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ANTONIO JOSE AVELAS NUNES re UMA INTRODUGAO A ECONOMIA POLITICA QUARTIER LATIN O AUTOR ANTONIO JOSE AVELAS NUNES E Professor Catedritico da Faculdade de Direito de Coimbra, onde se doutorou com uma tese sobre Industrializagdo € Desenvolvimento ~ A Economia Politica do “modelo brasileiro de desenvolvimento”, ‘editada n0 Brasil pela Quartier Latin, com um prefécio de Celso Furtado. Foi membro dos cinco primeiros Governos de Portugal imediatamente a seguir a Revolugio dos Cravos (25 de Abril de 1974), com a tutela do Ensino Superiore da Investigagao Cientfica. Foi Director da Faculdade de Direito de Coimbra entre 1996 © 2000. Exerce, desde 2003, as fungdes de Vice- Reitor da Universidade de Coimbra. £, desde 1995, Director do Boletim de Ciéncias Econémicas, revista especializada editada pela Faculdade de Direito de Coimbra. membro dos Conselhos Consultivo ou Editorial da Revista da Universidade Federal do Parand, da Quaestio luris (revista da P6s-Graduacio em Direito da UER)), da Revista da Faculdade de Direito da USP eda Revista de Direito do Estado. Por convite da Direego da CAPES, participou, em 2001 € em 2004, como observador estrangeiro convidado, nos trabalhos da Comissio de Avaliagio ‘Trienal dos Programas de Pés-Graduagio em Direito (Mestrado e Doutorado). Aceitou idéntico convite para participar nos trabalhos da mesma Comissio de Avaliagdo,em Agosto de 2007. E Vice-Presidente da Direccao do Instituto de Direito ‘Comparado Luso-Brasileiro. £ membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Em 1999, foi-lhe ‘concedido, pela Associagdo dos Advogados de Minas Gerais, 0 Diploma e a Comenda “Professor Gerson Boson’. £ Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Parané e Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas. E autor de varios livros, editados em Angola, no Brasil, na Hungria, no México e em Portugal, para além de vérias dezenas de trabalhos publicados sobre ‘matérias da sua especialidade. Foi agraciado pelo Presidente da Repablica Federativa do Brasil com a Ordem do Rio Branco. Uma INTRopu¢AO A ECONOMIA PoLfrica QUARTIER LATIN Editora Quartier Latin do Brasil Rua Santo Amaro, 316 - CEP 01315-001 Vendas: Fone (11) 3101-5780 Email: vendas@quartierlatin.art:br Site: www.quartierlatin.art br ‘TODOSOS DIREITOS RESERVADOS. Probida a prods tot ou paca, por qualquer meio ou procesnespecimente or sisters grifcosmcrfnicos, fogs, progres, fonogrficos videogrificos Vedas amemoriasio lou recpersio totaou para bem como a inchs de qualquer pute desta obrem qualquer sistema de procestmento de dados. Ess probes splican sc tumbém i caractertcagdficar ce obra un ediorato A volo dos direitos auras € pune como crime (at 184 « parr do Céigo Penal), com pena de prisioc mult, buscae apreensloeindenizasdes divers arts. 101 a 110daLLa9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). ANTONIO JosE AVELAS NUNES Professor Catedrdtico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Parand Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas Uma IntTrRopbucAO A ECONOMIA PoLirica (as Dabs lielian Le Could hy buck be Sinks Editora Quartier Latin do Brasil Sao Paulo, inverno de 2007 quartierlatin@quartierlatin.art.br www.quartierlatin.art.br Editora Quartier Latin do Brasil Rua Santo Amaro, 316 — Centro — Sao Paulo Coordenagio: Vinicius Vieira Diagramacio: Paula Passarelli Revisio: Danilo S. Paes Landim Capa: Studio Quartier ‘Nunes, Anténio José Avelis ‘Uma Introdugio a Economia Politica - Sio Paulo : Quartier Latin, 2007. ISBN 85-7674-208-X 1, Economia 2.Direito I. Titulo Indices para catélogo sistemitico: 1. Brasil : Economia SUMARIO Comegando pelo Principio: O que éa Economia Politica? Referéncias Bibliogréficas . PARTE I Os Sistemas Econémicos - Génese e Evolugao do Capitalismo, 59 Introdugio .... 1.A teoria dos sistemas econémicos I]. Assolugdes 1. A teoria dos “estadios econémicos” 2. A teoria dos modos de produgio 3. A Teoria dos “tipos de Coordenagai IIL. Apreciagio Critica .. Capitulo I - Do Comunismo Primitivo ao Capitalismo .... A-OComunismo Primitivo ... B-O Esclavagismo C-O Feudalismo 1. Caracterizasao geral .. 