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Eça de Queirós, um dos nomes mais importantes da literatura portuguesa.

Foi um homem socialmente empenhado e ativo – além


de escritor e ensaísta, foi também jornalista, epistológrafo e chegou mesmo a ocupar alguns cargos políticos. Notabilizou-se pela
originalidade e riqueza do seu estilo e linguagem, nomeadamente pelo realismo descritivo e pela crítica social constantes nos seus
romances mas, tal como o crítico literário, Jacinto Prado Coelho disse: “foi mais analista social do que psicólogo; ironizou
Portugal porque muito o amava e o queria melhor.”

Infância

De nome completo José Maria de Eça de Queirós nasceu a Novembro de 1845, numa casa na Praça do Almada, em Póvoa de
Varzim, no centro da cidade. Curiosamente (e escandalosamente para aquela época), foi registado como sendo filho de mãe
incógnita. O seu pai, José Maria de Almeida de Teixeira de Queirós, nascido no Brasil e vindo para Portugal com um ano de
idade, provinha de uma família de magistrados perseguidos pelos seus ideais liberais que defendiam uma doutrina constitucional.
Aos 20 anos, conhece a apaixona-se por D. Carolina Augusta Pereira de Eça, uma jovem de 18 anos, oriunda de uma família de
militares de alta patente que repudiaram tal pretendente para a filha. Apesar disso, os jovens amantes mantiveram uma relação às
escondidas e da sua relação proibida resultaria a gravidez de D. Carolina que fugiu de casa para que o filho nascesse afastado do
escândalo social.

A particularidade de ter sido batizado como ‘filho natural de José Maria de Almeida de Teixeira de Queiroz e de mãe incógnita’,
não era incomum na época. Acontecia em casos similares nos registos de batismo quando a mãe da criança pertencia a estratos
sociais elevados e havia a necessidade de ocultar a sua identidade por interesse da família. Foi o pai que assumiu a paternidade e a
responsabilidade pelo filho. O pequeno Eça foi assim levado para a casa da sua madrinha, em Vila do Conde, onde permaneceu
até aos quatro anos. Somente ao fim de quatro anos – curiosamente, seis dias depois da morte da avó de D. Carolina, que se dizia
ser a grande opositora à sua união com José de Queirós – é que o jovem casal se casou, sem grande pompa. Ao contrário do que
seria de esperar, Eça de Queirós, não foi levado a viver com os pais após o matrimónio destes. A razão disto prende-se com o
facto de ele ter sido concebido antes do casamento, sendo pois encarado como uma vergonha para um jovem casal recém-
casado. Em consequência disso foi levado para casa dos seus avós paternos (na chamada casa de Verdemilho) em Aradas, Aveiro,
onde foi entregue aos cuidados de uma ama e onde permaneceu até aos dez anos.

Em 1855, ano em que morreu a sua avó paterna – na altura já viúva – Eça, sem avós, acaba por ir viver com os pais e os seus
quatro irmãos, no Porto. A relação entre ele e os seus pais não se pode dizer normal. Eça tinha-se sentido até então como um filho
adotivo e mesmo abandonado. As suas figuras paternais tinham sido até ali a sua ama e os avós paternos e tanto de uma parte
como da outra, nunca chegou a haver aproximação de ternura entre eles. Talvez, por essa mesma razão, Eça foi internado pelos
pais no Colégio da Lapa, no Porto, para aí efetuar os seus estudos secundário, e mesmo com os pais a morarem na mesma cidade,
Eça optava sempre por passar as férias, não com estes, mas em casa de uma tia materna na rua da Cedofeita, ou então numa casa
arrendada, na Póvoa de Varzim, quando era altura das férias de verão. Muitos defendem que esta infância desprovida de ternura
ou de apoio paternal, influenciou a obra de Eça. Terminou os estudos no Colégio da Lapa em 1861. Tinha então 16 anos.

