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B. As primeiras formacées estatais, Se a pertenga do Egito ao mundo negro-africano continua a suscitar controvérsias, Kush e Axum so 0s primeitos Estados africanos a respeito dos ‘quais estamos assaz bem informados, tanto no que se refere a sua histéria factual como no que diz respeito a onganizagGo do Estado e & evolucio das estruturas politicas. 0 conhecimento hoje mais pormenorizado dos Estados que a Aftica conheceu depois deles permite ler de outras maneiras a hist6ria destes primeiros Estados, nos quiais se viu durante muito tempo 0 prolongamento de sistemas politicos mediterranicos e orientais, e que nos aparecem agora como a primeira expressio indiscutivel do génio politico africano. Documento 11: Meroé e Axum no seu quadro geogréfico Sitios principals da rmetalurgia do ferro Centros urtanos © comercials eros =) Cataratas FINE Regies — Eixos comerciais, NB. Alguns sitios so indicados ‘com os seus nomes atuais -76- 1. A Nitbia e Kush Os nomes de Nubia e de Kush possufam, para os afticanos do norte, uum contetido midito vago: a Nibia designava os territ6rios situados a sul do Egito eitrigados pelo Nilo, e Kush uma fragio mais restrita, correspondendoa sgrosso modo ao vale médio do Nilo. Se bem que a sua identidade africana teaha deixado de ser posta em causa, nem por isso Kush deixa de pér problemas aos arqueélogos e a0s historiadores, quer se trate das suas origens, de suas relagées com outras partes do mundo conhecido no seu tempo, ou das peripécias do seu desenvolvimento, Uma longa tradi¢ao egiptolégica quis apenas ver nele uma manifestacio, entre outras, do genio do Bgito faradnico: “Este pais, diz por exemplo Georges Posener, foi colonizado pelo Egito faraGnico: sofreu durante longos séculos o ascendente da civilizacZo egipcia, os costumes, a lingua, as crengas, as instituigées; tudo no curso da historia da Nibbia carrega a marca do seu vizinho do norte” (“Para uma localizagio do pafs de Kush no Médio Império”, Kush, 6, 1953, p. 58). O estabelecimento da parte que cabe as influéncias e empréstimos estrangeiros e do fundo autéctone esbarra com o obstaculo das fontes, As descobertas arqueolégicas fornecem argumentos @ todas as teses que se chocamti. No que se refere as inscrigées meroiticas, que se conhecem desde 1819 gracas ao arquiteto Fr.-G. Gau e de que possuimos hoje uma bela série remontando aos primeiros textos do século If a.C., a sua decifracdo continua a set muito incompleta: (Os signos [do alfabeto} so em namero de vintee tr: trata-e de um alfabeto possuindo todavia alguns blitero, mais precisamerite quatro signos voedlicos (2 655,0), quinze signos consonanticos e quatro signos silbicas (ne, 8, te, to); € necessérfo acrescentar-Ihe um “separador” (dois pontos sobrepostos, as vezes 8), que é cle maneira geral inserido entre virias palavras. No caso patticular das inscrig6es funerérlas, tornava-se posslvel identificar partes do texto onde se invocam as divindades Isis ¢ Osfris, onde se nomeian © defunto © os scus parentes, onde se proaunciam férmulas de "bensio”. Se recolhemos assim os nomes das pessoas, dos lugares, das divindades, dos titulos, o valor semantico das inerigSes escapa-nos a partir do momento em ‘que passamos a textos mais longos, textos designados “histricos”, Podemos apenas reconhecer,gragas ao “separador”, as diferentes palavrasedesconfiar da _presena de uma segmentagdo do texto ou de grupos de palavras, segmentos de texto que foram designados “stiches, designag£o no convencional, {que ndo perinite definir 2 natureza da estrutura gramatical assim posta em tvidéncia. (, Leclan; “Le détfichement de! érieure inérotique: état actuel ‘dela question", in Lepeuplement de "gypteanciense ct ledichiffiement de 'criture ‘mérotiqu, Paris, Unesco, 1978, p. 112) A emergéncia laboriosa de um Estado soberano ‘A comparagao entre dados arqueolégicos, 0s textos gregos © aquilo ‘que conhecemos da histéria do Bgito permite contudo esclarecer jé os longos -77- percursos que levaram & emergencia do Estado kushitico. Os arquedlogos puseram em evidéncia os restos materiais - ttimulos, ceramicas, objetos em cobre ~ pertencendo a uma cultura dita do “grupo A” (0 grupo cronolégico ‘mais antigo) de que os mais antigos exemplares, datados do IV milénio, si0 contemporancos da primeira dinastia dos faraés. Estes objetos exprimem criagées locais, ao mesmo tempo que manifestam uma influéncia do Bgito pré-dindstico € farabnico. Tudo sugere a existéncia de correntes comerciais arrastando marfim e peles para norte, utensilios de cobre e diversos prodatos artesanais para sul. Mas desde a primeira dinastia, um corte politico materializado por uma linha de fortes cortou 0 Egito dos paises situados a sul da primeira catarata, As rélacées comerciais continuaram, apesar disso, visto o Bgito ter uma necessidade imperiosa de produtos raros e preciosos vindos do sul: recursos minerais, em particular 0 ouro do vale do Nilo, para leste, de Wavat; incenso, marfim, éleos, ébano, peles de leopardo, penas de avestruz, Estas riquezas justificavam veleidades expansionistas de que so ‘testemunhas as expedicdes militares dirigidas por Khasekhem, um rei da 11 dinastia, ¢ Snefru, 0 fundador da IV dinastia, conhecido por ter trazido do “pafs dos nuibios” 7 mil prisioneitos ¢ 200 mil cabegas de gado. trabalho arqueoldgico identificou também uma cultura do “grupo C" (@ existéncia do “grupo B” esté ainda sujeita a muitas controvérsias), datando de cerca de -2240 até o século XVIa.C. e cuja érea de extensio ia, a0 que parece, do sul do Rgito até a segunda catarata. Petcebida por uns como desenvolvimento da cultura do “grupo A”, &ela interpretada por outros como ‘o resuiltado de uma renovaco de populacbes em conseqiiéncia de imigragdes provenientes, segundo as escolas, de leste ou de oeste do vale do Nilo. Se as relagdes comerciais com o Egite continuaram, parece que a pressdo da Nubia se tornou cada vez mais forte para o seu vizinho do norte: os textos egipcios ‘evocam muito freqiientemente os paises nubios sob a alcunha de “Kush abjeto”; os fortes construfdos pelos egipcios receberam nomes significativos tais como “repelir as tribos”, “repelir os inus”, “repelir os mezaiu”, “dominar 08 desertos”. Nao € impossivel que farads “usurpadores” ou “legitimos” tenham vindo da Nubia; Mentuhotep I, fundador da XI dinastia, era provavelmente negro; Amenemhat, fuindador da XII dinastia 1991/-1786), parece ter vindo também da Nubia. Foi nos finais do III ou nos principios do II milénio que o nome de Kush se tornou relativamente comum nos textos do Egito para designar verossimilmente uma entidade polftica que tinha todas a raz6es de recear. Os faraés desta dinastia, sobretudo Seséstris Te Sesdstris 1, multiplicaram as campanhas para o sul, levando a fronteira para Semna, néo longe da 2* catarata, onde Sesdstris III mandou levantar uma estela destinada a impedir a passagem das gentes do sul, exceto “aqueles nuibios que viessem para comerciar em Iken [cidade situada a norte de Semna] ou para qualquer outra atividade legitima que pudesse ser tratada com eles”. E -78- i : : i | | | —

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