2210372019 as 05h00
Por que investir na bolsa?
For Joao Marco Cunha e Marlon Cecilio de Souza
Segundoa teoria de finangas, os ativos
arriscados devem pager ao investidor um
prémio em relagio aos ativos livres de riseo, 0
chamado prémio de riseo. Nesse mesmo
campo de estudo, hé um enigma intrigante:
no mercado amerieano, o prémio pago pelo
indice de agdes em comparagao aos tftulos do
Tesouro é demasiado para niveis de aversioa
riseo razoaveis. Eo chamado "Equity Premium Puzzle”, e um sem-nimero de
possiveis explicagdes jé foram propostas na literatura especializada.
No Brasil, porém, parece ocorrer o fondmeno inverso. Um investidor que, no
primeiro dia do ano 2000, tivesse investido no Ibovespa teria, hoje, menos de dois
tergos do valor que teria caso optasse pelo CDI. Nesse periodo, as taxas de retorno
médio anual foram de 10,2% e 13%, respectivamente. On seja, quem se expés a
menos risco, teve 0 maior retorno. Mas, por que ocorre essa peculiaridade que
desafia o senso comum, a base teérica ea evidéncia empfrica internacional?
Para entendermos esse fondmeno pensemos, por simplicidade, no indice Tbovespa
como sendo uma aco individual. 0 preco fundamental de uma aco ¢ dado pela
expectative de dividendos futures trazidos a valor presente. Temos aqui duas
varidveis-chave: os dividendos esperados e a taxa utilizada para descontar os fluxos
faturos.
Os dividendos dependem fundamentalmente da capacidade das empresas gerarem
Iucros e, consequentemente, estio intimamente relacionados ao desempenho da
economia: o PIB crescendo mais significa, em média, que as empresas aumentaram
as vendas de produtos e servigos, geraram lueros maiores e podem pagar mais
dividendos.
As taxas de desconto, por sua vez, podem ser desmembradas em dois componentes: a
tana livre de risco e um spread. A taxa livre de risco esta diretamente ligada a
inflagfo, uma vez que é utilizada como instrumento de politica monetaria em
economias com regimes de metas de inflacdio, como ocorre no Brasil. De modo.
superficial, na ineidéneia de um choque inflacionério, a autoridade monetaria eleva
0s juros basicos (leia-se, taxa livre de risco) para desaquecer 2 economia (reduzira
taxa de crescimento do PIB) e, assim, conter os aumentos de pregos. J4o spread estarelacionado ao nivel de aversio ao risco dos investidores e ser aproximadamente
equivalente a remunerac&o que o acionista receberé caso as projegées sobre
dividendos e taxas livre de risco se materializem.
Pois bem, assumindo que os investidores que operam no mereado brasileiro néo
toaham nonhuma idiessinerasia extroma no tocante a avorsio ao isco, o prémio
negativo observado por aqui deve-se a expectativas que ndo se concretizaram. De
fato, de 2001 para c4, as projegies de mercado para PIB e inflag&o mostraram-se
demasiadamente otimistas. Em média, o mereado proviu, na iiltima semana antes no
inicio do ano, um PIB 0,25% maior do que o realizado, enquanto a inflegdo realizada
esteve quase 1% acima da prevista.
——_ Um modelo simples pode nos aiudara
Odesvio padrao das projeces _ entonder como os erros de provisio do
de inflagaio nos doze meses & crescimento do PIB e da inflagao impactam o
frente voltaram para perto da _ prémio de risco realizado, utilizando uma
minima histériew regressio mediana (robusta a ontliers) com
———— .dedlos anuais desde 2001 e usando os dados
do tiltimo Relatorio Foens do ano anterior para obter os valores previstos pelo
mereado para o ano seguinte. Com esse modelo, estima-se que um desvio no PIB de
uum ponto percentual (p.p.) para cima em relagao ao previsto gera um aumento de 2,2
pip. do prémio de risco, enquanto um desvio equivalente para inflago causa uma
queda de 6,1 p.p. (ambos em mediana).
