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Juventude, grupos de estilo e identidade« Juarez Tarcisio Dayrel Resumo O artigo discute o tema Juventu- de, procurando compreender que é juventude e, mais especificamente, os espacos sociais onde os jovens vem se produzindo e sendo produzidos como seres sociais. O autor parte da hipétese de que os diferentes grupos juvenis, articulados em tomo da musi ca, vém ocupando 0 espaco das insti- tuigdes classicas de produco de identidades, de orientagao de condu- tas ¢ de elaboragao de projetos coleti- vos ¢ individuais. Palvaras-chaves Juventude, identidade, misica, grupos de estilo. Emucagho eM REWSIA, Abstract ‘This paper discusses the theme Youth, the author ries do discuss what youth is and, more specifically, the soc alfields in wich young people have been producing and been produced as social subjects. The author puts forward the hypothesis that different youth groups, united through music, have substitued Cassie institutions of meaning product ‘on, Accordin to the author, the groups of style function as a field for identity esta- blishmentm, conduct orientation and in- dividual na group project elaboration. Key words Youth, identity, groups of style, music. Ho HoRzonte, N° 30, 02/99 + Texto apresentado no XI Congreso a ‘Assonaglo LaunoAmericana de Sociologia ~ ALAS — fem sctembro de 1997, nna Universklade de Sio Paslo, 8. Professor da Faculdade de Fducacho da UPMG © doxtonindo na Faculdade de Educagto da USP 28 Introdugao No Brasil, © tema da Juventude geralmente ganha visibilidade quando associado aos ntimeros alarmantes de viol&ncia ou a algum comportamento juvenil considerado “exético", alguma novidade na moda ou mesmo um novo jeito de divertir. O jovem é noticia quando, de alguma forma, se torna pro- blema ou entao espeticulo. io que sas duas dimensdes no sejam im- portantes, A questio da violéncia, por exemplo, é cada vez mais séria, com (© crescimento dos indices de mortali- dade juvenil, e, pior, tendo como cau- sa principal o homicidio. corre um certo paradoxo. Nunca as caracteristi- idos & juventude, como nergia ¢ a estética corporal ou mes- case valores li a mo a busca do novo, foram to louva dos, num processo que poderiamos chamar dle "juvenilizacio" da socieda- de mas, ao mesmo tempo, nao se en- contram espagos de estudos, debates ¢ formulacdes de politicas que tenham © jovem como foco, Mesmo aqueles que convivem de alguma forma com as novas gera des constatam um desconhecimento dessa geragao. Pais, educadores ¢ me: mo publicitérios alimentam dividas € especulacdes sobre como lidar com esses novos atores, quase sempre en- fatizando atitudes € valores negativos, numa tendéncia a comparar os jovens de hoje com as geracoes anteriores. A midia ver denominando como a "ge- ragio X”, a letra da diivida, querendo mostrar com isso que € uma geracko que nao tem um denominador comum, que a caracterize conflito € visivel. Por um lado, esse contexto pode ser atribuido sim- plesmente 2 uma expressto atual do conflito de geragdes, que é constituti- vo da sociedade humana: toda nova gerigao (ende a colocar em questo, de forma mais ou menos radicalizada, a heranga social que recebe. Ao mes- mo tempo, temos de levar em conta alguns aspectos que sao especificos de nossa €poca: © contexto de uma soci- edade globalizada, onde € cada vez maior © acesso As informacoes ¢ est mulos os mais variados; um proceso dle transformacio nas instituigdes como a familia, a escola, o trabalho, entre outras, que pode estar alterando os espacos de socializagio; as dificule: des dos adultos em apontar um futuro para os mais novos. S30 aspectos, mais. senticdos do que estudados, que podem estar por try dos conflitos existentes Do ponto de vista do jovem, pa- rece que a dimensio simbdlica tem sido a forma de comunicagao mais presen- te nas atitudes e comportamentos atra- vés dos quais parecem se posicionar diante do seu meio e da sociedade. miisica, a danga, 0 corpo e seu visual tem sido os mediadores que articul elaborar “curtir © som uma postura diante do mundo, alguns deles com projetos de intervencao s0- cial. Cada qual com um visual proprio, numa mescla criativa de aderecos, fa- zendo do corpo sua bandeira, mesmo que nao tenham nenhuma bandeira Para muitos, esses grupos juvenis an- tecipam uma nova forma de estar no mundo, de novas relagdes sociais Assim, a pergunta est4 no ar: quem é essa juventude atual? © que a caracteriza? Quais sto seus impasses e perspectivas? Do ponto de vista da academia, existe uma produgio muito restrita so- bre a juventucle no Brasil, no se cons tituindo, até entao, no Ambito das ias Sociais como um todo, uma li- nha de pesquisa que privilegie os jo- vens como objeto de anilise. 