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12 - ARTE CONTEMPORANEA COELHO, Teixeira. Guerras culturais. Sao Paulo, Huminuras, 2000. As redugées na arte Por uma arte outra vez transcendental O que, da arte contempordnea, levar para 0 século XX1 1.Aarte passou, nos tiltimos cinco séculos, poruma seqiiéncia de redugdes" ontolégicas. Primeira, na série, a redug&o ontolégica da figuragao (o que é representado numa obra de arte, seu significado, seu interpretante) para o objeto que suporta a figuracéo (ou que suportava a figuragao, uma vez que freqlientemente a ‘pedo pelo objeto simplesmente exclui a figurago) O surrealismo promoveu essa redugao ao defender a pratica do objet trouvé, 0 objeto achado: qualquer objeto ou coisa (uma concha encontrada num passeio pela orla maritima) poderia ser uma obra de arte. O ready-madede Duchamp é, quase sempre, um objet trouvé composé, por ter sofrido arranjos, recebido um toque do autor que Ine modificou de algum modo a aparéncia original. A teoria surtealista autorizava 0 artista (ou 0 achante, o encontrador, 0 descobridor) a expor 0 objet trouvé, em galeria ou salao, na qualidade de obra de arte. ‘A simples rotirada do objeto do local em que foi encontrado e sua transteréncia para um lugar artistico (ateié, galeria, museu) j4implica, por sis, uma composicéo, uma redugao ontolégica. Grande parcela da arte contemporanea ainda faz sucesso (de critica) em cima desta redugao. 1) Pode-se apreender o senido anaférice de redupo, como aqui empregada, apart da nego de redugo om “juimiea(processo ce dmewsigdo do nimer® de Cargas postvas do ion), em masic (arrenjoparaum snico ‘Mments a parte de uma parttur para véros insrumentes),ftografa (acenluacdo dos contrastes do tina chapa, com érfase, numa fot0 D8, para 9 Branco ¢ 0 prtc), em taquigrafia(eliminagao de vogeis tio do abroviaturas como abjtivo de dar mais apidez &escita)e, também, co sentido comum da palavra reduce, que significa “ato cu etaito de subjugar’. 187 Quando Regina Silveira, numa das Bienais de S40 Paulo, pintou no chao a sombra anamérfica da ausente Roda de bicicleta enfiada numa banqueta, de Duchamp, ela exercitou a contra-redugao (a contradesconstrugo) do objeto para figuragao (ainda que apenas na forma de uma aluséo:“Vejam, imaginem, ha algo por tras deste objeto!’ Figuragdonéo significa, necessariamento, figurativo, presenga da figura humana @ das coisas reconheciveis “tais como sao’. Figura 6 aquilo que, além de deixar ver alguma coisa, nao precisa ser vista para conseguir veicular algo que o espectador pode ver. No Boi escorchado de Rembrandt ha figuragao por existir, ali, algo que se deixa ver através de uma forma visivel (a carcaga do boi, um rosto que espreita) e algo que nao se deixa ver eno entanto 6 apreensivel imaterialmente pelo espectador através da forma visivel. H4 transporte de uma dimensdo para outra. Como numa tela de Francis Bacon, vejo 0 que esta ali e vejo © que nao é visivel e no entanto esté ali Nesse movimento de redugao, o objeto foi em seguida (e quase de imediato) negado ele mesmo, como o fez a arte povera (arte do precério, arte da ruina, arte dos limites imanentes assumidos), que justificou variada incompeténcia e auséncia de profissionalismo artistico: degradado, contestado, 0 objeto foi impedido de assumir aquilo que a redugao lhe reservava. No Japao o objeto é habitualmente respeitado em sua integridade formal e ontolégica (pelo artista com senso de profissionalismo). Claro, no Japo hé uma tradi¢ao objetual. AA forma (a forma plenamente elaborada, a forma construfda) pode resgatar 0 objeto e dar-Ihe uma figura (como no design). 