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ANDRÉ THOMASHAUSEN
UNIVERSITY OF SOUTH AFRICA
I N ST I T UT E O F F O R E I G N & C O M PAR AT I V E L AW
A DI G N I DA D E DA
P E S S OA H U MA N A
APONTAMENTOS CONSTITUCIONAIS
Assembleia da República
Luanda, Angola
27 de maio 1999
THOM ASH AUSEN - DI GNI DADE D A PESS OA HUM A NA PÁGI N A 1
D IG NI DAD E DA P ES SOA HU MA NA :
A P O N TA M E N T O S C O N S T I T U C I O N A I S
RESUME:
A ORDEM DE VALORES
(1) Die Würde des Menschen ist unantastbar. (1) A dignidade humana é inviolável. É o dever
Sie zu achten und zu schützen ist Verpflichtung de todas as autoridades do estado respeitar e
aller staatlichen Gewalt. salvaguarda-la.
(1) The Republic of South Africa is one (1) A África do Sul é um estado democrático
sovereign democratic state founded on the soberano baseado nos seguintes valores:
following values:
(a) a dignidade da pessoa humana, a realização
(a) Human dignity, the achievement of da igualdade e a promoção dos direitos e das
equality and the advancement of human liberdades humanas.
rights and freedoms.
THOM ASH AUSEN - DI GNI DADE D A PESS OA HUM A NA PÁGI N A 2
E:
O que ambas estas experiências tiveram em comum, e além dos horrores da violência,
das torturas, da morte e da destruição, foi a perca do respeito pela qualidade especial
da nossa existência como seres humanos, aquilo que nos distingue dos animais e
outras formas de vida neste planeta, em soma a nossa condição humana. E penso que
o sofrimento dos milhões de Angolanos, desde a primeira exclamação de vida no
momento de nascer, até ao último suspiro, que por tantas vezes se segue só poucos
anos de dor e sofrimentos depois do nascimento, tem uma dimensão semelhante ao
horror das vítimas na Europa do holocausto, bem como das vitimas da degradação
racista na África do Sul. A grande e trágica diferença, porem, é que a Alemanha e
agora a África do Sul puderam afirmar a dignidade humana como principio chave do
desafio à escuridão e ao mal, depois de se terem libertado deles, enquanto que hoje e
aqui nesta sala dos representantes do povo, falamos deste principio, mas sabemos que
não existe respeito por ele, e não prevalece nem sequer minimamente fora desta sala,
e na realidade do povo mesmo aqui à nossa volta.
THOM ASH AUSEN - DI GNI DADE D A PESS OA HUM A NA PÁGI N A 3
I I . A O RD E M D E VA LO R E S
Para a interpretação e implementação das constituições isto tem como efeito que os
juristas são obrigados a reconhecer uma ordem dos valores expressos na constituição,
sendo lógico que os direitos e princípios mais difíceis a alterar pelo legislador, ou
mesmo salvaguardados por completo contra qualquer emenda, são também os direitos
e princípios constitucionais de maior relevo, e de maior importância que os outros.
Estamos assim no ditado essencial da doutrina da ordem dos valores, da
Wertordnungslehre. Transforma a aplicação desta doutrina a natureza organisatória e
formal da constituição num ordenamento substantivo de grande força, que se estende
facilmente a todos os níveis da aplicação da lei e do direito num estado.
Significa, por exemplo que a liberdade de expressão não pode ser interpretada de
maneira a permitir publicações ou outros pronunciamentos públicos altamente
ofensivos à dignidade da pessoa humana. Assim num famoso julgamento do Tribunal
Constitucional da Alemanha recusou-se a protecção do direito da liberdade de
expressão a um autor e publicista que tinha persistido em negar o holocausto,
alegando que era verdade que pelo menos seis milhões de alemães de origem judaica
tinham sido assassinados pelos nazis, mas que simplesmente teriam morrido de fome
e doenças, tal como muitos outros naquelas circunstâncias. O Tribunal Constitucional
raciocinou que a discriminação entre pessoas judaicas e pessoas que eram judeus, era
um facto inegável, tal como era a proibição por lei, por exemplo do casamento entre
um judeu e quem não era judeu, bem como a proibição de comprar coisas numa loja
dum judeu, bem como internamento de milhões de judeus, e não de outros, não-
judeus, nos campos de concentração, onde praticamente ninguém sobrevivia. Segundo
o Tribunal, esses factos inegáveis criaram um relacionamento tragicamente especial
entre judeus e alemãs para todos os tempos. Negar esses factos seria fazer pouca das
vítimas, num atentado terrível à dignidade de qualquer pessoa judaica, como membro
do povo judeu. Essa dignidade tem valor superior na constituição, que se impõe as
outras liberdades e direitos, limitando e condicionando os (BVerfGE 90, 240; BGHZ
75,162).
I I I . O D E S A FI O D A C I VI LI Z A Ç ÃO A FR IC A NA DO S É C UL O 21
Não nego que há, objectivamente justiça e injustiça, razão e a falta dela. Porem, a
nossa inocência na imposição da justiça e da razão dependem da nossa capacidade de
sempre respeitar, e fazer respeitar a dignidade humana, mesmo no caso daqueles que
a ofendem da pior forma. Só podemos reclamar e ter como nossa a dignidade humana
na medida em que estamos preparados a concedê-lo ao outro.
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