em
Topeka, Kansas, nos Estados Unidos, em 1901, quando vários fiéis, sob a liderança do
pastor Charles Fox Partham, passaram a falar em outras línguas. Já no século XIX haviam
ocorrido fenômenos semelhantes nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas os petencostais
foram os primeiros a dar primazia à doutrina prática.
O pentecostalismo cresceu principalmente dentro do movimento mundial de santidade
(Holiness), que se desenvolveu a partir do metodismo americano do século XIX. Dos
Estados Unidos e Inglaterra, o movimento espalhou-se pelo mundo, levado por
missionários metodistas e pregadores itinerantes.
Os principais pioneiros do pentecostalismo foram o pastor metodista norueguês Thomas
Ball Barratt, que fundou movimentos na Noruega, Suécia e Inglaterra; o líder do
movimento da Santidade, Jonathan Paul, na Alemanha; Lewi Pethrus, na Suécia; e Ivan
Voronaev, na Rússia, que em 1920 começou um ministério em Odessa que se espalhou
pelas nações eslavas e fundou mais de 350 congregações na Rússia.
No Brasil, o movimento pentecostalista começou em 1910 em Belém PA, onde os
imigrantes suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren iniciaram cultos pentecostais numa igreja
batista. Logo depois gerou-se um cisma, do qual resultou a Assembléia de Deus, durante
muitos anos principal denominação pentecostalista brasileira, assim como a Congregação
Cristã. Ocorreram depois cruzadas evangelísticas oriundas dos Estados Unidos, no amplo
movimento “Brasil para Cristo”. Outras igrejas juntaram-se ao movimento, como a
Metodista Wesleyana Renovada.
No início da década de 1970, o bispo canadense Robert MacAlister, que aderira ao
pentecostalismo nas Filipinas, fundou no Brasil a Igreja da Nova Vida. Em 1977 foi
fundada a Igreja Universal do Reino de Deus, que em breve passou a contar com centenas

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de templos, várias emissoras de rádio e TV e milhões de adeptos no Brasil, além de
templos em vários outros países.
A ascensão do pentecostalismo no Brasil tem sido atribuída, especialmente, ao decréscimo
da religião então hegemônica, a católica. Outro aspecto diz respeito à necessidade de busca
da ancoragem neste momento em que se percebe mais fortemente a dissolução das relações
sociais com o exacerbado individualismo, a violência e a crescente exclusão social.
Há duas vertentes no pentecostalismo: a primeira valoriza o corpo e as sensações e o faz
até de uma forma exacerbada, como por exemplo a Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD); a outra, chamada de “pentecostalismo clássico”, é herdeira dos grandes
avivamentos norte-americanos e da tradição das igrejas de santidade de origem metodista,
que enfatiza mais a alma, os valores espirituais e a necessidade de se imporem regras
severas sobre o corpo.
A teologia neopentecostal não desvaloriza o corpo da mesma forma que o catolicismo e
protestantes tradicionais, especialmente os de tradição puritana, cuja associação do corpo à
matéria decaída praticamente baniu do culto ao “Deus espiritual” os movimentos
corporais. O resultado foi a eliminação das emoções e da espontaneidade do culto,
consagrando-se no lugar delas tão-somente o racional e o previsível.
Essa valorização do corpo no neopentecostalismo também se faz presente na insistência
em embelezá-lo, torná-lo atraente, oferecer-lhe conforto, bem-estar, recuperar a saúde,
coisas extremamamente desejáveis na atual sociedade de consumo.
A renovação carismática católica (RCC) tem crescido significativamente nos últimos anos,
principalmente entre as camadas populares. Caracterizada como um movimento leigo na
Igreja Católica, quer ser como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) um modo de toda
a igreja ser. Reclama para si a autonomia eclesial e, especialmente nas camadas médias, cria
uma infra-estrutura que prescinda da paroquial (em Campinas, onde o movimento nasceu
no Brasil, a RCC possui uma sede própria). Por essa autonomia e por incorporar elementos
do movimento pentecostal no interior da Igreja Católica, provoca reações de bispos e de
outros movimentos católicos. Diante delas, procura o reconhecimento eclesial e se ressente
de algumas posições de hierarquia.

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BIBLIOGRAFIA:

ALMANAQUE ABRIL 2000, São Paulo, Ed. Abril, 2000


BRUNEAU, Thomas. O Catolicismo Brasileiro em Época de Transição, S. Paulo,
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COULIANO, P. Ionan e ELIADE, Mircea. Dicionário das Religiões, São Paulo,
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FAUSTO, Boris História do Brasil, S. Paulo, Edusp, 1999
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WEHLING, Arno & WEHLING, Maria José C. M.. Formação do Brasil
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Ática, 1995,
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Letras, 1994

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