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Entre o sopro imaterial do oráculo e o sentido gravado na materialidade das coisas fica, é claro,
o grande paradigma da escritura confirmada pela Encarnação. O que vem, duravelmente,
realizar o resgate da letra e sustentar todos os sonhos de uma escrita mais que escrita é a
encarnação cristã do Verbo, dando a letra o seu espírito ( RANCIÈRE, 1995, p.12). Ver, do
mesmo livro, a questão da Inventio, da Disposition e da Elocution, p. 25.
Aristóteles, Poética
A imitação existe, pois, com essas três diferenças, como dissemos no início: os meios, os
objetos e os modos ( ARISTÓTELES, 2008, 41)
Estando, pois, de acordo com a nossa natureza, a imitação, a harmonia e o ritmo ( evidente que
os metros são partes dos ritmos), desde tempos remotos, aqueles que tinham já propensão para
essas coisas, desenvolvendo pouco a pouco essa aptidão, criaram a poesia a partir de
improvisos. A poesia dividiu-se então a partir do caráter de cada um: os mais nobres imitaram
ações belas e ações de homens bons e os autores mais vulgares imitaram ações de homens vis,
compondo primeiramente sátiras, enquanto os outros compunham hinos e encômios
(ARISTÓTELES, 2008, p.43)
Platão, A república
“Pois achas que mesmo que se alguém fosse capaz de fazer as duas coisas: o objeto a
imitar e o seu simulacro, aplicar-se-ia com afinco na confecção de simples imagens, vendo
nissoo fim precípuo de sua atividade e o que de mais elevado pode alcançar? (PLATÃO, 1976,
p. 392).
A ORIGEM VERTIGINOSA
Nossa literatura articulando-se com o Barrroco, não teve infância (in-
fans), o que não tem fala e nem teve origem "simples"' Nunca foi inf-
forme, Já "nasceu " adulta, formada, no plano dos valores estéticos,
falando o código 'mais elaborado da época. Nele, no movimento de seus
"signos em rotação", inscreveu-se desde logo, singularizando-se como
"diferença". O "movimento da diferença". (Derrida), produz desde
sempre: não depende da "encarnação" datada de um LOGOS auroral'
que decida da questão da origem como um sol no sistema heliocêntrio .
Assim também a maturidade formal (e crítica) da contribuição
gregoriana para a nossa literatura não fica na dependência do ciclo
sazonal cronologicamente proposto pela Formação. Anterior e exterior
a esse ciclo, põe em questão a própria idéia gradualista que o rege'
Nossa "origem" literária, portanto, não foi pontual, nem" simples"
(numa acepção organicista, genético-embrionária). Foi vertiginosa",
para falar agora com Walter Benjamin, quando retoma palavra
Ursprung em seu sentido etimológico que envolve a noção de salto, de
transformação.
O regime estético da arte – sem origem e sem destino. Destituição da metafísica e, assim,
da fala plena.
Existem segundo Alain Badiou de "Arte e filosofia" (2002) quatro maneiras históricas de
conceber a arte, a saber: a didático-platônica; a romântica, clássico-aristotélica e a da relação
indiscernível entre arte (poema) e o matema. A primeira forma de compreender a arte, a
didático-platônica, parte do pressuposto de que a arte não detém a verdade ( não é a origem
divina) e por isso deve ser didaticamente limitada, desde fora, por uma verdade que lhe é
exterior; a segunda concepção de arte, a romântica, é oposta à didático-platônica e se sustenta
tendo em vista o argumento de que a arte é sim capaz de verdade, em seu próprio corpo pleno,
como destino de uma origem divina; ou como a própria origem divina; a terceira interpretação
recorrente sobre a arte é a clássico-aristotélica e esta se referencia na proposição de que a arte é
apenas uma mentira inocente, que não tem nem deve ter a pretensão de ser em si a verdade,
como assinala a concepção romântica de arte; nem tampouco deva permitir ser limitada por uma
verdade exterior, como ocorre com a concepção de arte platônico-aristotélica. A concepção
clássico-aristotélica de arte pensa a arte como um efeito de verdade; um efeito que parte de uma
necessidade e uma verossimilhança em relação à partilha do sensível social.
Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Coimbra - Julho 1843
Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 21º ed. Rio de Janeiro: Editora Record,
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ANDRADE, Oswald,Pau-Brasil. Rio de Janeiro: Globo, 2001.
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