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REGULAGAO E EFETIVIDADE DA DECISAO REGULATORIA* Marcos Juruena Villela Souto** Introdugao O incremento tecnologico, especialmente nas comunicagdes, gerou uma maior aproximagaio dos povos, a partir da qual ¢, com ela, os contatos com noyas culturas padrdes de eficiéncia, competigao, mudanga do conceito de bens ¢ servigos estratégicos. Tal aproximago levou a ampliagio do volume de negécios e, com isso, a ampliagio de fronteiras comerciais, com a formagao de blocos econdmicos caleados na idéia da livre circulagio de bens e servigos no seu territério. Isso forgou a necessidade de uniformizacdo no tratamento juridico de determinadas atividades, que, dentro de um mesmo bloco, nao poderiam ser, 20 mesmo tempo, livres e monopolizadas, sob pena de comprometer a igualdade ¢ a livre circulacdio de bens. A transigiio do modelo estatizante de monopélios para a competigio deve s gradual; do contrario, aquele que tem posigao dominante cria barreiras 4 entrada ou a permanéneia no mercado dominado. Ai o papel da Regulacao de um determinado setor definido como relevante no plano de desenvolvimento econdmico. A regulagdo como transigao para o livre mercado LUCIA DE CASTRO GARCIA-MORATO e GASPAR ARINO ORTIZ! identi- ficam dois tipos basicos de regulagiio. A primeira, a “regulagiio extema” ou “policia administrativa”, que cuida de condigdes de seguranga, salubridade, protegaio do meio ambiente ¢ localizagao fisica em que se desenvolve a atividade, mas sem determinar suas decisdes. A segunda, a “regulagao econdmica”, centrada na entrada e saida do mereado?. * Texto base para palestras proferidas no Seminario sobre Joint operating agreement promovido pela Camara Britinica no Rio de Janeiro, em 03.04.2002 ¢ no Semindrio Internacional promovido pela UNIVERSO - Universidade Salgado de Oliveira, em 04.04.2002, em Niterdi ** Doutorando em Dircito Eeonémico na Universidade Gama Filho, Professor do MBA em Direito da Eeonomia e da Empresa da Fundagio Getilio Vargas, Advogado ¢ Procurador do Estado do Rio de Janeiro, CASTRO GARCIA-MORATO, Lucia e ARINO ORTIZ, Gaspar, Derecho de la competéncin em seciores regulados ~ fusiones y adquisiciones ~ control de em, y poder piiblice. Granada : Colmares, 2001, pig. A cexpressio “mercado ta para se referir a todasas questoes objeto de regulagao, porque este ¢ tido como cenétio ao qual devem ter liberdade de acesso, permanéncia e saida todos os agentes interessados em desempenhar uma determinada atividade econdmica ou dela se beneficiar. O mercado Gum conceito wenico, abrangendo um espago geogrifico para 0 qual convergem consumidores e fornecedores de um determinado bem ou servigo. O conceito é econdmicoc juridico, eis que o livre acesso ¢ asseguirady por conta do principio fo sep 340 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2002 O modelo tradicional de abertura, até agora adotado, & io para a con- cessiio da atividade econdmica; nesse modelo, no entanto, o Estado se substitui ao mer- cado para fixar ele proprio as condigdes de eficiéncia desejadas do agente econémico que desenvolverd as atividades concedidas, tomando decisdes que deveriam ser do empresario. Aos poucos, a idéia é ampliar a abertura, permitindo o livre ingresso de agentes no mercado ~ sistema de licenciamento de utilidades pablicas (EUA) e de autorizagio de servigos econdmicos de interesse geral (modelo europe), que se submetem as constantes exigéncias da sociedade, introduzidas nos atos atributivos de direito de ingresso no mercado por meio da regulagio, até se chegar a desregulagao (que também é um instrumento de politica regulatoria) Regulagdo e desverticaliza¢ao Para ampliar « competitividade, a politica regulatoria prevé, entio, a desagr gago de atividades — unbundling ~segregando segmentos que comportam competicao daqueles que nao a comportam No campo da energia elétrica, do petréleo ¢ gas natural isso & visivel com as atividades de geragao, transporte, distribuigao e comercializagao, que podem, assim, ser desagregadas. A desagregagao pode ser contabil, juridica ou socictaria. Na desagregagdo contabil ou de gestio identifica, para fins de controle, as receitas de cada uma das atividades, impedindo, por essa via, os subsidios cruzados Na desagregagio juridica exige-se que as atividades desagregadas sejam desen- volvidas por pessoas juridicas distintas, ainda