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Dados Internacionais de Catalogacgo na Publicagéo (CIP) (CAmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hanks, William F Lingua como prtica socal: das rlagBes entre lingua, cultura e saciedade a ppartr de Bourdiew e Bakhtin / William F. Hanks ; organizagio Anna Christina Bentes, Renato C. Rezende, Marco AntOnio Rosa Machado ;evisio técnica Anna ‘Christina Bentes, Maurizio Gnerre. ~ $30 Paulo : Cortez, 2008, Varios autores Bibliogeafia, ISBN" 978-85-249-1970-9 1. Bakhtin, Mikhail Mikhalloviteh, 1895-1975 ~ Critica e inter: 2. Bourdieu, Pierre, 1930-2002 ~ Critica ¢ interpretag3o_3. Linguaygem e cultura 4. Linguagem e linguas 5. Lingistica antropologica Sociologia 6.Pratica social 1 Bontes, Anna Christina, I Rezende, Renato C. Il, Machado, Marco Anténio Rosa. 1V. Titulo, 08-0220 €Dd.306.44 Indices para catélogo sistematico: 1. Lingua como prtica socal: Lingiatia antropologica (Ciencias Socials 306.64 William F. Hanks LINGUA COMO PRATICA SOCIAL: das relacdes entre lingua, cultura’ e sociedade a partir de Bourdieu e Bakhtin Organizagao ‘Anna Christina Bentes Renato C. Rezende Marco Anténio Rosa Machado Tradugéo ‘Anna Christina Bentes Marco Anténio Rosa Machado Marcos Rogério Cintra Renato C. Rezende Reviso Técnica Anna Christina Bentes Maurizio Gnerre CORTEZ S@sgnrez — s grea ENN ONIN RT EEE Pierre Bourdieu e as praticas de linguagem* 1, Lendo Bourdieu © primeiro desafio para um lingiiista antropélogo ao ler Bourdieu €a linguagem do proprio Bourdieu. Ela é concisa em artigos como ‘The Berber house (1973), densa e reflexiva em Outline of a theory of practice (1977) e em The field of cultural production (1993), e propositadamente obscura em Reproduction (Bourdieu & Passeron, 1977). Bourdieu se posi- ciona contra programas te6ricos e suas terminologias, porém desenvol- ve seu proprio programa e sua terminologia. Seu vocabulério tem ori- gem em campos diversos como a economia, a histéria da arte, a literatu- 1a, a lingtiistica, a filosofia da linguagem, a estatistica e a teoria social (particularmente, as teorias estruturalista e marxista), juntamente com ‘segmentos de uma literatura especifica sobre o Norte da Africa, sobre a 0 trabalho de pesquisa sobre o qual este texto se fundamenta se deve a contribuigies de Jnximeros alunos e colegas. Sou grato pela intermindVveisdiscussdes com os alunos de p-gradua- ‘io da Universidade de Berkeley nos seminars de hist6rla colonial, toria da prea ¢ lingistica antropoligica, entre 2000 e 2004, pelas discusses com Lit Xin, por nossa parceria de ensino nos seminsrios. Agradecimentos especiais a Rob Hamrick e Alysoun Quinby, que me auxilaram em todas 28 fases de elaboragio deste texto, da pesquisa bibliogrifia & ediio fina. Agradeyo, por ‘ma Jennifer Johnson: Hanks, extraordinériainterlocutora. sociedade francesa e sobre a hist6ria. Além disso, ele rejeita os pressu- postos criticos que s4o atribuidos a linguagem no seu proprio campo de estudos (ex. competicéo, monopélio, fornecimento, demanda, capital) (Bourdieu, 1985: 19). Em todos os seus escritos, Bourdieu se vale de ter- ‘mos lingiiistico-semisticos, tais como arbitrariedade, geratividade, invariancia e estrutura, mas rejeita muito do valor lingiiistico e semistico a partir dos quais estes termos sao elaborados. Bourdieu também se envolveu em intimeros debates sobre temas fundamentais tais como razio, intencionalidade e pensamento politico, sendo ele proprio um autor engajado politicamente. Sua aposta lingitfstica era a de que ele poderia absorver termos e conceitos selecionados a partir de outros cam- pos, embora excluindo grande parte da bagagem cultural que estes nor- malmente carregam. O resultado € que 0s leitores desatentos ou insensi- veis a