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RaqueIRolnik

r-r= e. / e
Territórios
em conflito
SãoPaulo: espaço,história e política

l TRÊS
ESTRELAS
]:)ARTE lll Territórios negros em São Paulo

São Paulo e a
política urbana
em três décadas Senzalas e quilombos marcaram a história da comunidade negra
no Brasil. Estaprincipia com a escravidãode africanos em ter-

(lg86-aol7) ras brasileiras, parte do empreendimento europeu de conquista


mercantil de um novo território: o Novo Mundo. . . Na lógica do
projeto mercantilista de colonização, a utilização do trabalho es-
cravo respondiaa uma dupla necessidade:alimentar o tráfico de
africanos, um dos setoresmais rentáveis do comércio colonial, e
subjugar uma mão de obra que, se não fossecativa, poderia sim-
plesmente ocupar um pedaço da terra, já que estaera abundante
e inexplorada no Novo Mundo.
A relação senhor-escravo foi assim instituída, tendo a prin-
cípio europeus como senhores e africanos como escravos.
A casa-grande e a senzala coram as formas de espacialização dessa
relação.Projetada pelos fazendeiros envolvidos no empreendimen-
to agrário-exportador, a senzala é o espaço de confinamento do
escravo,prisioneiro de uma condição sub-humana. Sua arquite-
tura expressa a vontade senhorial âleira de quartos semjanela
nem mobília fechando-se em pátios de onde se poderia vigiar e
comandar os escravos.
Para os negros e mulatos trazidos ao Brasil pela máquina co-
mercial europeia, a senzalarepresentava o território da submissão,
fruto da brutalidade dos senhores.Porém,não eram só o olhar
vigilante do senhor e a violência do trabalho escravo que estrutura-
vam o cotidiano dos habitantes da senzala;foi também no interior

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dessaarquitetura que floresceu e se desenvolveuum devir-negro, Assim como nas fazendas, os trabalhos mecânicos nas cidades
afirmação da vontade de solidariedade e autopreservação que fun- também eram realizados por escravose assim foram se consti-
damentava a existência de uma comunidade africana em terras tuindo territórios negros urbanos, espaçode moradia, trabalho,
brasileiras, grupo cujo único laço era alguma ancestralidade da encontro e rito da comunidade. Enquanto espaçosde submissão
Âfrica, continente da memória coletiva.Assim sefoi tecendoum ou autonomia, senzalase quilombos urbanos balizavam a relação
território negro no Brasil, continente de um devir coletivo que mar- da comunidade negra com a cidade onde estavam inseridos.
ca a constituição de uma comunidade afro-brasileira. Senzalas e quilombos -- que papel e que destino tiveram na
Um dos suportes mais sólidos dessedevir 6oi, desde a senzala, o Abolição da Escravatura?
próprio corpo, espaço de existência, continente e limite do escravo.
Arrancado do lugar de origem e despossuído de qualquer bem, era Uma visão de São Paulono momento da Abolição nos fornece
o escravo portador -- nem mesmo proprietário de seu corpo. um flash dessahistória. A maior parte dos aproximadamenteio
Era através dele que, na senzala, o escravo afirmava e celebrava sua mil escravos que a habitavam em i854 era encarregada do serviço
ligação comunitária; era através dele também que a memória cole- doméstico e habitava as casas senhoriais urbanas localizadas nas
tiva pôde se transmitir, ritualizada e festejada. Foi assim que o pátio ruas do Centro ou nas chácaras ao redor da cidade.
da senzala, símbolo da segregação e do controle, se transformou em Nos sobrados urbanos a senzala é os fundos da casa, área de
terreiro, lugar de celebração das formas de ligação da comunidade. trabalho doméstico. Nessa região -- varanda, cozinha e quintal fi-
No entanto, o limite da autonomia desseterritório estava em cavam as mulheres e os escravos envolvidos na produção doméstica.
sua própria definição -- o corpo do escravo era propriedade do se- A varanda era também a salade viver, local onde se faziam asrefei-
nhor. SÓa fuga e a libertação eram capazes de romper esse limite, ções e a sesta. A casa era basicamente um lugar de permanência e
devolvendo ao homem escravo o poder sobre sua própria vida. Daí clausura das mulheres; os homens passavam a maior parte do tempo
nasce o quilombo, zona libertada da escravidão. nas ruas, ficando em casa apenas nos horários de refeição e sono.
A rua era também território dos escravos.A contiguidade dos
A história dos quilombos brasileiros ainda é pouco conhecida. As sobrados nas zonas centrais das cidades contribuía para que fosse
poucas histórias de quilombo de que a historiograâa se ocupou intensa a circulação de escravos domésticos: buscando água nos
se referem aos territórios negros de um mundo rural, em plena chafarizes, indo ou voltando com a roupa ou latas de excrementos
escravidão.
para os rios, carregando cestas nas áreas de mercado, transportan-
Maso mundo da monocultura escravistanão era somente ru- do objetos de um ponto a outro da cidade.
ral -- embora o centro da produção fossem as fazendas, uma rede de Nas ruas da Sé e da Santa Ifigênia, os escravos domésticos se
cidades se desenvolveu. Eram cidades de mercadores, envolvidas no misturavam aosde ganho; no final do período escravocrataera
comércio internacional - como as cidades-portos da costa atlântica, cada vez mais frequente os senhores alugarem os serviços de seus
ou cidades interiores, pontas de lança para a conquista do território, escravospor hora,dia ou mês.Eramescravosde oficio(carpinteiro,
cruzamento de rotas comerciais, centros redistribuidores. pedreiro, ferreiro etc.), que "emprestavam" seus serviços ou, mais

