ANTROPOLOGIA FILOSOFICA E EDUCACAO
Ms. Neusa Vaz e Silva’
Resumo: O propésito deste artigo consiste em refletir sobre a necessida-
de de nossas Academias retornarem a indagagdo sobre quem ¢ 0 homem. Ou
seja, colocar como pressuposto fundamental do processo que almeja ser educativo
a concepgao antropoldgica do educador’. A abordagem ¢ feita a partir do princi-
pio tedrico oferecido por Max Scheler na obra Etica dos Valores, perpassada
pela categoria de “emogo” desenvolvida por Humberto Maturana.
Palavras-chave: Humanizagao, educagao, pessoa, emocao, modelo.
Uma questiio quase esquecida hoje em nossas Escolas e Academias € a
pergunta: Quem é 0 homem? Em um mundo que tem na ciéncia e na técnica o seu
centro, as interrogagées classicas a respeito dos elementos constitutivos do ser
humano deslocaram-se para 0 campo do conhecimento cientifico e tecnoldgico.
Vive-se a absolutizagdio do saber racional, ignorando-se que o humano
nao se esgota na racionalidade, mas inclui os aspectos especialmente ligados
manifestagdo da emogao. Manifestag’o que, em grande parte, nos guia.>
* Professora de Filosofia do Centro Universitirio La Salle/UNILASALLE/CanasiRS ¢ Centro Universitario
FEEVALE/Novo Hamburgo/RS.
® Antcopologia tomada como processo de constinuigio do humano.
* As emogées ndo so 0 que correntemente chamamos de sentimento; emogdes sio disposigSes corporais
dinamicas que definem os diferentes dominios de agdo em que nos movemos.
Fulasofager. Passo Fundo, ano XI, n® 21, p. 70 a 76, 2002/ll 70Essa perspectiva dominante levou-nos a um novo modelo de homem, a
um novo modo de ser (ethos) que se pode denominar de homem técnico-cien-
tifico, sem que se atente para as conseqiléncias desta postura, uma vez que ela
nao privilegia a reflexao sobre os proprios atos.
Nao se esta julgando se a ciéncia e a tecnologia so boas ou mas, pois
elas podem tornar-se ambas as coisas: podem ser tanto a gloria como a miséria
humana, dependendo dos interesses que as movem. O que se questiona é 0
fata de o nosso modelo educacional tratar o ser humano de uma forma lacunar.
Um dos problemas de hoje € que o homem convive de forma um tanto
inconsciente com os avangos da ciéncia e da tecnologia que, embora em si
mesmas sejam vatiosas, podem se tornar perversas em razio de uma perda da
razio reflexiva. “Somos seres emocionais que usamos a razdo para justificar
e ocultar as emogées nas quais se dao nossas agdes”. Fazemos 0 mundo em
que vivemos com o decorrer do nosso viver. Mas parece que 0 homem con-
temporaneo esqueceu esta verdade, esta esquecendo que a nossa identidade
nao se constréi no ter € no fazer, mas em ser humano.
O movimento filoséfico do final do século XIX, os existencialismos,
representados por Max Scheler, Martin Heidegger, Gabriel Marcel, entre ou-
tros, bem como a Biologia do Conhecimento, de Humberto Maturana, vem
inaugurar uma suspeita a respeito da exacerbagao da racionalidade.
O mundo da verdade, o mundo pratico dos homens historicamente si-
tuados, a compreensado da vida significativa, situam-se num campo que
extrapola a razao cientifica ¢ técnica. O homem concreto é uma totalidade que
nao se limita, nao se exaure na vida da consciéncia, na racionalidade. Nao se
est4 desvalorizando a razao, ao contrario, quer-se convidar a que nos demos
conta de que “somos” exatamente no entrelagamento do raciocinar e do emo-
cionar concretizado no viver cotidiano.
A filosofia pretende explicar a vida significativa dos seres humanos na
existéncia; dai que a sua tarefa primordial é tornar-se uma antropologia filos6-
fica, ou Seja, partir da riqueza do mundo humano elaborando um conhecimen-
to para atém da vida da consciéncia.
+ MATURANA, Humberto El Sentde de lo Humano. p. 257.
[_ Pelesogazer. Passo Fundo, ano Xi, n®24, p.70 a 76, 2002/1 [74]Dizer que é a razio que singulariza, fundamentalmente, o humano, é
fecharmos os olhos a nds mesmos; é ficar-se cego frente 4 emogao, conside-
rando-a como algo que inibiria o racional quando, na verdade, é ela que possi-
bilita a concretizag’o dos atos resultantes da andlise reflexiva.
Nossa questo ¢ a educagao, Ora, a educagdo é um processo em que a
crianga ou 0 adulto, na convivéncia com 0 outro, se transformam espontanea-
mente. A educagao diz respeito fundamentalmente ao homem, enquanto ser
singular, individual e social, destinado a ser. E 0 ser so se dé no espaco da
convivéncia. Logo, toda compreensio ¢ toda praxis da educag3o apenas pode
se efetuar em referéncia ao homem, destinado a ser homem.
Parte-se do pressuposto de que 0 homem é um ser inacabado por essén-
cia, dai ser a educagao um processo continuo que dura toda a vida. Logo, é
uma exigéncia do préprio ser do homem, uma destinagio a ser.
E importante compreender que a educagao nao pode ser tomada como
uma realidade externa ao ser humano, mas como uma realidade que diz res-
peito a totalidade constitutiva do ser homem. O “feitio” que vai tomando o ser
que se educa algo que brota de si mesmo, do humano na sua totalidade, na
sua manifestacao de ser que se objetiva na convivéncia e aceitacao e no res-
peito pelo outro, a partir da aceitagao e do respeito por si mesmo.
Educar-se é um fazer-se a si mesmo, é um construir um mundo pesso-
al, uma identidade. Ela se da no decurso de uma vida vivida, em contato eem
ligagdo com o mundo. Ela vai se concretizando pouco a pouco, nas vitorias
alcangadas sobre as oposigées, as ideologias, as paixdes; a educagao se dé no
amor, na agao. A educagao se da no engajamento (a¢ao), na gratuidade (amor).
Scheler diz que somente quem consente em se perder a servi¢o de uma
causa nobre, sem se preocupar com o que dai resultara para si, aleancara 0
verdadeiro eu, pois nossa busca de felicidade, nosso sentido de vida encontra-
se sempre com 0 outro do préximo
Sendo assim, 0 agente principal da educag4o/humanizacio é 0 homem
individual, singular, situado com o outro no mundo. A educacdo, na medida
em que é realizagao individual ¢ singular do homem, nao pode ser concebida
como aquisi¢ao de formas, que se impde ao homem vinda desde fora, mas um
fenémeno de transformacdo estrutural que se d na convivencia. A educagao é
Fissofazer. Passo Fundo, ano XI, n° 21, p. 70 a 76, 2002/1 72