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ISSN 1517-5545 Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva 1999, Vol. 1, n” 1, 9-21 Adeus, Mestre!*! Fred Keller Quando eu era menino e, 20 fim do tiltimo dia de aula, entrévamos nas férias de verdo, costumavamos celebrar nossa liberdade do controle educacional, cantando: “Good-bye scholars, good-bye school, Good-bye teacher, darned old fal!”? Na verdade, no pensdvamos que nosso mestre fosse deficiente ou um palhago ou tolo. Estivamos simplesmente escapando das restri- gdes escolares, com a lancheira numa das maos: sapatos na outra, tendo nossa frente todas as delicias do verao. Naquele momento, poderia- mos até estar bem dispostos em relago ao mes- tre e sentir mesmo uma ligeira compaixio ao terminar a quadrinha. “Mestre” era em geral uma mulher, nem sempre mogae nem sempre bonita. Era freqtien- temente exigente e tinha, as vezes, uma Lingua agugada, sempre pronta a rebater quando saia- mos da linha. Mas, vez por outra, aquele que trouxesse uma excelente ligio de casa ou se saisse excep- onalmente bem na recitaglo em classe, pode- ria vislumbrar-Ihe nas feigdes um relance de aprovaeao ou de afeicao, que fazia valer a pena a hora passada em aula, Nestas ocasies, gosti- vamos de nossa professora e até achévamos que a escola era divertida Nao o foi, entretanto, o suficiente para li me manter quando fiquei mais velho. Voltei-me, entio, para outro tipo de educago, no qual os reforgos eram, &s vezes, to minguados quanto os que prevaleciam na sala de aula. Comecei a trabalhar como mensageiro da Western e, entre as entiegas de telegramas, aprendi 0 cédigo Morse, decorando pontos e tragos escritos numa tira de papel e escutando um relé colocado na parede, Ao relembrar aqueles dias, chego & conclusio de que sou 0 tinico tedrico vive do reforgamento que aprendeu o eédigo Morse na auséncia de reforgos. Foi um trabatho longo e frustrador. Ensi- nou-me que aprender fora da escola era td difi- cil quanto aprender dentro dela, ¢ foi assim que comecei a conjecturar sobre um processo menos Arduo para quem quisesse tornar-se especialista Anos mais tarde, depois de voltar paraa escolae coneluir minha educagao formal, retomei es Reproduzido de Keller, F, S. (1972). Adeus, Mestre! Ciéncia e Cultura, 24 (3): 207-12, |. Conferéncia realizada a cony do presidente da American Psychological Association, na Divisto 2, em Washing- ton, D. C.,em setembro de 1967. Tradugdo para Ciéncia e Cultura, por Maria Ignez Rocha e Silva, com permissto do Prof. FredS. Keller e do Journal of 2. “Adeus estudantes, adeus escola; Adeus mestre, velho tolo e danado!” pplied Behavior Analysis, em cujo nimnero inicial foi publicado (1( 1): 79-89), Fred Keller problema clissico de aprendizagem, com o fito de tomar o cédigo Morse internacionalmente menos penaso para os principiantes do que fora para mim 0 cédigo Morse norte-americano (Keller, 1943). Durante a fl Guerra Mundial, auxiliado por alguns estudantes ¢ colegas, tentei aplicar o principio de reforgo imediato, por ocasiao do treinamento inicial na recepgfio de mensagens em cédigo Morse, dado a membros do Corpo de Sinalizacao. Ti dade de observar de perto e durante muitos meses, o funcionamento de um centro de treina- mento militar. Ambas as experiéncias ensina~ ao mesino tempo, a oportuni- ram-me algo, mas eu deveria ter aprendido mais. Deveria ter visto, entéo, varias coisas que mal cheguei a vislumbrar ou que nem percebi. Poderia ter observado, por exemplo, que a instrugiio naquele centro era altamente indivi- dualizada, apesar de as classes serem grandes, 0 que permitia aos alunos avangar em seu priprio ritmo durante 0 curso todo. Poderia ter visto a clara especificagao das habilidades finais em cada curso e, 20 mesmo tempo, um escalona- mento cuidadoso das etapas que levariam ao estadio final. Poderia ter observado a exigéncia de perfeigtio em todos os niveis de treinamento, para cada aluno; o emprego de instrutores que nada mais eram do que alunos graduados e bem- sucedidos em anos anteriores; a redugio, a0 ‘minimo, de aulas expositivas como instrumento de ensino e a grande énfase na participagaio do aluno. Poderia ter visto, espe mente, uma interessante divisto de trabalho no processo educacional, dentro da qual as obrigagdes dos professores nlo-comissionados se restringiam as fungdes de orientar, esclarecer, demonstrar, testar, atribuir notas e coisas semelhantes, ao passo que o professor comissionado (oficial de treinamento) se dedicava ao estudo da logistica do curso, & interpretagao do manual de treina- mento, a elaboragio dos guias e planos de aula, A avaliagdio do progresso do aluno, & selecdo de membros para o quadro dos omissionados € & preparagio de relatérios para seus supe- riores. De certo modo, vi tudo isso, que todavia estava para mim incluido num contexto espe~ cial, de “treinamento”, no no de “educagiio”. Nao percebi, entdo, que uma série de contin- géncias reforcadoras iiteis na modelagem de