2. A desagregacio da sociedade feudal D- A Transigao para o Capitalismo - A acumulacio primitiva do capital .. 1. A acumulagio do capital ... 2. A proletarizacao dos camponeses pobres: as enclosures e a ‘revolugao agricola’. 3. A proletarizagao dos trabalhadores da indiistria artesana’ a indistria capitalista 4. A Reforma... 5. A formacao dos estados modernos na Europ 6. A ‘Revolugao Inglesa’... 7. A revolugio industrial . 8. A Revolugio Francesa 11 SL 60 61 61 63 70 71 77 79 87 87 91 101 102 107 111 120 Capitulo II - Do Capitalismo de Concorréncia ao Capitalismo Monopolista de Estado... 175 A-O Capitalismo de Concorréncia 178 B-O Capitalismo Monopolista ...! 182 1. A concentracao capitalista. Seus factores ... 183 2. A exportagio de capitais privados eo recrudescimento do imperialismo ... C-O Capitalismo Monopolista de Estado 1, Enquadramento Histérico 2. Caracterizagio Geral .. 3. A finalizar, uma nota sobre a globalizacio .. 197 Capitulo III - Capitalismo e Socialismo .... 241 1. A tese da convergéncia dos sistemas... 242 2. Capitalismo e Socialismo - elementos essenci 244 3. Um sistema misto? . 246 3.1. A perda de significado da propriedade privada . 247 3.2. A existéncia de um sector puiblico 3.3. A planificacao nos paises de economia capitalista 260 Referéncias Bibliograficas ..... 273 PARTE II Histéria da Ciéncia Econémica. O Pensamento Econémico, 281 Nota Prévia . 282 Capitulo I - O Pensamento Econémico na Antiguidade e na Idade Média 285 1. O Pensamento Econémico na Antiguidade .. 286 2. O Pensamento Econémico na Idade Média Capitulo II - O Mercantilismo .... 1. O “Sistema Mercantil”: o Mercantilismo 2. Os ‘Mercantilismos Nacionais’ 289 290 2.1. O Bulionismo Espanhol .. 2.2. O Mercantilismo Industrial (Franga) 2.3. O Mercantilismo Comercial (Inglaterra) 3. As grandes linhas do pensamento mercantilista . 3.1. Uma politica Nacionalista 3.2. © Populacionismo ... 300 301 3.3. As teses dos mercantilistas no dominio monetério 3.4. Economia e politica sio inseparaveis: 0 papel do estado 4. A controvérsia acerca do mercantilismo 4.1. Os mercantilistas e a “mania da regulamentagio’ 4.2. O ouro a prata constituem a verdadeira riqueza de um pais? 4.3. A importancia do ouro e da prata .. 312 4.4. Teoria da balanga comercial ¢ teoria quantitativa da moeda. “dilema mercantilista” .. esis 4.5. O mercantilismo eo seu tempo. A transigfo parao liberalismo ween. 322 Capitulo II - Os Fisiocratas .. 327 1. A fisiocracia: os “economistas” . 328 2. A “Ordem Natural” 330 2.1. Lei natural, lei fisica lei moral .. 332 2.2. A propriedade, “base de todas as sociedades”. Propriedade, liberdade e igualdade 334 2.3. O individualismo e a harmonia dos interesses. O “laisser-faire, laisser-passer” 337 2.4, Natureza e fungdes do estado 340 2.5. A ciéncia econémica como “ciéncia fisica”, como “fisica econémica” 344 3..O conceito de riqueza .. 345 4, A nosio de trabalho produtivo . 346 5. O conceito fisiocritico de excedente (produit net). 348 6. As classes socizis na anilise do tableau. 350 7.O Tableau Economique, processo de producio e o processo de circulagio das mercadorias 8. Algumas questies te6ricas suscitadas pelo Tableau Economique 357 8.1. A actividade econémica como processo auto-renovavel 357 8.2. A conexio entre a produgao e a circulacdo numa economia mercantil .._ 357 8.3. A moeda como simples intermediario nas trocas .. 358 9. A importancia do excedente no modelo de reprodugio do Tableau Economique... 358 10. O aumento do excedente agricola co crescimento. econémico (0 bon prix para os cereais, 0 impét unique e o laissex-faire, Iaissex-passer) .. 359 11. A nogao de capital e a importancia do investimento .. 362 11.1. Os Avances Foncitres .. 363 11.2. Os Avances Primitives 365 11.3. Os Avances Annuelles .. 366 12. Juizo acerca do significado e da importincia das teses fisiocraticas .. 366 12.1. Uma perspectiva global: a importincia das teorias fisiocraticas na histéria da andlise econémica 366 12.2. Os limites tedricos da abordagem do Tableat aauséncia de uma teoria do valor .... Capitulo IV - A Escola Clissica .... 377 Capitulo V- Adam Smith . 383 1. Adam Smith ¢ o seu tempo. 384 2. A teoria do valor... 388 2.1. O padrio de medida do valor 391 2.2. A origem do valor ... 