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PUC-SP
SÃO PAULO
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
SÃO PAULO
2016
Banca Examinadora:
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
Dedico esta dissertação à minha avó Antonia,
imigrante portuguesa, inspiração inicial. E ao
meu irmão Marcello, homem-menino
sonhador, que foi sonhar no céu o que a vida
jamais comportou.
Aluna bolsista CNPq.
Processo: 152229/2014-0.
AGRADECIMENTOS
Agradecer. Palavra que comporta vários sentidos. Retribuir e reconhecer quem esteve
ao meu lado nessa jornada tão intensa.
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Maria Maior e Luiz Ricardo, por me
apoiaram em tudo, pelo amor e educação, sempre lembrando a questão da responsabilidade e
consequências por nossas escolhas. Minha avó Antonia, que juntamente com meu avô
Valentim, meu bisavô João e minha mãe enfrentaram uma viagem para uma terra
desconhecida, destino traçado por vários imigrantes portugueses naqueles idos da década de
50 do século XX. Ao meu irmão Marcello, pelo seu apoio e por deixar conosco um pedacinho
seu, sua filha Mariana. Eternas saudades. Aos meus familiares, por toda atenção.
Aos meus amigos historiadores, Juliana e Estevão, colegas de graduação e pós, amigos
de alma. Grandes influenciadores na decisão de continuar minhas pesquisas.
Aos amigos de anos, que sinto não citar um a um, mas que estão marcados em meu
caminho e que contribuíram com sua paciência e apoio e acreditaram em mim.
Aos amigos de jornada do Mestrado. A troca de experiências, informações, alegrias,
angústias só contribuíram para que não me sentisse só.
Ao Grupo Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos Poveiros de São Paulo.
Dona Soledade e Alexandre (Xuxão) representando o Raízes e Lino Lage representando os
Poveiros, que me receberam de volta, agora como pesquisadora. Pela liberdade que me
concederam e por toda atenção.
A todos os amigos de grupo. Integrantes e ex-integrantes do Raízes. Aos narradores
das experiências, Renata, Rodrigo e Francisco. E a todos que quiseram compartilhar suas
experiências e que, se ainda quiserem, gostaria muito de ouvi-los.
Tatiana Romano, obrigada por me apresentar ao grupo e ser a ponte de retorno as
minhas origens.
Agradeço a todo o Departamento do Programa de Estudos Pós-Graduados em História
da PUC-SP, em especial as professora Estefânia Knotz, Denise Sant’Anna, Olga Brites, Maria
do Rosário Peixoto e Luiz Antonio Dias pelas suas sempre pontuais contribuições.
À Professora Doutora Maria Izilda Santos Mattos, por ter feito a ponte com a
professora Yvone para que minha pesquisa pudesse se desenvolver com mais profundidade. E
à Professora Doutora Mariza Romero, minha primeira orientadora, desde a graduação, que
gentilmente direcionou meu caminho ao da professora Yvone, para que todos pudessem
seguir segundo a pertinência da linha de pesquisa.
Ao colega do doutorado, Leandro Rodrigues, pelas conversas e trocas devido ao tema
afim.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, pelo
financiamento de meus estudos, sem o qual não seria possível minha dedicação integral.
Um agradecimento especial à bibliotecária da Casa de Portugal, Eliane, que sempre
me recebeu com cortesia e foi de grande ajuda, desde a graduação, quando busquei um norte
para minha pesquisa inicial.
À Professora Doutora Maria Aparecida Franco e à Professora Doutora Sênia Bastos,
pelas contribuições durante a qualificação.
Agradeço imensamente, à minha orientadora Professora Doutora Yvone Dias Avelino,
por ter aceitado me guiar pelos caminhos árduos da pesquisa. Muito obrigada por sua
paciência, generosidade e dedicação.
RESUMO
MATOS, T. C. Roots of Portugal. From Minho to São Paulo (1950-2000). 2016. 103 p.
Dissertation. (Master in Social History) - Catholic University of São Paulo, São Paulo.
The search for "Roots of Portugal. From Minho to São Paulo (1950-2000)" aims to
understand and discuss the participation of Portuguese, their descendants and people of other
nationalities, groups and associations considered by its members as representatives of the"
folklore "Portuguese in Sao Paulo. It discusses the origin of its popular representation and his
ways by other continents, focusing on the city of São Paulo and associations as aggregator.
The study was conducted through oral history and other sources, who conversed with the
tradition of studies, popular culture, memory, ruptures and continuities of a representation that
is focused on reinventions of these traditions, seeking to revive the concept of crystallization
that the word folklore emanates. Practice looking reinserting a local culture, representative of
a country for the Portuguese immigrants who willingly or by political and economic
pressures, reunited and/or were recognized as members of this community through
associations.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
1 “Ó VIANA, DO CASTELO / AI SÓ TU ME DEIXAS PAIXÃO / ONDE TENHO E
NÃO NEGO / AI RAÍZES DO CORAÇÃO” ...................................................................... 21
1.1 Viana: início e fim .......................................................................................................... 21
1.2 Identidade portuguesa ..................................................................................................... 30
2 “Isso é Folclore!” ................................................................................................................. 41
2.1 Fado X Folclore .............................................................................................................. 41
2.2 Acolhida e pertencimento: portugalidade ....................................................................... 53
3 RAÍZES ................................................................................................................................ 72
3.1 Grupo folclórico raízes de Portugal ................................................................................ 72
3.2 Os Trajes típicos ............................................................................................................. 86
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 94
FONTES CONSULTADAS ................................................................................................... 97
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 100
13
INTRODUÇÃO
e sem escolha aparente, entrei para o grupo, juntamente com meu irmão. Dois anos após
rompi os ligamentos do tornozelo e me afastei. Da dança, não do interesse pelo assunto.
As pesquisas realizadas durante a graduação versaram sobre as atividades dos grupos
folclóricos em São Paulo. No curso de especialização História, Sociedade e Cultura, também
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o tema para o trabalho final foi justamente
esse, já visando à pós-graduação stricto sensu.
O folclore português em São Paulo. A manifestação do folclore português por um
determinado rancho: Grupo Folclórico Raízes de Portugal, após um curto período, Grupo
Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos Poveiros de São Paulo.
A presente dissertação “Raízes de Portugal. Do Minho a São Paulo (1950-2000)” tem
como viés demonstrar a participação dos imigrantes portugueses e seus descendentes, além de
outras pessoas sem identificação de parentesco com portugueses nas associações culturais
com ênfase no “folclore” português. As transmissões, rupturas e permanências dessa
manifestação cultural demonstram que essas práticas continuam, de maneiras diversas do
original, inventadas e reinventadas conforme as localizações e significados. O rancho
folclórico, foco da pesquisa, como muitos outros ranchos, canta e dança as tradições do
Minho. Essa escolha tem como premissa a origem dos fundadores e também pelo folclore da
região ser o mais representado por um grande número de associações. O período escolhido
tem como base a chegada dos imigrantes que adentraram o território brasileiro e iniciaram as
primeiras associações e o estabelecimento do Grupo Folclórico Raízes de Portugal como
expoente de uma nova geração representante do autodenominado folclore português.
Ao pesquisar sobre o tema, não encontrei material que se aprofundasse no folclore
português na cidade de São Paulo. O primeiro local de pesquisa foi a Casa de Portugal, por
conta de sua biblioteca própria. E ao ser recebida por sua bibliotecária, Eliane, ela relatou que
materiais que dissertam sobre o folclore português em São Paulo são raros, quase inexistentes,
e que ela mesma fez um “clipping” sobre a história do grupo folclórico da casa com os
recortes dos jornais que circulam na comunidade portuguesa: Portugal em Foco e Mundo
Lusíada. Mas havia uma dissertação de mestrado em Antropologia Social pela UNICAMP de
Eduardo Caetano da Silva intitulada “Visões da diáspora portuguesa: dinâmicas identitárias
e dilemas políticos entre os portugueses e os luso-descendentes de São Paulo”. Essa
dissertação de 2003 tornou-se meu ponto de partida.
Essa dissertação dá margem a várias questões em relação a como essas associações
são vistas por diferentes grupos que orbitam o assunto. Um deles é que o “folclore” não é a
forma mais adequada de “promoção” de Portugal atualmente. Mas as próprias pessoas que
15
participam desses grupos não pensam por esse viés. E pelo convívio como integrante de um
desses grupos e pelos relatos de seus integrantes e das pessoas que participam das festas que
evocam o “folclore” como manifestação de portugalidade, a música, danças e trajes são a
expressividade de um Portugal idílico. Passado, mas presente. O Portugal que nem todos
viveram, mas que é o Portugal que os une.
Para designar o termo folclore, Luís da Câmara Cascudo, conceituado pesquisador do
folclore e dos costumes brasileiros, diz que "o folclore é a tradição e a tradição é a ciência do
povo.” Em Folclore do Brasil, ele resume:
Todos os países do Mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes profissionais,
possuem um patrimônio de tradições que se transmite oralmente e é defendido e
conservado pelo costume. Esse patrimônio é milenar e contemporâneo. Cresce com
os conhecimentos diários desde que se integrem nos hábitos grupais, domésticos ou
nacionais. Esse patrimônio é o FOLCLORE.1
Em outra acepção, temos: folk = povo e lore = sabedoria.
Folclore (do inglês, folklore, “id”): substantivo masculino; ciência que estuda as
tradições populares nas suas variadas manifestações (música, dança, canções,
provérbios, lendas); Colectânea das canções populares relativas a certa época ou
região.2
Em Portugal, para os que tentam preservar o folclore como deveria ser em épocas
passadas, é visto como uma forma de resgate de suas raízes.
Temos obrigação de salvar tudo aquilo que ainda é susceptível de ser salvo, para que
os nossos netos, embora vivendo num Portugal diferente do nosso, se conservem tão
Portugueses como nós e capazes de manter as suas raízes culturais mergulhadas na
3
herança social que o passado nos legou.
1
CASCUDO, L. da C. Folclore do Brasil: pesquisas e notas. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1967, p. 10.
2
Diciopédia, In: folclore-online.com. Acesso em: 26 de setembro de 2013.
3
www.folclore-online.com. Acesso em: 26 de setembro de 2013.
4
FRADE, C. Folclore, Para entender 3. São Paulo: Global, 1991, p. 10.
5
ALMEIDA, R. A Inteligência do Folclore, Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1957, p. 205.
16
6
MEIHY, J. C. S. B. Manual de História Oral. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 71-2.
7
CASCUDO, L. da C. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo Global: 2012, p. 304.
17
8
ALMEIDA, R. A Inteligência do Folclore. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1957, p. 59-60.
9
HUDSON, A. P. La Poesia Folklorica, In: Folklore Americas. In: ALMEIDA, R. A Inteligência do Folclore.
Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1957, p. 63.
10
MEIHY, J.C.S.B. Manual de história oral. 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 18.
11
Ibidem. p.18.
18
12
WILLIANS, R. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 21.
13
GINSBURG, C. O queijo e os vermes. O cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição.
São Paulo: Companhia da Letras, 1987, p. 17.
19
Por isso, o capítulo se inicia com o subtítulo Viana: início e fim. Viana do Castelo
como amálgama do “folclore” português. Sua importância para principiar a compreensão da
identificação dessa região com a manifestação cultural popular, tema desta dissertação.
Do arcaico ao contemporâneo, Portugal indissociável de seu povo, de sua história de
migrações. Para entender o autodenominado folclore português, essa “volta” é necessária,
pois são várias influências. Pensando no folclore, será que se encaixa no arcaico, no sentido
cultural? “[...] o que sobrevive do passado mas enquanto passado, objeto unicamente de
estudo ou rememoração?”14
Para fechar o capítulo, temos o subtítulo A identidade portuguesa. Há uma discussão
sobre a identidade portuguesa. Na verdade, são várias as identidades. A divisão cultural entre
norte e sul, a religiosidade e sua ruralidade amada e renegada ao mesmo tempo. E o período
recente de sua ditadura.
O que leva ao Portugal sob o regime de Salazar. Não há como falar de identidade
portuguesa e folclore sem citar o período da ditadura portuguesa e de como o folclore foi
utilizado como propaganda de um Portugal idílico e rural.
No segundo capítulo, “ISSO É FOLCLORE!”, o “folclore” entra em cena. Na
primeira parte Fado X Folclore, um apanhado da música portuguesa e sua contribuição na
caracterização do país. A contribuição de antropólogos e etnomusicólogos para compreender
como o folclore português tem influências tão antigas, mas que não é tão antigo no sentido de
ser construído, inventado e reinventado.
O fado é reconhecido como a música portuguesa. E nas casas para turistas, se mistura
à música folclórica e ao fado universitário, de Coimbra, como parte da cultura popular.
Em seguida, o folclore levado pelos emigrantes para os países de acolhida, na
“sangria” migratória da segunda metade do século XX. Não só o folclore, mas a organização
de casas de acolhida de imigrantes nesses países, a transmissão dos costumes, da culinária,
dos rituais e o envolvimento com os locais. E a saudade... a volta esperançosa. A construção
de vários portugais em cada terra que os acolheram. Acolhida e pertencimento:
portugalidade a manifestação do folclore português com as associações, os grupos
folclóricos, jornais e programas de rádio na cidade de São Paulo. A rotina das festas
portuguesas e sua importância para essa comunidade.
O terceiro capítulo, Raízes, como questão central em Grupo Folclórico Raízes de
Portugal, o próprio grupo estudado. Para sua história, - tão recente - , componentes e ex-
14
MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed.
UFRJ, 1997, p. 90.
20
“Fim do mundo, lugar de destino mais do que de passagem, (...)16”. Muitas vezes a
geografia e a história se contradizem. Onde o mar não era tão propício às navegações pela
geografia de sua costa. O que se tornou exatamente o contrário. Nessa dissertação, Portugal
não é o fim. É o começo.
Viana e raízes no coração. Viana, a região mais representada no folclore português e
escolhida pelo grupo estudado nessa dissertação. Mesmo que represente norte a sul de
Portugal. Raízes de Portugal, raízes lusitanas, raízes das “tradições” que pretendiam perpetuar
em terras que os acolheram. Raízes que não sabem se são profundas ou aparentes, mas que
celebram o dito “folclore” português. Raízes que os portugueses levaram como identidade
mundo afora quando se situaram nos países de acolhida, em uma dispersão ocorrida até pouco
mais da segunda metade do século XX.
Pesquisar sobre o folclore português perpassa pela importância da identidade do que é
ser português. E nesse caso, Portugal e sua cultura popular, território e política são
indissociáveis. A cultura popular, por meio do seu folclore permeia todos esses temas.
A identidade portuguesa primeiramente é conduzida pelas regiões que compõem o
país e das que mais se destacam, com a junção do que mais sobressai de cada parte que o
forma. Regiões diferentes que acabam unidas em torno de uma identidade única e por ela
conhecida. Também faz parte de sua identidade sua formação política e econômica peculiares.
