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QI O PAPEL DA POLITICA MONETARIA 1 Milton Friedman? Existe ampla concorddncia a respeito dos objetivos principais da politica econémica: taxa elevada de emprego, pregos estdveis e crescimento répido. H4 menos acordo quanto a que esses objetivos sejam mutuamente compativeis, ou que o sejam aqueles que os consideram incompativeis, quanto aos termos em que poderdo e deverdo ser substitufdos um pelo outro; hd muito menos concor- dancia a respeito do papel que os varios instrumentos de politica poderao e deve- rao desempenhar para a realizacdo das diversas metas. Meu tema para esta noite serd o papel de um dos instrumentos: a politica monetdria. Com o que ela poderd contribuir e como deverd ser conduzida a fim de contribuir ao m4ximo? As opiniGes sobre essas quest6es variaram amplamente. No primeiro rojo de entusiasmo sobre o recém-criado sistema de Reserva Federal, muitos observadores atribuiram a relativa estabilidade dos anos 20 a capacidade do Sistema de promover a uma sintonia precisa para se empregar um termo mo- demo adequado. Foi largamente aceito que havia chegado uma nova era, em que os ciclos econ6micos se haviam tornado obsoletos, em virtude dos avangos da Reimpresso do American Economic Review (marco de 1968), pp. 1-17, com permissdo do autor e do editor, Milton Friedman é professor catedrdtico da Universidade de Chicago. Discurso presidencial, feito na 80? Conferéncia Anual da American Economic Association, Washington, D.C., 29 de dezembro de 1967. Sou grato a criticas diteis sobre os antigos esbogos, a Armen Alchian, Gary Becker, Martin Bronfenbrenner, Arthur F. Burns, Phillip Cagan, David D. Friedman, Lawrence Harris, Harry G. Johnson, Homer Jones, Jerry Jordan, David Meiselman, Allan H. Meltzer, Theo- dore W. Schultz, Anna J. Schwartz, Herbert Stein, George J. Stigler e James Tobin. 417 tecnologia monetdria. Essa opinido era compartilhada tanto pelos economistas como pelos leigos, embora, naturalmente, houvesse algumas vozes destoantes. A Grande Contracao destruiu essa atitude ingénua. As opinides transportaram-se para o outro extremo. A politica monetdria era uma corda. Poder-se-ia puxd-la a fim de estancar a inflagdo, mas nfo se poderia empurrd-la para interromper a recessio. Alguém poderia levar um cavalo para beber dgua, mas nao o poderia forgar a bebé-la. Tal teoria por um aforismo foi de pronto substituida pela and- lise rigorosa e sofisticada de Keynes. Keynes ofereceu simultaneamente uma explicagao para a impoténcia pre- sumida da politica monetdria em estancar a depressdo, uma interpretagdo ndo- -monetdria da depressdo e uma alternativa 4 politica monetdria, para fazer frente 4 depressdo, e sua oferta foi avidamente aceita. Se a preferéncia pela liquidez for absoluta ou quase absoluta como Keynes acreditava ser provdvel em épocas de elevado desemprego, as taxas de juros ndo poderao ser reduzidas pelas medidas monetdrias. Se o investimento e o consumo forem pouco afetados pelas taxas de juros, como Hansen e muitos dos outros discipulos norte-americanos de Keynes acreditavam, as taxas de juros mais baixas, mesmo que puderem ser alcangadas, resolverao muito pouco. A politica monetdria serd duplamente amaldigoada. A retragéo posta em movimento sob esse ponto de vista, por meio de um colapso do investimento ou por uma escassez das oportunidades de investimento ou uma parciménia teimosa, nfo poderia, argumentava-se, ser estancada por medidas monetdrias. Mas havia uma alternativa disponivel: a politica fiscal. O dispéndio governamental poderia compensar o investimento privado insuficiente. As redu- ges dos tributos poderiam minar a parcim6nia teimosa. A larga aceitacdo desses pontos de vista no seio dos economistas significava que por duas décadas a politica monetdria seria considerada por todos, menos uns poucos espiritos reaciondrios, como tendo-se tornado obsoleta, em virtude do novo conhecimento econémico. A moeda nao tinha importancia. Seu unico papel era aquele desprezivel de manter baixas as taxas de juros, a fim de que os pagamentos de juros do orgamento do governo permanecessem baixos, contri- buindo para a “eutandsia do arrendatdrio”, e talvez estimulando um pouco o