2. Segunda regressdo ontolégica: da obra de arte para seu autor, ou do objeto para seu autor, para seu achante. Body art, exemplo radical dessa operacao. Passou-se do ideal (a figuragao) para aquele que deseja(va) 0 ideal. Endo “do ideal para aquele que precisa(va) do ideal”, como anotou Nietzsche: arte (como o ideal) nao é uma necessidade, ao contrario do que defendiam E. Fischer, Mario Pedrosa’: 0 que comanda a arte (e 0 ideal) 6 o desejo. O desejo nao é inevitavel, nao é um destino. Um universo separa 0 ideal de quem o deseja — um abismo, no qual apenas Os roménticos nao acreditavam. 3. Em outra redugao (nao necessariamente subseqiente), do autor da obra —do corpo do autor da obra — passou-se para a mente do autor da obra: um ciclo se fecha (a serpente penetra sua boca com o préprio rabo), no retorno 2) 0 Mario Pedrosa de Arte, necessidade vital, Ed. da Casa do Estudante do Brasil, 1949, 188 Quando Regina Silveira, numa das Bienais de Sdo Paulo, pintou no chao a sombra anamérfica da ausente Roda de bicicleta enfiada numa banqueta, de Duchamp, ela exercitou a contra-reduco (a contradesconstrugao) do objeto para a figuracdo (ainda que apenas na forma de uma alusao:“Vejam, imaginem, ha algo por tras deste objeto!”). Figura¢ao nao significa, necessariamente, figurativo, presenca da figura humana e das coisas reconheciveis “tais como sé’. Figura 6 aquilo que, além de deixar ver alguma coisa, néio precisa ser vista para conseguir veicular algo que o espectador pode ver. No Boi escorchado de Rembrandt ha figuragao por existir, ali, algo que se deixa ver através de uma forma visivel (a carcaga do boi, um rosto que espreita) e algo que nao se deixa ver eno entanto é apreensivel imaterialmente pelo espectador através da forma visivel. Ha transporte de uma dimensdo para outra. Como numa tela de Francis Bacon, vejo o que esta ali e vejo 0 que nao é visivel e no entanto esta ali. Nesse movimento de redugo, 0 objeto foi em seguida (e quase de imediato) negado ele mesmo, como o fez a arte povera (arte do precério, arte da ruina, arte dos limites imanentes assumidos), que justiicou variada incompeténcia e auséncia de profissionalismo artistico: degradado, contestada, 0 objeto foi impedido de assumir aquilo que a redugo Ihe reservava. No Japa o objeto 6 habitualmente respeitado em sua integridade formal e ontolégica (pelo artista com senso de profissionalismo). Claro, no Japa ha uma tradigao objetual. > A forma (a forma plenamente elaborada, a forma construida) pode resgatar 0 objeto ¢ dar-the uma figura (como no design). : 2, Segunda regressao ontoldgica: da obra de arte para seu autor, ou do objeto para seu autor, para seu achante. Body art, exemplo radical dessa operacao. Passou-se do ideal (a figuracao) para aquele que deseja(va) 0 ideal. Eno “do ideal para aquele que precisa(va) do ideal”, como anotou Nietzsche: aarte (como 0 ideal) nao 6 uma necessidade, ao contrario do que defendiam E. Fischer, Mario Pedrosa®: 0 que comanda a arte (¢ 0 ideal) 6 0 desejo. O desejo nao é inevitavel, nao é um destino. Um universo separa 0 ideal de quem 0 deseja — um abismo, no qual apenas os romanticos nao acreditavam. 3. Em outra redugdo (nao necessariamente subseqiiente), do autor da obra — do corpo do autor da obra — passou-se para a mente do autor da obra: um ciclo se fecha (a serpente penetra sua boca com o prdprio rabo), no retorno 2) 0 Mario Pedrosa de Arte, necessidade vital, Ed. da Casa do Estudante do Brasil, 1949, 188

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