As influências externas que construíram a cultura portuguesa. A música, a vestimenta, o
idioma. Mas esse país tem suas peculiaridades, que na singularidade, se perdem para dar lugar
à unicidade de um povo, o que acontece com todos os outros. Nas suas semelhanças inserem-
se as diferenças, que dão o toque a mais nesse coletivo de culturas que define a cultura
portuguesa.
A formação de Portugal dá ensejo a um questionamento sobre sua identidade. Todos
os povos são formados por influências do local de origem e da junção de outras culturas,
15
Trecho de Gota de Meadela, de autoria desconhecida, e uma das músicas que está presente nas apresentações
do Grupo Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos Poveiros de São Paulo desde sua criação.
16
MARQUES, A. H. de O. Breve história de Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 2006, p. 12.
22
desde que não estejam isolados. Portugal é um país de sobreposições de culturas que se
transformaram em uma só. Como a combinação de todas as sociedades que formaram
Portugal, os acontecimentos políticos, guerras, mudanças transformaram Portugal no que é
hoje.
A Reconquista17, por exemplo, foi um processo lento e violento, enquanto isso, os
ibéricos aproveitavam o conhecimento árabe na área científica e cultural. Os mosaicos foram
incorporados à arte ibérica. A língua não foi substituída, mas alguns elementos foram
incorporados. Muitas das palavras são usadas ainda em português, as mais conhecidas levam
o prefixo “al”: alface, alfazema. Outras palavras são: azeitona, limão, chafariz, xarope,
armazém, entre outras. A produção rural que começou quando Portugal era Lusitânia e
dominada pelos romanos permanece com suas bases, como o cultivo da oliveira, da videira,
do trigo e outros. A secagem do peixe também é dessa época, assim como o início da
produção têxtil. A produção têxtil ainda faz parte da atualidade portuguesa, mas não mais
como base de sua economia. Em meados do século XIX, Portugal continuava um país
relativamente atrasado e rural, destoando da crescente industrialização da Europa. As
tradições falavam mais alto para o povo de massa majoritariamente camponesa. Em meados
de 1870, por volta de 700.000 pessoas constituíam a população urbana, de uma população em
torno de 4.200.000 habitantes18. E as tradições aparecem também para os que manipulavam a
área política e econômica. Esse aspecto “rural” vai marcar Portugal por gerações. Mesmo no
decorrer do século XIX, com o aumento de indústrias, estradas de ferro, Portugal continuou
dependendo de apoio externo aumentando dívidas, principalmente depois de perder seu maior
trunfo, o Brasil. E as colônias em África passaram a exercer um potencial econômico,
continente já ocupado por outras potências europeias.
E em relação à questão cultural, o que ficou; o que não faz mais parte; o que foi
transformado e o que foi reinventado? Como o autodenominado folclore português se insere
nesse percurso? Como esse passado sobrevive no presente? Se é que sobrevive, pois em
relação à continuidade, há sérias controvérsias. Um passado inventado e reinventado pode
significar a continuidade de algo? O predomínio rural por um determinado período colaborou
para o florescimento do folclore português? Há resistências e resquícios, mas quanto há de
transformação?
17
Reconquista: a reconquista cristã na região ibérica do período da ocupação muçulmana durou do século VIII a
1492 com a retomada de Granada pelos reis católicos. Em Portugal terminou mais cedo, 1249, com a retomada
de Faro por Afonso III.
18
SCOTT. A. S. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010, p. 286.
23
São muitas perguntas para espaço tão reduzido e muita pretensão. E, além disso, não é
Portugal o foco desta dissertação, mas sim um dos muitos grupos que representam a cultura
popular portuguesa em São Paulo. A arriscada tentativa de responder a essas questões se
encontra no decorrer do texto.
Vários recortes são necessários. Recortes para se pensar a identidade portuguesa. O
território, a cultura, a emigração, o momento delicado de uma ditadura e um adendo ao
recorte cultural, as tradições culturais, o “folclore”.
Para começar, em um primeiro momento, temos Viana do Castelo. Faz-se necessário
devido à escolha do grupo que apresenta o folclore dessa região. Começaremos e
terminaremos em Viana. Do território a identidade.
Viana do Castelo, a cidade mais ao Norte de Portugal, situada na foz do rio Lima foi
fundada em 1258.19 Considerada a capital do “folclore” português pelos grupos etnográficos
devido a sua musicalidade e também pelo traje feminino à vianesa20 é a mais representada nas
apresentações de ranchos folclóricos portugueses. O luxo das roupas das mulheres chama a
atenção para a riqueza ostentada, seja no requinte do tecido ou na exibição das joias.
19
http://www.guiadacidade.pt/pt/distrito-viana-do-castelo-16. Acesso em: 17/12/2014, às 14:50h.
20
Os trajes considerados folclóricos são analisados no terceiro e último capítulo.
24
Pelo mapa podemos observar que Viana do Castelo está ao norte e a beira do
Atlântico. Considerada uma das regiões mais “ricas” de Portugal, essa chamada riqueza é
comparada ao sul, região diferenciada pela agricultura e a própria cultura. Há diferenças em
relação aos centros econômicos e aos extremos. É a polarização Norte X Sul. Os contrastes
encontram-se na “divisão” Norte X Sul delimitada pelo rio Mondego.
21
http://vida.planetavida.org. Acesso em: 20/07/15.
25
22
Imagem 02 – Rio Mondego em Coimbra.
Se Viana é a região que impera no folclore, o rio Mondego é o mais citado na música e
na poesia. Na imagem acima, o rio foi fotografado em Coimbra, cidade que o rio percorre por
inteiro. É praticamente uma divisão entre o norte e o sul de Portugal.
As regiões do Minho (Norte) e Alentejo (Sul) são as mais características dessa
dicotomia. Além do norte ser caracterizado pelas terras montanhosas e o sul marcado pelas
terras baixas. Em relação ao clima, a temperatura e a vegetação do Norte permitem uma
colheita mais variada e também por isso, é mais densamente povoada. Mas a região Sul é
mais agrícola e seus habitantes estão mais localizados em aldeias do que os do Norte. O Norte
e o Sul têm uma “rixa” de séculos. Até discussão sobre raças aparece para acentuar a
discórdia. O Norte seria ariano (branco e verdadeiramente europeu) e a agricultura
diferenciada demonstra uma cultura superior. O Sul, semita (de pele escura, descendente de
árabes) rendeu-se ao comércio, considerado típico da “raça”23. A religião também entra nessa
22
Acervo pessoal. Foto tirada em agosto de 2009.
23
Conceito em desuso, pois não há distinção biológica de raças e sim, fenótipos, que são as junções das
características morfológicas, fisiológicas e comportamentais. Mas ainda há vários textos onde se lê sobre a
“raça” portuguesa. Talvez uma questão de superioridade decorrente de ser o primeiro Estado Nacional a se
formar e pelo período em que dominaram as grandes navegações.
26
divisão. O sul tomado pelos indivíduos com contato com a religião islâmica e o norte cristão.
A influência árabe está no traçado das ruas, nos rossios (largos), nas feiras e mercados ao ar
livre, na arquitetura das casas. Até hoje, o Norte é visto como mais rico e industrializado e o
Sul como mais pobre e agrícola.
Em relação à dicotomia campo X cidade, a partir de 1960, com a migração para os
centros urbanos que se expandiam, essa divisão deixou de ser tão clara. As cidades principais
continuam sendo Porto e Lisboa. As áreas litorâneas e as regiões de fronteira com a Espanha
são mais densamente povoadas.
A mudança de um país essencialmente rural para urbano foi rápida24. E as mudanças
envolveram várias áreas, não só arquitetônicas como também a própria identidade portuguesa
no seu íntimo. E o português não se identifica apenas com o país. Ele se identifica com sua
região. “Sou alentejano”, “sou minhoto”, “sou madeirense”. Por isso as casas portuguesas
próprias de cada região. E os portugueses não se identificam só pela região, mas também pela
“aldeia”.
Portugal é um país de contrastes, apesar de suas dimensões, que para nós brasileiros,
são quase diminutas, pois o Brasil é um país de dimensões continentais. Menor do que o
estado de São Paulo, a área de Portugal corresponde a 89 mil Km2. Com as ilhas, 92 mil Km2.
É um país dividido em distritos e subdividido em concelhos.
As letras das canções “folclóricas” citam algumas regiões. De Viana, temos como
exemplo, o “Vira da Ponte da Barca”. Ponte da Barca é identificada como vila, distrito,
município. Administrativamente, Ponte da Barca é um concelho, o mesmo que município. É
parte do distrito de Viana do Castelo que faz parte da província do Minho, região Norte de
Portugal. Assim é tratada a divisão administrativa portuguesa: são três níveis de NUTs
(Nomenclatura de Unidades Territoriais – para fins estatísticos). Cada NUT é dividida em
sub-regiões, dividido em distritos, por conseguinte, concelhos e estes, divididos em
freguesias.25
Viana do Castelo é chamada de cidade, pois a maior parte de sua área é urbanizada. É
capital do distrito de Viana do Castelo e possui 40 freguesias. Freguesias são as menores
divisões administrativas.
O nome Viana tem várias explicações de várias fontes. Algumas fazem alusão ao
templo de Diana na região, mas não há bases consistentes para demonstrar sua procedência.
24
Segundo o relatório divulgado pela ONU, Portugal era o segundo, atrás apenas da Eslovênia, como o mais
rural da União Europeia. Na Europa, 72% viviam em áreas urbanas, em Portugal, 59%. Cf. ONU Situação da
população mundial, 2007. In: SCOTT. A. S. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010 p. 59.
25
http://terrasdeportugal.wikidot.com/viana-do-castelo. Acesso em: 07/04/2015.
27
26
http://www.cm-viana-castelo.pt/pt/festas-da-sr-da-agonia. Acesso em: 19/02/2015.
28
Portugal27 que trata sobre a memória portuguesa. Nessa letra, a citação ao mar é nítida e
também ao amor perdido. Mas o site selecionou apenas uma parte da canção, para designar
que a história de Portugal nunca morrerá.
Como afirmado anteriormente, Viana é parte importante da demonstração da cultura
popular de Portugal. Mas nessa dissertação, mesmo Viana sendo a base do folclore do grupo
aqui apresentado, ela não é o objeto principal. Diante do exposto, peço escusas pelo não
aprofundamento na história dessa região, justamente para esta dissertação não se encaminhar
para uma quase monografia avulsa.
O Grupo Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos Poveiros de São Paulo,
objeto central desta dissertação, assim como muitos outros grupos, escolheu a região de Viana
para representar o dito “folclore” português. Devido à união com a Associação dos Poveiros
de São Paulo, a região de Póvoa de Varzim também é representada pelo grupo.
O trecho da canção que dá o título ao presente capítulo, que cita Viana do Castelo e a
palavra “raízes”, condensa, ouso dizer, os sentimentos dos participantes do grupo estudado.
Quem assiste a uma apresentação do Grupo Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos
Poveiros de São Paulo percebe nos seus trajes e nas suas músicas, a inclinação ao folclore de
Viana. Terra mãe dos fundadores do grupo é quase onipresente nas apresentações. O que não
impede que outras regiões tenham presença marcante, como o “corridinho” do Algarve e uma
referência à associação que os acolheu, os “Poveiros”.
Mas é complicado ditar como centro do folclore português apenas uma região. E
identificar um país como uma personificação de Viana. Mas é essa imagem que aparece
quando se busca um modelo de “português”. Essa caricatura tem como mote demonstrar e
perpetuar características que talvez não mais existam, mas que a imaginação acolhe como
imperativa e o próprio governo local repassa. A história revisitada de Portugal faz
compreender sua identidade. E para essa dissertação, que tem como questão central a
discussão sobre o folclore português no Brasil, mais precisamente em São Paulo, reconhecer
os meandros dessa história depreende essa identidade. A ruralização, a presença forte da
religião, governos autoritários que se utilizaram de uma imagem forte dessa identidade e em
como essa visão toma uma forma abrangente do ser português para outras nações. Além dos
períodos de emigração, com destaque para a última grande onda migratória portuguesa, do
fim do século XIX à metade do século XX. Principalmente, os próprios portugueses fixaram
essa identidade no imaginário dos países que escolheram para sua acolhida, na sangria de uma
27
http://terrasdeportugal.wikidot.com Acesso em: 07/04/2015.
29
28
TEIXEIRA, M. B. O traje regional português e o folclore VII. Disponível em:
http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/1_PI_Cap7.pdf. Acesso em: 02/06/2013.
31
própria ou até a influência que o folclore teve ou ainda tem na sociedade portuguesa e na sua
imigração recente.
A chegada dos imigrantes portugueses no período que concerne a partir da metade do
século XX foi absorvida de tal forma com a chegada de outros imigrantes que sua história e o
porquê de sua chegada não são tratados com mais profundidade nos estudos básicos. Estuda-
se Portugal em sua formação como Estado moderno, na época das “grandes navegações” e no
Brasil Colônia. Com a independência e em seguida, a proclamação da república brasileira,
Portugal reaparece de passagem rápida quando são apresentados os regimes totalitários do
pré-Segunda Guerra. Talvez apareça como destino de muitos brasileiros ao fim da década de
1990, período ainda considerado de transição e adequação de uma nova democracia e
economia. Mas voltando à situação de Portugal e a presença de um regime totalitário em seu
território, pouco se falava sobre a emigração até pouco tempo. Emigração forçada de
portugueses que procuraram melhores condições de vida tendo como destino o Brasil, por
exemplo. Muitos desses emigrantes aqui chegaram, talvez sem saber o que realmente se
passava no campo político, mas sentiam em sua realidade que o seu país não tinha condições
de lhes proporcionar mais do que já possuíam. E nessa terra estrangeira que falava sua língua
encontravam nas casas de apoio e nas casas ditas folclóricas um pedaço de suas tradições.
Quais tradições? As que lhes trouxessem união e que pudessem identificá-los.
A identidade portuguesa também está na culinária. No bacalhau que é encontrado em
todas as mesas, principalmente no Natal e na Semana Santa, e nos doces a base de ovos e
açúcar. O bacalhau entrou na culinária portuguesa no século XV. O alimento seco suportava
bem as longas viagens marítimas e depois passou ao gosto popular.
Há ainda os pratos mais fortes feitos com todos os pedaços de porco possíveis. Os
“Rojões” que são à base de carne de porco na banha, vinho, fígado de porco, sangue cozido e
tripas.
A alheira é um “enchido” que pode atualmente levar carne de porco ou ave e
principalmente pão. Os enchidos têm formato de ferradura e são envoltos com tripas de porco
ou vaca. A farinheira não leva carne. Suas origens são obscuras, prevalecendo a versão de que
foi criada por judeus na época da Inquisição, onde os judeus eram identificados pelo não
consumo de carne de porco. Então, na alheira, a carne era de outro animal que não o porco e o
pão dava a consistência. Há também a morcela, feita com sangue e gordura de porco e farinha,
sem carne.
Os tremoços, o caldo verde, os doces a base de ovos, açúcar e amêndoas. Essa comida
considerada típica está presente nas festas da comunidade portuguesa.