Juventude

Em 1861, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra por imposição do pai que estudara na mesma
Universidade. O pai de Eça, formado em Direito, conseguira obter a posição de magistrado, assumindo posteriormente as funções
de juiz da Relação e do Supremo Tribunal de Lisboa, presidente do Tribunal do Comércio, deputado por Aveiro, fidalgo cavaleiro
da Casa Real, par do Reino e do Concelho de Sua Majestade. Foi também, curiosamente, juiz instrutor do célebre processo de
Camilo Castelo Branco e viria ser mais tarde amigo do famoso escritor por partilharem o mesmo interesse pela escrita e pela
poesia. Eça, tal como o pai, apresentou desde cedo um interesse pela literatura, e no meio académico encontrou muitos outros
jovens intelectuais que partilhavam o mesmo interesse. Num ambiente boémio da cidade universitária de Coimbra estes jovens
reuniam-se para trocar ideias, livros e formas para renovar a vida política e cultural portuguesa, que estava a viver uma autêntica
revolução social com a introdução dos novos meios de transportes ferroviários que traziam, todos os dias, novidades do centro da
Europa, influenciando esta geração para novas ideologias e valores.

Foi nesse grupo que Eça conheceu os futuros escritores e poetas, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Guilherme
de Azevedo, Oliveira Martins, entre outros; mas sobretudo, foi aí que travou amizade com Antero de Quental, um jovem
carismático a quem os membros do grupo chamavam de líder e que incentivou os restantes a seguir e a difundir as então recentes
correntes ideológicas e literárias europeias: o Positivismo, o Socialismo e o Realismo-Naturalismo. Esse grupo académico de
Coimbra foi mais tarde apelidado de ‘Geração de 70’ e acabaria por deixar um marco profundo na história da literatura
portuguesa. Em 1865, o escritor romântico António Feliciano de Castilho, perante a vaga das novas composições poéticas e
literárias que vinham desses jovens de Coimbra, decidiu escrever uma carta pública a censurar ‘um grupo de jovens de Coimbra’,
que acusava de exibicionismo, de obscuridade propositada e de tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia, acusava-os de
ter também falta de bom senso e de bom gosto. Tal ação fez desencadear um movimento polémico de revolta e resposta por parte
desses estudantes a que mais tarde se chamaria de ‘A Questão Coimbrã’ e que marcaria o início do movimento realista em
Portugal, do qual Eça foi o mais exímio representante.

Os jovens estudantes, como reposta à carta, em vários folhetins e manifestações públicas, apontaram para as grandes
transformações em curso, para a importância da missão dos poetas da época e de eles serem os arautos dos grandes problemas
ideológicos da atualidade, ao mesmo tempo que ridicularizavam a futilidade e insignificância da poesia de Castilho e de toda a
‘Escola do Elogio Mútuo’; ou seja, o exagero caduco e balofo do estilo ultra-romântico e dos seus escritores que passavam o
tempo a elogiar-se mutuamente. Seguiram-se intervenções de uma parte e de outra, envolvendo escritores como Camilo Castelo
Branco que atacava com sarcasmo a nova geração literária; e Antero Quental, que ridicularizava e insultava a geração de
escritores românticos. O confronto atingiu proporções tão mirabolantes que chegou a haver um confronto de esgrima em praça
pública entre Antero Quental e Ramalho Ortigão que, apesar de pertencer ao mesmo grupo, achou que o amigo havia exagerado
nas ofensas a António Castilho; um homem idoso e incapacitado pela cegueira.

No meio desta polémica Eça de Queirós preferiu manter-se afastado, muito provavelmente por temor ao pai, amigo de Camilo
Castelo Branco e ele mesmo escritor romântico. Reservou-se pois das primeiras polémicas da Geração de 70, sem participar
ativamente e agindo apenas como mero observador, embora tenha mais tarde sido um dos seus membros mais ativos. Apesar
disso, foi nesta altura que, incitado por Antero de Quental, Eça passou a escrever folhetins dominicais para o jornal ‘Gazeta de
Portugal’ que constituem os seus primeiros trabalhos escritos e que já eram indicadores de uma nova estilística imaginativa. Esses
textos e narrativas seriam mais tarde publicados num volume intitulado ‘Prosas Bárbaras’. A sua colaboração para o ‘Gazeta de
Portugal’ acabaria por influenciar Eça, dando-lhe o gosto pelo jornalismo crítico, ramo que nunca mais abandonaria
completamente pois acabaria por ser colaborador em vários jornais e a escrever esporadicamente folhetins, crónicas e contos,
durante toda a sua vida. Em 1866 termina o curso de Direito. Contava então com 21 anos.

