You are on page 1of 10

LEI Nº 13.415/2017: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO.

Luíse Victória de Melo Santos


Luzia Macedo
Renata Santana Lima 1

RESUMO: Em razão da Reforma do Ensino Médio das escolas brasileiras, o presente artigo objetiva
refletir acerca da instituição e dos efeitos do modelo de reforma aprovado, especificamente por meio da
análise de três vertentes principais: a utilização da Medida Provisória como instrumento legislativo, a
flexibilização da grade curricular e o aumento da carga horária anual.

Palavras-chave: Reforma do Ensino Médio; Medida Provisória; Grade curricular; Carga horária anual.

ABSTRACT:. Due to the High School Reform of Brazilian schools, this article aims to reflect on the
institution and effects of the approved reform model, specifically through the analysis of three main
aspects: the use of the Provisional Measure as a legislative instrument, the flexibilization of the
curricular grade and the increase in annual workload.

Keywords: High School Reform; Provisional Measure; Curricular grade; Annual workload.

INTRODUÇÃO.

Em 22 de setembro de 2016 foi adotada pelo Presidente da República Michel Temer, a Medida
Provisória nº 746, mais conhecida como a Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio das
escolas brasileiras, não existindo, ainda, efeitos concretos de sua aplicação.

Alvo de polêmicas e protestos por todo país, especialmente por parte de discentes e professores,
o presente estudo pretende pormenorizar três pontos principais: a utilização da Medida
Provisória em se tratando de matéria de grande repercussão e interesse social, a flexibilização
da grade curricular e o aumento da carga horária anual.

1
Estudantes da disciplina Políticas Públicas para o Bem-Estar da Pessoa Humana do curso de Direito da
Universidade do Estado da Bahia, Campus I.
Inicialmente, destaca-se que há grande polêmica quanto ao fato de as mudanças do ensino
médio serem tratadas por meio de Medida Provisória em detrimento de ampla discussão
nacional, sobretudo com a comunidade escolar, os professores, estudantes e especialistas em
educação.

Quanto ao seu conteúdo e que merece destaque neste estudo, aponta-se que a medida em
comento prevê que apenas algumas matérias como disciplinas obrigatórias na grade curricular,
ao passo que as demais seriam residuais e escolhidas pelo estudante ou rede de ensino de acordo
com as cinco áreas de especialidade, são elas: linguagens, ciências da natureza, ciências
humanas, matemática e formação técnica profissional.

Por fim, discutir-se-á o aumento da carga horária escolar, que prevê um aumento da carga
horária curricular de 800 para 1.400 horas anuais, de modo que os estudantes ficariam sete horas
diárias na escola, ocasionando um processo gradual de transformação do ensino em educação
em tempo integral.

Neste sentido, o presente estudo busca propor uma reflexão do cenário proposta pela aplicação
da reforma em debate, além de empreender um esforço no sentido de analisar seus efeitos
práticos a partir das vertentes supramencionadas.

I. PANORÂMA GERAL DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO.

Em 22 de setembro de 2016 foi adotada pelo Presidente da República Michel Temer, a Medida
Provisória nº 746, mais conhecida como a Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio das
escolas brasileiras. Por meio dela, institui-se a Política de Fomento à Implementação de Escolas
de ensino médio em tempo integral, estabeleceu novas diretrizes e bases da educação nacional
e alterou a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de valorização dos profissionais da educação.
Em seu texto original, a Medida Provisória estabeleceu que a carga horária deverá ser
progressivamente aumentada para mil e quatrocentas horas, bem como restringiu a
obrigatoriedade do ensino da arte e educação física à educação infantil e ao ensino fundamental.

Além disso, instituiu a Base Nacional Comum Curricular como responsável pela inclusão dos
novos componentes curriculares obrigatórios a depender da aprovação do Conselho Nacional
de Educação e de homologação pelo Ministro de Estado da Educação, ouvidos o Conselho
Nacional de Secretários de Educação e a União Nacional de Dirigentes de Educação.