32
29
SEABRA, J. A. A identidade cultural portuguesa – Um personalismo universalista. In: Nação e defesa
(Instituto de Defesa Nacional). Lisboa, A. 15, n. 53 (janeiro – março 1990), p. 100. Disponível em:
http://comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/2704/1/NeD53_JoseAugustoSeabra.pdf. Acesso em: 07/10/2015
30
SCOTT. A. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010, p. 168.
31
Ibidem. p.168.
33
desqualificado, a influência estrangeira não era benéfica. As raízes portuguesas eram o que
mantinham Portugal em pé. Único e soberbo.
Os grupos folclóricos eram patrocinados pelo governo, “colocados a serviço de uma
ideologia nacionalista que respaldava o regime ditatorial”32. Através de várias associações, a
criação, divulgação e apresentações de grupos folclóricos eram incentivadas pelo governo.
Entre elas estão: a FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (atualmente
chamada de INATEL – Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos
Trabalhadores), a Junta Central das Casas do Povo e o Secretariado Nacional de Informação33.
A identidade portuguesa por intermédio dos ranchos folclóricos ainda é explicitada,
dentro e fora de Portugal. Dentro, para promover o país no que ele tem de típico, único, pelo
governo e por agências privadas. Em 1977, o Estado democrático português fundou a
Federação do Folclore que reúne mais de 2.000 associações culturais e recreativas e cerca de
300 ranchos folclóricos 34. Fora de Portugal, essas associações reúnem os portugueses que de
alguma forma, com as reuniões, “voltam” à terra-mãe, apreciando a música, a comida e as
lembranças.
A identidade portuguesa também está na língua. Mesmo que o acordo ortográfico
tenha suscitado mais problemas do que soluções, os portugueses não deixam de escrever
“facto”. E algumas palavras são consideradas ultrapassadas. Mas a Lusofonia é um traço de
união. As identidades culturais dos países que falam o português.
O “português como explorador” é outra característica da portugalidade. O emigrante é
o novo explorador e não só explorador com o significado de expropriar as regiões
conquistadas, mas de construir laços e pactos econômicos, políticos e culturais. E na junção
ao português explorador vem o “português emigrante”35.
O português sempre vai estar associado à imagem do viajante. Mas viajantes têm o
percurso da ida e da volta. No caso do emigrante, só ida. Durante o governo de Salazar o
português que saísse de seu país poderia ser considerado traidor, fracassado, como indivíduo e
como parte do povo português. Como sair de sua pátria, que lhe dá tudo, estabilidade
econômica, política e até a neutralidade na guerra, onde pode viver em paz sem medo de
invasões ou combates? Um grande contingente que sai de um país não lhe dá respaldo para
ser considerado um bom lugar para se viver. Mesmo com o controle de emigração, vários
portugueses deixaram o país nesse período, que não era tão próspero como a propaganda do
32
SCOTT. A. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010, p. 169.
33
Ibidem. p. 169.
34
Ibidem. p. 169.
35
Ibidem. p. 170. Português camponês, explorador e emigrante.
34
36
HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003, p. 248.
37
Estado Novo: dentro desse período destaca-se o Salazarismo. Regime caracterizado pelo controle parlamentar
e antipartidário. A presença de um partido único e o controle dos órgãos principais e dos sindicatos. O controle
da ditadura era do presidente do Conselho de Ministros, ou seja, Antonio de Oliveira Salazar. Seu governo durou
mais de quarenta anos e se notabilizou pelo conservadorismo, o autoritarismo, o corporativismo e o
nacionalismo. Nota-se o grande apoio no catolicismo e o rechaço ao comunismo. A PIDE (Polícia Internacional
35
1968 e Marcello Caetano, 1968 – 1974. Uma nova sociedade formada pelo orgulho do
passado glorioso português e a aurora de um novo Portugal.
Antonio de Oliveira Salazar (1889 – 1970), professor da Universidade de Coimbra na
área de economia, em 1928 foi chamado a assumir a pasta de Finanças do governo militar
instaurado após o golpe de 1926. Com a economia esfacelada, Salazar conseguiu reorganizar
a parte financeira de Portugal. Com a popularidade em alta, abria-se a porta para a instauração
do chamado Estado Novo.
O novo Portugal também se achava a caminho. O aumento anual da população em 1%
entre 1920 e 1930 subiu a população portuguesa de 6 milhões para 6,8 milhões. Sendo que
80% viviam em áreas rurais.38 Foi o momento da chamada “segunda fundação de Portugal”.
Foi um período conturbado por várias trocas de comandos e instabilidades, tanto políticas
quanto econômicas. Trocados também a bandeira e o hino nacional, por conseguinte. A
glorificação de seu maior poeta, Luís de Camões, fazendo do dia de sua morte, 10 de junho,
também o dia de Portugal. A valorização dos descobrimentos dos séculos XV e XVI.
Símbolos renovados, mundo em ritmo acelerado, Portugal também se renova, mas com um
“pé” nas conquistas e fatos passados. O papel do Brasil era mostrar a força de Portugal como
grande colonizador. A vida no campo, o Portugal rural valorizado, a alma portuguesa presa a
sua fatídica saudade e a religião católica. Uma diferenciação aos outros países europeus.
Portugal aferrado as suas tradições, ao que era característico de sua terra.
Sua popularidade ao erguer a alquebrada economia portuguesa foi tão grande, que aos
militares que compunham o governo foi exigido que voltassem aos quartéis e em seus lugares,
professores da Universidade de Coimbra assumissem. Vários setores da sociedade portuguesa
acolheram essa nova figura que liderava Portugal para um recomeço. A classe média, a Igreja,
a indústria e o comércio estavam “agradecidos” e aliviados por sua liderança. Como a
ocupação rural era mais bem vista do que a indústria, que poluía e não era adequada ao
melhor aproveitamento e proximidade com a natureza, o meio rural foi preferível ao urbano.
A industrialização, em segundo plano em Portugal.
Na perspectiva da propaganda salazarista, o Estado Novo não era totalitário e sim
um estado de direito, já que tinha uma Constituição aprovada por plebiscito popular
e se pautava por dois valores fundamentais: Deus e Pátria.39
Estado, família e Igreja como vetores da sociedade portuguesa. Obediência aos valores
impostos e submissão ao modelo de sociedade determinado por essa cofiguração
e de Defesa do Estado), polícia política que agia repressivamente aos chamados “inimigos” do governo deram o
tom do domínio do Estado Novo e também a PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado).
38
SCOTT, A. S. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010, p. 321.
39
Ibidem, p. 328.
36
conservadora. O valor da terra também era incutido nas escolas. Os pais também deviam ser
educados na sua moral. Os valores do que era certo, justo e benéfico para ser passado aos
filhos devia ter os pais como exemplos. Todos deviam ser educados.
Durante a direção de António Ferro40, o SPN (Secretariado de Propaganda Nacional),
juntamente com outras instâncias, buscava o sentimento de “orgulho português”. A oposição
apelidou essa política como a “do país dos três efes”: fado, futebol e Fátima.41
Marcello Caetano, sucessor de Salazar tinha como lema “Continuidade e Renovação”.
Contraditório? Uma tentativa de acordo entre os que seguiam fiéis ao regime ditatorial e aos
seus detratores.
As garras da repressão e do policiamento estavam também nas casas de acolhimento.
Associações chamadas de “Casa de Portugal” que eram fundadas em locais que recebiam
muitos imigrantes portugueses. A Casa de Portugal de São Paulo, fundada em 1935 tinha
como ponto de partida uma linha liberal, mas aos poucos foi tomada pelo cunho
propagandista de Salazar. O Centro Republicano Português era um polo de resistência ao
regime.
A glória de ostentar uma luta que não mais servia ao tempo, o colonialismo, atrasou
Portugal em relação aos outros países europeus.
Portugal devia aprender a ser grande de outro jeito. Ao lado de seus pares europeus e
dos acontecimentos atuais.
Continua grande. Na sua memória, na História, no orgulho dos portugueses.
Dizer que o folclore português se fez maior por conta da emigração de um grande
número de portugueses por conta da ditadura é cair em uma armadilha. Outros povos mantêm
suas “tradições” em outros lugares que os acolheram e cada um saiu de sua terra natal por um
motivo. Muitos, comuns.
Após o restabelecimento da democracia, o emigrado não era mais considerado um
excluído. De país que se fechou e passou a se orgulhar de suas características ditas primárias,
o emigrante lançou novamente Portugal ao mundo. Portugal não estava mais limitado a
Europa.
E como fica a identidade portuguesa depois de passar a ser um país que recebe
imigrantes? Tanto os portugueses que voltaram do continente africano após a independência
das colônias lusas e também dos próprios africanos, que buscaram uma vida melhor após a
40
Escritor, jornalista e político português foi responsável pela política de propaganda durante o Estado Novo.
41
SARDO, S. Música popular, p. 439. Disponível em:
http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/1_PI_Cap8.pdf Acesso em: 13/04/2014.
37
42
SCOTT, A. S. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010, p. 174.
43
Repatriamento: ocorrido após os anos 1940, os repatriados eram portugueses que saíam de territórios que
deixaram de ser colônias.
44
AEMO – Associação dos Espoliados de Moçambique e AEANG – Associação dos Espoliados de Angola.
45
SCOTT, A. S. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010, p. 177.
46
Ibidem. p. 178.
38
47
Primeira República em Portugal: período que abrange o fim da monarquia em 05 de outubro de 1910 e o
golpe de 28 de maio de 1926.
39
Portugal, país periférico, ponta da Europa, grande em suas conquistas, territórios além-
mar. O grande e pequeno Portugal. Grande em sua história, em seu heroísmo. Glória e
inferioridade se atacando no avanço de sua história. O passado grandioso ainda presente.
Os portugueses. Estereotipados como sérios, sem humor, às vezes até grosseiros,
religiosos, aferrados ao passado rural, tradicionais. São formais, sim. Essa é a visão do que é o
português para a maioria. O óbvio ao que os brasileiros tanto brincam, para eles é natural.
Mesmo hoje sendo um país que caminha nos moldes da União Europeia,
industrializado. Identidade real bem diferente de seu estereótipo. As mudanças pelas quais
passou em séculos de história não podem ser sintetizadas em meia dúzia de palavras. O que se
pode dizer é que a propaganda salazarista foi muito bem-sucedida, pois ainda vemos Portugal
como ele deveria ser visto nessa época. O que é rechaçado pelos portugueses contemporâneos
ao serem inquiridos sobre esse clichê de identidade.
Mesmo estudando Portugal na escola, não enraizamos o sentido de aventura e coragem
desses notáveis viajantes. Como se entrar em uma nau e seguir ao sabor do vento por meses a
fio para chegar a terras que mal se sabe o que vai encontrar fosse simples. Talvez o
sentimento de tragédia tenha se entranhado nesse momento. O costume de dizer “adeus” ao
invés do “até logo”. Há nisso um jogo: o Portugal que está sempre a buscar outras paragens, e
assim, assimilar outros conceitos e o Portugal enraizado em seus costumes. Nessa junção,
Portugal torna-se vários, mas insiste em ter sua própria identidade.
A portugalidade que os grupos folclóricos querem passar também está enraizada no
que essas pessoas são. Do motivo pelo qual foram parar em países distantes e o que ficou de
sua identidade ao qual preferiram se agarrar. Essa identidade entranhada nos estereótipos que
muitas vezes parte de tradições inventadas e que dá uma sensação de conforto e familiaridade
não pode ser simplesmente excluída.
A religiosidade, o ruralismo arraigado na personalidade do ser português que esses
grupos demonstram ao dar vida às tradições portuguesas, é um pouco da identidade desse
país, da sua história, do que ficou de mais palpável, por enquanto.
Ninguém é estável, refratário a mudanças. E um país de séculos também não o é. O
que fica é por alguma razão. E nesse momento, a identidade portuguesa apresentada por esses
grupos folclóricos ligados a associações portuguesas é o gatilho dessa pesquisa.
Se pensarmos a identidade portuguesa tendo como viés a sua visibilidade, já temos
outro ponto.
40
48
SEABRA, J. A. A identidade cultural portuguesa: Um personalismo universalista. In: Nação e defesa
(Instituto de Defesa Nacional). Lisboa, a. 15, n. 53. Jan./mar. 1990. Disponível em:
http://comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/2704/1/NeD53_JoseAugustoSeabra.pdf. Acesso em: 07/10/2015.
41
2 “ISSO É FOLCLORE!”49
Mas voltando ao fado. Se fado é destino e explicita a alma portuguesa, o que esta
significa? Teófilo Braga, escritor e etnógrafo português, diz que a alma portuguesa é feita de
resistência. Resistência às invasões de celtas e romanos até às napoleônicas. É uma alma
corajosa e tenaz, adaptável e com isso uma forte colonizadora. Sentimental, além de saber
usar seus dotes científicos e intelectuais.50 Fernando Pessoa (1888 – 1935) também tentou
destrinchar a alma portuguesa. Alma forte, atribuição dada pelo Destino. Ser tudo e tentar
açambarcar tudo e o fado demonstra isso.
Mas a palavra que mais define a alma portuguesa é a SAUDADE, uma das palavras
mais difíceis de traduzir por incorporar tantos sentimentos contraditórios, sentidos bons e
pesarosos ao mesmo tempo, sem se anularem. Para os de língua portuguesa é fácil utilizar
esse termo. É o que sentimos quando lembramos algum lugar, algo ou alguém que já não está
mais conosco, de uma situação que passou e em um misto de alegria por ter vivido esse
momento e pesar por não estar mais presente, lembramos com SAUDADE, palavra que
sintetiza todos esses sentimentos.
“Etimologicamente, ela vem do latim solitas ou solitatis (solidão), na forma arcaica de
51
soedade, soidade e suidade e sob influência de “saúde” e “saudar.” Essa palavra remete à
solidão dos portugueses na época dos descobrimentos. Tanto dos que partiram quanto dos que
ficaram.
A guitarra portuguesa é o acompanhamento do fado. E os fadistas são os que cantam a
música portuguesa com sofreguidão e profundamente a sentem. Amália Rodrigues (1920-
1999), ícone português do fado, é sempre a mais lembrada e regravada. Lisboa é a capital do
fado e a Alfama, seu bairro símbolo. Hoje, os fadistas da nova geração, como António
Zambujo e Mariza, são vistos como um respiro e uma inovação, mas também como
“intrusos”, pois para os mais tradicionais, cantar o fado exige vivência, experiência, anos que
espelham o destino que a vida impôs e que aos mais jovens falta. Ao contrário do folclore.
Para cantar e dançar o folclore não há idade. Todos em uníssono em uma manifestação
coletiva de representação de uma festa popular.
Mas há outro fado, o fado que não é exportado como o típico português. O fado de
Coimbra. Coimbra, cidade universitária, seio do fado que também fala de amor e saudade,
mas um fado mais voltado às recordações de juventude, à cidade que os acolheu em seus
estudos e que lhes doou amigos de todas as regiões de Portugal e de outros países.
50
SCOTT, A. S. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010, p. 304.