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frequentemente ainda, vendedores e carregadoresque pagavam ao Viver em porões ou cómodos contíguos em habitações cole-
senhor uma parte da féria diária. tivas era a forma de moradia acessível aos libertos. tónica opção
Ser escravo de ganho era para o escravo um dos caminhos para de moradia barata no centro da cidade, a habitação coletiva tem
a compra da a16orria na medida em que, paga a féria devida ao se- uma arquitetura que implica um cotidiano em que, na maior par-
nhor, algum excedentepoderia sobrar em sua mão. Aos libertados te do tempo, as atividades relacionadas ao morar acontecem em
pela compra da própria alforria somaram-se os filhos de escrava um espaçosemipúblico, intermediário entre o interior da casae o
com senhor os quais, àsvezes, estedecidia alíorriar -- e os libertos anonimato da rua os pátios e quintais coletivos.
por vontade senhorial expressaem testamento.Assim, o número A arquitetura dessas habitações coletivas se assemelha ao
de libertos na cidade cresceu aceleradamente nas últimas décadas compound (ou collecfive), habitação clânica africana presente em
da escravidão: em i872, dos n.679 negros e mulatos de São Paulo, várias zonas urbanizadas da África ocidental. Essaé a forma, por
apenas 3.829 eram escravos. Os escravos e libertos que ali viviam no exemplo, das casas das "tias" negras, matriarcas chefes de clã, ou
final da escravidão deâniam um território negro nas ruas do Centro. dos terreiros, onde pais e filhos moram coletivamente, consti-
Um dos pontos dessesterritórios eram as irmandades, orga- tuindo famílias "de santo.', compostas de indivíduos sem laços
nizações religiosas negras. Nossa Senhora do Rosário, na praça de parentesco e transformando os quintais em locais de festa e
Antõnio Prado, e Nossa Senhora dos Remédios, na Liberdade, eram rito da comunidade. Assim era também a configuração das roças,
locais onde, em dias de festa cristã, se batucava e dançava. Além núcleos negros semirrurais localizados nas matas em torno das
de ponto de encontro e de práticas rituais, o espaço das irmanda- colinasdacídade.
des era muitas vezeslocal de habitação de libertos, em cómodos Essashabitações coletivas cómodos e porões no Centro ou
contíguos de porta e janela, ocultando assentamentosde orixás pequenas aldeias nas periferias -- eram os quilombos paulistanos
sob imagensde santos. As irmandades negras também organiza- no anal da escravidão. Territórios negros libertos tiveram um papel
vam fundos de emancipação que libertavam escravos, através da importante na desagregação do sistema escravocrata, na medida
compra de alforria. em que se constituíam em alternativas concretas para a forma de
Outro ponto de encontro da comunidade negra eram os mer- socialização submetida da senzala. Representaram um movimento
cados. Quitanda e cangalha principais ocupações de escravos de libertação dos próprios escravos, que, constituindo e fazendo
de ganho ou libertos -- envolviam a passagempelo mercado. As proliferar zonas libertas, intensiíicavam a luta pela Abolição.
quitandeiras, que enfileiravam seusbaús de folha, caldeirões e fo-
gareiros pela cidade, seabasteciam no mercado. Ali, nos ervanários Se,para os negros, a libertação era uma questãode autonomia,
africanos, os pais de santo também compravam para poder traba- para os senhores a questão era de mão de obra: esta se coloca-
lhar cuidando, com folhas e sementes,da saúdefísica e mental dos va principalmente para os cafeicultores paulistas. A maior fonte
que utilizavam seus serviços. Por ali passavam os vendedores e os possível para compra de escravos o tráfico estava então sendo
escravos domésticos circulavam -- libertos e escravos conspiravam desmantelada pela mesma máquina que a havia montado séculos
nos mercados.
antes o capital inglês. Agora que o lucro não estava mais em fazer

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mercadorias navegarempelos mares, era preciso criar mercados negra, característica responsável pela "inadaptação" dos libertos a

locais nos continentes aonde essesmares chegavam. Assim, a pres- uma relaçãomais moderna de trabalho.
são inglesa pelo fim do tráâco aumentava, até sua extinção final, Na cidade de São Paulo, essaformulação implicou uma in-
em meados do século. Quando perceberam a inevitabilidade do tensa redefinição territorial. Antes de mais nada, a cidade veria
processo abolicionista, os fazendeiros/empresários do café paulista sua população aumentar rapidamente em poucas décadas,fruto
logo começaram a pensar na substituição da mão de obra. principalmente da entrada de imigrantes. Em i886, suapopulação
A "solução" da questão implicou o deslocamento de milha- negra, já então constituída basicamente de libertos (eram apenas
res de europeus para asterras paulistas. A substituição do escravo 493 escravos),começa a sofrer um decréscimo, tanto relativo quan-
negro pelo imigrante livre foi acompanhada de um discurso que to absoluto. Se em i872 havia em torno de i2 mil negros na cidade.

difundia a solução como alternativa progressista, na medida em em l8go eles chegam a menos de n mil.

que europeus "civilizados e laboriosos" trariam sua cultWa para O imigrante europeu substituiu tanto os escravosquanto
ajudar a desenvolver a nação. A alternativa implicou também a os libertos na posição de trabalhador.As ocupaçõesmecânicas,
formulação de uma teoria social a raça negra estavacondenada enobrecidas pelo trabalho livre, passaram a ser exercidas pelos
pela bestialidade da escravidão --, e a vinda de imigrantes europeus estrangeiros: em t893, os imigrantes constituíam 8o% do pessoal

traria elementos étnicos superiores que, através da miscigenação, ocupado nas atividades manuíatureiras e artesanais da cidade.
poderiam branquear o país, como "uma transfusão de puro e oxi- Na SãoPaulo assim redefinida, o quilombo é marginal sua
genado sangue de uma raça livre' presença africana não cabe no projeto de cidade europeia. Isso se
A operação de substituição da mão de obra escrava significou, manifesta na constituição de um poder urbano que, a partir de

portanto, a redefinição do lugar do negro na sociedade de escravo i8g6, com a promulgação do Código de PosturasMunicipal, mani-
a marginal. Nessemovimento de redefinição, o lugar do trabalha- festa o desejo de proibir práticas presentes nos territórios negros:
dor passou a ser ocupado pelo imigrante destituído; assim como as quitandeiras devem sair da rua porque "atrapalham o trânsito'
o do proprietário de escravos,transformado em proprietário de os mercados devem ser transferidos para a periferia porque "afron-

terras e máquinas. tam a cultura e conspurcam a cidade", os pais de santo não podem

Nessa operação não somente o lugar do trabalhador 6oi deslo- mais trabalhar porque são "embusteiros que fingem inspiração por
cado, mas também a própria noção de trabalho como escravidão algum ente sobrenatural'
teve que se redefinir. A proposta dos proprietários foi o estabele- O projeto de cidade europeia significará também redefinição
cimento de uma linha de cor nessanova conâguração social -- tra- e deslocamento no espaço da classe dominante, que abandona a
balho de negro é trabalho escravo,trabalho de branco europeu é contiguidade dos sobrados do Centro para ocupar loteamentos
trabalho livre. Em outras palavras,no discurso da classedominan- exclusivos em palacetes neoclássicos. O novo território da classe
te, negro lide não servia para trabalhar. A posição de marginali- dominante, em bairros como CamposElíseose Higienópolis, é
dade do negro em relação a essanova configuração social seria, uma casa circundada por um cinturão de proteção e isolamento --

então, justificada através da ideia de inferioridade cultural da raça os altos muros, portões e tramados que a separamda rua.