Em Adulto

Terminada a Licenciatura em Direito na Universidade de Coimbra Eça fixou-se em Lisboa, exercendo simultaneamente as
profissões de advocacia e de jornalismo. Um ano depois de sair da Universidade funda o periódico ‘O Distrito de Évora’, no qual
inicia a sua experiência jornalística como diretor e redator. Neste jornal, no nº 1, do dia 6 de Janeiro de 1867, Eça apresenta um
conjunto de afirmações teóricas, que podem indiciar uma teorização da atividade jornalística moderna: “É o grande dever do
jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança, estar
atento às atitudes que toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os actos culposos, frouxos, nocivos, velar
pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual e material em presença de outras nações, pelo progresso que
fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento das classes
infelizes.” O jornal teve algum relativo sucesso, embora as edições tenham durado apenas alguns anos.

Em 1869, é convidado pelo jornal ‘Diário Nacional’ para ser correspondente e ir assistir à histórica inauguração do Canal do Suez
no Egipto. Eça aceita e faz a viagem na companhia de um amigo da família: D. Luís de Castro, 5.º conde de Resende, General das
forças armadas e irmão daquela que seria a sua futura mulher – D. Emília de Castro. Graças à companhia do conde, Eça chega a
ser referenciado por um dos jornais do Cairo no qual diz: «Le Comte de Rezende, grand amiral de Portugal et chevalier de
Queirós». Depois da inauguração Eça aproveitou para visitar a Palestina, numa viagem decorrida em seis semanas e cujas notas de
viagem serviram mais tarde para escrever ‘A Relíquia’, no qual o protagonista, Teodorico, faz uma viagem a Jerusalém. Voltando
a Portugal e a Lisboa, Eça de Queirós entra, a convite do seu amigo Antero de Quental, para um grupo informal de intelectuais de
Lisboa que se reuniam aos serões, em casas de particulares, para debater, em tertúlias e saraus, ideias e assuntos que iam da
política às artes, da sociedade às ciências. Este grupo tinha a autodenominação de ‘Cenáculo’ – palavra latina que significa
‘jantar’ e é o termo usado para o sítio ou local onde ocorreu a Última Ceia – e foi uma fonte de grande inspiração e alusão a
muitos dos temas e episódios que se encontram nas obras de Eça. O grupo era formado essencialmente pelo mesmo grupo de
estudantes de Coimbra que tinham participado na chamada ‘A Questão Coimbrã’, acrescentando uns elementos e perdendo outros,
mas mantendo assim a continuação do grupo em Lisboa,

Num primeiro momento, o Cenáculo assentava mais na boémia estudantil que na reflexão séria. Era uma tertúlia sobretudo
anárquica em que se insultava todas as instituições da sociedade portuguesa da Regeneração, contra os seus bacharéis, os seus
ministros, os seus escritores, mas também contra tudo em geral, até contra Deus e o Universo. Era acima de tudo uma ‘Boémia
feroz’ ruidosa, tumultuosa e adolescente. Foi nessa altura que o grupo inventou uma personagem em conjunto, denominado de
‘poeta satânico’, à maneira de Baudelaire, chamado Carlos Fradique Mendes, e que lhe produziram um livro chamado ‘Poemas do
Macadame’ que chegou a ser publicado. Este poeta fictício era um personagem exótico, culto, viajado, sempre a par das novidades
da ciência, excêntrico e irreverente. Eça de Queiroz gostou tanto da personagem que acabaria por criar, mais tarde, uma obra só da
sua autoria, com ele, chamada ‘Correspondência de Fradique Mendes’, que servia para ‘espicaçar’ a moral burguesa e bem
comportada, com as suas atitudes de provocação.Num segundo momento, Antero de Quental, tal como já o fazia em Coimbra,
tomou para si as rédeas do grupo e veio pôr uma certa ordem naquela boémia de tiradas líricas e ditos espirituosos e noitadas
ruidosas. Este poeta, que todos reconheciam o carisma, contagiou o grupo com a paixão pelas ideias revolucionárias do filósofo
francês Proudhon, pelo reformismo social, pela Sociologia e pela discussão séria sobre a Metafísica.

