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INTRODUGCAO AOS PRINCIPIOS GERAIS DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO* Jacinto Neison pr Mrranna Courinto** SUMARIO: 1. Iniroducao 2. Principios relativos aos sistemas processuais: inquisitive e dispositive 3. Principios relativos a jurisdi¢ao. 4. Principios relatives @ agéo 5. Principios do livre convencimento. 1 INTRODUGAO Como é elementar, 0 estudo dos principios gerais do Processo Penal €0 que fornecerd a base para uma compreensao sistemdtica da matéria. A par de se poder pensar em principio (do latim, principium) como sendo inicio, origem, causa, génese, aqui € conveniente pensa-lo(s} como zaotivo conceiinut sabre 05) | 5) fienda-se a teoria geral do processa penal, podendo estar positivado (na lei) ou nao. ak Por evidente, falar de motive conceitual, na aparéncia, ¢ nao dizer nada, dada a auséncia de um referencial semantico perceptivel aos sentidos. Mas quem disse que se necesita, sempre, pelos significantes, dar conta dos significados? Ora, nessa impossibilidade ¢ que se aninha a nossa humanidade, nio raro despedacada pela arrogincia, sempre imagindria, de ser o homem o senhor absoluto do circundante; e sua razao 0 summum do seu ser. Ledo engano!; embora nao seja, definitivamente, 0 caso de desistir-se de seguir lutando para * Texco preparado e inicialmente apresentado no Ambiro da Comissio de Estudos criada pelo Tribunal de Justiga do Estado do Parand e Instituto Max Planck, de Freiburg, Alemanha, no Projeto “A Justica como garantia dos direitos humanos na América Latina’, maio de 1998. == professor de Diseito Processual Penal na UFPR ¢ IBEJ. Pés-praduado em Curitiba ¢ Roma. ‘Revitta da Faruldade de Direito da UFPR, Curitiba, 0. 30, 0. 50, 1998, p. 163-198 16s Doutrina Nacional tentar dar conta, 0 que, se nao servisse para nada, serviria para justificar o motivo de seguir vivendo, 0 que nao € pouco, diga-se en passant. De qualquer sorte, nao se deve desconhecer que dizer motivo conceitual, aqui, é dizer mito! , ou seja, no minimo abrir um campo de discussao que nao pode ser olvidado mas que, agora, nado hd como desvendar, na estreiteza desta singela investigacao. Nao obstante, sempre se teve presente que hd algo que as palavras nao expressam; nao conseguem dizer, isto ¢, hd sempre um antes do primeiro momento; um lugar gue ¢, mas do qual nada se sabe, a nédo ser depois, quando a linguagem comeca a fazer sentido. Nesta parca dimensao, 0 mito pode ser tomado como a palavra que é dita, para dar sentido, 1:0 lugar daquilo Gite, em senda, néo pode ser dite. Dai o big-bang? a fisica modemna; Deus & teologia; o pai primevo a Freud ¢ & psicandlise; a Grndnorm a Kelsen ¢ um mundo de juristas, s6 para ter-se alguns exemplos O importante, sem embargo, é que, seja na ciéncia, seja na teoria, no principium esta um mito; sempre! Sé isso, por sinal, j4 seria suficiente para retirar, dos impertinentes legalistas’, a muleta com a qual querem, em geral, sustentar, a qualquer prego, a seguranca juridica, 86 possivel no imagindrio, por elementar o lugar do logro, do engano, como disse Lacan; e ai est o direito.4 Para espacos mal-resolvidos nas pessoas ~ e veja-se que o individual est4 aqui e, postanto, todos —, o melhor continua sende a terapia, que se hd de preferir ds investidas marotas’ que, usando por desculpa 0 juridico, investem contra uma, algumas, dezenas, milhares, milhées de pessoas ' Nao se desconhece a importancia fundamental, quanto a nogie de mito, de Claude Lévi-Scrauss, mormente & Ancropologia; de Carlo Giunzburg, mormente a Histéria; de Sigmund Freud ¢ Jacques Lacan, mormente & psicanilise, assim como