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Internamente sãotrês regiões:o território familiar público não havia trabalho na capital; juntos, ficavam na porta dos bailes
jsala de visitas, vestíbulo, escritório e sala de jantar, espaços "ar- negros da cidade caso "houvesse qualquer coisa", ou entravam nas
rumados para a visita" que ostentam o tesouro da família); a área rodas de samba com uma coreografia própria.
íntima (dormitório e banheiros hierarquizados por sexo e faixas No início do século, era a Barra Funda o território mais ca-
etárias); e a área de serviços e serviçais. Esta última situa-se de certa racteristicamente negro de São Paulo. Suashabitações coletivas
forma isolada da casa, contígua à cozinha, despensa e quintais. abrigavam várias tias africanas com seus clãs, que praticavam o
Trabalhar como empregado doméstico, habitando edículas longo, a macumba ou o sambade roda como extensão da própria
dos palacetes, foi desde a Abolição uma das poucas opções de vida familiar. Esseslocais eram habitações coletivas onde moravam
atividade para negros e mulatos. O serviço doméstico, exercido famílias extensas e indivíduos sem laços de parentesco e, pouco a
principalmente por mulheres, pouco se redefiniu com o fim da pouco, os batuques familiares foram se transformando em cordões
escravidão. Na verdade, a senzala como espaço de confinamento de Carnaval. Camisa Verde, Cordão do Geraldino ou Campos tlí-
e submissão à casa senhorial continuou existindo nas edículas da seostiveram essaorigem e imortalizaram a Barra Funda como um
casaburguesa. dos berços do samba paulista.
O deslocamento do território da classedominante acabou por A história do Bixiga como território negro começou no século
definir novos territórios negros:por um lado, a regiãodo Centro xix, quando ali existia um quilombo semirrural, o Saracura. Com
Velho, recém-abandonada, passou a ser mais densamente ocupa a abertura da avenida Paulista, a região se transformou em zona
da sob a forma de casa de cómodos: "encortiçou-se". Por outro contígua à área burguesa (como a Barra Funda o era em relação
lado, aos pés das novas regiões burguesas, surgiram núcleos de aos Campos Elíseos),local de habitação dos "ajudantes-gerais
habitação coletiva, onde negros e mulatos ligados ao serviço do- Mas o Bexigase tornou realmente território negro com as grandes
méstico na região dos palacetes(lavadeiras,cozinheiras, carrega- reformas de embelezamento da cidade que, na segunda década do
dores) moravam com suasfamílias. Esse6oi um dos movimentos séculoxix, expulsaram ashabitações coletivas do Centro Velho.
de reterritorialização da comunidade negra que coníiguraram dois Essasreformas significaram a reconquista, pela classedomi-
dos quilombos de SãoPaulo pós-Abolição: Barra Funda e Bexiga. nante emergente, de um Centro encortiçado. O plano da burguesia
A formação da Barra Funda como território negro tem de cafeicultores, grandes comerciantes, banqueiros e artistas convi-
a ver com Campos Elíseose Higienópolis, mas também com a dados consistia basicamente em remover tudo o que era considera-
localização dos armazéns da estrada de ferro naquele bairro. Ser do marginal do centro da cidade e redesenha-lo segundo o projeto
carregador ocasional da estrada de ferro era uma das únicas ocu- de um centro de moderna e próspera capital europeia.
pações possíveis para os homens negros na cidade do trabalho Assim, ruas foram alargadas, mercados, demolidos, praças,
livre. Os carregadores do Paulo Chaves assim era chamado o remodeladas. Tais reformas implicaram, por exemplo, a desapro-
armazém eram conhecidos na comunidade e fora delacomo os priação da Igreja e Irmandade Nossa Senhora do Rosário, um dos
valentões" e "capoeiras" da Barra Funda. Juntos, deslocavam-se quilombos importantes dacomunidade no séculoxix. Tratava-se,
de São Paulo para Santos para carregar café no porto quando para a classe no poder, de destruir um Centro híbrido (que mistu-

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uva bancos, cortiços, zonas de prostituição, comércio elegante e mente, a marginalidade é associada a um conjunto de gestos, um
mercados em ruas estreitas) e, em seu lugar, edificar um território jeito de corpo. Se, para os negros, a linguagem do corpo é elemento
exclusivo das classesdirigentes. Tanto o Bixiga como a Liberda- de liga e sustentação do código coletivo que institui a comunidade,
de cresceram com a operação limpeza do Centro. Nesses bairros, para a classedominante branca e cristã, a frequência com que se
principalmente na década de 1920, conâguraram-se territórios dança, umbiga, requebra e abraça publicamente desafia padrões
negros importantes com suas escolasde samba, terreiros, tomes morais. A presença dos terreiros e práticas religiosas africanas
defutebolesalões de baile. completa o estigma: macumba é marginal porque é "crendice", é
Na Barra Funda, no Bexigae na Liberdade, além de em certos 'religião primitiva" que afronta a religião oficial.
pontos da Sé, nas primeiras décadas do século xx, organizaram-se A posição de marginalidade da comunidade negra só come-
também sociedadesnegras,com atividadesculturais e recreativasque ça a se alterar levemente a partir da década de i93o, quando ne-
envolviam a publicação de jornais, a produção literomusical e teatral, gros e mulatos começam a entrar no mercado formal de trabalho.
passeios, piqueniques e bailes de fim de semana em salões alugados. A "integração" do grupo significaria uma redefiniçãode seuter-
Ainda nesse período, o espaço de moradia da comunidade ritório. Paraos membros da própria comunidade que já estavam
eram sobretudo os cómodos alugados em habitações coletivas. Es- 'integrados", a desmarginalização se coloca claramente em termos
sashabitações-- e os bairros onde se estruturaram territórios ne- territoriais -- era preciso sair logo dos cómodos e porões para or'
gros no início do século xx --jamais foram exclusivamente negras. ganizar um novo território negro, constituído por casaspróprias
Desde os tempos da escravidão, misturaram os pobres da cidade. unifamiliares.
O Bixiga, por exemplo, tem sido negro e italiano; a Barra Funda, Essafoi uma das palavras de ordem da Frente Negra Brasi-
negra e portuguesa, e assim por diante. No entanto, isso não quer leira, agremiação política fundada em i93i, que pregava a neces-
dizer que historicamente não tenha existido em São Paulo uma sidadede instrução e organização da vida familiar nuclear na
comunidade negra estruturada e territorializada. comunidade. Uma das ações concretas dos membros da Frente foi
Qualquer um dessesquilombos paulistanos da Primeira Repú- comprar terrenos em loteamentos recém-abertos nas periferias
blica tinha a camade ser lugar de "desclassiâcados".Suamarginalidade da cidade,fundando núcleos negros formados por casaspróprias.
eraidentificada com a não proletarização de sua população, o que é CasaVerde, Vila Formosa, Parque Peruche, Cruz das Almas e
imediatamente associado à ideia de desorganização, uma vez que Bosque da Saúde são exemplos dessa nova forma de territoriali-
a ocasionalidade da distribuição dos tempos de trabalho e lazer con- zação em bairros inicialmente semnenhuma infraestrutura e
trasta com a disciplina e a regularidade do emprego assalariado. distantes do Centro, famílias negras começaram a edificar casas
A imagem de marginalidadeé também identificada com a ha- próprias em lotes comprados.
bitação coletiva: a intensidade de uma vida em grupo não familiar O movimento de periferização da comunidade negra come-
e a densidade dos contatos no dia a dia do cortiço contrastam com çou a ocorrer em um momento em que parte desta seintegrava
a organização da casaburguesa (familiar, isolada, internamente económica, cultural e territorialmente à vida de uma cidade
dividida em cómodos com funções e habitantes segregados).Final- onde a habitação popular se periferizava. Essemovimento signi-