investimento, a fim de auxiliar 0 dispéndio governamental a manter um alto nivel de procura agregada. Essas visGes produziram uma adogdo generalizada de politicas de moeda barata apés a guerra e receberam um choque rude quando essas politicas falharam de pais a pais, quando os bancos centrais, um apés outro, foram forgados a aban- donar a pretensdo de que poderiam manter indefinidamente a taxa de juros a um nivel baixo. Neste pais, o desfecho publico surgiu com o Acordo, em 1951, entre a Reserva Federal e o Tesouro, muito embora a politica de determinar os pregos dos titulos do governo nao houvesse sido abandonada formalmente antes de 1953. A inflagdo, estimulada pelas politicas de moeda barata, e ndo a depressdo de pés- -guerra amplamente anunciada, foi que se tornou o assunto do dia. O resultado foi o inicio de um ressurgimento da crenga na poténcia da politica monetéria. 418 Esse despertar foi fortemente patrocinado entre os economistas pelos desen- volvimentos teéricos iniciados por Haberler, porérn identificados por Pigou, que mostrou o caminho (a saber, as mudangas da riqueza) pelo qual as mudangas na quantidade real da moeda poderao afetar a procura agregada, mesmo se ndo alterarém as taxas de juros. Esses desenvolvimentos teéricos ndéo minam o argu- mento de Keynes contra a poténcia das medidas monetdrias ortodoxas quando a preferéncia por liquidez for absoluta, ji que sob tais circunstancias as operagdes monetérias usuais envolvem simplesmente a substituigfo de moeda por outros ativos, sem modificar a riqueza total, mas mostram como as mudangas na quan- tidade de moeda produzida de outras maneiras podem afetar o dispéndio total, mesmo em tais circunstancias. E, mais fundamentalmente, realmente minaram a proposigao teérica chave de Keynes: a saber, que mesmo num mundo de pregos flexiveis a posicdo de equilibrio a pleno emprego poderd nao existir. Daf em diante, © desemprego teria, novamente, de ser explicado pela rigidez ou imperfeigdes, nao como o resultado natural de um processo de mercado plenamente funcional. O renascimento da crenga na poténcia da politica monetdria foi também amparado por uma reavaliagdo do papel que a moeda havia desempenhado de 1929 a 1933. Keynes e a maioria de outros economistas da época acreditavam que a Grande Depress%o nos Estados Unidos ocorreu apesar das politicas expan- sionistas agressivas por parte das autoridades monetdrias que haviam feito de tudo, e, no entanto, ndo foi suficiente.? Estudos recentes demonstraram que os fatos sio exatamente o inverso: as autoridades monetdrias dos Estados Unidos seguiram politicas altamente deflaciondrias. A quantidade de moeda nos Estados Unidos havia cafdo em um terco no decorrer da retragdo. E caiu nfo porque néo houvesse interessados em fazer empréstimos, ndo porque o cavalo ndo quisesse beber dgua. Caiu porque o Sistema da Reserva Federal forgou ou permitiu uma reducdo profunda na base monetdria, porque falhou em exercer as responsabi- lidades a ele atribuidas na Lei da Reserva Federal de fornecer liquidez ao sistema bancdrio. A Grande Depressfo é uma testemunha trdégica do poder da politica monetdria, e nfo uma prova de sua impoténcia, como Keynes e muitos de seus contempordneos acreditavam. Nos Estados Unidos, o despertar da crenga na poténcia da politica mone- tdria foi fortalecido, também, pela crescente desilusdo com a politica fiscal; ndo tanto com seu potencial em afetar a procura agregada, mas com a viabilidade prdtica e politica de sua utilizagdo. Os dispéndios acabaram por reagir morosa- mente e com grandes intervalos as tentativas de ajustd-los ao curso da atividade econdmica; conseqiientemente, a énfase deslocou-se para os tributos. Mas aqui os fatores politicos entraram como uma espécie de vinganga, a fim de impedir - © ajustamento imediato 4 necessidade presumida, como foi graficamente ilustrado nos meses que se seguiram desde que escrevi o primeiro esbogo deste discurso. “Sintonia precisa” é uma frase maravilhosa nesta era eletrénica, porém apresenta Argumentei que Henry Simons compartilhava esse ponto de vista com Keynes, e que isso representa as mudangas politicas que ele havia recomendado. 419

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