51
Ibidem. p. 304.
43
[...]
Coimbra pé de uma lição
De sonho e tradição
O lente é uma canção
E a lua a faculdade
O livro é uma mulher
Só passa quem souber
E aprende-se a dizer
Saudade.52
55
Imagem 05 – Alunos de Coimbra
52
“Coimbra é uma lição”, de Raul Ferrão e José Galhardo.
53
Decreto 10.290 de 12/11/1924. “Considerando que o Estatuto Universitário de 6 de Julho de 1918,
determinando no seu artigo 101.º, § único, que não é obrigatório qualquer traje académico para os estudantes,
implìcitamente reconhece o uso facultativo de capa e batina para os alunos de ambos os sexos;
Considerando que se tem sempre reconhecido a capa e batina como traje escolar dos que frequentam as
Universidades, escolas superiores e liceus(...)”. In: http://portoacademico.blogspot.com.br/2010/03/o-decreto-
10290-de-12111924-sobre-capa.html. Acesso em: 08/06/2015.
54
http://www.praxeporto.com/p/traje-academico.html. Acesso em: 11/06/2015.
55
http://www.geocities.ws/portoacademico/imagens/Grupo_1870.html (Extraído de NUNES, A. A Alma Mater
Conimbrigensis na Fotografia Antiga. Coimbra: Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, 1990, fotografia n.
3.) Acesso em: 10/06/2015.
44
56
Imagem 06 – Grupo Fado ao Centro. Foto promocional.
As mulheres também usavam o traje negro. Para elas, a diferença é a saia reta no lugar
da calça.
56
http://www.cultuga.com.br/2014/09/trio-portugues-fado-ao-centro-se-apresenta-no-brasil/. Acesso em:
09/06/2015.
45
A imagem acima é de uma loja de artigos acadêmicos de Coimbra, cujos trajes ainda
são comercializados.
Em Coimbra também se encontra o Penedo da Saudade, onde dizem que Pedro I
chorou a morte de sua amada Isabel. Nesse penedo há várias placas de mármore, as mais
antigas do século XIX, que são deixadas pelos estudantes da Universidade de Coimbra até os
dias de hoje. Elas demonstram a tristeza do partir. A saudade dos bancos da universidade e
dos colegas que não serão mais vistos diariamente e também o reencontro depois de anos, e
mesmo assim, a palavra saudade é a mais grafada.
57
http://www.ffguitarradas.pt/traje-academico-coimbra.html. Acesso em: 10/06/2015.
46
58
Acervo pessoal. Fotografia tirada em agosto de 2009.
59
Acervo pessoal. Fotografia tirada em agosto de 2009.
47
60
Queima das fitas é um evento que ocorre no mês de maio nas comunidades universitárias de Portugal.
Iniciada pela Universidade de Coimbra e hoje realizada em outras localidades. As fitas são representativas das
usadas para fechar as pastas dos estudantes. Eram três. E a queima representa o término do curso.
48
e em quais ocasiões eram cantadas. O fonógrafo também foi utilizado, mas não há material
dessa época. Lembra o trabalho de Mário de Andrade em seu estudo das músicas regionais
brasileiras.61
Música, dança, trajes são somatórios de cultura, identidade e tradição. E esses
conceitos são tão densos que encontram eco na psicologia social, na política, na história, na
antropologia. O folclore português passa a ser o ingrediente para entender uma parte da
cultura portuguesa. Faz parte de sua formação e foi apropriado, como já explicitado
anteriormente, por várias instâncias.
Apropriado pelo governo de Salazar como perfil do português, pelo período pós-
ditadura na configuração do Portugal turístico e pelos emigrantes, como forma de retomar a
identidade portuguesa em terras distantes. Foi também transformado em instrumento de
esquerda revolucionária após a queda da ditadura. E como a identidade, como se forma a
identidade de uma nação, pois que a identidade não é fixa, se altera constantemente, como a
música. E a música folclórica, diferente nas regiões, passa a ser determinante de um país,
como se essas diferenças não existissem. Tornar única uma cultura musical em detrimento de
todas as outras variedades.
Após tantas reviravoltas políticas, a identidade portuguesa estava em pedaços. Da
monarquia à república ao golpe ditatorial, quantas faces mais teria Portugal? O folclore
abarcou essa identidade, sem análise aprofundada. Uma união de várias regionalidades que
englobava todo Portugal e sua identidade. Criar laços entre o norte e o sul por meio da cultura
musical, o folclore. E transformá-lo em uma só realidade.
Fazendo um paralelo com o Brasil, a identidade brasileira também foi instituída no
Governo de Getúlio Vargas, sendo o samba a música que nos representa.62 Entre os anos 20 e
30 do século XX, a música e outras formas de arte foram usadas pelo nacionalismo como
forma de agregar o povo em uníssono, mostrando que tem uma identidade, mesmo que
forjada. A música devia unir o povo em uma similaridade. Identificá-lo como nação, forjar
61
A publicação “Velhas canções e romances populares portugueses”, de autoria de Pedro Fernandes Tomás,
1913, tem a versão integral da Circular do Conselho de Arte Musical com as indicações de coleta. Essa versão
foi redigida por António Arroio, respeitado crítico de arte com o título “Sobre as canções populares portuguesas
e o modo de fazer sua colheita”. Esse trabalho estava em consonância com os estudos da Europa de mesmo
sentido. Os diversos tipos de músicas demonstram a variedade e especificidade das regiões portuguesas.
SARDO, S. Música popular. p. 424. Disponível em:
http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/1_PI_Cap8.pdf Acesso em: 13/04/2014.
62
No Estado Novo brasileiro, o sistema vigente se considerava guardião dos princípios e ideais nacionais e
alguns intelectuais se uniram para decidir qual seria a identidade brasileira. E através do seu sistema de
propaganda decidir o que devia ser considerado símbolo, o que tornar popular e o que devia ser censurado.
49
uma ligação, já que tanto o Brasil como Portugal, guardadas as devidas proporções
continentais, são diferentes em culturas em seu território.
Recai então, nas tradições inventadas.
Por ‘tradição inventada’ entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas
por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou
simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da
repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao
passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um
passado histórico apropriado.63
Os estudos diferenciados por região das músicas folclóricas começam de forma
significativa na década de 1920, restrito aos pesquisadores etnográficos e cientistas. Gonçalo
Sampaio, botânico, desenvolveu uma pesquisa minuciosa sobre a música minhota. Ele se
utilizou de metodologia científica na sua catalogação. As origens da música etnográfica
Portuguesa estavam na Grécia. Além disso, também estudou suas variações.64
Em 1929, num texto que será postumamente publicado no Cancioneiro Minhoto
(1940), Gonçalo Sampaio expõe o que considera ser uma classificação sistemática
do cancioneiro do Minho, dividindo-o em quatro grupos, dos quais exclui os
«…cantos religiosos, assim como diversas toadas cuja classificação se não presta
bem a ser feita por lotes…» (Sampaio, [1940], 1929, XIX). Dispõe então a música
por: 1) Cantos dos velhos romances. 2) Cantos coreográficos, onde inclui as
danças de roda, acompanhadas exclusivamente por vozes cantadas, e outros géneros
que incluem acompanhamento instrumental como os viras e os fandangos, que
considera de «sabor arcaico». Também a esta categoria Sampaio associa outros
géneros coreográficos que acredita terem origem mais moderna (início do século
XIX), como a xula, a vareira, a cana-verde e o malhão. 3) Modas de romaria,
cantadas quase sempre a duas vozes e em rancho 19, durante as romarias ou os
trabalhos agrícolas. 4) Modas de Terno ou de Lote, que define como «belos coros
arcaicos a quatro ou cinco vozes cantados por um grupo de 4 a 6 mulheres, a que por
vezes se junta uma voz masculina ao grave…» ([1940], 1929, xxi). 65
Armando Lessa, etnomusicólogo a serviço do Estado Novo defendia o folclore
português como depositário da portugalidade66. Quanto mais remota a canção, mais pura.
Afastada do cosmopolitismo que conspurcava a identidade portuguesa. O rural era puro, com
uma aura de ingenuidade. Como se todos os povos que formaram o povo português não
tivessem deixados contribuições também em sua formação musical.
Era um crítico do fado, pois além de ser uma música urbana, não expunha Portugal na
sua variedade de ritmos. Além do mais, dava a Portugal a pecha de povo queixoso,
lamuriento.
[…] Nos cantares do povo português, há filamentos de religiosidade, lirismo,
infantilidade, gaiatice, amor, apego natal e expansão. O fado está pois, para
63
HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A Invenção das Tradições. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, p. 9.
64
SARDO, S. Música popular. p. 430. Disponível em:
http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/1_PI_Cap8.pdf. Acesso em: 13/04/2014.
65
Ibidem. p. 429. Percebe-se a escrita da palavra xula com a letra X. A dança tem seu nome escrito hoje como
CHULA.
66
Ibidem. p. 430.
50
Portugal, como Alfama para o nosso continente: um bairro de uma das nossas
cidades. Portugal não se espelha nas tortuosidades de Alfama! (1922, 40).67
Edmundo Correa Lopes, também em seus estudos etnográficos sobre a música popular
não acreditava na pureza da identidade musical de uma região68. A música é mutável. “O
povo tira das antigas melodias, melodias novas”.69 E a música dita tradicional não passa de
um simulacro. São vários retalhos que a formam. De passados mais remotos e com
influências, no caso da música portuguesa, da música ibérica.
A música folclórica portuguesa devia ser sacralizada, pois era a expressão mais pura
do povo português. O passado como resignificante da identidade. Sacralizada, não havia
possibilidade de mudança. Estagnada.
O autodenominado “músico cancioneiro” era um erudito. A questão do erudito ditando
o que é popular e o que deve ser conservado como música do povo e o que deve ser a sua
identidade musical é habitual no estudo da música e de outros elementos identitários.
A musicalidade de um povo, a popular no sentido de ser passada pela oralidade, não
de música comercial, é de análise antropológica e histórica. O termo “música popular” ganha
significados diferentes conforme a época. Pode ter o significado de algo de fácil acepção,
vulgar, por não ser carregada de erudição; música de massa ou ser algo oriundo do povo e que
a ele pertence, por ser obra de uma coletividade, sem hierarquia. Nesse ponto, o meio rural é o
mais “legítimo” berço dessa música, das tradições e da identidade de um povo. O termo
folclore veio para nomear essa música, para depois cair em desuso e ser substituído pelo
termo tradicional. “Na verdade, a música popular – ou o folclore, como também agora é
designada – é, para estes primeiros etnomusicólogos, ao mesmo tempo, a sua música – porque
é portuguesa – e a música do outro – porque pertence ao povo.”70 E as antigas melodias se
transformam no cantar e tocar de gerações e gerações. Na mudança de significados, na
introdução de novos instrumentos, na supressão de um verso, na alteração de um passo de
dança, até o clima e terreno lhes dão características próprias (vide as diferenças marcantes
entre o folclore das ilhas e o do continente). E se transformam em novas. E como saber se as
que as inspiraram passaram por quantas modificações até a versão dita oficial? Não há como
saber. São tantas modificações, tantas influências, que ao identificar a que seria a origem, não
há como não cair em uma descoberta falsa. A influência árabe é vista nos instrumentos
67
SARDO, S. Música popular. p. 431.
Disponível em: http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/1_PI_Cap8.pdf. Acesso
em:13/04/2014.
68
Ibidem. p. 435.
69
Ibidem, p. 436.
70
Ibidem, p. 427.
51
musicais, mas na cultura em si e na letra das canções se perdeu ou “foi perdida”, no sentido de
não ser encarada como portuguesa. A aceitação de que não há uma música ou dança
originária, que se saiba, é aceitar que seu encadeamento com todas as que as formam é sua
realidade.
As chamadas “raízes” de um povo em formação que adquire sua identidade com o
conjunto que abrange outros povos que o influenciou e introduziram valores, significados que
o transformou ou somou formam a denominada identidade coletiva. E entra em jogo a
tradição. O passado/presente que se misturam em um jogo de sombras e luzes. A escolha. O
que foi deixado para que algo considerado mais significativo seja realçado. E quem fez a
escolha, por quê. O que verdadeiramente representa essa escolha.
E a música que é concebida dessa mistura diversificada e que forma a identidade desse
povo torna-se única e é o que a diferencia de outras localidades e a determina como
característica, o que a faz ser reconhecida como local. Cada música tem sua própria narrativa
que é definida pelo local onde surgiu. E assim, um sentimento de pertencimento é formado. E
quando essa música é ouvida pelos portugueses, por exemplo, os que não habitam mais seu
país de origem, fazem uma volta figurada, mesmo que essa música não fosse de seu gosto
quando lá moravam. Um sentimento comum entre imigrantes, que quando ouvem uma música
que é característica de seu país de origem, se sensibilizam e um sentimento de nostalgia
cresce.
A música folclórica portuguesa tem sua narrativa na rotina rural, no trabalho no
campo, nas festas religiosas, nos acontecimentos das aldeias. E em algumas regiões, como
Póvoa de Varzim, a coreografia lembra o local de origem. Por exemplo: é uma região praieira,
então, alguns gestos lembram o movimento das ondas. A roupa também revela a localidade.
Podemos diferenciar facilmente uma roupa de Viana e uma do Alentejo. Pelas cores e outros
detalhes. As roupas de Viana são coloridas. O vermelho vivo e o azul da barra das saias e dos
aventais demonstram vivacidade, assim como suas músicas e também a riqueza de sua região.
As do Alentejo são cores mais frias. O marrom, o cinza, os aventais simples. Como a
simplicidade de sua gente.
A música define um espaço sem fronteiras. É a própria singularidade em relação ao
outro.71
71
SARDO, S. Música popular. p. 415.
Disponível em: http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/1_PI_Cap8.pdf. Acesso em:
13/04/2014.
52
“A música portuguesa é, para os Portugueses, aquela que lhe permite descobrir a sua
história (pessoal e colectiva), que lhe oferece uma tradução social, porque remete para grupos
sociais ou contextos de pertença que conhece, conferindo-lhe assim autoridade suficiente para
a poder desempenhar pelo entendimento autorizado que faz sobre a sua performance.”72
E as manifestações folclóricas foram assim, adotadas por Salazar para exemplificar a
“alma do povo”. O “Portugal português”, sem influências de fora, do estrangeiro que
descaracterizaria o verdadeiro Portugal.73 Os grupos folclóricos eram usados pelo
departamento de propaganda da ditadura para demonstrar os valores da sociedade
portuguesa74. Um país rico em sua alma, a despeito dos problemas financeiros que afundavam
cada vez mais Portugal. Após a queda do regime, o folclore sai de cena. Perde a conotação de
identidade nacional política e passa a fazer parte da identidade ligada ao turismo. O governo
democrático percebeu a força do folclore e não o deixou de lado.