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âcou também dispersão -- nenhum dos novos núcleos chegou a O vínculo perverso: legislaçãourbana e
configurar um território negro tão caracterizado como o Bixiga ou mercados informais:
a Barra Funda. Seno passado eram poucos e densos, os quilombos
agora se multiplicaram em um desenho mais rarefeito.

Essabreve história dos territórios negros paulistanos até os anos


i95o nos revela como os espaçosque cabiam aos negros foram
investidos por um devir-negro, que estruturou e sustentou a co-
munidade mesmo nas situaçõesmais extremas de confinamento. Na literatura sobre o impacto da legislaçãourbana no desenvolvi-
humilhação, segregaçãoe miséria. mento dos mercados informais da terra, prevalece a análise que re-
A história dessesterritórios é marcada pela estigmatização: laciona a difusão da informalidade com o alto nível de exigência em
seno mundo escravocratadevir-negro era sinónimo de sub-hu- relação às características das construções e com os altos padrões
manidade e barbárie, na República do trabalho livre virou marca urbanísticos presentes nas normas urbanas. Desse ponto de vista,
de marginalidade. O estigma se formulou a partir de um discurso os altos padrões seriam responsáveis pelos preços elevadosdo solo
etnocêntrico e uma prática repressiva:do olhar vigilante do senhor urbano, dificultando, se não impossibilitando, o acessodos pobres
na senzala ao pânico do sanitarista em visita ao cortiço; do regis- às áreaspreviamente urbanizadas. A consequência seria, então, o
tro esquadrinhador do planejador urbano à violência das viaturas crescimento de um mercado de terra fora dos padrões, tolerado
policiais nasvilaseíavelas. por todas as autoridades da cidade, já que onde essesmercados
Para a cidade, território marginal é território perigoso por- ilegais surgem inexistem alternativas de moradia de baixo custo.
que é dali, daquele espaço definido (por quem não mora lá) como Finalmente, segundo a mesma concepção, a política pública mais
desorganizado,promíscuo e imoral, que pode nasceruma força progressista deveria criar regras especiais de "baixos padrões" para
disruptora sem limite. Assim se institui uma espéciede apartheid possibilitar ao mercado formal de bens imóveis a oferta legal de
velado que, se por um lado confina a comunidade à posição estig- solo urbanoparaospobres.
matizada de marginal, por outro nem reconhece a existência de Seexaminarmos mais de perto o funcionamento dos merca-
seu território, espaço/quilombo singular.i dos da terra e seus vínculos com a legislação urbana, a existência

l Estetexto foi publicado originalmente em espanholcom o título "Legislación


urbanay mercadosinformales de berra: el vínculo perfecto", na coletânea
Derecho, espacio urbano .y media ambiente, organizada por Edésio Fernandes, re
sulcado da pesquisa que originou a tese de doutoramento apresentada à New
York University TheCi9 andtheLaw,publicada em i997 com o título A cidadee a
l Publicado no caderno "Folhetim", FolhadeS.Paulo,em z8/g/ig86. lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Pciulo, pela Editora Nobel.

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de mercados informais paralelos, aparentemente o mais claro fra-
De maneira similar, dentro dos espaços construídos segundo as
casso da legislação urbanística, constitui na verdade o seu maior
regras urbanísticas, há uma infinidade de violações que frequente-
êxito. Aparentemente, as regras deveriam operar como uma espé- mente resultam da grande atratividade e do alto valor das regiões
cie de molde para a produção da cidade ideal ou desejada.Todavia, ultrarreguladas da cidade.
completamente construídas e adaptadas à lógica económica e aos
O contraste entre essesespaçospode ter inumeráveis signi-
ritmos e estratégiasdo mercadodospromotores imobiliários de ficados. Do ponto de vista da geografia da cidade, eles compõem
produtos ofertados para as rendas mais altas, as normas servem
paisagensque apresentam distintos graus de prestígio e, conse-
basicamente para proteger e reservar as melhores localizações quentemente, de valor de mercado. De modo geral, algumas zonas
para eles.Sua maior função -- ainda mais eficaz diante da existên-
concentram paisagensformais, ricas e valorizadas, e outras, regiões
cia de mercados informais da terra -- é o erguimento de barreiras pobres, desvalorizadas, marcadas pela condição de irregularidade
invisíveis para evitar que pequenos e microinvestidores populares ou deextralegalidade.
penetrem nesseterritório, garantindo o retorno do investimen-
Mais uma vez devemos matizar essadescrição: a situação de
to imobiliário. Por essarazão, a criação de padrões "mais baixos'
irregularidade não se refere a uma configuração espacial especí-
ou a proposição de normas especiais para empreendimentos de hca, mas, sim, a múltiplas configurações. Não podemos falar de
baixa renda, sem quebrar a lógica da ordem urbanística baseada irregularidade como se fosseum atributo intrínseco do espaço
na forma homogênea de produzir as cidades para as altas rendas, urbano, como o são a topografia ou a qualidade do solo. Não so-
não é uma política capaz de democratizar o mercado de terras e.
mente porque existem vários tipos de irregularidades em relação
consequentemente, a cidade.
à ordem urbanística legal, mas porque na prática as normas legais
No anal do século xx, a organização espacial nas cidades bra-
podem ter significados diferentes para os distintos amoressociais,
sileiras e na maioria das cidades da América Latina -- é coman.
dependendo das condições políticas e culturais prevalecentes. Por
dada por uma ordem urbanístico-legal fortemente enraizada nos
exemplo, no caso brasileiro, ainda que favelas e "casas populares
princípios formulados no início do século.Sequiséssemossinte- autoconstruídas compartilhem o mesmo vasto campo da irregula-
tizar a complexidade dessasestruturas urbanas em uma imagem ridade, construir sem permissão é hoje em dia considerado muito
única e forte, estadeveria contrapor uma paisagemcontida no qua- menos ilícito do que morar nas favelas. Além de ter seu espaço or-
dro de uma legislação urbanística detalhada a outra paisagem, três
ganizado de uma maneira particular sem seguir as determinações
vezes maior que a primeira, situada em uma zona intermediária
das normas urbanísticas, a favela é uma forma de apropriação do
entre o legal e o ilegal.
território baseadaunicamenteno critério de utilização, não origi-
Essecontraponto não é absoluto: mesmo no espaço mais nário da compra prévia e registrada da propriedade, tal como foi
ilícito, a ordem legal formal ou estatal nunca está completamen- definida pela Lei de Terras de l86i e consagrada no Código Civil de
te ausente. Comparece como uma referência e é com frequência t902. Talvez por essarazão, como ocorreu muitas vezesna história
mobilizada nas negociações entre os residentes/ocupantes desses
do país, a remoção e até mesmo a repressão violenta dos ocupantes
espaços extralegais e asautoridades que devem cumprir as regras.
são consideradas atos aceitáveis. Entretanto, a comunidade jurídica