394 3. A teoria da distribuicao do rendimento .. 402 3.1. A teoria do salaric 3.2. A teoriada renda 4B 3.3.A teoria dolucro 418 4, As causas da riqueza das nagées . 422 4.1. A divisio do trabalho 424 4.2. A acumulagao do capital 425 5. A filosofia social de Adam Smith... 432 Capitulo VI - Jean-Baptiste Say 443 1. A utilidade e a teoria do valor .. 444 2. A teoria dos trés factores de produgio 445 3. A figura do “empresario”.. 447 4. A lei dos mercados dos produtos (Lei de Say) . 448 Capitulo VIL-Thomas Robert Malthus .. 1.0 ‘principio da populagio” 2. A teoria da renda .... 3.O problema da “procura efectiva’ .... Capitulo VIII - David Ricardo .. 1. Ricardo, fundador da economia politica abstracta 2. A teoria do valor .. 3. A teoria da distribuigao do rendimento 3.1. A teoria da renda diferencial ... 3.2. A teoria do salério 3.3. A tendéncia para a baixa da taxa de lucro 4, Ricardo ea lei de Say 5. O livrecambismo e a teoria do comércio internacional Capitulo IX - As Reacgdes contraa Escola Clissica 1. A critica metodol6gica 2. A critica do livrecambismo 3. A critica ‘socialista’. Capitulo X- Do ‘Socialismo Utépico’ ao ‘Socialismo Cientifico’ Capitulo XT - Karl Marx... 1. Marx: a critica da economia politica 2. A concep¢ao materialista da histria 3. As leis da economia politica marxist: 4. A teoria do valor e a mais-valia 5. A teoria da exploragao. 6. A teoria do salario.... 7. A teoria marxista das classes. A luta de classes .. 8. A teoria da concentracio 9. Tendéncia para a baixa da taxa média de lucro, 10. A teoria das crises . 11. A teoria da revolusio e a construsao do comunismo... 451 452 455 456 469 470 474 476 477 483 484 485 485 502 Capitulo XII - O Marginalismo ea Rotura com a Perspectiva Clissica-Marxista ... 1. Say: as classes sociais fora da anélise econémica 2. Os precursores da teoria subjectiva do valor 3. A “revolugio marginalista” 4. Anova economia subjectivista-marginalista 5. A sintese de Lionel Robbins ... 5.1. A lei da escasseze a conduta econémica 5.2. Uma definigdo analitica da ciéncia econémica .. 5.3. A ciéncia econémica é neutra em relacao aos fins 5.4. A Economia como “ciéncia da escolha” 5.5. A Economia configurada como ciéncia dedutiva 5.6. A Economia estuda relagdes entre homens e bens econémicos 6. A critica do marginalismo .. 6.1. ambito da Economia marginalista 6.2. O significado do homo oeconomicus 6.3. A ciéncia econémica pode ser uma 6.4. A Economia marginalista néo pode compreender 0 capitalismo “iéncia dos meios”? Capitulo XIII - Da ‘Revolugao Keynesiana’ a Contra-Revolugio Monetarista .. 1. AGrande Depressio: 0 fim do laissez-faire 2. Keynes: a opgao pela politica financeira .. 3. A fundamentagio econémica do estado-providéncia 4, Aestagnacio e a “ascensio do monetarismo” ... 5. Acontra-revolucao monetarista: do “estado minimo’ “morte da politica econémica” 6. A tese do “desemprego voluntario” .. 7. O problema do emprego visto como problema de salirios 8. Os “monopélios sindicais” ¢ as “imperfeigdes” do mercado de trabalho 9. A critica monetarista ao “principio da responsabilidade social colectiva” 10. Sintese da controvérsia entre keynesianismo e neoliberalismo Referéncias Bibliogrificas ... 559 585 586 586 588 590 591 594 595 599 602 621 COoMEGANDO PELO PRINCiPIO O que£A Economia Potitica? 1.—Etimologicamente, a expressio economia politica significa administragio do patriménio da cidade (do patriménio do estado, do patriménio publico), uma vez «que tem a sua raiz nas palavras gregas oikonomia (oikos— casa, patriménio; nomas —ordem, lei, administrago) e politica (relativa & polis, a cidade-estado dos gregos). Embora com um sentido nao coincidente com 0 seu significado etimolégico, admite-se em geral que a designacao de economia politica tenha sido adoptada pela primeira vez por Antoine de Montchrestien, mercantilista francés (1576-1621), no seu célebre Traité d'Economie Politique (1615). Virias outras designacées foram sugeridas ou utilizadas para traduzir 0 com- plexo de questdes que hoje constituem o objecto da nossa disciplina (v.g, economia civil, economia puiblica, economia nacional, economia social), embora a mais corrente, desde os clissicos ingleses, seja a de economia politica. Depois de Montchrestien, esta designagao foi adoptada por James Steuart (Inquiry into Principles of Political Economy~1770), tornando-se de uso corrente depois da publicagio dos trabalhos de Ricardo, James Mill e outros autores clasicos. 