Ainda há grupos folclóricos em Portugal, as confecções de roupas folclóricas ainda
persistem e com boa saída, principalmente para exportação. Mas o folclore não faz parte da
vida do português, como um samba faz parte da vida de um brasileiro. O fado, sim. Essa é a
música que é exportada de Portugal. Tanto que os fadistas tradicionais e os de sucesso mais
recentes lotam casas de show no Brasil. O folclore pode ser tema em vários ramos do
conhecimento, como por exemplo, na antropologia, artes, etc. Mas na vida cotidiana, não faz
mais parte, não nos grandes centros. Em festivais e casas de shows para turistas, nesses casos,
ainda o vemos.
Mas esse autodenominado folclore português é o que seguiu com os seus emigrantes e
se espalhou pelo mundo. É a imagem que passa de Portugal nas casas regionais. E talvez a
imagem que os que o demonstram queiram passar. A idealização de uma cultura, de um país
que é deles apenas em suas recordações e alguns dias em que lá estão, mas como estrangeiros,
no país que nasceram. E são portugueses, nos países que os acolheram.
Aprofundando o assunto da tradição popular portuguesa, tendo como principal tema o
folclore, falemos deste como um sentimento em comum entre os portugueses no Brasil e
outros países de acolhida.
72
SARDO, S. Música popular. p. 415.
Disponível em: http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/1_PI_Cap8.pdf. Acesso em:
13/04/2014
73
SCOTT. A. S. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010, p.169.
74
Ibidem. p.169. FNAT: Federação Nacional para a Alegria no Trabalho, a Junta Central das Casas do Povo, o
Secretariado Nacional para a Alegria no Trabalho, entre outros. Organismos de fomento para a ampliação dos
ranchos folclóricos.
53
A expressão do folclore português no Brasil tem início com a vinda dos imigrantes
portugueses a partir da segunda metade do século XX. Essa corrente migratória foi bem
diferente da migração/colonização dos séculos XV – XIX, tão bem relatada por Freyre ou
mesmo por Câmara Cascudo na alimentação.75
Discorrer sobre migração portuguesa envolve vários fatores. Até a década de 1970, um
dos destinos mais procurados pelos portugueses era o Brasil. Principalmente devido ao
momento político e econômico vivido pela ditadura em Portugal. A facilidade da língua e a
aproximação rápida com os já instalados portugueses e com os brasileiros, fez do Brasil um
destino legítimo. Não que o momento político fosse diferente do português, mas aqui não
havia Salazar, nem a PVDE. 76 Além disso, essa emigração fez os portugueses se abrirem para
o mundo. De certa forma, deixaram a letargia de lado e lançaram-se novamente além-mar,
pois Portugal tem a emigração a sempre pontuar sua história. Foi uma emigração necessária,
para vários países. Uma saída difícil, pois a emigração não era autorizada em sua maioria.
Passaportes falsos foram utilizados e também os “passaportes de coelho”, ou seja, aos saltos,
sem documentação. Muitos foram “devolvidos” a Portugal.
O sonho português nessa época era vinculado ao progresso econômico. Fazer um “pé
de meia” e retornar. Muitos, cá ficaram, e na assimilação e, concomitantemente, preservação
de sua identidade, tornaram-se ou invisíveis ou mantenedores de suas tradições, mesmo que
essa “tradição” não fosse seguida em sua terra natal.
De início, homens solteiros, depois famílias, cartas de chamadas e uma geração de
luso-descendentes se fixava no Brasil. Das regiões portuguesas, a região Norte teve a saída de
77
mais emigrantes. Nesse caso, pode-se afirmar que a presença maciça de imigrantes do
Norte de Portugal no Brasil faça com que o folclore dessa região seja mais visível do que o de
outras regiões. Não esquecendo a presença maciça de Açorianos na região sul do Brasil. A
manifestação folclórica dessa região é peculiar.
As associações de imigrantes são, para todos que são de “fora”, um meio de encontrar
seus compatriotas, manter as tradições, manter os laços com a terra-mãe. Um conforto
75
FREIRE, G. Casa grande e senzala. 49. ed. São Paulo: Global, 2014.
CASCUDO, L. da C. História da alimentação no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1983.
76
No período que abrange de 1960 a 1970, 20% da população portuguesa emigrou. Na época, Portugal tinha em
torno de 8 milhões de habitantes. SCOTT, A. S. Os portugueses. São Paulo: Contexto, 2010, p. 148.
77
Cerca de 80% dos emigrantes saíram da região Norte de Portugal. A migração para Lisboa e Porto, cidades
litorâneas, pode ter servido para a posterior emigração. Entre 1880 e 1970, mais de 3 milhões de portugueses
deixaram suas terras e emigraram. Ibidem, p. 150 e 151.
54
78
Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência de São Paulo. As Beneficências Portuguesas são
organizações fundadas para amparo de cidadãos portugueses. Em geral, hospitais e casas de saúde fundados por
portugueses nos países de acolhida.
79
Na mudança de século, do XX para o XXI, 1.200.000 pessoas, entre portugueses e luso-descendente viviam
nos Estados Unidos. SCOTT. A. S. Os portugueses, São Paulo: Contexto, 2010, p. 156.
80
Ibidem. p. 160. CUNHA, M. C. da. A identidade como memória. In: Dinâmicas multiculturais - novas faces
e outros olhares. Lisboa: ICS - Estudos e investigações, n.5, 1994, p. 37 - 40.
55
81
Conceito já citado anteriormente, mas que nesse capitulo merece uma explicação mais detalhada.
Portugalidade: é a qualidade específica do que é considerado português. Próprio da cultura portuguesa. Pode
também ser considerado um sentimento de amor intenso por Portugal ou o que o identifique como nação e
costumes.
56
82
O termo raça portuguesa está exposto expressamente na página do Consulado Geral de Portugal em São Paulo.
http://consuladoportugalsp.org.br/comemoracao-do-dia-de-portugal2/. Acesso em: 27/05/2015.
57
laços de amizade e, por que não, de negócios. São laços a princípio regionais, mas os
encontros nas festas acabam formando laços em comum com Portugal.
Essas associações são comuns em outras nacionalidades. As pessoas que precisaram se
ausentar de sua terra pelos mais variados motivos acabam encontrando um modo de se unir
aos seus conterrâneos, até para encontrarem no outro uma similitude, um espelho, um igual,
alguém que passa pelos mesmos acontecimentos. A saída de sua terra-mãe, a chegada em uma
terra estranha, a associação de novos costumes, novos significados para palavras, como as
gírias, novos jeitos de se comunicar. E o acolhimento em uma casa que é um pedaço de sua
terra, mesmo que não seja a sua região, mas é a nacionalidade que os une. A música que de
regional passa a ser referência nacional, a comida, a dança, as roupas e o sotaque. Um
momento de segurança onde o imigrante encontra-se entre os seus.
A nacionalidade portuguesa é reconhecida aos filhos e netos de portugueses. Isso
facilita o reconhecimento e aumenta a sensação de “portugalidade”.
E como o folclore entra na exposição dessa “portugalidade”? O Portugal rural é o
evocado pelos ranchos folclóricos. O camponês que dança e canta músicas que remontam à
virada do século XIX para o XX. Que remonta a um Portugal idealizado, idílico e
principalmente, apolítico. Correndo o risco de ser redundante, mas necessário, essa última
característica foi importante fixar durante a ditadura Salazarista, demonstrando a docilidade e
preocupações do povo português com sua vida íntima, familiar, no máximo de sua aldeia, sem
colidir com ideias subversivas, ou seja, fora do esquadro da política dominante. O folclore era
a demonstração da “alma portuguesa”83. E os grupos eram patrocinados pelo governo, como
forma de propagar o nacionalismo imposto pelo regime vigente. Além do folclore, a
religiosidade e o futebol formavam o trio exaltação da alma portuguesa.
Após a Revolução que desmontou o regime ditatorial, o folclore saiu de cena. Se
perguntado a algum português das zonas urbanas, sobretudo da capital, sobre o folclore na
vida cotidiana, ele vai falar que isso é algo restrito a aldeias mais interioranas e festivais para
turistas. Chega a ser inusitado para um pesquisador do folclore português o olhar que lhe é
lançado quando se questiona o papel do folclore no cotidiano português. Sente-se que é uma
pergunta inapropriada ou sem sentido. E não com uma ou outra pessoa, com um número
razoável e em regiões diferentes. Mas no Brasil ou em outro país em que o número de
portugueses é grande e há várias associações que os reúne, o folclore é o que fala mais alto.
83
SCOTT, A. S. Os portugueses, São Paulo: Contexto, 2010, p. 169.
58
Primeiro, o folclore foi encampado pelo regime ditatorial português como legitimador
de uma portugalidade modelo. Depois, também foi adotado pelo novo governo e pelas
empresas turísticas como parte da identidade portuguesa. E para os emigrantes era a forma de
lembrar-se da terra, o pertencimento de uma tradição, do “ser português”. Mesmo que eles
nunca tenham dançado nem cantado essas músicas em um momento de trabalho, descanso ou
participado de alguma festa na Igreja local ou de uma Vindima ou Desfolhada84.
Há vídeos gravados como documentários demonstrando essa tradição. Gravado nos
dias atuais mostram pessoas em trajes considerados típicos rurais colhendo a uva e o milho,
cantando canções tradicionais para esse ofício. São vendidos em lojas para turistas. Em
conversa informal com dona Soledade da Cunha Lima85, ela contou que um de seus parentes
recebeu o convite para que em sua propriedade rural pudesse ser gravado um desses
documentários. A família, amigos e outros conhecidos se reuniram em trajes correspondentes
ao imaginário folclórico e se puseram a cantar enquanto colhiam. Após o trabalho, uma festa
os aguardava, com direito a comida e vinho e o grupo a cantar, tocar e dançar músicas que
faziam alusão ao cotidiano rural.
Um termo utilizado pelos participantes das associações e grupos folclóricos é
“colônia”. Esse termo evoca Portugal como conquistador, povoador e explorador. Após a
redemocratização, o termo “comunidade portuguesa” foi adotado para nomear esse grupo de
pessoas.
O português com seu histórico de colonizador, conquistador, viu-se com a emigração
em meados do século XX, como um exilado. E as associações portuguesas, muitas com base
na representação do folclore português, deram a eles apoio e uma volta a Portugal.
São várias associações e grupos folclóricos pelo Brasil. E os ranchos são os que mais
atraem participantes. Principalmente porque neles atuam várias gerações de portugueses e
luso-descendentes.
84
Vindima: a vindima é o processo de colheita da uva e do preparo do vinho. Inicia-se ao fim do verão no
hemisfério norte e vai até outubro. É um momento de convívio entre os que participam e época de festa. Ainda
faz parte do cotidiano português, mas não com o significado anterior. Um acontecimento que reunia uma região
inteira para a ajuda mútua. Os ranchos folclóricos acompanhavam a movimentação e seguiam os que
participavam em comitiva. Seguiam para a pisa das uvas. Hoje é um ritual de reunião familiar, mas as uvas
seguem para as adegas para a fermentação. Ainda há festivais no interior de Portugal que são televisionados e
com a participação de turistas.
Desfolhada: a colheita do milho, principalmente na região norte de Portugal, onde esse alimento das Américas
conseguiu uma boa acolhida era realizada entre setembro e outubro. Após a colheita, o dono do local servia
comida aos trabalhadores e nesse descanso havia o momento das músicas e danças, onde a concertina tocava e
dava a deixa para o começo do baile improvisado. Hoje, assim como as vindimas, são festas recriadas nos
festivais de verão em associações culturais.
85
Senhora Soledade da Cunha Lima. Em São Paulo, 07 de novembro de 2014. Entrevista concedida a Talita
Carneiro de Matos.
59
86
SILVA, E. C. S. Visões da diáspora portuguesa: dinâmicas identitárias e dilemas políticos entre
portugueses e luso-descendentes de São Paulo. 2003. p. 169. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)
– Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.
87
Ibidem.p. 144.
60
nesse papel, mesmo sem a nacionalidade ou ancestralidade portuguesa, mas que tenham
interesse em divulgá-la. E os jovens são presenças marcantes. Principalmente pela família.
Nesse caso, os descendentes de portugueses, muitas vezes procuram os grupos folclóricos por
conta própria e fazem um contraponto. São jovens e buscam o antigo. Algo que os faça
pertencer a essa história.
As associações que mantém os grupos folclóricos podem ser específicas de uma região
ou abarcar todas. E as diferentes casas, com diferentes origens, não provocam uma divisão em
quem as frequenta, pelo contrário, as une. Une os frequentadores em torno de um interesse em
comum, o ser português e manifestar o que os faz portugueses. Todas as casas regionais são
um pedaço de Portugal. Não há rivalidade egoísta, uma inveja entre as casas. Em relação aos
ranchos folclóricos, já não se pode dizer o mesmo. Há troca de grupos por rivalidades
internas, por exemplo. Mas, não importa se em um final de semana alguém esteve em um
almoço na Casa dos Açores e os mesmos frequentadores apareceram em uma festa na Adega
da Lusa88. Os frequentadores são costumeiros.
Muitos grupos folclóricos se especializaram nas tradições da região do Minho,
principalmente nos trajes de Viana do Castelo. Talvez porque muitos portugueses vieram da
região norte de Portugal. A divisão das poucas terras e o grande fluxo de pessoas ajudaram
nesse fator. E quando chegavam ao Brasil, uma rede de segurança se formava. Outros vieram
no rastro dos que aqui se fixaram. Os Açorianos chegaram e ao se fixar atraíram mais
açorianos. Os Minhotos também assim o fizeram. Chamaram por cartas seus irmãos, esposas,
genros, cunhados e assim formaram uma rede de proteção e solidariedade. De repente, os
vizinhos de lá eram vizinhos aqui. Um mini-cosmos de sua aldeia.
Essas associações são locais de convivência idealizados. Remetem a um passado
concebido como rural e harmonioso, um Portugal rural que muitos dos que fundaram essas
associações nem vivenciaram. Tentam manter a “memória” de um passado quimérico. É o
forjar de uma memória coletiva89, do que se viveu ou de uma lembrança construída,
reconstruída por um grupo que pode ser manipulado ou manipular, esquecer e lembrar
pedaços que não interfeririam no que “deve” ser lembrado.
E a memória, no caso? Também se situa de forma análoga, pois constrói laços de
pertencimento e amarramento dos indivíduos ao seu passado. A memória, no caso,
patrimonializa as lembranças, levando os grupos à coesão social e a uma
comunidade simbólica de sentido partilhada. Cria identidades, enfim, atividades de
88
Adega da Lusa: festa portuguesa realizada na Associação Portuguesa de Desportos nos primeiros sábados de
cada mês, com a apresentação do Grupo Folclórico da casa e, normalmente, um grupo convidado. É uma festa
noturna realizada no salão nobre do Clube. Há comida típica, como alheiras, caldo verde, tremoços, vinho verde
e os doces da cozinha lusa. Há um baile animado pela tocata da casa e depois as apresentações.
89
HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo Centauro, 2003, p. 81.
61
90
PESAVENTO, S. J. Palavras para crer – imaginários de sentido que falam do passado. Nuevo Mundo-
Mundos Nuevos. v. 6, p. 6, 2006.