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Y
tem utilizado como argumento para não punir asocupações o fato latino-americanas que adoraram o mesmo conceito de estratégias
de os ocupantes não terem outra opção de moradia. de zoneamento para o controle do uso e da ocupação da terra: nos
A partir dos anos tg8o, os governos estaduais e municipais mapas que indicam os perímetros de cada zona, aquela considera-
estenderam crescentemente as redes de serviços e infraestruturas da "subnormal" simplesmente não aparece. Em algumas partes do
às favelas mais organizadas e adotaram uma política de tarifas di- plano da cidade há espaços em branco e descontinuidades. Algumas
ferenciadas em relação ao pagamento desses serviços. Finalmente, dessasregiões estão pintadas da mesma cor que aszonas dentro das
os proprietários de moradias nas favelas constituem um mercado quais se encontram; são, portanto, totalmente invisíveis. mesmo
monetizado de vendas e rendas de aluguel, inserido na hierarquia sendo assentamentos que já existem na cidade há décadas.4
dos preços praticada nos mercados imobiliários reais da cidade. Na linguagem administrativa e política esses assentamentos
Apesar disso, um forte estigma se mantém ali, de tal maneira estão classificados como favelas, cortiços, loteamentos clandes-
que o "favelado" (o habitante da favela) é imediatamente associado tinos ou irregulares. Estesaparecem nas ações governamentais
a "marginal", embora, obviamente, seja de fato criminosa uma di- jprincipalmente dos municípios, mas também dos governos esta-
minuta parcela das populações de qualquer região, inclusive das duais) através de ações de fiscalização, em solicitações de serviços
favelas. Dessa maneira, um espaço definido por princípio como urbanos por parte dos moradores, de legalização ou de incorpora-
'criminoso" não é necessariamente eliminado, mas permanece na ção à cidade demandadas pelos residentes dessasregiões ou pelos
cidade como lugar permanentemente rejeitado.: Mesmo quando a políticos que os representam. Os problemas relacionados com a
atitude dos governos e dos concessionários de serviços públicos foi fiscalização das construções, assim como a oferta de serviços, são
de tolerância e às vezes de investimento na consolidação desses as- negociados então no interior dos órgãos executivos e legislativos,
sentamentos,a ordem urbanístico-legal expõe e repõe claramente a envolvendo muitas vezesos aparelhosjudicial e policial.
sua estigmatização, pecha que se estende a todos os seus moradores. Por intermédio desses mecanismos de negociação, as formas
Essetipo de assentamento se define na linguagem do plane- de inserção irregular são simultaneamente estigmatizadas na ma-
jamento urbano e das políticas públicas por exemplo, no Censo croescala e legitimadas em uma escala micro, enquanto as bases
Populacional do iBGE-- como "subnormal" e assim é considerado
na legislação que define o uso e a ocupação do solo. No caso da > O texto é acompanhado pela demarcaçãode perímetros que definem cada
capital paulista, os assentamentos populares desse tipo estiveram zona. A lei de zoneamento continua em vigor, tendo sido emendada centenas de
historicamente ausentesda lei de zoneamento,conjunto de regras vezespor novas leis e decretos. Inicialmente, oito zonas distintas ío ram criadas

que definem o uso e ocupação do solo em todo o município, em (de zl a z8), mas esse número cresceu e hoje inclui 25 zonas. A incorporação
das favelas na legislação ocorreu no final dos anos i99o, com a criação de Zonas
vigor desde t972.; Essa situação repetiu-se em centenas de cidades
Especiaisde Interesse Social, demarcando assentamentos populares irregulares
passíveis de regularização.

2 Coelho, FabioUlhoa. Direito epoder,p. liz-


4 Exemplos típicos são as numerosas subdivisões abertas ilegalmente na
3 A lei Ha 7.8o5, de 1972, é a lei de zoneamento da cidade, que estabelece os usos, zona rural, as quais aparecem no mapa como verdes ou áreassem ruas. como
formas e potenciais construtivos permitidos nasdistintas zonas por ela criadas. > se estivessem ainda cobertas por vegetação.