tantos outros nomes vitais a0 conhecimento humano. Sem embargo, para o Dircito, qui¢é o nome imprescindivel, nesta matéria, scja o de Pierre Legendre, principalinente nas Leeciones IV ; el inestimable objeto de la transmisién ~ estudio sobre el principio genealdgico en Occidente. Trad, de Isabel Vericac Nuifiez, México : Siglo Veintiuno, 1996, em especial p.100 ¢ ss. ? Delineado magistralmente por Agostinho Ramalho Marques Neto no Curso de Extensio Universitaria realizado na Faculdade de Direito da UFPR, em Curitiba, entre 21 ¢ 25 de setembro de 1998, sob o titulo “Erica ¢ lei: uma leitura da Andgona de S6focles” * Alfredo Augusto Becker, com a genialidade que Ihe era peculiar, deixou para os menos avisados a ligio de Bartolo de Sassoferrato (1313-1357), que, segundo diz, teria ensinado a Tullio Ascarelli, que teria ensinado a Rubens Gomes de Souza c este a ele: “I meri Ieggisti sono puri asini”. (Carnaval tributario. So Paulo ; Saraiva, 1989). “ LACAN, Jacques. Livro 20: mais, ainds. 24 ed., versao brasileira de M. D. Magno, Rio de Janeiro : Zahar, 1985, p.10: “... lembrarei ao jurista que, no fando, o direito fala do que vou lhes falar — 0 gozo. [...] © gozo éaquilo que nao serve para nada. (p.11)”. ia chamar assim atos que, no poucas vezes, s0 verdadeiros genocidios? Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 Doutrina Nacionat 165 Por outro lado ~ € para nés isso é fundamental, depois do mito hd que se pensar, necessariamente, no 7it0. Jd se passa para outra dimensio, de vital importincia, mormente quando em jogo esto questdo referentes a0 Direito Processual c, em especial, aquele Processual Penal O papel dos principios, portanto, transcende a mera andlise que sc acostumou fazer nas Faculdades, pressupondo-se um conhecimento que se nao tem, de regra. Neste espaco é que se coloca a feliz assertiva langada por Jorge de Figueiredo Dias: ‘do estes <> que dia sentido & multidao das normas, orientagito ao legisladar e permitem it dogmdtica nédo apenas <>, mas verdadeiramente compreender os problemas do direito processual e caminhar com seguranca ao encontra da sua solucao’”® Diante disto, para conhecer-se aqueles tidos como fundamentais, faz-se necessério comegar analisando os princfpios referentes & organizacao dos sistemas processuais e, em seguida, aqueles tidos como bases estruturais da trilogia do Direito Processual Penal: acao, jurisdicao e processo. 2 PRINCIPIOS RELATIVOS AOS SISTEMAS PROCESSUAIS: INQUSITIVO E DISPOSITIVO O estudo dos prineipios inquisitivo e dispositivo nos remete de plano & nogio de sistema processual. Por elementar, os diversos ramos do Direito podem se organizados a 1 partir de uma idésa basica de sistema: conjunvo de teias, colocados em relagac, por um principio unificador, que formam um todo pretensamente orginico, destinado a uma determinada finalidade. Assim, paraa devida compreensio do Direito Processual Penal ¢ fundamental © estudo dos sistemas processuais, quais sejam, inquisitério ¢ acusatério, regidos, respectivamente, pelos referidos principios inquisitivo ¢ dispositivo. Destarte, a diferenciagao destes dois sistemas processuais faz-se através de tais princ{pios unificadores, determinados pelo critério de gestio da prova. Ora, se 0 processo tem por finalidade, entre outras, a reconstrugao de um fato pretérito crime, através da instrugao probatéria, a forma pela qual se realiza a instrugao identifica o prinefpio unificador. 6 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra : Coimbra, 1974, p-113 Revista da Faculdade de Diteita da UFPR, Curitiba, a, 30, n. 30, 1998, p. 163-198

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