Foi no seio do Cenáculo, liderado por Antero de Quental, líder capaz de encaminhar as forças desses jovens intelectuais, que
surgiu o projeto de expor ao público aquilo que eles discutiam em privado. Assim, a 18 de maio de 1971 apareceu no jornal ‘A
Revolução de Setembro’, as assinaturas destes jovens escritores, incluindo Eça de Queirós, a assinar um manifesto que aponta as
intenções de “refletir sobre as mudanças políticas e sociais que o mundo sofria, de investigar a sociedade como ela é e como
deverá vir a ser, de estudar todas as ideias novas do século e todas as correntes do século.” Estes jovens escritores diziam “recusar
que Portugal continue mouco às novas ideias que circulam na Europa.” e visavam assim “abrir uma tribuna onde tenham voz as
ideias e os trabalhos que caracterizam este movimento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e
política dos povos; ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a
sociedade civilizada, procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam na Europa; agitar na opinião pública as grandes
questões da Filosofia e da Ciência modernas; estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade
portuguesa”.

O manifesto passava ainda a divulgação de uma série de palestras que seriam realizadas no Casino Lisbonense, numa sala que os
próprios tinham alugado. Esta série de palestras histórias tinham o nome de ‘Conferências Democráticas do Casino Lisbonense’
mas ficaram conhecidas simplesmente por ‘Conferências do Casino’ e foram elas que definiram definitivamente o grupo de
escritores desta ‘Geração de 70’. Eça de Queirós ficou encarregue de dar a 4º Conferência, realizada a 12 de Junho de 1871 e
intitulada de ‘A Literatura Nova ou o Realismo como Nova Expressão de Arte’. Nela, Eça, tendo como inspiração Proudhon e o
aspeto programático do espírito revolucionário das conferências, salientou a necessidade de operar uma revolução na literatura,
semelhante àquela que estava a ter lugar na política, na ciência e na vida social. Disse ele: “A revolução é um facto permanente,
porque é manifestação concreta da lei natural de transformação constante, e uma teoria jurídica, pois obedece a um ideal, a uma
ideia. É uma influência proudhoniana. O espírito revolucionário tem tendência a invadir todas as sociedades modernas,
afirmando-se nas áreas científica, política e social. A revolução constitui uma forma, um mecanismo, um sistema, que também se
preocupa com o princípio estético. O espírito da revolução procura o verdadeiro na ciência, o justo na consciência e o belo na
arte.”

Posteriormente disse ainda sobre as Conferências, que “era a primeira vez que a Revolução, sob a sua forma científica, tinha em
Portugal a sua tribuna”. Quando se preparavam para a sexta conferência os participantes foram surpreendidos por um aviso das
autoridades que ilegalizavam a realização das mesmas. As autoridades do Estado alegavam que “as preleções expõem e procuram
sustentar doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições do Estado”. O que não era de todo infundamentado
porque, apesar do Estado dizer-se ser Liberal, vivia-se numa Monarquia e o catolicismo era muito forte em Portugal. As
Conferências veiculavam ideias que eram tidas por perigosas como a República, a Democracia e o Socialismo.

Perante a proibição e a censura, levantaram-se variados protestos. Choveram cartas publicadas em jornais e foram lavrados
opúsculos de polémica entre os quais um famoso ataque de Antero com fortes insultos ao Marquês de Ávila e Bolama que tinha
sido o autor da proibição. A resposta de Eça a esta censura por parte da autoridade veio em parceria com outro jovem escritor do
Cenáculo – Ramalho Ortigão; com quem Eça tinha feito amizade. Juntos, ainda nesse mesmo ano de 1871, iniciaram uma série de
publicações mensais inspiradas nas ‘Les Guêpes’ do crítico, jornalista e novelista francês Alphonse Karr, a qual chamaram ‘As
Farpas’. Estas eram uma série de folhetins mensais publicadas no ‘Diário de Notícias’ que satirizavam, ou ‘espicaçavam’, com
muito humor à mistura, a imprensa e o jornalismo partidário ou banal; a política da Regeneração encabeçada pelo político Fontes
Pereira de Melo, e todas as suas repercussões, não só a nível político mas também económico, cultural, social e até moral; a
religião e a fé católica; a mentalidade vigente, com a segregação do papel social da mulher; a literatura romântica, falsa e
hipócrita.
‘As Farpas’ tornaram-se pois, num novo e inovador conceito de jornalismo – o jornalismo de ideias, de crítica social e cultural que
hoje são um painel jornalístico da sociedade portuguesa do final do século XIX. Foi também com a parceria de Ramalho Ortigão
que Eça escreveu ‘O Mistério da Estrada de Sintra’, publicado no Diário de Notícias, sob a forma folhetins semanais de modo a
parecerem cartas anónimas reais e que provocaram o entusiasmo no publico. Definido pelos próprios de ‘o romance execrável’ foi
depois editado em livro e tem a particularidade de ser a primeira narrativa de cariz policial da literatura portuguesa. Curiosamente,
foi também usada a personagem fictícia de Carlos Fradique Mendes, criada inicialmente pelo grupo do Cenáculo. Enquanto isso, o
pai de Eça, perturbado com o envolvimento do filho num grupo dito ‘reacionário’, pressionara-o, um anos antes, a entrar para a
administração pública a assumir a posição de administrador do Concelho de Leiria, com o intuito de o deixar ocupado; algo que
não o absteve de participar nas ‘Conferências do Casino’ ou de colaborar nas ‘Farpas’. No entanto, no final do ano de 1971, a
imposição e a responsabilidade do cargo que assumira obriga-o a mudar-se definitivamente para Leiria e a deixar Lisboa. Tinha
Eça então 27 anos.