2. = A nossa disciplina surgiu como Economia Politica. Mas a partir de 1890 (1* ed. dos Principles of Economics, de Alfred Marshall) generalizou-se a desig- nacio Economics. Com o éxito da ‘revolugio marginalista’, a op¢ao pela designagio Economics revela a preocupagio de apresentar a disciplina como uma feoria pura, como uma ciéncia teorética pura, ’semelhanga da matemitica (mathematics) ou da fisica (phi- sits) e, por parte de alguns autores, 0 propésito de por em relevo que o que interes- sa€ 0 individuo e nio os grupos, a sociedade ou 0 estado. Nao teri mesmo faltado quem tenha pretendido reservar a designagao Economia para a ‘economia cientifi- ca’ (ou economia positiva) e a expressio Economia Politica para a ‘economia ideo- légica’ (ou economia normativa). No mundo de lingua inglesa, por meados da década de 1950, a designagio Political Economy 36 muito raramente era utilizada (quase exclusivamente na lite- ratura de inspiracdo marxista, contrapondo a economia politica dos classicos ingle- ses e também de Marx e de Engels & nova economics), o que tera levado John Hicks a defender que Political Economy & tio 36 “the older name of Economics”. Esta 12 - Uma InTRODUCAO A ECONOMIA PouiTiCa situagio comegou a mudar a partir do inicio da década de 80. E nos paises francé- fonos manteve-se a designagao tradicional de Economia Politica. Cremos que nao tém razdo os que atribuem a expresso Economia Politica co- notagdes ideolégicas ou implicagdes metodolégicas que anulariam a natureza ci- entifica da sua abordagem dos problemas econémicos. Nao vemos fundamento para se apontar a Economia como cientifica e a Economia Politica como nao-cien- tifica, ou vice-versa. De todo 0 modo, pensamos que a designacao Economia Politica se liga, em regra, uma nota metodolégica especifica dentro da abordagem cientifica dos pro- blemas econémicos. A Economia Politica nao representa um paradigma auténomo, e talvez devamos admitirque nao ha uma economia politica homogénea, mas varias economias politicas. Colocando-se numa perspectiva interdisciplinar, a Economia Politica abre 0 ca~ minho a diferentes ponderagdes acerca da importancia dos elementos nio-econé- micos (histéricos, politicos, culturais, religiosos, filos6ficos, ideoldgicos) e a diferentes combinagdes destes elementos. Masa Economia Politica apresenta actualmente, como traco comum, uma atitu- de critica perante a mainstream economics, especialmente no que toca 4 sua preten- sio de ser uma ‘ciéncia pura’, aos seus postulados individualistas, a sua defesa do equilibrio e da harmonia, a sua recusa em considerar a perspectiva historica e os factores dinamicos. Do nosso ponto de vista, poder dizer-se também que, embora se perfilem ‘leitu- ras’ da realidade ou propostas de politica progressistas ou conservadoras tanto por parte dos que se colocam na éptica da Economics como por parte dos que adoptam a perspectiva da Economia Politica,a Economics veicula,em regra, a aceitago conserva- dora do status quo, colocando-se a Economia Politica, em regra, numa perspectiva de transformagdo da sociedade (para alguns de natureza revolucionéria). Deixando de lado outros aspectos, sublinharemos que os que integram o “clube dos economistas politicos” (Kurt Rothschild) defendem também que a feoriaeco- némica se confunde com a histoire raisonée de que fala Schumpeter a propésito da teoria econémica de Marx. Segundo esta perspectiva, “o objecto da ciéncia econd- mica é essencialmente um processo histérico continuado” (Schumpeter), porque a nossa disciplina s6 pode aspirar ao estatuto de ciéncia “interpretando a historia, incluindo o presente na histsria” (Joan Robinson), tendo sempre presente que “as ideias econémicas so, sempre ¢ intimamente, um produto do seu proprio tempo e lugar, e nao podem ser tidas como coisas distintas do mundo que interpretam”. (J. K, Galbraith)

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