Dentre as mudanças trazidas pela Medida Provisória em questão, a principal diz respeito a
separação dos sistemas de ensino através de áreas de conhecimento ou de atuação profissional,
os denominados itinerários formativos específicos, separados em linguagens, matemática,
ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.

Os sistemas de ensino podem ser composto com mais de uma área de atuação, devendo o ensino
ser em tempo integral, bem como considerar a formação total do aluno, de modo a adotar um
trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para a sua formação nos aspectos
cognitivos e socioemocionais. Além disso, o currículo conterá obrigatoriamente a língua
inglesa, podendo ser oferecido, secundariamente outro idioma, preferencialmente o espanhol.

Outra peculiaridade que merece destaque diz respeito a possibilidade de contratação de


profissionais com notório saber reconhecido pelo sistema de ensino para ministrar conteúdos
de áreas afins à sua formação

Durante a tramitação da Medida Provisória no Congresso Nacional, deputados e senadores


realizaram 567 emendas ao projeto, razão pela qual ela passou a tramitar como projeto de lei
de conversão. Após aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, foi publicada
no Diário Oficial em 17 de fevereiro de 2017 como Lei nº 13.415 de 16 de fevereiro de 2017.

Dentre as mudanças realizadas em relação a medida provisória, destaca-se a inclusão dos


estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia como componente obrigatório
da Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio, que originalmente haviam sido
enquadradas como facultativas.

A Reforma do Ensino Médio foi alvo de polêmicas e protestos por todo país, especialmente por
parte de discentes e professores, acerca dos benefícios e retrocessos advindos da reforma
educacional em comento, bem como em relação ao meio escolhido pelo governo para sua
instituição, conforme será pormenorizado nos próximos tópicos.

II. O USO DE MEDIDA PROVISÓRIA COMO ATO INSTITUIDOR DA REFORMA


DO ENSINO MÉDIO.

As medidas provisórias consistem em atos, com força de lei, editados pelo Presidente de
República para disciplinar assuntos de relevância e urgência, conforme disposição expressa do
art. 62 da Constituição Federal, veja-se:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá


adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de
imediato ao Congresso Nacional.

Com efeito, elas perdem a eficácia no prazo de 60 dias, prorrogável por igual, caso não sejam
convertidas em lei pelo Congresso Nacional. Ademais, se a medida provisória não for apreciada
em até 45 dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, sobrestando, assim,
as demais demandas das Casas do Congresso Nacional até sua votação.

Antes de ser analisada por cada casa do Congresso Nacional, a medida provisória deverá passar
por uma comissão mista de Deputados e Senadores, que sobre elas deverá emitir parecer.
Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta
manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. Após votação,
se aceita, será aprovada como projeto de lei de conversão, devendo ser este sancionado ou
vetado.
Como se vê, trata-se de um instrumento criado com a finalidade de facultar ao Presidente da
República uma dinâmica político-administrativa em razão de demandas urgentes e relevantes,
mas jamais como substituto ao processo legislativo regular de tramitação de projetos de lei no
Congresso Nacional.

Desse sentir não diverge Dirley da Cunha Jr. em seu Curso de Direito Constitucional, in verbis:

As medidas provisórias só podem ser expedidas quando, à relevância da


matéria, se somar a urgência. Eis aí os requisitos constitucionais justificadores
da adoção das medidas provisórias: relevância e urgência. Inicialmente, é de
se indagar: que o que se entende por urgência? Só há urgência, afirma Roque
Carrazza, "quando, comprovadamente, inexisti tempo hábil para que uma
dada matéria, sem grandes e iniludíveis prejuízos à nação, venha a ser
disciplinada por meio de lei ordinária". (CUNHA JR, 2014, p. 819)

Diante dessa realidade, questionou-se se de fato havia urgência apta a respaldar a realização de
uma reforma tão ampla do ensino médio por meio de medida provisória. Segundo o Ministério
da Educação, os resultados alarmantes do Ideb serviram de fundamento para a adoção das
mudanças via medida provisória.

Ocorre que as alterações realizadas, como visto, transformam de forma profunda a estrutura do
ensino médio no Brasil, de modo que precisavam ser debatidas amplamente com a população,
especialmente com os afetados diretamente pelas mudanças, alunos e professores.

