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2 ‘Cones de Mamie Gans da ttragio erga de Cotes de tin mire, de Pera!” A foo # cones da Boece Perpont Merv HISTORIAS QUE OS CAMPONESES CONTAM: © SIGNIFICADO DE MAMAE GANSO © universo MENTAL dos_nio iluminados, durante 0 Tuminismo, parece estar irrecuperavelmente perdido, tio dificil, se no imposstvel, situar © homem comum do século XVIII, que parece uma tolice pesquisar sua cosmo- logia. Mas, antes de desistir da tentativa, talvez fosse dtl esquecer @ nossa descrenga ¢ lembrar uma histéria — uma histéria que todos conhecem, embora em versio diferente dda que reproduzimos a seguir, que é a do conto mais ou menos como cra narrado em toro as lereiras, nas cabanas dos camponeses, durante as longas noites de inyerno, na Franga do século XVIII.” Cento dia, a mie de uma mening mandow que ela levasse um pouco de pio e de leit part sua avs, Quando a menina ia aminhando pela florsta, un lobo aproximou-se © perguntow-the para onde se diiga = Para a casa de vows — ela respondeu a = Por que caminho voct vai 0 dos alfinetes ou 0 das aguas? = 0 das agulhas. Entio o lobo seguiu pelo caminho dos alfinetes © chegou pri rmeiro a casa, Matou a a¥6, despejou sev sangue numa garrafa © ovtou sua came em falas, colocando tudo numa travessa, Depois, ‘esta sua roupa de dormir e ficou deitado na cama, & espera. Fam, pam. = Entre, qverida, = Og, vovd, ‘Trouxe para a senhora um pouco de plo © de rete — Sirvase também de alguma coisa, mina quetida, Ha carne fe vinho na copa. "A menina comen 0 que Ihe era oferecido e, enquanto o fazia, ‘um gatinho dise: “menina perdidal Comer a carne beber 0 sangue de sia av6l Ent, 0 Tabo disse = Tice a roupa e deite-se na cama comigo, = Onde ponho meu avental? = Jogue no fogo. Voct nio vai precisar mais dele ara cada peca de roupa — corpete, saa, andgua © mas — a menina feaia a mesma pergunta, E, 4 cida ver, o lobo respondia: —"Togue no fogo, Voet nfo val precisar mats dela, Quando a menina se deitou na cama, disse: — Ak, vows! Como voc’ & peluda! E para me manter mals aquecida, querida, = Ah, vows! Que ombros largos voce tem! = para carregar melhor a lenhe, queda — Ak, vové! Como sio compridas as suas unas! = E para me cogar melhor, querida = Ab, vows! Que dentes grandes voc8 tem! —# pata comer melhor voce, querida, Bede a devorou, Qual é a moral dessa histéria? Para as meninas, é clara: afastem-se dos lobos. Para os historiadores, parece dizer algo sobre 0 universo mental dos camponeses, no infcio dos Tempos Modernos. Mas o qué? Como pode algeém partir para a interpretagdo de um texto desces? Um dos eaminhos passa pela psicandlise. Os analistas exa- 2 minaram minuciosemente os contos populates, identficando simbolos escondidos, motivos inconscientes © mecanismos ps{quicos. Consideremos, por exemplo, a exegese de “Cha- ppeuzinho Vermelho" feita por dois dos melhores psicana- listas, Erich Fromm ¢ Bruno Bettelheim. Fromm interpretou o conto como um enigma referente ao inconsciente coletivo na sociedade primitiva e decifrowo “sem dificuldede", decodificando sua “linguagem simbs- lica”, A hist6ria diz respeito 2 confrontagao de uma adoles- cente com a sexualidade adulta, explicou ele, Seu significado cculto aparece através de seu simbolismo — mas os sin- bolos que ele viu, em sua verso do texto, bascavamse em aspectos que nio existiam nas versdes conhecidas dos cam- pponeses, nos séculos XVII ¢ XVIII. Assim, ele enfatiza 0 (nexistente) chapeuzinho vermelho como um simbolo da ‘menstruagdo e a (inexistente) garrafa que levava a menina como simbolo de virgindade: dat a (inexistente) adverténcia dda mie, para que ela no se desviasse do caminho, entrando em regi6es ermas, onde poderia quebréla. O lobo ¢ 0 macho estuprador. E as duas (inexistentes) pedras colocadas zna barriga do lobo, depois que o (inexistente) cagador retira ‘a menina e sua avé, representam a esterlidade, a punigéo por infringir um tabu sexual. Assim, com uma misteriosa sensibilidede para detalhes que no speréciam no conto original, o psicanalista nos conduz para um universo mental que nunca existiu ou, pelo menos, qué nao existia antes do advento da psicanélise.” Como poderia alguém entender