91
HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003, p. 248.
92
WILLIANS, R. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 125.
93
http://www.cclb.org.br. Acesso em: 11/05/2015. Em parênteses, o ano de fundação de alguns grupos.
62
Alguns grupos, como visto pelo próprio nome, são específicos de determinada região
de Portugal, como por exemplo, o Grupo Folclórico da Casa dos Açores e o Grupo Folclórico
da Casa da Ilha da Madeira. Esses, principalmente, são facilmente reconhecíveis pela
sonoridade e trajes característicos.
Os outros grupos têm, na sua maioria, como base, para a música e roupas, a região
norte de Portugal. Em relação a essa escolha, os imigrantes que chegaram a São Paulo e que
formaram esses grupos procedem da região norte de Portugal ou encontraram em seus ritmos,
uma identidade geral, então, não estão afastados de suas tradições.
Cada grupo tem sua agenda de apresentações. Normalmente aos finais de semana.
Costuma-se dizer que toda semana há uma festa portuguesa na cidade de São Paulo. Um
almoço ou um jantar.
O Grupo Folclórico da Casa de Portugal é um dos diferenciados no que tange às
apresentações. Ele não conta com um calendário fixo mensal. Há a festa de aniversário do
grupo e sua festa mais famosa é a Festa da Vindima. Essa festa tenta recriar a colheita da uva
com a participação do Grupo Folclórico da Casa de Portugal podendo ser semestral ou anual.
Outros eventos são os Almoços de Quinta (semanais), apresentação de fadistas, a festa de
aniversário da Casa de Portugal, a comemoração ao dia de Portugal e comunidades, em 10 de
junho. Há lançamentos de livros, exposições e a Casa ainda aluga seu espaço para outros
63
eventos culturais. Esse grupo se apresenta em vários eventos pelo interior de São Paulo e
também em outros estados. E ainda é um dos mais procurados para representar o folclore
português no Brasil em festividades no exterior. A Casa de Portugal, em um de seus anúncios
da Revista Naus's, endereçada à comunidade portuguesa, publica: "Casa de Portugal: aberta a
todas as raças. Se é português ou descendente e ainda não é sócio, deixe de ser omisso, honre
suas raízes...”94
O Grupo Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos Poveiros de São Paulo,
objeto principal de minha análise, tem sua sede na Vila Maria, zona norte de São Paulo e suas
festas acontecem no terceiro domingo do mês, sempre um almoço com prato principal típico
português. O prato mais comum e também muito apreciado é o Bacalhau a Raízes95.
Cada casa tem sua particularidade. Há almoços pagos, incluso um prato principal,
como bacalhau, sardinha, rojões96. Essas receitas são “de família”, transmitidas pela tradição,
pelo olhar, fazer e passadas oralmente aos descendentes, principalmente pelas
mulheres/cozinheiras, diga-se de passagem. E também a baixa escolaridade e até o
analfabetismo não permitia que essas receitas chegassem ao presente na forma escrita. O
bacalhau é o prato português mais lembrado. Em Portugal era um peixe relativamente barato e
a conservação dele seco facilitava sua durabilidade. Por isso, todas as camadas da população
faziam uso desse alimento. Outros peixes e iguarias do mar também eram comuns, já que a
carne era escassa.
Há os aperitivos: bolinhos de bacalhau, tremoços, alheira, farinheira97. Os convidados
servem-se a vontade pelo preço pago e as bebidas são a parte. Ou então, pagam o que
consomem. Não esquecendo o caldo verde. Os doces típicos portugueses sempre têm vez. São
vendidos nas festas, assim como objetos típicos. Os doces típicos portugueses são a base de
ovos e muito açúcar, além de amêndoas. São os pasteis de Santa Clara, pasteis de Belém,
travesseiros de Sintra, pasteis de São Bento, queijadinhas, papos de anjo que adoçam os
convidados. Muitos são industrializados. Mas há como apreciar o arroz doce caseiro e as
94
Revista Naus’s. In: SILVA, E. C. da. Visões da diáspora portuguesa: dinâmicas identitárias e dilemas
políticos entre portugueses e luso-descendentes de São Paulo. 2003. 76 p. Dissertação (Mestrado) –
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, São Paulo.
95
Bacalhau a Raízes: postas de bacalhau cozido e depois selados em frigideira. Batatas assadas e couve.
Regados ao azeite português.
96
Rojões: prato de carne cozida de porco da região do Minho. São servidos com batatas cozidas e arroz.
97
Alheira: a alheira é um enchido da culinária portuguesa que contém carne de aves, pão, azeite e banha. Está
associado à presença de judeus na região lusitana entre os séculos XV e XVI, o que não é comprovado que seja
uma invenção desse povo. As histórias as associam ao não consumo de carne de porco pelos judeus, o que os fez
substituir por carnes de outras espécies e fugir a perseguição da Inquisição.
Farinheira: a farinheira também é um enchido que não leva carne de porco, e sim, farinha para dar a liga. É
utilizada também massa de pimentão e vinho. Também está ligada a presença de judeus em Portugal.
Hoje, esses enchidos já contam com a carne de porco em seus ingredientes.
64
98
Símbolo de Portugal é associado a uma lenda em que um peregrino foi condenado por um crime na cidade de
Barcelos e ao se encontrar com o juiz que o condenou disse que era inocente e que no momento de seu
enforcamento o galo que serviria de refeição ao juiz iria levantar e cantar. E assim aconteceu. O juiz salvou o
condenado e anos depois, o peregrino voltou à região e esculpiu o Cruzeiro do Senhor do Galo que se encontra
hoje no Museu Arqueológico de Barcelos. Há outras versões da história, principalmente em relação à mudança
de personagens. Em algumas versões, por exemplo, o juiz é trocado pelo prefeito da cidade ou até pelo rei.
99
MATOS, M. I. S de. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano – São Paulo séculos XIX e XX.
Bauru, SP: Edusc, 2013, p. 52.
65
que remetem a Portugal. Toalhas, louças, objetos de decoração, como o Galo de Barcelos,
pratos decorativos e imagens religiosas como as de Nossa Senhora de Fátima.
Em São Paulo há grande concentração de grupos que cantam e dançam as músicas
folclóricas da região Norte de Portugal, principalmente, Viana do Castelo, como já comentado
anteriormente. São os oriundos da região norte que carregaram consigo o folclore dessa
região. Mas também há grupos de outras regiões e bem representados em São Paulo, dos
Açores e Madeira.
Tanto os açorianos quanto os madeirenses têm suas próprias associações. Os
Açorianos concentram-se na Zona Leste – Vila Carrão e os Madeirenses na Zona Norte – Vila
Amália (região do Tremembé).
A presença de pesquisas sobre os Açores é maior do que sobre a Ilha da Madeira.
Principalmente quando o estudo é sobre a festa do Divino Espírito Santo. Nesse ponto, é uma
festa religiosa o ápice da comemoração da identidade açoriana, diferente de outras
associações.
Os Açorianos emigraram por várias razões na época do pós Segunda Guerra Mundial.
Por conta do Salazarismo, como muitos outros de várias regiões de Portugal, pelos terremotos
que assolavam seu território, crises econômicas e quebra da economia agrária. A Zona Leste,
especificamente o bairro de Vila Carrão recebeu um contingente maior de Açorianos porque
era em uma fábrica, o Cotonifício Guilherme Giorgi onde comumente achavam trabalho103.
Era o expediente de chamar “os seus”. Arranjava-se trabalho e depois vinham a família, os
vizinhos, os amigos.
E como outros imigrantes, também se ocuparam de ter sua própria associação cultural
na cidade de São Paulo que foi criada em 1980, formando vínculos com suas origens e se
identificando como açorianos. “As festas e comemorações religiosas constituem-se em
legados culturais, elementos de memória, tradição e patrimônio dos imigrantes, em especial a
festa do Divino Espírito Santo, que é celebrada pela comunidade açoriana, todos os anos.”104
Os portugueses saíram de sua região e enfrentaram um desenraizamento e esses grupos
e associações promovem um replantar de raízes. Da mesma forma quando em suas casas há o
bacalhau em datas festivas, a participação nesses grupos retoma um pouco do que era sua
vida, no sentido culinário, religioso e comunal. O folclore em si, muitas vezes apenas
103
MATOS, M. I. S de. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano – São Paulo séculos XIX e
XX. Bauru, SP: Edusc, 2013, p. 137.
104
Ibidem, p. 139.
67
vivenciado no país de acolhimento, também retoma sua identidade. Essas associações são
fontes do ouvir, do bailado e de quem se arrisca a tocar a concertina.
O interessante é perceber que o folclore muitas vezes não foi vivenciado pelos
participantes desses grupos, mesmo em relação aos mais velhos. É um gatilho de memória. De
músicas ouvidas na infância, em alguma festa na aldeia, de algum disco trazido pelos avós ou
da própria cantoria que surge de uma memória de alguma festa ou reunião em família105. Em
uma das conversas prévias para essa dissertação, uma das componentes desses grupos
folclóricos diz que “é só ouvir o som da concertina que o pezinho começa a bater e a música
toma conta.”
O mesmo jeito de Portugal. De Portugal. Não tinha nada coreografado, uma bagunça
só. Era muito divertido. Porque a gente é muito alegre. O português em si, vamos
dizer assim, se você escutar uma concertina parece que o corpo já começa, sabe, a...
sente como talvez agora quem é brasileiro é só escutar um samba, já começa o
pezinho também. (bate o pé no chão ritmadamente) Acho que é a mesma coisa. Cada
país tem, vamos dizer assim, o seu toque de, que chama às tradições. No nosso é a
concertina.106
E mais interessante ainda é a reação dos imigrantes atuais. Ao conversar com alguns
portugueses em recente vinda ao Brasil com o intuito de ficarem, eles não encaram o folclore
com essa simpatia. Dizem que é um resquício da ditadura. E os que estão de passagem
também não entendem esse sentimento de nostalgia por um passado não vivido. Talvez o
momento seja outro, não há a dúvida do voltar. Não há distâncias tão grandes em um mundo
com mensagens instantâneas e vídeos – chats. Não há tempo de sentir saudade.
Os portugueses e seus descendentes têm mídias exclusivas no Brasil. Desde a época da
ditadura em Portugal até os dias de hoje, guardadas as devidas proporções e motivações,
jornais, revistas e programas radiofônicos estão presentes.
Há programas de rádio sobre música portuguesa. Em São Paulo, a Rádio Imprensa,
FM 102.5, aos domingos, das 13h às 14h apresenta um programa sobre variedades, entrevistas
e músicas portuguesas chamado “Navegar é Preciso” que já conta com dez anos no ar. E a
Rádio 9 de Julho, AM 1600kHz, também aos domingos, mas na parte da manhã, das 8h às
9:30h apresenta o programa “Cantares de Além-mar” com Jefferson Silveira, onde segundo a
programação “traz o Portugal para o Brasil” com notícias sobre esportes, lazer, música e
cultura portuguesa. O programa da Rádio Imprensa, em alguns domingos, está presente em
alguma casa portuguesa transmitindo uma festa.
105
Senhora Soledade da Cunha Lima. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São Paulo, 07 de
novembro de 2014.
106
Idem.
68
107
http://www.diasporalusa.pt/empresas/jornal-mundo-lusiada/. Acesso em: 11/06/2015.
108
http://clubedochoro.org.br/blog/2014/01/02/materia-no-jornal-mundo-lusiada/. Acesso em: 19/04/2014.
69
O jornal “Portugal em Foco” é editado no Rio de Janeiro e carrega nas cores nacionais
portuguesas em suas chamadas. Os dois dão destaque aos festivais e apresentações de grupos
folclóricos pelo Brasil. Mas o “Mundo Lusíada” é mais focado em notícias econômicas e
políticas e o “Portugal em Foco” segue uma linha mais voltada ao cultural, com farto volume
de fotos das festas portuguesas e espaço específico para todos os seus anunciantes e
patrocinadores.
Diferentes do Jornal “Portugal Democrático” (1956 – 1975) que foi um importante
marco na luta contra o Salazarismo. Os imigrantes que chegavam ao Brasil em meados de
1950 eram em parte contra o governo de Salazar e sofriam perseguições por suas posições
políticas. Muitos vinham pelas consequências do regime na economia, mas não tinham
pretensões de intrometer-se na política vigente. Em São Paulo, o Centro Republicano
Português foi reaberto e converteu-se em ponto central da oposição ao governo de Salazar dos
exilados.
“A partir daí um jornal converte-se na expressão dos portugueses anti-salazaristas em
São Paulo e no Brasil – Portugal Democrático. Muitos intelectuais colaboravam com o
periódico. Dentre eles se destacaram Victor Ramos, Miguel Urbano Rodrigues, João Alves
das Neves e Vitor da Cunha Rego, Jorge Fidelis e Nuno Fidelino, escritores como Tomaz
109
Acervo pessoal/ 2014.
70
Ribeiro Colaço, Maria Archer e professores como Joaquim Barradas de Carvalho e Ruy Luis
Gomes, Maria Beatriz Nizza da Silva e membros do Partido Comunista Português (PCP),
como Augusto Aragão e Álvaro Veiga.” 110
No Rio de Janeiro havia o jornal Portugal Livre, de tiragem mensal, editado pelo
General Delgado, exilado no Brasil e criador do “Movimento Nacional Independente”,
representante da oposição portuguesa.
Com o fim do regime muitos dos colaboradores voltaram a Portugal e em um
movimento inverso, agentes da PIDE tiveram resguardo no Brasil.111 Em 1977, após inúmeras
ameaças, o jornal deixou de circular. Alguns de seus colaboradores fundaram o Centro
Cultural 25 de Abril em 1982. De polarização mais política que cultural era quase um oposto
a Casa de Portugal.
A questão dicotômica entre simpatizantes do salazarismo e opositores também
resvalou na criação das casas regionais, principalmente a Casa de Portugal. Localizada no
centro da cidade de São Paulo no bairro da Liberdade, Avenida da Liberdade, nº 602. A Casa
de Portugal foi criada em 1935 para abarcar as casas regionais em um projeto de apoio a
atividades educacionais, culturais e de assistência. As Casas de Portugal eram em princípio
criadas em outros países com a intenção de serem propagandistas do regime salazarista. A de
São Paulo teve um começo diferente. O projeto atual é de Ricardo Severo que se exilou no
Brasil por se envolver em conflitos contra a monarquia portuguesa. O novo edifício foi
inaugurado em 1956, ainda por ocasião das comemorações do 4º Centenário. Em São Paulo,
em 1908, é criado o Centro Republicano Português. Até 1940, a Casa de Portugal manteve
seu caráter meramente associativista. Em 1941, a presidência passa para as mãos de um
conhecido apoiador do regime salazarista, Pedro Monteiro Pereira Queiroz. Hoje suas
lideranças são diversas. No mesmo local já funcionou o Consulado Português, hoje situado no
bairro Jardim América. No momento funcionam no mesmo endereço da Casa de Portugal o
Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo, a Câmara Portuguesa de
Comércio e a Provedoria da Comunidade Portuguesa. Juntos, evidenciam a presença
portuguesa no Brasil e estreitam laços históricos, culturais, comerciais e econômicos
existentes entre Brasil e Portugal.112
Essas modificações de sentidos, do folclore, das Casas de Portugal, como estudo da
história cultural, têm como intuito identificar como a realidade é construída em diferentes
110
MATOS, M. I. S de. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano – São Paulo séculos XIX e
XX. Bauru, SP: Edusc, 2013, p. 183.
111
Ibidem. p.183.