sua aposta perceberdo a escrita bourdiesiana como paradoxal, in- consistente ou opaca. Ela também o torna vulnerdvel a criticas severas, tais como a de Hasan (1999), que investiu contra suas reflexdes sobre Iingua. Para entender a linguagem de Bourdieu, devemos situé-la no uni- verso conceitual da teoria da pritica, incluindo as anélises empiricas por meio das quais a teoria se desenvolveu e para as quais é adaptada (Goodman, 2003). Seu esforgo foi o de conjugar teoria e andlise em uma sociologia cientifica fundamentada empiricamente (Bourdieu, 1985: 11; Bourdieu & Wacquant, 1992: 224-247), tendo como base o modo relacio- nal de pensar (Bourdieu, 1977). Isto é bem ilustrado em seu tratamento ‘etnografico da honra,.do parentesco, das praticas agricolas, do espaco doméstico, do corpo, do calendario (Bourdieu, 197), do uso da estatis- tica (Bourdieu, 1977; 1979), de levantamentos numéricos sobre ptblico e vendas (Bourdieu, 1993: 85, 88 e 98), e de generalizagoes de cunho hist6- rico sobre literatura e arte na Franga do século XIX (Bourdieu, 1993, Par- te II). A linguagem da pratica enfoca nao objetos acabados, mas proces- sos de construgao, redes de inter-articulagao e tipos de reflexividade. Isto 6 verdade mesmo se o objeto de atengdo é a estrutura simbélica (Bourdieu, 1973), a agao politica (Bourdieu, 1991b), Flaubert (Bourdieu, 1993), a academia francesa (Bourdieu, 1988) ou 0 julgamento de gosto (Bourdieu, 1979). £ indtil propor definigées rigidas para seus termos chave tendo em vista que estes adquirem sentido a partir do trabalho relacional feito na andlise. ‘Um estudioso da linguagem pode ler Bourdieu pelo menos de dois modos. O primeiro, focando-se no que Bourdieu diz a respeito da lin- gua e da lingiiistica, em temas tais como performatividade, descrigio, cen- sura e lingua legitima (Bourdieu, 1991b). Da mesma forma, poderiamos inerpelé-lo acerca de sua leitura de autores como Saussure, Chomsky, Austin, Benveniste, Labov e outros tedricos da linguagem (Hasan, 1999), O resultado seria colocar em evidéncia o que Bourdieu disse sobre a lingua e a lingiifstica, nao raro no calor de alguma polémica. Embora importante, 0 problema dessa forma de leitura é que ela revela mais sobre Bourdieu do que sobre a lingua. Uma abordagem mais produtiva 6 a que poderia ser chamada de uma leitura de segundo nivel: colocar entre paréntesis o que Bourdieu afirma diretamente sobre lingua e, em seu lugar, atentar para o que ele tem a dizer sobre outros aspectos da vida social. O fato é que seu tratamento de um espectro de fendmenos sociais, que nao a lingua, contém o trago do pensamento lingiiistico, as veres filtrado pelo estruturalismo, as vezes nao. Sua divida intelectual Para com a lingiifstica e a semistica como formas de organizagao do Pensamento € talvez maior se se mantiver inexplorada, como, por exem- plo, na andlise simbélica da casa Berber (Bourdieu, 1973), no desenvol- vimento do conceito de campo (Bourdieu, 1985; 1991a; 1993), do princi- pio de autonomia aplicado aos campos, da arbitrariedade da classifica 80, da capacidade gerativa do habitus e da competéncia dos que 0 pos- suem, Mais do que isso, ao falar sobre lingua, Bourdieu raramente, quan- do nunca, alcanga 0 nivel de especificidade empirica necessario para avaliar suas afirmagdes, ainda que em outros temas ele o faca. Tomando de empréstimo seus proprios termos, o primeiro nivel de leitura define a lingua como 0 objeto ou 0 opus operatum a respeito do qual sao feitas afitmagdes, ao paso que o segundo nivel de leitura considera 0 pensa- mento linguistico como um modus operandi, em parte independente do que 0 autor discorre. Embora ambos sejam importantes, nos dedicare- mos aqui a este tiltimo.

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