Maturidade Literária – 1º Fase

Foi na tranquilidade da cidade de Leiria, que Eça se instalou para assumir as responsabilidades de administrador do concelho. A
aparente pacata cidade teve um grande impacto na vida de Eça pois foi ali que Eça reuniu material para mais tarde escrever a sua
obra mais controversa e uma das suas mais populares: ‘O Crime do Padre Amaro’; uma obra de denúncia social à hipocrisia da
religião e uma crítica à sua influência na sociedade portuguesa. Pode igualmente dizer-se que foi aí, ao ter que lidar com a
realidade social que o cargo exigia e afastado dos meios burgueses e boémios da cidade lisboeta, que Eça ganha a capacidade de
saber conjugar a ideia de literatura naturalista-realista com uma visão humanizadora e pungente da sociedade em geral, povoada
de personagens do dia a dia e não apenas arquétipos, o que lhe deu um destaque face a outros escritores realistas e fez com que os
seus romances fossem obras envolventes com críticas assertivas e não meras análises de estudo social.

Em 1973, por escolha e por influência familiar Eça abandona o cargo de Administrador do Concelho de Leiria e ingressa na
carreira diplomática assumindo a posição de Cônsul de Portugal em Havana, Cuba.O afastamento do meio português não o
impediu de colaborar em jornais nacionais, como sempre fizera até então, com crónicas e contos, no entanto tomou para si a
decisão de deixar de colaborar para as ‘Farpas’ uma vez que não podia acompanhar os acontecimentos sociais diários de que eram
objetos de sátira os tais folhetins. Ramalho Ortigão continuaria sozinho esse trabalho durante dezessete anos. Não tendo a
sociedade portuguesa para analisar e criticar Eça vira-se para a sociedade Cubana. Cuba era ainda na altura uma colónia espanhola
em rebelião com Madrid. Muito do trabalho de Eça em Cuba prendeu-se na sua relação com os Chineses macaenses (Macau ainda
era uma colónia Portuguesa na altura) que embarcavam em Macau para virem trabalhar nas fazendas de açúcar Cubanas.

Eça incutiu-se do dever de defesa dos chineses de Macau que eram explorados pelos fazendeiros nos contratos que faziam durante
um período de oito anos, e que quase eram forçados a renovar. Eça insurge-se contra esta situação, o que transparece na
correspondência que envia para Portugal e que refletem as impressões do escritor em relação aquela sociedade quase esclavagista.
Numa carta a Ramalho Ortigão Eça escreve sobre Cuba: “Mas o que não estou é condescendente com esta terra estúpida para
onde vim, embrulhado num decreto, impelido por um tratado.” Essa relação com os chineses em Cuba serviria de inspiração para
o seu romance ‘O Mandarim’, escrita mais tarde, embora essa seja uma obra novelística recheada de elementos fantasiosos e não
tanto de crítica social.