210 211
da legitimidade dos direitos de propriedade, que vulnerabilizam a Ao longo da história de SãoPaulo,a tensãolegal/ilegalfoi
posse, não são questionadas. O efeito urbanístico dessa engrena- assumindo distintas conâgurações. No início do século xx, quan-
gem político-legal é impressionante: há milhares de hectares de do um terço das residências da cidade era constituído de cortiços,
terra e quilómetros de ruas sobre asquais não se sabese pertencem acreditava-se que estes desapareceriam um dia dando lugar a vilas
ou não à cidade,se deveriam ou não ser o objeto de investimento de trabalhadores.' Nas normas urbanísticas, o cortiço tornou-se ex-
público ou sepodem ou não ser integrados à redede equipamentos plicitamente ilegal, devendo sersimplesmente excluído de um certo
e serviços públicos. perímetro da cidade onde sua existência desvalorizava a região.
A consequênciainevitável dessaposição extralegal é a tran- Na prática, ele foi por décadastolerado e transformado no
sitoriedade permanente ou a ideia de que essesassentamentos ir- maior investimento alternativo para o capital dentistae a possibili-
regulares são provisórios e que um dia desaparecerão. A posição dade segura, embora não sem sacrifícios, de mobilidade social. Mes-
provisória funciona no plano da política urbana como uma justifi- mo após ser ultrapassado pelo modelo de casas autoconstruidas nas
cativa para a falta de investimento público, que reforça a precarie- periferias no começo dos anos i93o e mais recentemente pelo enor-
dade urbanística e, sobretudo, acentua as diferenças dessas regiões me crescimento das favelas, o cortiço nunca desapareceu. Pelo con-
em relação aos setores da cidade beneficiados pelos investimentos. trario: praticamente não existe região em São Paulo que não tenha
Com o tempo, e por meio de processosmediados politicamen- um. Ele subsiste em bairros centrais, onde casas antigas nas quais
te de inserção à cidade dos assentamentos definidos como irregu- vivia uma só família coramsubdivididas e convertidasem moradias
lares pela ordem legal, novas formas de legitimidade vão sendo multiíamiliares para aluguel. Mas estápresente também mesmo em
traçadas. Elas resultam das negociações entre os atores envolvidos periferias distantes, onde o aluguel de cómodos e quintais faz parte
no processo de construção das "regras do jogo" vigentes em cada das estratégias básicas do próprio processo de autoconstrução.7
território.s Essestipos de acordo coletivo, jamais escritos e eter- Entretanto, a existência do cortiço nunca foi reconhecida como
namente marcados pela instabilidade, vão sendo adotados tanto um problema urbano. Exceto em um curto período, no final do sé-
pelos ocupantes/residentes como pelos agentespúblicos e políticos culo xix e início do xx, quando as autoridades sanitárias usaram a
envolvidos nas regularizações (sim, no plural) dessesterritórios "desinfecção" dessetipo de moradia como estratégia principal para o
extralegais. As regras negociadas do jogo de cada assentamento combate às epidemias na cidade, o que poderia levar inclusive à sua
funcionam como "leis", inscritas nasrelaçõeseconómicas, sociais demolição, e no início dos anos i99o, com a aprovação da Lei Moura,
e políticas efetivamente praticadas pelos amoresenvolvidos no acor- estabelecendonormas para sua adequação,o cortiço, assimcomo
do. Dessa maneira, estabeleceram-se pactos territoriais provisórios outras formas de aluguel de habitação popular, desapareceucom-
e paralelos à ordem oficial e normativa legal, sem nunca romper
com a posição de extralegalidade estigmatizada.
6 Como estimado pelo jornal Far!@lla.
Apud Pinheiro, Paulo Sérvio; Hall, Mi
chael. A classeoperária no Brasil, i88g-i93o: documentos,p. 42.

5 Panizzi, Wrana Mana. "Entre cidade e Estado, a propriedade e seusdireitos' 7 Kowarick, Lucro; Ant, Clara. "Cem anos de promiscuidade". In: Kowarick
Espaçoe Debates,São Paulo, n. 26, ig8g, p. 89 Lucio(org.). As lutas sociais e a cidade, p. 66.

212 zi3
plenamentedo campo da intervenção urbanística. Porém,durante Em realidade, mais que as disfuncionalidades ou os desvios,
todo o séculoele nunca parou de serreproduzido e reinventado. os pactos territoriais paralelos às leis oficiais urbanas têm sido
A existência dessasmúltiplas ordens legais e urbanísticas é tremendamente eficazes para sustentar processos extremamente
geralmente vista ao longo do tempo como uma "disfunção" nos desiguais de crescimento económico. E é devido ao êxito e não
mercados de terra ou como "desvios" ou "leniência" das autorida- ao fracasso -- desse elemento central de nossas políticas urbanas
des locais. A ideia de disfunção dos mercados de terra está basea- que é tão difícil mudar o funcionamento de tal ordem urbanística.
da na suposição de que a demanda de terra tem sido maior que a De um ponto de vista económico, essaeficáciaconsisteem
oferta -- devido, basicamente, à migração contínua para a cidade e à possibilitar a perpetuação -- e rentabilidade no tempo -- tanto
sobrerregulação estatal do solo urbano.8 Outra perspectiva explica dos Mercados formais protegidos pelos muros invisíveis da lei e
diferentemente a brecha oferta/demanda. Isto é, a especulação da destinados às rendas mais altas como daqueles informais, em que
terra, com a qual se retiram permanentemente do mercado gran- seviabilizam altas densidadespopulacionais. De um ponto de
des quantidades de solo urbanizável.9 As práticas "desviantes" dos vista político, o pacto territorial paralelo à ordem legal é a base
governos sãogeralmente atribuídas a uma atitude permissiva das de um clientelismo local permanentemente renovado,já que o
autoridades locais, que não se esforçariam o suficiente para fazer voto dos moradores dessesassentamentos-- a grande maioria
cumprir a lei,'' ou sãoatribuídassimplesmenteà corrupção.': Fi- dos residentes nas cidades tem sido uma poderosa moeda elei-
nalmente, um argumento bastante difundido para explicar o fra- toral. Isso ocorre na medida em que, diante das ambiguidades que
casso dos mercados urbanos de solo para atender às necessidades marcam sua inserção na cidade, sua incorporação progressiva e
do crescimento da cidade é o do isolamento dos planejadores urba- a conta-gotas na cidade é sempre mediada por "padrinhos polí-
nos em relação aos programas económicos nacionais de desenvol- ticos", que ali colhem posteriormente a retribuição de seusatos
vimento, o que levaria a um descompassoentre a política urbana através dos votos.
e a política mais ampla de desenvolvimento do país e, portanto, a A história dos bairros populares é a história dos quintais
uma "falta de planejamento" ou "inchaço" das cidades.': coletivos das casas, dos cómodos alugados a famílias inteiras, do
habitat eternamente mutante, do lento progresso de consolidação
8 Dowall, David E. "Evalución del mercado de tierras: un nuevo instrumento realizado com os pequenos investimentos familiares, graçasà or-
para la administración urbana", p. io- ganização e à pressão coletivas.

g Trivelli, Pablo."Accessto Land by the Urban Poor:An Overview ofthe Latin Essepadrão, essesritmos, essa lógica espacial, comercial e
American Experience' financeira, sempreausentesdas normas urbanísticas, não têm
io Clichevskyy, Nora (org.). Construccióri .y admiriistracíón clela ciudad latinoame- relação com os investimentos maciços que produzem a cidade
ricarla, p. 320. formal.

