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11 Tempo presente no ensino de histéria: 0 anacronismo em questdo Ana Maria Monteiro Ciéncia dos homens ... no tempo. © historiador néo pensa apenas o humano. A atmosfera em que o seu pensamento respira naturalmente é a categoria da duragao. ...0 tempo da histéria é, pelo contrério, 0 proprio plasma em que banham os fenémenos, e como que o lugar da sua inteligibilidade. [Marc Bloch, 1965:29-30] Para que serve a historia? Por que estudar e conhecer a hist6ria? Para que desenvolver estudos historicos? Para conhecer o que aconteceu no passadoe com nossos antepassados? Para aprender com o passado? Para compreender asociedade contemporanea? Para desnaturalizar o social? Para compreender a historicidade da vida social? Para promover um agir no mundo histori- camente orientado? Para desenvolver a consciéncia histérica? Para atribuir sentido a experiéncia do passado com o objetivo de orientar as pessoas na dimensio temporal de suas vidas? Para que possamos ajustar nossas vidas ds mudangas no tempol! “Texto apresentado como base para workshop realizado pelo autor no Programa de Pés-graduagio em Histéria da Unirio, em 18 de outubro de 2010. Nesse texto o autor discute o que ele designa por meta~ -history, ou seja, “uma reflexio sobre a historia, no como alguma coisa que aconteceu no pasado, mas ‘como um modo de lidar com o passado e de fazer sentido de sua experiéncia com o objetivo de orientar as pessoas do presente na dimensio temporal de suas vidas”. Para Risen, “a meta-histéria desenha um ‘mapa mental ou intelectual da consciéncia histérica. Essa reflexdio e mapeamento nio se referem a todas cia historica, mas se concentra na sua manifestagio especifica nos Ana Maria Monteiro Para que formar professores de histéria? Para que ensinar historia a ado- lescentes e jovens nas escolas? Para desenvolver nos estudantes uma atuacio. cidada critica e transformadora? Ou todas as propostas anteriormente cita- das? Ha diferengas entre formar um historiador e um professor de histéria? Qual valor da historia hoje, no tempo presente? Essas questées, que nos remetem as finalidades da historia, expressam também concepgdes que fundamentam sua producao enquanto conheci- mento sobre a histéria vivida, experiéncia humana no tempo. Tempo que, nessa dindmica, exerce funcio estruturante nos Processos cognitivos e na elaboracao de conhecimento que expressa, em texto narrativo, o resultado da elaboracao de um pensamento histérico, ou seja, uma forma de compreen- der processos, contextos, agdes humanas no tempo, mudangas e permanén- cias, semelhangas e diferengas, em suas dimensées sociais, politicas, eco- némicas e culturais. Pensamento histérico que se desenvolve na busca de compreender e atribuir sentidos ag acdes humanas e, assim, humanizé-las, além de produzir conhecimento historico — uma historiografia -— que tem na relagdo entre presente e passado um aspecto central Para a possibilidade de sua producao. A teoria da historia busca descrever e analisar os processos e regras que possibilitam a producdo historiografica em diferentes tempos e lugares. Como afirma Michel de Certeau, 0 conhecimento histérico é produzido em um lugar a partir de regras proprias: A operacio historica se refere a combinacéo de um lugar social, de praticas “cientificas” e de uma escrita. Essa andlise das Premissas, das quais o discurso nio fala, permitira dar contomos precisos as leis silenciosas que organizam © espaco produzido como texto. A escrita historica se constroi em funcao de uma instituicdo euja organizacdo parece inverter: com efeito obedece aregras Proprias que exigem ser examinadas por elas mesmas (Certeau, 2000:66, eri- fos do original]. Assim, a pesquisa teérica investiga 0 lugar, as priticas ¢ as escritas, 0 que implica considerar uma sociologia, uma exegese de suas Praticas e uma analise dos discursos produzidos enquanto historiografia. Um lugar de pro- dugao com seus grupos, Tegras, poderes e disputas: estudos histéricos como forma institucionalizada de pensamento histérico” (Risen, 2010:3). Tradusao livre da autora. 192 Tempo presente no ensino de histéria Toda pesquisa historiogréfica se articula com um lugar de produgio socioe- conémico, politico e cultural. Implica um meio de claboraciio que circuns- crito por determinagées préprias: uma profissao liberal, um posto de obser- vagao ou de ensino, uma categoria de letrados etc. Ela esta, pois, submetida a imposigoes, ligadas a privilégios, enraizada em uma particularidade. E em funcao deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topo- grafia de interesses, que os documentos e as questées, que lhe serao propos- tas, se organizam [Certeau, 2000:66-67]. Lugar onde e como se faz a histéria, ou seja, como se traduz de uma linguagem cultural para outra, de objetos sociais para histéria — “[...] tudo comega com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘docu- mentos’ certos objetos distribuidos de outra maneira” (Certeau, 2000:81, grifos do original). Estabelecer problemas e fontes para delas obter indicios que possam constituir respostas, sentidos para os fendmenos estudados. Esses indicios vao-se constituir em referéncias de uma realidade que, por sua vez, foi regis- trada nos documentos a partir de diferentes interpretagdes e representacdes produzidas por quadros teéricos, conceituais, ancorados em seu tempo, que expressam modos de ver, sentir e compreender, processos de significagéio, o que nos remete a questdes da ordem do cultural em perspectiva semidtica (ver Geertz, 1989:123-41). Uma escrita que implica uma criagao a partir do posicionamento do historiador, com base em suas referéncias culturais, histéricas e politicas, e que se expressa numa narrativa historica, produto de atribuigio de sentidos pelo historiador aos fatos estudados. Essa narrativa expressa uma certa ficcionalizagdo presente na historiografia? Para elaboracao dessa narrativa, o historiador utiliza métodos racionais para produzir conhecimento a partir da anilise das fontes. Essa pratica, por outro lado, enfrenta desafios decorrentes do questionamento sobre marcas essencialistas, perceptiveis em sua afirmacdo de objetividade, ou seja, a ana- lise documental como praxis estruturante do oficio historiador. Para registrar os processos de investigacéo e de anélise, bem como os resultados obtidos, é produzido um relato no qual o tempo da realizacao da pesquisa é “convertido” no tempo da explanacao tedrica que contém em si uma légica explicativa que, necessariamente, reordena os fatos construidos a partir dos indicios obtidos nas fontes. A questo do presente emerge ao gerar uma ambiguidade ou tensdo entre o tempo da explanago tedrica e sua 193

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