Ainda no ano de 1973, Eça embarca para os EUA e para o Canadá para cumprir uma diligência mandada instruir pelo Embaixador
de Portugal naqueles países sobre as condições em que viviam os imigrantes portugueses em Nova Orleães e noutros núcleos da
América do Norte. Nesta viagem, passou por Nova Iorque, Pittsburg, Lago Ontário, Montreal, Chicago, Filadélfia e o estado da
Pensilvânia, dando as suas impressões destes locais em cartas que viriam mais tarde a ser publicadas. Um anos mais tarde, um
decreto do Ministério dos Negócios Estrangeiros transfere Eça para Inglaterra; primeiro para o Consulado de Newcastle e depois
para o Consulado de Bristol; e é aí que Eça tem a fase mais produtiva de sua carreira literária. Levando uma vida tranquila entre
Inglaterra e Portugal, com um olhar crítico e distante, próprio de uma visão de quem está por fora, Eça consagrada a maior parte
da sua obra romanesca, à crítica da vida social portuguesa. Nasce assim, para além daqueles que já foram nomeados: ‘A Tragédia
da Rua das Flores’, romance construído a partir de uma notícia que dera num jornal lisboeta; ‘O Primo Basílio’, que é uma crítica
á classe média portuguesa; e ainda ‘O Conde de Abranhos’, que é uma crítica à classe da antiga nobreza e política portuguesa.
Algumas destas e outras obras, umas completas, outras inacabadas, só seriam publicadas postumamente.
Eça, manteve também a sua atividade jornalística, publicando esporadicamente, no Diário de Notícias, a rubrica «Cartas de
Inglaterra». Nelas espelha-se uma relação ambivalente entre Eça e Inglaterra: louvava as suas virtudes como nação poderosa e de
forte carácter, mas tinha palavras duras e amargas para com as suas perfídias, sobretudo no domínio da política externa, e os
defeitos e ridículos que via no seu povo. A sua atitude para com Portugal não era, afinal, muito diferente – uma relação de
conflito, como se tem quando se ama mas se não pode deixar de ser justo e crítico. Nos finais de 1885 Eça adoece gravemente e
entra em profunda convalescença. Com o intuito de melhorar através de um melhor clima volta, por tempo indeterminado, a
Portugal. É nesse período que estabelece uma relação amorosa com D. Maria Emília de Castro, uma senhora fidalga, irmã do
Conde de Resende, seu amigo. Acabam ambos por casar-se no ano seguinte numa cerimónia muito sui generis pois Eça tinha
então 40 anos e ela 29. Da sua relação resultaram quatro filhos. Em 1888, tendo tido conhecimento do facto de que o Consulado
de Paris iria vagar e com ansia de sair de Inglaterra, Eça escreve ao amigo Oliveira Martins, político de renome, pedindo-lhe para
que seja escolhido para ocupar o lugar. Muda-se então, nesse mesmo ano, para Paris, com a mulher. É também nesse mesmo ano
que é publicado o romance ‘Os Maias’, considerado como a sua obra-prima. Tinha então Eça, 43 anos.

Maturidade Literária – 2º Fase

A obra ‘Os Maias’ marca uma fase de transição na vida de Eça e na visão da sua própria escrita. Eça vivia na altura uma crise de
identidade debatendo-se com os ideais da sua juventude, o cumprimento dos mesmo e o propósito da sua escrita, algo que,
curiosamente, não era exclusivo a si mas a vários escritores da sua geração que foram seus companheiros. Em 1887, alguns dos
antigos jovens escritores portugueses que formaram a Geração de 70 decidiram voltar-se a juntar num grupo informal e passaram
a reunir-se periodicamente para jantares e convívios semanais no Café Tavares, no Hotel Bragança ou nas casas dos seus
membros. Eça reunia-se a este grupo sempre que vinha a Portugal, ao qual denominava de ‘grupo jantante’. O grupo assumia o
carácter de uma sociedade exclusivista, congregando a maioria dos escritores, intelectuais e políticos que tinham tentado
transformar culturalmente e socialmente o país e que, face ao percebido insucesso desse processo modernizador, canalizavam a
sua frustração e desengano dos ideais revolucionários juvenis para um diletantismo elegante e irónico. Surgia assim a idealização
vaga de uma aristocracia iluminada, contraponto o socialismo utópico que alguns deles antes tinham defendido. A eles mesmos
chamaram-se de ‘Vencidos da Vida’, uma denominação que decorre claramente da renúncia dos membros do grupo às suas
aspirações de juventude. Este sentimento de desilusão é sentido muito pertinentemente no final da obra ‘Os Maias’, que no fundo
é quase um reflexo, mais do que qualquer obra de Eça, da sua própria vida; daquilo que conheceu, daquilo que almejava e
defendia enquanto jovem, e da constatação de que afinal de contas ele próprio era um ‘Vencido da Vida’.

