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NORMAN FRIEDMAN Tradugdo de Fabio Fonseca de Melo 0 ponto de vista na ficc¢ao 0 desenvolvimento deum conceito critico “Permitam-me adicionar apenas que, nesta Arte, como em outras, ha e haverd sempre, independente do que jé tiver sido feito, algo novo a expressar, algo novo a descrever” (Walter Besant, The Art of Fiction, 1885). Idous Huxley, falando através do “Cademo” de Philip Quarles, questionou hd cerca de vinte & cineo.anoso mau gosto contem- Pordineo pelo autor onisciente na fi ‘Serd que o autor precisaser oreservado? Penso que estamos um pouco melindrados demais a respeito dessas aparigdes pesso- ais, hoje em dia", Quatro anos depois, Joseph Warren Beach escreveria: “Olhan- do de relance o romance inglés de Fielding aFord, a coisa que nos impressionard que qualquer outra éo desaparecimento do autor”, De maneiraconforme, Bradford A. Booth escreveu, em 1950: “Muito se tem falado que a mudanga mais significativa na fiegdode nosso tempo o desapareeimento do autor. Inve He, e vitoriano é a present tor, sempre disposto ‘mentdrio, interpretaros personagens ou es crever um ensaio sobre repolhos e reis” ie, pois, parece que nos- indres” se deram bem (1), dos por muitos hoje como sendo da maior a. “Eo recurso tenico mais eminente desde a época de Henry James”, afirma Beach, “que a est6ria se conte, con- duzida pelas impressdes dos person: historia e da filosofiae da cigneia”. A con- sideragdo de Mark Schorer é rigorosa; é hora, nei, de le} flo como se a técnica fosse al cial do que mero adorno, pois “a técnica é ‘omeiode que [o cscritor] dispoe para descobrir.explorar, desenvolversua maté- ria, transmitir seu significado e, por fin a, sobreiudo,. la relagdo es Iética entre 6 autor e sua obra. “Nao pode- mos mais considerar séria, comtinua, “a eet le poesia que nto ices Jo, 0 caso ainda nao foi demonstrado™. Se, em Tiegdo,0 caso ainda nao foi demonstrado, ha forgas pode- rosas trabalhando no proceso de demons- trd-lo. O “ponte de vista” vem se tornando. das disting&es criticas mais iteis dis poniveis hoje a0 estudioso da fiegiio (2). © propésito deste € resumir 0 fundo estético desse conceito e sua emer géncia como instrumento critico, delinear REVISTA USP, Sé0 Poulo, 0.53, p, 186-182, n chiro serie da here 3 et 0. 4: Guetiao, sir 8d, Ni, 28 ug, 1762 The lca Sholespror shoighin Sir hy, pileado ical 11818) Anal Poon, ed 1853 March, toa a a, Ht 1864, lehers of Weve cdo: ents poralhe Nowa, 1912, Pre. grag a eu cakgo, 0 Chas, lagtin ge © exemplificar seus prineipios basicos e, finalmente, discutir sua significagdo, de modo geral, em relagaioao problema da tée- nica artistiea, A arte da literatura, por oposiga0 as outras artes, &, em virtude de seu medium verbal, aum sé tempo amaldigoada eaben- coada com uma capacidade fatal de falar. Seus vicios so os defeitos de suas virtu- des: de um lado, sua amplitude e profui dade de significagaoexcedem grandemen- te 0 escopo da pintura, da musica ou da escultura; de outro, sua aptidio para proje~ tar as qual is de pessoas, lugares e eventos é menor na mesma medi da. Se pode expressar mais idéias e atitu- des, apresenta imagens qualitativamente mais débeis. Basta ao pintor servir-se de sua paleta para obter a nuanga certa no lo- cal certo; mas o escritor fica continuamen- te abalado entre a dificuldade de mostrar o queumacoisaé ea facilidade de dizercomo se sente a respeito dela, © escultor pode apenas mostrar; © mts musica programética, nao pode nunca nar- rar, Masa literatura deriva sua propria vida dese conflito ~ baisico em todas as suas formas —e a hist6ria de sua estética pode, em parte, ser escrita gragas a essa tensio fundamental, a qual o problema do ponto de vista na ficgio se relaciona como parte de um todo. Pois a distingao geral foi feita, de Plataoe Aristételesa Joyce e Eliot, para que oespecifico tomasse forma. Dasorien- tagdes tocantes & “vi ret6ricos antigos até o estudo da “proje- go” (empatia) dos estetas modernos, a relagdio entre os valorese atitudes do autor, sua incorporacdoemsua obraeseus efeitos sobre 0 leitor foram € continuam a ser de importaneia crucial. Para nossos propésitos, bastard estabe- leceros dois pontos opostosno tempoentre os quais a hist6ria deste conceito pode ser tramada, Platdo, primeiramente, fez uma distingao, ao discutir 0 “estilo” da poesia épica (3), entre “narragao simples”, de um fades sensor ) exeluindo-se a lez” (enargia) dos REVISTA USP, Sto Poul, 9.53, p lado,e“imitagio”, de outro. Quando pocta fala na pessoa de outro, podemos dizer que ele assimilaseuestiloa maneirade falardessa pessoa; essa assimilagao dele mesmo a ou- to, pelo uso da voz ou do gesto, é uma imi- 1acdo da pessoa cujo caréter ele assume. ‘Todavia, se 0 poeta em todo lugar aparece e nunca se oculta, entio a imitagiio 6 abando- nadae sua poesia se torna narracdo simples Plato, em seguida, ilustra essa diferenga “traduzindo” umapassagem inicial da Iliada do discurso direto para 0 indireto ~essenci- almente, colocando “ele disse que” ou “ele ordenou-Ihe que” no lugar dos didlogos en- tornando, assim, uma passagem tre aspas. imitativa em narragao simples. Ele vai adi ante € observa que © extremo oposto ~ did- logos, apenas ~ se aproxima do estilo do drama, inteiramente imitativo (& exce¢ao, poderfamosacrescentar,dos comentarios do coro © das narragdes dos mensageiros). Homero, é claro, mistura ambos — assim res. Temos, por outro lado, a forma que usa somente a ‘voz do poeta: por exemplo, o ditirambo (It- jew). Veremos a seguir, entretanto, que 0 didlogo nao € o nico fator que distingue a imitagdo da narracao, Partindo agora paraaextremidade opos- ta da curva da hist6ria, recordemos uma. distingao na pessoa de Stephen, entre as formas Ifrica € dramatica, tendo pico como interme- didrio, que no difere de maneira alguma, em linhas gerais, daquela de Platao. Neste ponto, ele fala da evolugao da literatura do clamor lirico para as projegoes dramaticas impessoalizadas: “A narrativa tampouco & meramente pessoal. A personalidade do artista passa para a propria narragiio, en- chendo, enchendo de fora para dentro as pessoaseaacdo como um mar vital (...).A forma dramatica € atingida quando a vita lidade que encheu e turbilhonou em volta decada pess pessoa uma forgatal queele ou elaacaba assumin- do uma vida estética prépriac imangivel™. ‘Segue, entio, a hoje famosa passagem so- bre o desaparecimento do autor: “A perso- nalidade do artista, no comego um grito,ou uma cadéneia, ou uma maneira [lirica], © como a maioria de seus suces: imilar desenvolvida por Joyce ‘enche tod: 66-182, motgo/meic 2002

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