n Massiah, Gustave; Tribillon, Jean-François. Vilõesen dâeloppement. Um estudo do sociólogo norte-americano Donald Pierson,
i2 Van Huyck, Alfred P."Land Management in the Context ofNational Urban descrevendo o que considerava como níveis "superior" e "inferior'
Strategies' de moradia na cidade de São Paulo nos anos i94o, assinalou clara-

zl4 215
mente esse contraste.13 Na amostra escolhida estavam, de um lado, na década de í94o, quando o estudo foi realizado, as moradias do
casas situadas no Bexiga,na Mosca e no Canindé (bairros pobres de nível "superior" reuniam todos os requisitos da legislação, enquan-
trabalhadores) e, de outro, casas no Jardim América, no Pacaembu to aspertencentes à categoria "inferior" não puderam ser aprovadas
e em Higienópolis (bairros ricos das elites). Essaamostra não in- pela prefeitura.
cluiu moradias construídas na nova periferia da cidade. A estruturaçãodo espaçodaselitesfoi inscrita de maneira
A descrição estatística de Pierson revelou as características es- extremamente detalhada na legislação urbanística, ao contrário
paciaisdos territórios populares, que foram repetidasao longo do do que ocorreu com as regras do jogo empregadas na formação dos
século xx: a presença de várias famílias no mesmo ediHcio, pátios subúrbios populares e, mais tarde, da periferia e dasfavelas.Prati-
coletivos, uso misto de edifícios, banheiros e lavanderias coletivos, camente toda a legislação urbanística formulada durante o século
cómodos (quartos)multifuncionais nasmoradias,paisagensinstá- xx se referiu e foi aplicada quase exclusivamente à minoria que,
veis/cambiantes e multifuncionais nas ruas. Nos bairros ricos, os mesmo ocupando apenas3o% do território urbano, tem grande
edifícios abrigavam somente uma família, as casas,com um míni- poder de influência e de decisão sobre o destino da cidade.:'
mo de dez cómodos, eram exclusivamenteresidenciais,os pátios, Na lei de uso e ocupação do solo, o chamado zoneamento, o
os banheiros e a área de lavanderia eram privados. centro-sudoeste é atravessadopor múltiplos perímetros de zonas e
Do ponto de vista da oferta de serviços, a moradia "inferior' subzonas, enquanto a maior parte de território "restante" ganhou,
bombeava água de poços e tinha uma rede de esgoto, mesmo que o desdea primeira versão da lei, em 1972,a denominação genérica de 22.
acesso fosse coletivo, não tinha água quente e a madeira e o carvão Há tambêm diferenças de qualidade e de acesso aos serviços
eram os combustíveispredominantes. A moradia "superior" tinha públicos, os quais estão diretamente vinculados às diferenças no
água quente e era abastecida por gás. ritmo e volume dos investimentos públicos realizados nos diver-
De um ponto de vista paisagístico, enquanto as casas "supe- sosterritórios. Desseponto de vista, é possível afirmar de maneira
riores" tinham seuspróprios jardins e as ruas eram ladeadasde geral que os investimentos públicos privilegiaram o vetar sudoeste,
árvores, nas do nível "inferior" não havia nenhum tipo de jardim
nem árvores. De uma perspectiva urbanística, os espaçosdescritos
diferiam em densidade-- do uso exclusivo da residência unifamiliar i4 0 cálculo de 3o% Éoideito pela Secretaria Municipal de Planejamento de São
Paulo em i990, excluindo do total de edifícios aquelesconsiderados oficialmente
ao uso misto e coletivo dos edifícios, jardins e cómodos e em
como estruturas irregulares(345.6n, os quais correspondem a 5i milhões deme-
qualidade dos serviços. Do ponto de vista da legislação vigente tros quadrados, aproximadamente 20% da área total construída da cidade, não
incluindo asfavelas); aqueles contidos nos loteamentos e subdivisões clandestinas
jem l99o, os registros do governo dacidade apontavam 2.5oo casosde loteamen-
i3 Donald Pierson veio a São Paulo a convite da Escola de Sociologia e Política. tos irregulares em processo, ocupando l3.o88 hectares ou l6% da área da cidade);
Seu estudo, conduzido por alunos e professores da instituição, Éoiapresentado as residências em favelas (no novo Censo em ig87, estimadas em i5o mil); e uma
pela primeira vez na reunião anual do Instituto deOrganização Racional do Tra- estimativa do número de residências em cortiços(7o mil, com base nos dados
balho(Idort). A mais completa conclusão do trabalho 6oi publicada com o título do Censogeral de ig8o, residências desomente um cómodo). Cf. Rolnik, Raquel;
Habitações em SãoPaulo: estudo comparativo", pela Rel'ktadoArquivoMunicipal. Somekh, Nédia; Kowarick, Lucio(orgs.). SãoPnulo;crisee mwhnça,pp- go-io5-

zi6 zl7
onde um acúmulo de obras viárias e intervenções urbanísticas, ar- lada e superdensa na zona rural ou periurbana. Uma das evidências
ticuladas e vinculadas a substanciaisprojetos privados, foi capaz do dinamismo e da rentabilidade desse mercado é a explosão de
de sustentar valores crescentes dos imóveis por mais de cem anos e valores imobiliários ocorrida na zona rural de São Paulo: de igi6
continuamente gerar novas centralidades dentro dessemesmo vetor. a i936, o preço da terra nessa área teve um aumento de 74o%l Essa
À diferença da cidade irregular, nos bairros exclusivos de alta enorme valorização serelaciona a uma abordagem laissezlaíre,que
renda a característica mais eloquente da relação entre o território possibilitou um uso intensivo dos lotes. Do ponto de vista legal,
e a lei é a perpetuação do tipo de contrato comercial estabelecido as primeiras leis que regularam o parcelamento do solo em São
entre as partes quando de sua abertura como loteamento. Isso foi Paulo permitiam que loteamentos ocorressem na zona rural sem
necessário pêra assegurar que os substanciais investimentos reali- obedecer aos parâmetros legais, desde que "as ruas fossem priva-
zados nessaregião proporcionassem retornos a longo prazo, sem das",ou seja,não gerassemcustos públicos na manutenção das vias,
os quais seu desenvolvimento futuro correria um risco indesejável e desde que os usos de alta densidade permanecessem o mais longe
para seuspromotores. A legislaçãourbanatem efeitosopostos nos possível daquilo que a lei considerava "a cidade'
casos dos mercados de moradia de baixa renda. Para os bairros de A altíssima rentabilidade dos parcelamentos populares re-
alta renda -- especialmente os loteamentos exclusivamente residen- sulta das altas densidadesassociadasa parcos investimentos em
ciais --, a garantia de manutenção de densidades muito baixas pode infraestrutura. Dado que a demanda dessesmercados populares
corresponder a preços altos no mercado (devido a sua exclusivida- continuava crescendodevido ao rápido aumento populacional da
de); por outro lado, a existência de um espaçonão regulado pela cidade, sua valorização foi imediata. A simples conversão da área
legislação aumenta o valor das áreas que são "protegidas por lei' rural em uso urbano independentemente da qualidade da conver-
nas quais ocupações desvalorizadoras não irão ocorrer. Por outra são foi suficiente para elevar o preço da terra várias vezes.
parte, desobedecer aos padrões e às regras é a maneira de tornar No entanto, o ritmo e o nível de valorização posterior do solo
altamente rentáveis os assentamentosinformais para os pobres: urbano dependeriam basicamente do ritmo e da qualidade das me-
como os mercados informais de terra se desenvolvem geralmen- lhorias urbanas introduzidas pelos poderes políticos nessasnovas
te em áreas pouco urbanizadas e desvalorizadas, incrementar ao fronteiras da cidade. Os investimentos públicos converteram-se no
máximo a densidade é a maneira de aumentar a rentabilidade. Mas, calcanhar de aquêles(e no mecanismo reprodutivo principal) desse
para viabilizar essaalta rentabilidade, duas condições dependentes mercado.O papel crucial do Estadopode ser compreendido no
do poder concessionário do Estado são requeridas: a terra tem que exemplo de São Paulo, onde as melhorias seconverteram no fator
ser ocupada com uma intensidade e uma densidade de construção principal de mobilização das massasurbanas e ao mesmo tempo
além dos padrões municipais, e as chamadasmelhorias urbanas de coleta de apoio para os partidos políticos.
têm que chegar algum dia aos bairros populares. Em São Paulo, a política urbanística da Velha República (l8g8-
Se a verticalização tem sido a estratégia para atualizar as áreas -i93o) não considerava importante a provisão dos cuidados essen-
de alto valor na cidade, no outro extremo, algumas vezes mais ren- ciais para os pobres ou de investimentos em melhorias de suas
tável do que os parcelamentos de alta renda, é a expansão não regu- condiçõesdevida.