Não é coincidência que ‘Os Maias’ é no fim de contas o último romance de carater naturalista-realista de Eça. Os posteriores
romances, ‘A Ilustre Casa de Ramires’ e ‘A Cidade e as Serras’, já são obras que se afastam do realismo e da crítica à sociedade
portuguesa da época, para darem lugar a uma postura de maior esperança nos valores humanos e à valorização dos valores do
passado, ao mesmo tempo que abrem espaço para um certo otimismo em relação ao futuro. Em função desta nova “mentalidade
regeneradora”, Eça funda, em 1889, uma revista dirigida a partir de Paris, intitulada ‘Revista de Portugal’, desde logo encarada
como um “projeto nacional”, onde se destilariam os pensamentos, as críticas e as opiniões dos ‘Vencidos da Vida’ e que ia “por si
só pôr Portugal na cauda da Europa civilizada”. Eça escreveu sobre a mesma revista: “Portugal é atualmente na Europa o único
país que não possui uma REVISTA – uma publicação onde, além de se apresentarem criações da imaginação no Romance e na
Poesia, resultados da investigação na Ciência e na História, trabalhos de Crítica Literária e de Crítica artística, se estudem, com
desenvolvimento e adequada competência, os assuntos que genericamente se prendem com a Política, com a Economia, com as
Instituições, com os Costumes, com todas as manifestações de um organismo social.”

Esta nova atividade incitada por Eça fez renascer e crescer entre os seus membros uma nova esperança de renovação politico-
cultural na sociedade. Chegaram a julgar que se abria um novo ciclo político e a acreditarem que, por intermédio de um acrescido
papel do novo rei D. Carlos e de uma nova política externa, liberta da velha aliança inglesa, se conseguiria debelar a crise
provocada pelo regime oligárquico da Carta Constitucional que aos seus olhos se instalara. Nesse contexto, Eça escreveu na
“Revista de Portugal”, assim que o príncipe D. Carlos subiu ao trono: “O Rei surge como a única força que no País ainda vive e
opera.” Estas ações e publicidade dos “Vencidos da Vida” levou a que o nome suscitasse a troça de muitos dos novos intelectuais
portugueses, resultado do misto de desdém e de inveja que sempre tem caracterizado o relacionamento entre os membros da
intelectualidade portuguesa de diferentes gerações. Esse clima de ressentimento e troça em certos sectores da vida portuguesa,
sobretudo a lisboeta, conduziu a que os seus membros fossem criticados e satirizados, exatamente como os “Vencidos da Vida”
tinham satirizado a geração de escritores anterior. Sobre o tema, o dramaturgo Abel Botelho escreveu em 1892 uma peça cómica
intitulada “Os Vencidos da Vida”, que acabou por ser proibida pela polícia, dada a violência da sátira e dos ataques pessoais nela
contidos. O descrédito do grupo fez com que a Revista de Eça terminasse as edições ao fim de 24 volumes, três anos depois de ter
sido fundada, ao mesmo tempo que o grupo se ia dispersando até interromper definitivamente as atividades em 1894. Tinha Eça
49 anos.

No Fim de Vida

Agosto de 1900 Eça fica acamado, resultado de uma doença incerta e nunca apurada que levaria à sua morte a 16 de Agosto de
1900. Eça morre na sua casa de Neuilly-sur-Seine, perto de Paris, na idade muito prematura de 55 anos. A sua morte, apontada na
altura como repentina e imprevisível foi alvo de muita especulação médica que ainda hoje se discute e intriga. Tecem-se
considerações de ordem clínica, por vezes imbuídas de inerente subjectividade, com base em fragmentos da sua correspondência
com amigos e familiares e em observações mais objetivas de alguns dos melhores autores da Geração de 70. A evolução da sua
doença, agravada progressivamente, é avaliada ao longo da diáspora que constituiu a sua vida. Eça viajava e trabalhava muito,
alimentava recatadas mas ousadas aventuras amorosas, fumava, apreciava a boa mesa e saboreava longas noitadas, e parece que
nem a família nem os amigos (médicos, alguns) se terão apercebido de alguma doença grave.