Segundo o coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Daniel
Cara, em nenhum lugar do mundo uma reforma dessa envergadura foi colocada em prática
dessa forma. Na Austrália e na Finlândia, por exemplo, se levou dois e dez anos,
respectivamente, como forma de se garantir um debate sério. Assim, a utilização da medida
provisória se revestiria de caráter autoritário, permitindo que o Executivo agisse como um
superlegislador.
Salta aos olhos, assim, que a utilização indevida das medidas provisórias terminam por
desvirtuar o seu verdadeiro objetivo e produz consequências institucionais preocupadas, seja
em virtude da quebra do sistema de tripartição dos poderes, seja em função da ausência de
discussão inerente ao processo legislativo.

III. A FLEXIBILIZAÇÃO DOS CURRÍCULOS.

Hoje, todos os estudantes de ensino médio devem cursar 13 disciplinas ao longo dos três últimos
anos escolares. Com a aprovação da reforma em questão, a grade do primeiro ano passa a ser
comum aos discentes, enquanto que apenas as matérias de português, matemática, inglês,
educação física, arte, sociologia e filosofia são obrigatórias para os dois últimos anos do ciclo
escolar.

Diante dessa realidade, as disciplinas residuais passam a ser organizadas por meio da oferta de
diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e possibilidade dos
sistemas de ensino dentre cinco áreas de especialidades, que podem ser combinadas entre si:
linguagens, ciências na natureza, ciências humanas, matemática e formação técnica
profissional.

Nesse sentido, as instituições escolares não são mais obrigadas a fornecer os cinco campos que
compõe a Base Nacional Comum Curricular, de modo, consequentemente, estudantes
necessitarão trocar de escola para focar em matérias de sua preferência ou aptidão no caso da
sua unidade escolar não a disponibilizar.

Segundo o Ministério da Educação, as mudanças possibilitam que os alunos e escolas escolham


as disciplinas a serem aprofundadas de acordo com as necessidades e habilidades estudantis, de
modo que os jovens desenvolveriam seus conhecimentos a partir de sua vocação profissional.

Na mesma linha de raciocínio segue o presidente Michel Temer que, dentre outros argumentos,
defende que o fornecimento de opções curriculares, em detrimento do método impositivo
atualmente em vigor no sistema educacional brasileiro, promoveria diálogo entre o estudante e
sua grade curricular, bem como desenvolveria o interesse dos jovens por sua área de aptidão
profissional.

Não obstante essa realidade, entendemos que a flexibilização curricular em discussão não
resolve os problemas estruturais da educação brasileira, como, por exemplo, a redução do
número de alunos por classe, afim de elevar a qualidade do ensino, e a formação e capacitação
de docentes, tendo em vista que nada adianta dar ênfase em exatas e humanidades se o
profissional da educação não tiver o preparo necessário.

Diz-se isto porque uma das novidades trazidas pela reforma é a possibilidade de docentes sem
licenciatura específica de uma disciplina possam ser contratados para lecionar no Ensino Médio
afim de atender as necessidades do ensino técnico, bastando apenas que sejam dotados de
notório saber.

Ademais, há falta de clareza quanto ao ensino profissionalizante, que pode resultar em uma
estrutura desigual entre as redes de ensino pública e privada, formando, portanto, um sistema
educacional dualista, valendo a pena a discussão neste sentido.

Há aqui um risco iminente de que as escolas particulares modifiquem seu modelo educacional
de ensino médio, mas continuem lecionando o conhecimento universal, enquanto as instituições
públicas estariam focadas tão somente no ensino profissionalizante, com o objetivo apenas de
formar trabalhadores, não se preocupando, em verdade, com uma formação emancipatória no
estudante.

Dessa forma, percebe-se que a as mudanças realizadas, quando aplicadas, podem terminar por
acirrar a desigualdade em um contexto de déficit de educadores e precarização do ensino. Com
efeito, a reforma em comento pode prejudicar manifestamente a equidade de oportunidade entre
estudantes com diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico.