Com as ressalvas devido as suas limitagGes, este modelo mostra que, expurgado os,
efeitos dos exros de previsio, esperar-se-ia que o Ibovespa houvesse rendido 18,3%
a0 ano, em média, entre 2001 ¢ 2018, relembrando, contra 13% ao ano do CDIe
10,2% do Tbovespa real. Da diferenca de mais de 8% obtida ao expurgarmoso efeito
das surpresas de PIB ¢ inflagio, mais da 90% devemn-se i segunda parcela, o que
significa dizer que 2 inflagio e a politica monet4ria tém um papel fundamental nessa
anomalia que observamos aqui nas tiltimas duas décadas.
Considerando o Ibovespa com expurgo, o prémio de risco sai do bizarro campo
negativo para a faixa de 5% ao ano, em linha com os valores reportados na literatura
para economias desenvolvidas, mas ainda baixo para um pais emergente. E possivel
que outros fatores nfo contemplados expliquem essa diferenga. Nao obstante,
considerando as taxas médias de retornos ao ano acima, nesse periado de 18 anos,
um investidor do Ibovespa teria multiplicado o seu patriménio inicial mais de vinte
vvezes, contra menos de dez vezes caso estivesse aplicado em CDI, uma diferenca
nada desprezivel.O que esses resultados querem dizer a respeito do futuro? O que esperar do nosso
mereado de acSes daqui para frente? O ponto principal para responder essas
perguntas 6 a previsibilidade do ambiente macroeconémico, em geral, ¢ da nossa
politica monetiria, em particular. O periodo no qual o prémio de risco realizado foi
negativo foi marcado por fases de grandes incertezas: politicas econémicas altamente
intervencionistas e experimentalistas e, principalmente, leniéncia com a inflagio.
Desde o governo Temer, entretant, iniciou-se um processo de mudangas
significativas. A PEC 55 (teto de gastos) trouxe previsibilidade ao crescimento dos
gastos pitblicos. Também foram benéfieas a reduedo das interferéncias setoriais ea
reconquista da credibilidade da autoridade monetaria.
Como governo atual mantendo essa toada, é possivel vislumbrar que um cendrio de
maior acurécia nas previsdes dos agentes. De fato, esse efeito j4 pode ser observado
indiretamente: o desvio padrio das projecdes de inflagio nos doze meses 4 frente
voltaram para perto da minima histérica, ou seja, o cenario futuro est mais claro
para quem observa agora do que estava hé alguns anos. Como consequéncia,
devemos verificar um prémio de risco adequado as earacteristicas da economia
brasileira, possivelmente maior que os 5% ao ano, resultantes do experimento
contrafactual aqui elaborado. Considerando-se os debates em voga, sobre taxa basica
de juros abaixo de 6% no final do ano e taxa de juros real neutra de longo prazo
abaixo de 3%, um prémio de 5% jé seria bastante significative, como ocorre nas
economias normais mundo afora, especialmente para alocacdes de longo prazo.
Em suma, podemos esperar previsdes macroeconémicas mais precisas ,
consequentemente, uma holsa que faga valer o riseo incorrido pelo investidor.
Porém, talvez o Brasil se mostre to cruel com quem se arrisca a fazer previsdes
sobre a exatidio das projegdes macroecondmicas quanto tem sido com os proprios
macroeconomistas. Se isso vier a acontecer, sé restaré a nés, os articulistas,
recorrermos & maxima de Churchill a reapeito dos politicos, com as devidas
adaptagées: “o politico precisa ter a habilidade de prever o que vai acontecer
amanhi, semana que vem, més que vem, ano que vem. E ahabilidade de explicar
porque nio acontecou".
Joao Marco Cunha é mestre em economia pela FGV-Rio e doutor em
engenharia elétrica pela PUC-Rio.
Marlon Cecilio de Souza é estudante de economia da UERJ. Ambos
trabalham na area de Wealth Management da GGP-Family Office.