5. paradoxalmente, nem a pesquisa edu- cacional tem investido em conhecer melhor os adolescentes e jovens, enquan- to sujeitos acs quais se destina a ativida- de eclucativa da escola. Neste sentido, ‘Spésito (1997) faz uma andlise revela- dora da produgio do conhecimento so- bre 0 tema *juventude” nos programas de ps graduacdo em Educacio, no pe- riodo compreendido entre 1980 2 1995 Constata que, do total de teses € disser- tagdes procluzidas neste periodo, apenas EpucacAo eu Revista, Bio Homzonre, n° 30, 012/99) 4% se dedicam ao jovem, num indice mais ou menos esté sem maiores tendéncias ao crescimen (©. Analisando os temas abordados, verifica que 44,8% abordam as formas institucionais do process educativo; 20.4% tematizam aspectos psico-soci- ais dos sujeitos investigados. Ja 17.2% abordam a relagio entre trabalho educagao € apenas 2% desenvolvem analises sobre grupos juvenis ¢ form: de sociabilidade coletiva ‘el _nestes anos, ‘A autora afirma que o abando- no do tema da Juventude também € presente na area das Ciéncias Sociais como um todo, com alguns trabalhos sendo desenvolvidos por pesquisado- res isolados, ou em equipes de pe quisa fora da universidade, Este fato toma-se evidente ao constatarmos produgio de teses e dissertagdes dos cursos de pés-graduagao da Faculdade de Filosofia, Letras © Ciéncias Huma nas da USPTomando como referéncia © periodo de 1950 a 1996, existem apenas 35 wabalhos defendidos cujo “objeto esta relacionado 2 juventude Assim, conelui § aca visibi- lidade da questio (da juventude) na esfera ptiblica brasileira, alia-se & fra- ca penetraco no ambito da pesquisa educacional, demandando iniimeros esforcos de adensamento tedrico” Aponta também a necessidade de um dialogo entre os cientistas sociais inte- ados no tema, na perspectiva de lida dle investi- gacio em torno do tema sobre a ju- ventude no Brasil. E esse contexto que nos leva a querer entender a juventude e, mais especificamente, 05 espacos sociais onde os jovens vém se produzindo ¢ sendo produzidos como seres sociais. Parto da hipdtese que os diferentes grupos juvenis, articulades em tomo constituir uma area si da misica, vém ocupando 0 espaco das instituigoes clissicas de produgio de sentido, como a familia, a igreja, a escola, na produgdo de referéncias de vida. Significa dizer que esses grupos tém funcionadg como um espaco que articula identidades, de orientagao de Ebueacko tm Revers, Beto Hoszoute, n° 30, condutas € na elaboracao de projetos individuais © coletivos. Esse trabalho se coloca como um primeiro passo na construgio dese conhecimento, que deveri ser desdobrado numa pesquisa de maior folego. Juventude, musica e os “grupos de estilo” A miisica € uma dimensdo pre- sente na hist6ria cultural da humanida- de, acompanhando as transformagées do homem e da sociedade, expressan- do, de alguma forma, nas melodias € nas letras, 4 relacao do individuo com ‘© scu mundo, no seu tempo. A miisica como expressio individual, por excm= plo, foi fruto de um proceso histéri- co, constituindo-se numa conquista do humano, no bojo das transformacdes s6cio- culturais da modemidade, entre clas, a emergéncia do individuo, Co- mentando sobre este proceso, Coli (1997) afirma que ‘a obra toma-se veiculo das posi¢oes do individuo no mundo. © artista deixou de dever contar ao mecenas, para obedecer a8 esco- Ihas do seu coragto, do seu pensamen- to, da sua consciéneia”, Nessa mesma direcio, Kemp (1993, p.7) nos mostra que as pessoas, a0 produzirem mii ca, reproduzem nela a estratura biisica de seus proprios processos cle pensa- mento, Na medida em que 0s pens: mentos sio socialmente mediados, pode-se dizer que as estruturas basi- cas dos diferentes estilos de misica dos ©, ‘0 também socialmente medi assim, socialmente significativos. Nes- se sentido, a miisica poxe ser compre- endida como resultado de atribuigoes sociais de significados. A relagao da miisica com a ju- ventude é vista quase sempre de uma forma direta, como se fosse uma rel- natural. Mas, ao contrario, & uma relagio que veio sendo construida neste século, principalmente a partir do jazz, por grupos juvenis consiceracios margi- nais, Muchow (1968) considerava os gru- pos de fis de jazz alemies, na década de 50, como herdeiros da tradigao de 282/99 27

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