que do mesmo grupo. Na desagregagao societiria ou acionria, tem-se a mais grave forma de interveneio, impedindo-se que um grupo controle toda a cadeia de atividades, impondo-se, como conseqiiéneia, a alienagéio compulsdria do controle de um segmento. A escolha por um desses modelos de segmentagio das atividades econdmicas deve atentar para o principio da proporcionalidade, optando-se pela forma menos drastica de restrigdo da liberdade econdmica se esta for suficiente para o atendimento da competigao; exige-se, como em todo o exercicio da fungao regulatoria, a constante ponderagio entre custos ¢ beneficios da intervengio. cconstitucional da livr a. Isso niio pode ser aplicado amplamente aos servigos piblicos, porque quanto estes ainda no é garantido constitucionalmente o livre acesso, mas, somente quando houver, da parte do poder publico, interesse em viabilizar& iniciativa privada a pasticipagdo desse seemento econdaico, Tal Geciszio pode ou niio envolver uma questdo ideoligiva, informada pelos prineipios da eficifncia e da economicidade como futores que norteiam a opgdo discricionaria dos adminisiradores pitblicos sobre o modo de estruturar fungdes piiblicas; onde o particular puder ser mais principios constitucio: impoem a opeao pela gosto privada da fungiIo piblica; a ideologia no pade privar o adminisirado do servigo universal, eficien dio teleoldgiea a tendéncia no regime da Unio Européia e no conceito de public utility norte americano. eficiente, ess nais fe €ao menor custo, sendo esta v REGULAGAO E EFETIVIDADE DA DECISAO REGULATORIA 341 Regulacao e livre acesso Esses mercados setoriais fazem intenso uso de infra-estrutura — redes. Estas, no processo de abertura, passam a se submeter a uma doutrina de facilidades essenciais ~ essential facility doctrine — que representa aplicagiio dos principios da fungio social da propriedade ¢ da livre concorréncia. Tal doutrina permite livre acesso aos dutos € redes, desde que preenchidas as condigées técnicas para tanto pago o justo prego A sua nao implantagio preserva, de fato, o monopolio, impedindo 0 acesso 20 mercado io. ed competi E o que se vé em matéria de gasodutos, oleodutas, redes de transmissio elétrica e de telecomunicagoes, portos, etc. Nos ramos do petrileo e do gas, até 0 advento da Emenda Constitucional n° 9/ 95 apenas a Unitio ou empresa sob seu controle aciondrio poderiam exploraras ativida- des e bens relacionados 4 produgio e transporte. Como a duplicacio dessas redes pelos novos competidores a ingressarem no mereado aberto se afigura invidvel, a situagdo caracteriza um monopélio natural, nio 86 pelos elevados custos de construgio como pela impossibilidade de recuperacio de tais investimentos em regime de competi¢io. Na ligio de CALIXTO SALOMAO!, as redes criam os retornos crescentes de escala, i, ¢., quanto mais consumidores fazem parte da rede, mais titil é ela para o proximo consumidor. Dessa forma, nfo ha qualquer estimulo, seja do ponto de vista do custo ou da utilidade, para o consumidor escolher a rede concorrente. Como a sua construgo € inconveniente, as redes ja construidas passam a desempenhar um papel fundamental. $6 nelas poder se desenvolver qualquer tipo de concorréncia ¢ s6 através delas 0 consumidor poder ser atendido. Essas redes so 0 elemento basico para a dominagiio dos mereados por parte dos agentes econdmicos que as detém. Isso, como dito, impediria os novos agentes de terem acesso ao mercado, de nada adiantando a modificagio constitucional Dai as medidas de concretizagdo dos principios da livre concorréncia, da fungao social da propriedade e, ainda, de dirigismo contratual em setores sensiveis, entre as quais, 0 reconhecimento da essencialidade da propriedade sobre dutos e redes para 0 desenvolvimento da ordem econémica em consonancia com tais principios'. SALOMAD, Calixto. Regulagio da atividade econdmica: prineipios e fundamentes juridicos, Sio Paulo: Malheiros, 2001, pigs. 38, 39 © 42 Emenda Constitucional n° 9/95; Lei n® 9.478, de 06.08.97, instituindo a Agencia Nacional do Petréleo, com competéncia para regular o setor, ¢ artigo $8, principio do livre acesso aos dutos, cabendo ao regulador definir as condigdes de uso, 0 que foi feito pela Portaria n° 169 da ANP, fixando os critérios téenicos de implementagio da politica de abertura do setor.

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