habilidades simples, como as de um operador de radio, poderia usar-s volver repertérios verbais, comportamentos conceituaise técnicas de laboratsrio, no contexto da educagdo universitiria. Sé muito depois, por bem diversos caminhos, cheguei a tal desco- bert. ¢ também para desen- Essa histéria comegou em 1962, quando dois psicélogos brasileiros, juntamente com dois psicdlogos norte-americanos, tentaram organizar um Departamento de Psicologia na Universidade de Brasilia. A questio da escolha do um método de ensino surgiu quando se pro- curava resolver o problema pritico de estruturar um primeiro curso que estivesse pronto dentro de um prazo determinado, para um certo niimero de alunos, na nova Universidade. Tinhamos quase completa liberdade de aedo, estivamos insatisfeitos com os métodos convencionais © conheciamos algo sobre instruedo programada. Eramos também partidérios do mesmo ponto de vista tedrico. Suponho que era quase natural que fos: aplicagao dos principios de reforgamento ao processo de ensino (Keller, 1966), © método que resultou desse esforco emos procurar novas possibilidades de conjunto foi inicialmente aplicado em um curso rapido de laboratério na Columbia University >, 3.Com oauxilio do Dr. Lanny Fields e dos membros de um semindtio de pés-graduago, na Columbia University, durante © outono de 1963-64. Adeus, Mestret no inverno de 1963, e o procedimento basico dese estudo-piloto foi usado em Brasilia no ano seguinte, pelos professores Rodolfo Azzi e Carolina Martuscelli Bori, com SO alunos de um curso introdutdrio. © relatério do Prof. Azzi, apresentado na reunido da Americam Psychalo- gical Association em 1965, ¢ as comunicagdes feitas em correspondéncia pessoal, indicaram resultados muito satisfatérios. O novo método foi entusiasticamente recebido pelos alunos & pela administragao da Universidade. Conside- rou-se excelente o grau de conhecimentos adquiridos por todos os que terminaram o curso. ‘As minimas objegées concentraram. torno da relativa auséncia de oportunidades para discussdes entre alunos ¢ assistentes. Infelizmente, a experiéneia de Brasilia sofreu interrupgao brusea durante o segundo semestre de sua operago, devido a um clima de insatisfagao geral dentro da Universidade, que culminou com o afastamento de mais de 200 professores. Os membros do grupo original de psicologia espalharam-se por outras insttuigdes erecomegaram o método, mas por oranao tenho possibilidade de relatar os resultados de seus esforgos individuais. Concomitantemente com 0 desenvolvi- mento brasileiro, 0 Prof. J. G. Sherman ¢ cu iniciamos, na primavera de 1965, uma série de tentativas mais ou menos independentes, usando o mesmo método geral, na Arizona State University, Com varias pequenas mudangas, este trabalho prosseguiu durante 5 semestres, com um njimero cada vez maior de alunos por semestre (Keller, 1967; Sherman, 1967). Os resultados foram cada vez mais satisfatérios em cada grupo novo, e niio houve até agora, nenhuma_ sugestio para retornar a métodos mais conven- cionais. Além disso, tivemos a satisfagdo de ver nosso método aplicado por varios outros cole- gas, em outros cursos e instituigdes.* Ao descrever este método, comegarei com uma citagao (Keller, 19678) tirada de uma papeleta distribuida a todos os alunos inscritos no primeiro semestre do curso de Psicologia Geral (um dos dois cursos introdutérios ofere- cidos pela Arizona State University) durante 0 ano passado. Este seré o método do qual partci- par todos os alunos, a menos que resolvam sair do curso “Este ¢ um curso através do qual vocé podera prosseguir do comego 20 fim, no seu proprio ritmo. Voc8 no sera retardado por outros alunos e nem forgado a avancar enquanto nao estiver preparado. Na melhor das hipéteses, voc’ podera satisfazer todos ‘08 requisitos do curso em menos de um semestre; na pior, poderé nao completar o trabalho dentro desse periodo. O ritmo de progresso depende unicamente de voc8. © contetido deste curso dividir-se-a em 30 unidades de trabalho, que correspon- dem, aproximadamente, a uma série de ligoes decasae exercicios de laboratério, Essas uni- dades sucedem-se numa ordem numérica de- finida © voce precisara mostrar o seu dominio (submetendo-se a um teste de prontidao ou fazendo um experimento) de cada unidade, antes de passar para a préxima. Boa parte da leltura programada para este curso poderd fazer-se na sala de aula, quando nao howver palestras, demonstra- es ou outras atividades. Desta forma, sua classe poderd torar-se, as vezes, uma sala de estudos. Neste curso, arelagao das palestrase demonstragdes com o resto dos trabalhos serd diferente da que geralmente se observa, 4. Por exemplo, por J. L. Michael, com alunos do pemiltimo ano da high-school, num projeto da ‘National Science Foundation, realizado no Grinnell College (Lowa), em 1965; ¢ por J. Farmere B. Cole, no Queens College (Nova York), num curso seme- Ihante ao que aqui descrevemos.

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