um texto de maneira tio equivocada? A dificuldade nio decorre do dogmatismo profissional — porque os psicanalistas nao precisam ser mais rigidos que os potas, em sua manipulacdo de sim- bbolos — mas, principalmente, da cegueira diante da dimen- sao histérica dos contos populares. Fromm nio se preocupou em mencionar sua fonte mes, aparentemente, tirou seu texto dos irmaos Grimm. Os a Grimm 0 conseguiram, juntamente com “O gato de botas”, “Barza Azul” e algumas poucas outras histérias, com Jeannette Hassenpflug, Cassel; ¢ ela ouviu as histévias de sua mle, que descendia de uma familia Francesa huguenote. Os huguenotes trouxe- ram seu préprio repertério de contos para a Alemenha, quando fugieam da perseguislo de Luis XIV. Mas no os recolheram diretamente da tradic¢éo popular oral, Leram- nos em livros escritos por Charles Perrault, Marie Cathérine d’Aulnoy € outros, durante a voga dos contos de fadas nos frculos legates de Paris, no fim do séeulo XVII. Perrault, mestre do género, reelmente recolheu seu material da tradigao oral do povo (sua principal fonte, provavel- mente, efa a babé de seu filho), Mas ele retocou tudo, para atender ao gosto dos sofisticados freqiientadores.dos-salde précicuses © cortesios aos quais ele enderegou a primeira ‘versio publicada de Mamée Ganso, seu Contes de ma mere oye, de 1697. Assim, 0s contos que chegeram aos Grimm através dos Hassenpflug nfo cram nem muito alemies nem ruilo representatives da tradigio popular, Na verdade, os Grimm reconheceram sua natureza literéria e afrancesada ©, por isso, eliminaramna da segunda ediefo do Kinderund Hausmirchen — com excegio de “Chapeuzinho Vermelho". Este permaneceu na coletinea, evidentemente, porque Jeannette Hassenpflug the enxertara um final feliz, tirado de “O lobo e as criangas” (conto do tipo 123, de acordo com 0 esquema de classificagao padrao elaborado por Antti Aarne e Stith Thompson), um dos mais populares na Alemanha. Assim, “Chapeuzinho Vermetho" inseriu-se na tradigfo literdria alemé e, mais tarde, na inglesa, com suas origens franceses no detectadas. Ela mudou consideravel- ‘mente suas caracteristicas, a0 passar da classe camponesa francesa para o quarto do filho de Perrault © def partic para a publicacao, atravessando depois o Reno € vollando para uma tradigGo oral, mes, desta vez, como parte da spora huguenote, dentro da qual retornou sob a forma) 2% de livro mas, agora, como produto da floresta teuténice, ‘em lugar das lareiras das aldeias do tempo do Antigo Regime, na Franga. Fromm ¢ vétios outros exegetas _psieanaliticos no se preocuparam com a transformagio do texto — na verdade, nada sabiam a respeito — porque tinham o conto que desejavam. Comeca como sexo na puberdade (0 chapeuzinho vermelho* que nio existe na tradig5o oral francesa)-e termi junfo do ego (a menina resga- tada — que, em geral, € devorada, nos contos.franceses) sobre o id (6 lobo, que jamais € morto, nas versdes tradi onais). Tudo est bem, quando termina bem. © final & particularmente importante para Bruno Bettelheim, 0 dltimo da série de psicanalistas que tentaram a sorte com “Chapeuzinho Vermelho”. Para ele, a chave da hist6ria, e de todas as histérias desse tipo, € a mensagem afirmativa de seu desenlace. Tendo um final feliz, declara, (0s contos populares permitem as criangas enfrentarem seus desejos e medos inconscientes e emergirem incdlumes, o id subjugedo ¢ 0 ego triunfante, O id é 0 viléo do “‘Chapeu- zinho Vermelho”, na versio de Bettelheim. E o principio do prazer que faz a menina se extravier, quando jé esté creseida demais para a fixacio oral (0 estégio representado por “Joo © Maria”) e ainda & muito nova. para. sexo adulto. O id também o lobo, que é também.o.pai, que & também 0 cagador, que ¢ também.o. ego.e, de alguma forma, iguslmente o superego. Encaminhando o lobo para sua av, Chapeuzinho Vermelho consegue, de manera edipiana, Liquidar sua mée, porque as maes também podem Ser avés, na organiza¢io moral da alma, e as casas dos dois lados dos bosques so, na yerdade, a mesma casa, como em “Joo ¢ Maria”, no qual s20, também, 0 corpo da mae, Essa desembaracada mistura de s{mbolos propor 2%

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