112
http://www.casadeportugalsp.com.br/institucional/. Acesso em: 30/06/2015.
71
momentos e lugares113. De um Portugal rural para um Portugal que se quer idealizado como
rural, pois essa afirmação serve à identidade pretendida por uma ditadura, um Portugal em
cada associação fora de Portugal que pode construir um sentido para o folclore, que é uma
proximidade com o país de origem. Mesmo que esse folclore só tenha sido sentido e vivido
fora de Portugal.
São Paulo, como maior cidade da América latina, lugar de fixação de tantos
portugueses, tem como contar um pedaço da história desses grupos que foram formados por
esses imigrantes que aqui buscaram um pouso de segurança por um lugar que não mais os
acolhiam. E que aqui buscaram reviver sua terra, seus costumes, suas tradições, mesmo que só
vividas pela primeira vez longe de suas raízes, pois o que os liga ao seu passado são essas
músicas e danças que remetem a um ideal de lembrança construída e reconstruída pela
coletividade.
Ranchos, grupos folclóricos, ranchos etnográficos... os que são parte dessa
manifestação cultural fazem questão de dizer que estão “no meio do folclore”. Para eles não
há aspas que mude o significado do que vivem, demonstram, recriam e transmitem. É até com
certa condescendência que ouvem a expressão “manifestação cultural” quando são inquiridos
sobre o ambiente em que convivem. Isso fica para a academia. E mesmo que não seja como
Portugal queira ser representado na contemporaneidade, para essas pessoas, a alegria do
convívio e da identidade é cantada e dançada, e para eles, “isso é folclore!”
113
CHARTIER, R. A história cultural; entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990, p. 16.
72
3 RAÍZES
Muitas famílias fazem parte desses grupos. Quem acompanha as apresentações ou faz
parte desse ambiente percebe suas presenças. Várias gerações seguem seu caminho no
folclore e muitas famílias são geradas também. Quando a família é presente, a continuidade é
mais longeva. Muitos dos componentes gostariam que seus filhos crescessem nesse meio.
Sentem que os grupos são uma rede de segurança. O tempo de convívio, entre ensaios,
apresentações e viagens é desgastante e ao mesmo tempo prazeroso. Isso captado em anos de
convívio e explicitado pelos próprios participantes. Mas chega um momento em que há a
necessidade de optar em continuar ou seguir outro caminho. Muitos voltam, com seus filhos.
Os ensaios são geralmente aos finais de semana. Para os jovens, em especial, pode ser
tanto uma opção de convívio como também um momento de restrição. Os ensaios demandam
tempo e disciplina. Para os pais e responsáveis por esses jovens, mesmo que não os
acompanhem nos ensaios, saber que os filhos estão em um ambiente “saudável”, em uma
atividade que os deixa longe de companhias que podem gerar problemas causa certo alívio.
Estão em um ambiente familiar, onde todos zelam pela integridade e em convivência
harmoniosa, principalmente em relação aos menores de idade. Os próprios componentes
sentem isso depois de adultos e corroboram que o ambiente os moldou de uma forma que hoje
entendem como saudável.
As renovações dos integrantes são frequentes. Ao conversar com integrantes e ex-
integrantes, o que chama mais a atenção é a importância do tempo. A dedicação aos grupos
toma tempo. Quando se entra criança, a rotina é instituída e as amizades podem segurar os
adolescentes com o correr dos anos. Namoros são iniciados e até casamentos. Muitos saem na
época da faculdade, de uma pós-graduação ou até com a rotina de casamento e filhos. Outros
voltam. Se os filhos gostarem, a volta é garantida.
As divergências entre componentes e o tempo reservado aos ensaios e apresentações
são os principais motivos de saídas ou troca de grupos. As divergências acontecem
naturalmente pelo desgaste nas relações de muitos anos e por motivos de estudo e formação
de família, por exemplo.
O Grupo Folclórico Raízes de Portugal foi formado em 1998 por Alexandre da Cunha
Lima, conhecido como Xuxão, sua irmã, Cristiane e seu, na época, marido, André Luiz
Guedes Santos. No esteio da fundação estavam os pais de Alexandre e Cristiane, Soledade da
Cunha Lima e seu marido, Manuel Malheiro de Torres Lima, presidente do grupo.
Dona Soledade, como é chamada ou dona Sol e seu marido Manuel são da região do
Minho. Vizinhos em Portugal tornaram a se encontrar no Brasil, e aqui casaram. Dona
Soledade chegou com a família ao Brasil em 18 de maio de 1960. Veio com a mãe e dois
74
irmãos. O pai já estava em São Paulo há um ano e meio. Questionada da motivação do pai e
consequentemente, da família sair de Portugal, a resposta foi que “era a época de Salazar”,
sem maiores detalhes. “[...] todos viemos, em busca de um futuro melhor”.114
Um dos componentes atuais do grupo, Rodrigo Silva Moura, tem uma história familiar
que não é explícita, mas está possivelmente relacionada com Salazar, quase um tabu em
família. “[...] A única coisa que a gente sabe certo é que minha avó chegou com meu pai e
com minha tia em um avião militar. Ninguém sabe por que e minha avó não fala.[...]115”. A
família chegou por volta de 1970. É mais uma história de vizinhos que se encontraram no
Brasil. As duas avós eram amigas em Portugal e se reencontraram aqui, novamente vizinhas.
Mais uma história porque, com a rede de acolhimento, várias comunidades praticamente se
reorganizaram no Brasil e em outras localidades.
Sua entrada no Raízes foi para resgatar um passado. Sem trocadilhos, ele buscava suas
raízes. Seu pai era da região de Póvoa de São Miguel, no Alentejo. Em uma busca na internet
para descobrir alguma casa portuguesa que tivesse relação, a Associação dos Poveiros
apareceu como busca correlata e ele decidiu conhecer. Mesmo sabendo que geograficamente
são regiões distantes gostou do ambiente, da música, do convívio, do trabalho em grupo e
decidiu participar. Atualmente, os estudos aos finais de semana “brigam” com os dias
dedicados aos ensaios e apresentações. Depois de mais de dez anos, ele sente que sua
participação pode estar chegando ao fim. Mas como os outros componentes considera um
ótimo lugar para conviver com uma futura família.
Da família de Dona Soledade, o primeiro da família a vir para o Brasil foi o avô. Veio
sem pensar em voltar. Sua filha, mãe de dona Soledade praticamente só conheceu o pai em
São Paulo. Ele enviou a carta de chamada116 para o genro e depois de um ano e meio, a
família se reuniu. Questionada se sentiu alguma mágoa de seu avô por ter vindo e não ter
intenção de voltar, ela brinca: “[...]ele teve até um carinho de chamar, né? Chamou meu pai,
depois meu pai chamou minha mãe e a gente. Mas foi assim, que a gente chegou aqui ao
Brasil.”117
114
Senhora Soledade da Cunha Lima. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São Paulo, 07 de
novembro de 2014
115
Rodrigo Silva Moura. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São Paulo, 29 de novembro de 2015.
116
Documento que declarava uma garantia de auxílio ao imigrante que pretendesse se juntar à sua família já
instalada no Brasil. http://museudaimigracao.org.br/acervodigital/cartas.php. Acesso em: 12/06/2015.
117
Senhora Soledade da Cunha Lima. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São Paulo, 07 de
novembro de 2014.
75
Seu pai trabalhou de zelador durante um período e depois arrendou uma pensão para
administrar com sua esposa. Viveram alguns anos na região central de São Paulo e lá
reencontrou o vizinho e futuro marido.
Frequentadores da Associação Portuguesa de Desportos, não participavam do universo
do folclore português em São Paulo, mas ao interesse dos filhos, também adentraram a esse
convívio. A “Portuguesa”, como o clube é conhecido, foi um dos grandes responsáveis por
unir os portugueses e descendentes em torno de uma cultura que era deles, mas não
exteriorizada, como os grupos de danças folclóricas.
Questionada se vivenciou o folclore português, dona Soledade relata como era na
época de sua mãe:
[...] Olha, no tempo, a minha mãe, a juventude da minha mãe e do meu pai, sempre
ela falava pra gente, a gente acompanhava. Porque elas iam pra lavoura e a minha
mãe sempre falou que quando elas eram jovens, elas às vezes tinham... lá, o jovem
não tinha muita diversão. Era ou música ou pra ir pra igreja. Então, às vezes ela
falava que a turma de Barros, que eram como se fosse aqui um bairro, era o lugar de
Barros. Então, as moças muito amigas. Era uma por todas e todas por uma. Então,
quando às vezes falavam “iam pro terço” à tarde, assim, um domingo à tarde, uma
falava assim: “olha, vai ter, não sei quem vai tocar concertina lá não sei aonde, num
outro lugar lá. O terço já ficava pra trás. Já não ia mais pro terço. Elas iam lá pra
dançar. Porque era o único, a única distração deles. Era o folclore. O folclore, não
porque a gente, vamos dizer assim, só que era aquele folclore de campo. Não era
nada de coreografia que nem a gente faz aqui. Era o folclore autêntico, natural. Mas
era que ele, às vezes, iam fazer as desfolhadas e sempre terminava. Ou vindimas ou
desfolhadas ou qualquer coisa. Onde tinha reunião de amigos, porque às vezes o
pessoal trabalhava na lavoura e as desfolhadas eram feitas depois, a noite, por causa
que não era tanto calor, então...118
E sobre sua participação, se essas festas também faziam parte de seu cotidiano:
Não tinha, não. Porque eu era pequena. Não tinha assim... festas nossas eram as
festas religiosas. Só. E folclore assim, aquele de... eu não me lembro de ter. De ver.
A gente tinha as festas religiosas da nossa terra. Da Nossa Senhora da Boa Morte, da
Nossa Senhora de Aparecida. Da Aparecida, não, é... Nossa Senhora da Conceição,
Nossa Senhora das Neves. Várias. Mas não tinha folclore. Tinham danças assim que
todo mundo se reunia, tocava a concertina e ... Mas folclore, eu não lembro de ver.
Ah, hoje não. Hoje já existe tudo isso.119
Essa manifestação popular era espontânea e hoje é institucionalizada.
Seus dois filhos manifestaram o interesse de participar do grupo folclórico da
Portuguesa e crianças tornaram-se componentes do grupo mirim em 1986. Por conseguinte,
passaram também a fazer parte do grupo, na diretoria e no auxílio aos trajes. Isso é frequente
nos pais de componentes de menos idade. Quando crianças ou os pais os levam para o grupo
ou os pais entram como parte da tocata, do coro, diretoria ou ajudam informalmente enquanto
118
Senhora Soledade da Cunha Lima. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São Paulo, 07 de
novembro de 2014.
119
Idem.
76
120
Imagem 13 – Concertina portuguesa.
120
http://concertinaportuguesa.blogspot.com.br Acesso em: 09/05/2015.
Concertina: é um instrumento musical não português, mas que dá o tom das músicas ditas folclóricas
portuguesas e de outras localidades. Difere do Acordeão pelo tamanho, este é maior do que a Concertina e o
teclado é de botões. É um instrumento praticamente obrigatório na tocata atualmente. Seu toque inicia a música.
Antes era o som da viola o mais definido. Presente em vários países, não se sabe exatamente sua origem, mas seu
som é ouvido em várias representações de músicas etnográficas na Europa. Nem o período é de conhecimento
certo. Numerosas fontes relatam vários locais e datas. Alemanha e Grã-Bretanha aparecem como local e as datas
variam entre o final e a metade do século XIX.
77
121
Acervo pessoal de Alexandre da Cunha Lima.
78
são todos que têm a possibilidade de sair do país nesse período. E alguns grupos portugueses
que podem dispor das semanas de recesso no começo do ano para vir ao Brasil encontra a
maior parte dos grupos brasileiros em férias.
Essa troca também é realizada pelos grupos de São Paulo e arredores e de outros
estados. Quando convidados a se apresentarem em casas regionais, a contrapartida é quase
certa. As junções nem tanto. O que leva o Raízes e os Poveiros a uma simbiose. Há a festa dos
Poveiros e a festa do Raízes. Nas festas do Raízes, as músicas e os trajes são em sua maioria
os de Viana. Há sempre um casal com os trajes dos Poveiros para demonstram sua junção e
uma dança dessa região. Nas festas dos Poveiros é dada mais ênfase ao seu “folclore”.
Não entraremos na questão do “folclore” poveiro. Mas as diferenças em relação a
roupas e músicas são grandes. Os trajes são menos coloridos, tendo a predominância da cor de
lã crua. E as músicas são mais lentas e menos compassadas. A menção quase onipresente do
mar em suas letras e os movimentos de dança que lembram as ondas são característicos nas
apresentações.
122
Imagens tiradas de uniformes usados pelos participantes do Grupo Folclórico Raízes de Portugal em seus
anos iniciais. A imagem da esquerda é localizada na frente da camiseta, lado esquerdo do peito e a imagem da
direita está localizada na manga esquerda. São uniformes diferentes. Fotografias do acervo pessoal da própria
pesquisadora. Fotografia tirada no dia 01/06/2014.
Normalmente, os integrantes dos grupos folclóricos têm um uniforme, geralmente esportivo, que os identificam
em viagens e antes das apresentações em sua própria sede ou em outros grupos, antes de se trajarem a caráter.
79
123
Acervo pessoal da pesquisadora. Fotografia tirada em 01/06/2014.
80
Raízes de Portugal, época das grandes navegações, Brasil, migração. Esse paralelo
pode ser feito por essa imagem que o grupo escolheu como símbolo. Os imigrantes que, em
seus locais de acolhimento, trouxeram suas “raízes” e também fincaram suas raízes. A música
portuguesa rural, o som da concertina e a necessidade de exteriorizar seus “costumes”, que
muitas vezes não eram tão rotineiros assim, mas que deram a eles a união com seus
conterrâneos e um modo de retornar ao seu país através da manifestação cultural própria. No
caso do Raízes, de jovens que não vivenciaram essas manifestações, mas sentiam um
pertencimento por conta da família e seus significados.
Esse sentimento de pertencimento é permeado por sotaques, comidas, danças, cantos,
utensílios, imagens, enfim, o que engloba as tradições.
E também de portugueses que imigraram recentemente há no máximo 15, 20 anos.
Recente para o período de imigração pesquisado e que ao contrário dos que veem o “folclore”
como uma visão arcaica de Portugal levam os filhos para apreciar um lado de sua cultura.