IV. A AMPLIAÇÃO DA CARGA HORARIA DO ENSINO MÉDIO.

Com a Lei 13.415/2016 a carga horária do ensino médio é ampliada de 800 horas para 1.400
horas ao ano, sem, no entanto, um número mínimo de dias letivos necessários. Dessa forma, os
estudantes passam a possuir uma carga horária diária de 7 horas na escola, ou seja, tempo
integral.

A lei prevê ainda que 60% da carga horária será ocupada obrigatoriamente por conteúdos
comuns da Base Nacional Curricular Comum, ao passo que 40 % serão optativos, conforme
disponibilizado pela escola e o interesse do aluno.

A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser
superior a 1.800 horas do total da carga horária do ensino médio. Além disso, os programas
educacionais obrigatórios deverão ser ofertados no período entre sete e vinte e uma horas.

Ocorre que a ampliação da carga horária, como os demais pontos da reforma realizada, não foi
unanimidade, tendo sofrido diversas críticas, especialmente no que tange a qualidade das aulas.

Com efeito, não restou demonstrando como seria realizado o suporte financeiro do aumento da
carga horária, uma vez que não há previsão do aumento de orçamento púbico para investimento
na qualidade do ensino integral. Veja-se que não adianta um aumento quantitativo das aulas
sem um correspondente aumento qualitativo. É que mais importante do que manter o
adolescente muito tempo dentro da escola, é garantir que os conhecimentos que devem ser
passados estão sendo de fato aprendidos.

CONCLUSÃO.

A partir da apreciação feita do cenário instituído em face da reforma do ensino médio no Brasil,
a partir de três pontos principais, quais sejam, a utilização da Medida Provisória em se tratando
de matéria de grande repercussão e interesse social, a flexibilização da grade curricular e o
aumento da carga horária anual, é possível compreender as barreiras das alterações realizadas.

A utilização da medida provisória como meio para iniciar a reforma em questão terminou por
demonstrar um postura autoritária e distante das discussões necessárias a uma transformação
tão profunda quanto a realizada. Com efeito, tais mudanças, em um regime democrático de direito,
prescindiam um debate amplo com a população, especialmente com os afetados diretamente pelas
mudanças, alunos e professores, o que, entretanto, não ocorreu.

Além disso, as mudanças realizadas, quando aplicadas, podem terminar por acirrar a
desigualdade em um contexto de déficit de educadores e precarização do ensino, de modo que
a reforma em comento pode prejudicar manifestamente a equidade de oportunidade entre
estudantes com diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico.

Não fosse apenas isso, não adianta um aumento quantitativo das aulas sem um correspondente
aumento qualitativo. Mais importante do que manter o adolescente muito tempo dentro da
escola, é garantir que os conhecimentos que devem ser passados estão sendo de fato aprendidos
pelos estudantes.

Dessa forma, a flexibilização da grade curricular dissociada do pensamento pedagógico, além


de ser uma medida insuficiente, pois não se preocupa com os problemas estruturais da escola e
de seus professores e estudantes, visa apenas o desempenho do aluno em detrimento de sua
formação integral, que deveria, em verdade, ser pautada no desenvolvimento de uma escola e
formação plural e emancipatória, baseada na cooperação, paz social e respeito às diferenças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado Federal.

BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho
2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28 de
fevereiro de 1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de
Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 17 fev. 2017, Seção 1, p. 1.
BRASIL. Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016. Institui a Política de Fomento
à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº
11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 set. 2016. Seção 1, Edição Extra, p. 1.

CUNHA JR., Dirley. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. Salvador: Editora Juspodivm,
2014.

TRUFFI, Renan. Reforma do Ensino Médio é um retorno piorado à década de 90.


Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/reforma-do-ensino-medio-e-um-
retorno-piorado-a-decada-de-1990> Acesso em: 15/06/2017.

MORENO, Ana Carolina. Base nacional curricular comum: veja a cronologia da elaboração
da BNCC. Disponível em: < http://especiais.g1.globo.com/educacao/2016/base-nacional-
curricular-comum/ > Acesso em: 15/06/2017.

You might also like