Para os médicos, tratar-se-ia de um cólon irritável (ou cólon espástico) e nunca adiantaram muito que, analisando e eliminando
hipóteses, concluía com a possibilidade de um tumor maligno do corpo ou da cauda do pâncreas o ter levado à morte. Discute-se
também o diagnóstico diferencial de uma síndroma de má absorção que teria afectado durante mais de vinte anos o romancista.
Conclui-se admitindo a hipótese de Eça de Queiroz sofrer de uma arrastada doença inflamatória intestinal, provavelmente a
doença de Crohn, e de ter sido vítima das suas complicações. Aflora-se também a possibilidade de existir uma relação desta sua
doença crónica com o facto de algumas das suas obras ficarem inacabadas e só terem sido postumamente publicadas. Fosse qual
fosse a razão, o certo é que a sua morte inesperada deixou um profundo vazio entre os seus familiares e amigos que acorreram a
homenageá-lo no funeral de Estado que recebeu as reverências cerimoniais próprias a um embaixador nacional de Portugal. O seu
corpo foi depois sepultado em Santa Cruz do Douro. Eça não chegaria a ver algumas das suas obras publicadas postumamente,
pelo seu filho mais novo, como “A Capital” ou “Alves & Companhia” escritas ainda em Londres, para além de inúmeros contos,
textos e carta e folhetins que escreveu durante a sua vida para jornais e amigos.

Sobre o Autor

A segunda metade do século XIX foi a época dourada do romance, sobretudo de um novo tipo de romance associado ao triunfo
social da burguesia. Por toda a Europa os escritores passaram a descrever com espírito crítico e realista a nova sociedade
capitalista movida pelo poder e pelo dinheiro, retratando facetas que deram, pela primeira vez, uma perspectiva ampla e real da
psique humana sem os aforismo exagerados do romantismo. Eça de Queirós foi, sem dúvida, o nome mais representativo desse
tipo de romance em Portugal. Como autor destacou-se pela originalidade e riqueza do seu estilo e da sua linguagem,
nomeadamente pelo afastamento do estilo clássico, escrevendo de maneira mais simples, através de frases mais curtas,
impactantes e com diferentes combinações de palavras menos rebuscadas.Dono de uma língua feroz e de um humor cáustico, foi
também um observador atento da sociedade do século XIX e, com a força das palavras, lutou contra aquilo que considerava ser “a
ferrugem nacional” estabelecendo assim uma visão crítica da sociedade portuguesa. Beneficiou por viver durante anos fora do
país, o que lhe conferiu uma capacidade de análise da sociedade que não teria se a visse somente por dentro. No entanto, após
criticar o que estava mal no país acabou, posteriormente, por encontrar esses mesmos defeitos no estrangeiro e deu por si a apelar
a sentimentos nacionais no final da sua vida. Devido a estas contrariedades temáticas nas suas obras a sua produção literária é
comumente dividida em três fases. Numa primeira fase encontramos um jovem autor ainda preso aos ideais românticos e ainda
sem uma definição literária própria. São exemplos desta fase as obras “O mistério da Estrada de Sintra” e as “Prosas Bárbaras”.

Numa segunda fase encontramos o seu período mais prolifero em que se dá a consolidação das características realistas e nas quais
se monta um amplo painel da sociedade portuguesa, retratando-a sob vários aspetos, criticando principalmente a decadência dos
valores morais, a burguesia e o clero. São exemplos desta fase os romances “O Crime do Padre Amaro”, “O Primo Basílio” e “Os
Maias”, entre outros. Já numa terceira fase, Eça debruça-se sobre os valores tradicionais da vida portuguesa, com a existência
humana e a vida campestre. São dessa fase as obras “A ilustre casa de Ramires” e “A cidade e as Serras”. Apesar das
contrariedades existentes nas diferentes fases da produção literária do autor, o facto é que a literatura e o romance em Portugal
sofreram uma importantíssima renovação com Eça de Queirós, daí o culto entusiástico que ainda hoje é prestado ao genial
romancista.Foi o grande renovador do estilo literário português e que, para além disso soube emprestar maleabilidade, harmonia e
riqueza rítmicas até então desconhecidas; não é pois exagero dizer-se que a escrita de Eça de Queirós modernizou a literatura
portuguesa.As suas obras já foram traduzidas para quase vinte línguas e os seus livros continuam ser ainda hoje publicados, cem
anos depois da sua morte, com a mesma pertinência e beleza estilística que tinham aquando da sua primeira publicação.

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