Como a participante Helena Fernandes, portuguesa, que levou a filha ao grupo para conhecer.
Ao ajudar sua filha com a coreografia, “seu” Assis percebeu que ela seria um ótimo acréscimo
ao grupo, pois tinha desenvoltura. Sentia-se envergonhada por pensar que seria “velha”
demais para isso. Ao aceitar tornou-se o sorriso mais expressivo nas apresentações.
De volta ao começo do Raízes, a partir de setembro de 1998 o grupo captou
componentes, trajes, instrumentos e estreou quase um ano depois com quatro pares de
124
Acervo pessoal da pesquisadora. Fotografia tirada em 29/11/2015.
81
dançarinos na Casa do Minho localizada no Brás. Atualmente a Casa do Minho está no bairro
da Casa Verde, em São Paulo. Era um local utilizado para bailes e por questões estruturais, o
grupo permaneceu pouco tempo no local. Como o nome já se refere, de origem portuguesa. O
salão, no dizer do fundador do Raízes, adequado para a estreia do grupo.
O Clube da Vila Maria, de tradição portuguesa, acolheu o grupo por mais dois anos. O
salão de grandes dimensões com um palco para as apresentações do grupo foi a “casa” do
Raízes. Onde o grupo se firmou e passou a lotar todo mês com suas festas. O clube está
situado na Rua Profª. Maria José Barone Fernandes, nº 483. Vila Maria – São Paulo. Em 2016
acolheu outro rancho, Grupo Folclórico Pedro Homem de Mello. Ranchos que não têm uma
sede própria podem passar períodos em locais que os acolham. É o caso do Grupo Folclórico
Pedro Homem de Mello e também do Raízes de Portugal. No caso do Raízes, uma troca: uma
associação sem rancho acolheu um rancho sem espaço físico para apresentações.
O brasão do Clube da Vila Maria também busca não deixar dúvidas sobre a origem de
seus fundadores. É um bairro que conta com grande presença de portugueses e seus
descendentes, assim com seu bairro vizinho, a Vila Guilherme. Entre as décadas de 1930 e
1970, a imigração portuguesa foi intensa nesses bairros. Marcolino Augusto Duque, imigrante
português residente na Vila Maria afirma: “Falávamos que a capital de Portugal era a Vila
Maria.”126
Nesse momento, minha história se cruza com a do Raízes. Foi nesse local que o
conheci. Por minha vivência e memória posso afirmar que as festas eram um sucesso. Salão
125
https://www.facebook.com/ClubeVilaMaria. Acesso em: 26/01/2016
126
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/vila_maria_vila_guilherme/historico/index.p
hp?p=389. Acesso em: 26/01/2015.
82
lotado, por vezes, a festa foi transmitida ao vivo pela Rádio Imprensa de São Paulo 127, no
programa Navegar é Preciso, que dá destaque a comunidade lusa. Os jornais 128 da
comunidade que circulavam e circulam atualmente davam destaque ao grupo de pouquíssimos
anos de idade, sem o legado das casas tradicionais, mas que com apresentações cheias de
vivacidade conquistou um público ávido por “sangue novo”. A estrutura do salão contribuía
para a visibilidade do grupo. Era amplo, espaçoso, as mesas ficavam em espaços regulares e
cômodos. A visibilidade era boa por conta do palco, também amplo, onde a tocata e os
dançarinos permaneciam sem atropelos. Havia ainda um espaço entre o palco e as mesas
usado pelos convidados para bailarem ao som da tocata entre o almoço e a apresentação do
grupo e, normalmente, de outro grupo convidado. O clube também contava com uma cozinha
que o grupo usava para o preparo dos almoços. Eram os próprios integrantes que os
preparavam. O dinheiro de patrocínio e da venda dos ingressos para as apresentações era, em
parte, usado para a compra dos ingredientes. Invariavelmente, bacalhau. Bacalhau à Raízes.
Atualmente há um pessoal contratado que prepara o almoço nas festas do grupo.
Imagens 20 e 21 – Convites da festa de aniversário do Rancho Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos
Poveiros de São Paulo de 2015.129
127
Rádio Imprensa FM 102,5 MHZ SP.
128
Mundo Lusíada e Portugal em Foco.
129
Frente e verso de convite de uma das festas do Grupo Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos
Poveiros de São Paulo. Acervo pessoal da pesquisadora. Foto tirada em 29/11/2015.
83
130
Acervo Pessoal da pesquisadora. Foto tirada em 29/11/2015.
131
Idem.
85
132
Rodrigo Silva Moura. Em São Paulo, 29 de novembro de 2015. Entrevista concedida a Talita Carneiro de
Matos.
133
Dupla de componentes que representaram o Grupo Folclórico Raízes de Portugal. Acervo pessoal da
pesquisadora. Sem data.
86
No caso dos homens, o traje não varia tanto. Normalmente, calças pretas, camisa
branca bordada, faixa de lã vermelha na cintura, sapatos e chapéu pretos. Há também uma
casaca preta que pode ser utilizada. Normalmente, as camisas são emprestadas, juntamente
com a faixa e a casaca. Calça, sapatos e chapéus podem ser encontrados facilmente.
Esses trajes não são mais utilizados, mas os femininos podem ainda ser encontrados
como peças de grande valor ou fazendo parte dos enxovais das noivas. Os trajes mais simples,
considerados de trabalho, ainda podem ser observados vestidos pelas mulheres mais idosas
nas aldeias mais distantes. Raramente aparece alguma noiva de Viana que adota o tradicional
traje preto, pesado e de custo elevadíssimo. As tecedeiras rareiam com o tempo e o preço
acompanha a raridade do trabalho.
Os trajes regionais são diferenciados por momentos. Os principais são: o cotidiano e as
ocasiões especiais, as festas, nesse caso, associadas ao calendário litúrgico. E nas festas era o
momento de mostrar toda sua riqueza, nas roupas e no ouro em abundância. O que
invariavelmente não muda é a saia rodada com um avental por cima. A camisa de linho
branco e um colete para as mulheres. A algibeira na cintura e o lenço na cabeça e nos ombros.
As cores e padrões mudam conforme a freguesia. Os bordados e as riscas demonstram a
riqueza no traje feminino. As mulheres alentejanas, com seus trajes mais modestos, saia e
blusa, tem no algodão um tecido que veio com a Revolução Industrial.
As cores mudam conforme a região. Nas regiões altas prevalece o monocromático. A
vida mais dura do interior é representada pela austeridade das roupas. Descendo às planícies,
134
http://www.museudaourivesaria.com/pecas_brincos_rainha.htm. Acesso em: 14/06/2015.
88
as cores aparecem. Quando se chega ao litoral, elas explodem. Dito isso das roupas femininas.
As vestes das mulheres litorâneas são as mais coloridas. As dos homens, mesmo com as
calças escuras ou o monocromático da roupa masculina de Póvoa de Varzim, a cor aparece
nos sinais que mostram as siglas da família do pescador na camisa. Mas o traje feminino mais
vistoso segue sendo o do noroeste, os trajes de Viana do Castelo com suas representações
barrocas no ouro utilizado em abundância. As ilhas são diferenciadas também pelas cores. A
Madeira, colorida. Os Açores, monocromático. As formas geométricas têm influência
muçulmana. O preto, depois o azul escuro está ligado ao luxo proveniente da aristocracia. A
padronização dos trajes regionais começa no século XIX.135
A divisão geográfica acima citada, entre a orla marítima e a zona montanhosa,
traduz-se também na forma do uso do lenço da mulher. No eixo interior Norte e
Centro, a testa é tapada, o que significa a diminuição do papel da mulher nas
decisões da comunidade transmontana e beiroa. No Sul e em todo o litoral, o lenço,
embora atado de formas variadas, liberta a testa, sinalizando um papel mais activo
da mulher e a aceitação do seu modo de ser, pensar e sentir. No Minho, depois de
uma volta na nuca, o lenço é atado no alto da cabeça, coroando o topo, à guisa de
figura real; isto é, indica uma afirmação e desenvoltura rara e única em território
nacional, pois aqui prevalece o feminino sobre o masculino. 136
Os homens vestem usualmente uma camisa branca de linho com bordados na parte de
cima. Dois corações são os bordados mais comuns encontrados. Mensagens também podem
ser bordadas ou o nome da família. Os corações simbolizam o afeto por sua escolhida. Os
trajes dos homens conservam as formas mais arcaicas da indumentária lusa.
A algibeira, adereço da mulher lembra a forma estilizada da própria mulher com suas
curvas e contracurvas. Corações bordados e a palavra amor são comuns. A alusão ao amor se
repete nos pingentes dos colares: corações e borboletas, que nada mais são do que corações ao
contrário. Mas o coração também tem significado religioso. O Sagrado Coração de Jesus.
As mulheres usam uma saia branca por baixo de todo traje. Seja para proteger de
olhares indiscretos seja para dar mais amplitude à saia. Para dançar, além da “ceroula”, uma
espécie de bermuda que vai até o meio da coxa, há uma saia mais estreita chamada
“travadinha” para segurar o movimento das pernas impedindo que se abra demais.
Dependendo do traje, as mulheres usam meias de tricô ou as “peúgas”, parecidas com
polainas. Dizem que as peúgas são meias que se esgarçaram na lida e sobraram apenas os
punhos. Nos pés, socos, chinelas bordadas ou lisas.
135
TEIXEIRA, M. B. O traje regional português e o folclore. VII. p. 374. Disponível em:
http://docplayer.com.br/4260563-O-traje-regional-portugues-e-o-folclore-madalena-braz-teixeira-vii.html
Acesso em:
136
Ibidem. p. 376.
89
137
TEIXEIRA, M. B. O traje regional português e o folclore VII. Disponível
em: http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/1_PI_Cap7.pdf. Acesso em: 02/06/2013.
90
138
Traje poveiro de propriedade do Grupo Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos Poveiros de São
Paulo. Acervo pessoal da pesquisadora. Fotografia tirada em 22/11/2014.
91
139
http://bloguedominho.blogs.sapo.pt/tag/traje. Acesso em: 24/06/2013.
92
Por essa imagem vemos o desenho que as saias formam ao girar das componentes.
Para isso, a metragem da saia deve ser específica. São tantas especificidades que não há
espaço suficiente nesta dissertação para todos os detalhes que os envolvem.
Atualmente, o Grupo Folclórico Raízes de Portugal da Associação dos Poveiros de
São Paulo é um dos muitos ranchos que representam essa manifestação de cultura popular
portuguesa que, inventada ou reinventada faz parte do imaginário português, brasileiro e de
qualquer país onde tenha se fixado. Por trás do convívio, da busca ou manutenção de raízes os
grupos que se autodenominam representantes do “folclore” têm várias histórias de imigrantes
que por diversos motivos vieram parar no Brasil e se reuniram nesses grupos e são
consequência da história de Portugal e suas migrações.
Nas palavras de “seu” Assis, “[...] o Raízes de Portugal não é só raízes. É caule, é
tronco, é flores e frutos!”141
Terminaremos como começamos. Abaixo, uma das músicas de difícil coreografia,
ritmada e com letra que talvez dê início a outro estudo: “Gota de Meadela”:
140
Acervo pessoal de Alexandre da Cunha Lima.
141
Senhor Francisco de Assis Ferreira. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São Paulo, 29 de
novembro de 2015.
93
Gota da Meadela142
A gota da meadela
Ai é diferente doutras mais
As nossas danças tão lindas
Ai encanto não têm iguais
Ó torrão abençoado
Ai aldeia formosa e bela
Foi num momento inspirado
Ai que Deus fez a meadela
Ó Viana do Castelo
Ai só tu me deixas paixão
Onde tenho e não nego
Ai raízes do coração
142
Gota de Meadela. Letra retirada do site: http://www.ge7castelos.net/letras.html. Acesso em: 13/04/2014.
94
CONCLUSÃO
para quem participa e o voltar a um tempo mais idílico e que remete a emoções de família, de
lembranças, de sabores, de sons.
Por fim, o folclore como representação de um ideal, que ainda atrai pessoas
interessadas em apreciar uma tocata e um almoço português, e se perdem nesse pedaço de
Portugal que acolhe a todos sem demonstrar todas as idiossincrasias que levaram a sua
criação, invenção e reinvenção. Vivo, em cada festa e casa portuguesa.
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FONTES CONSULTADAS
DEPOIMENTOS ORAIS
Alexandre da Cunha Lima. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São Paulo, 27
de outubro de 2014.
Francisco de Assis Ferreira. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São Paulo, 29
de novembro de 2015.
Maria da Soledade da Cunha Lima. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São
Paulo, 07 de novembro de 2014.
Renata Fernanda do Nascimento Gaspar. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos.
São Paulo, 10 de outubro de 2014.
Rodrigo Moura. Entrevista concedida a Talita Carneiro de Matos. São Paulo, 29 de novembro
de 2015.
JORNAIS
Portugal em Foco Edições: 2013 - 2016.
Mundo Lusíada Edições: 2013 - 2016.
REVISTA
Revista Luso Brasileira NAUS'S - ano 2, n. 18, jan./fev. 1997, Cascais Editora Ltda.
FOTOGRAFIAS
Acervo pessoal de Alexandre da Cunha Lima.
Acervo Pessoal da pesquisadora.
ENDEREÇOS ELETRÔNICOS
Arquivo do Estado de São Paulo:
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/imigracao/estatisticas.php. Acesso em: 11/06/2016.
Blogue do Minho: http://bloguedominho.blogs.sapo.pt/tag/traje Acesso em: 24/06/2013.
Câmara Municipal de Viana do Castelo: http://www.cm-viana-castelo.pt/pt/festas-da-sr-da-
agonia. Acesso em: 19/02/2015.
Casa de Portugal - SP: http://www.casadeportugalsp.com.br/institucional/. Acesso em:
30/06/2015.
98
BIBLIOGRAFIA
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_________________. Dicionário do folclore brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012.
FARINA, M. Psicodinâmica das cores em comunicação. 2. ed. São Paulo: Editora Edgar
Blücher Ltda, 1986.
FREIRE, G. Casa grande e senzala. 49. ed. São Paulo: Global, 2014.
_____________. Presença portuguesa em São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.
MACIEL, A. Viagem de Cem anos (1855 - 1955). Viana do Castelo: Câmara Municipal de
Viana do Castelo, 1958.
MARCHI, L.; PIEDADE, C. da; MORAIS, D. Caderno de danças do Alentejo. As falas que
bailam. Projeto Arquivo das danças do Alentejo. V.1. 2010. Disponível em:
http://www.memoriamedia.net/dancas-alentejo-musicas/CDA_portugues.pdf. Acesso em:
13/04/2014.
MEIHY, J. C. S. B. Manual de História Oral. 3. ed. Rev. e ampl. São Paulo: Edições
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PESAVENTO, S. J. Palavras para crer. Imaginários de sentido que falam do passado. Nuevo
Mundos – Mundos Nuevos. n. 6., 2006. Disponível em: https://nuevomundo.revues.org/1499
acesso em: 25/04/2014.
TAVARES, M. S. Rio das flores. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.