zi8 zi9
Dessamaneira, os territórios populares não constituíram um A doação,mesmo que sejade início um ato voluntário, lide e
investimento prioritário na política municipal, o que também se generoso, implica duas obrigações: a do doador, visando atender
relacionava à baixa representação de seus habitantes como votan- a uma necessidade (daqueles que recebem a doação), e a da pessoa a
tes e políticos eleitos. Entretanto, essacondição começou a mudar quem é feita a doação.'7Por isso, o termo que completa e confere
com a crise política dos anos i920 e a Revolução de i93o, quando as significado à relação é "retribuição". Aquele que recebe o presente
classes médias e os trabalhadores entraram na cena política local e cria um vínculo que naturalmente leva a um ato de retribuição.
nacional. Além dos aspectos económicos já mencionados, a histó- Como tal, o poder de dar está em produzir no receptor a consciên-
ria da legislação urbanística em São Paulo esteve profundamente cia da obrigação de retribuir como uma responsabilidade política
marcada por esseaspecto de natureza política. de natureza ética. É interessante notar a diferença entre a retribui-
Em São Paulo, a partir dos anos i93o, foi estabelecido um ção de uma doação e o pagamento de uma dívida. A retribuição
pacto territorial no qual a ilegalidade era tolerada para ser nego- por uma doação recebida não tem data-limite para ser cumprida
ciada mais tarde pelo Estado.Uma das condições para essepacto nem conteúdo previamentedefinido: é um reconhecimentodeuma
foi que o Estado assumiria o papel de provedor, e os residentes obrigação que vai além da dimensão utilitária.:* Isso implica um
do território ilegal, o de devedores de favores recebidos, já que, compromisso cujo retorno pode sersolicitado a qualquermomen-
de um ponto de vista estritamente legal, estes mereciam punição to, além de pressupor a subalternidade do receptor.
e nao premio. Durante todo o período de Getúlio cargas, o modelo doação-
O pacto territorial com a periferia foi mais plenamente esta- -retribuição estruturou uma relaçãode identificação subordinada
belecido durante o processo de redemocratização, quando as me- dosgovernadosem relaçãoao governante,minando qualquer ten-
lhorias urbanasse traduziram em votos, e os líderesdebairros, em tativa de organização independente dos próprios trabalhadores.
caboseleitorais.'sAssim, a maioria clandestinaentrana política ur- Com a redemocratização, essarelação do Estado com a população
bana devendo um favor para aquelesque permitiram, seletivamen-
te, sua incorporação à cidade. A relação política estabelecida pelo
> legislação trabalhista no período Vergas, e mais particularmente na constru-
pacto territorial é o que convencionalmente setem chamado na lite- ção da imagem de Vargas como o "pai dos pobres". Referente a essetema, ver
ratura sobre a questão social de "ideologia da doação". Isso significa também trabalho de Luiz Werneck Vianna (l.iberalismo e sindicatono Brasil),no
que o ato fundador da cidadania é uma relação de doação do Estado qual a teoria da "ideologia da doação" é formulada, assim como o debatede

àpopulação.'' Francisco de Oliveira, Verá da SalvaTelles e Juarez Brandão Lopes sobre o texto
de Teresa Safes"Raízes da desigualdade social na cultura política brasileira'
(ReüstaBrasileiradeCiênciasSociais,São Paulo, ano g, n. 25,jun. i994).

i5 Aqui a redemocratização serefereao final do EstadoNovo, ou seja,da dita- t7 Gomes, Ângela, op. cit« p. z48.
dura de Getúlio Vergas (i93o-45). i8 Mauss, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades
i6 A análise completa da doação e de suas implicações políticas, um tema arcaicas". In: Sociol(agiae antropoloWa,p. 97; Sahlins, Marshall. "On the Sociology
amplamente debatido na literatura das ciências políticas brasileiras, é inspirada of Primitive Exchange".In: Banton, Michael (org.). The Relevante
ofModelslor
no trabalho de Ângela Games (A invençãodo trabalhismo,pp 246-54) sobre a> SocialAnthropoloW-

220 221
abriu espaçoparaa construçãodo clientelismo e do populismo: meio de mecanismos manipuladores, a se impor como uma ins-
a condição de extralegalidade tolerada da maioria clandestina as- tituição a ser incluída entre os grupos económicos dominantes.20
sumiria então a forma de um intercâmbio. As melhorias obtidas Somente depois de i934, a expressãomunicipal dessanova re-
pelos bairros irregulares deveriam ser retribuídas com votos. Mas, lação assumiria uma forma mais definitiva. Foi na administração
para que isso fosse possível, além de construir um pacto político de Fábio Prado, preceito de São Paulo entre i934 e 1938,o primeiro
baseado na doação, era necessário também um novo papel para o e mais estável governo durante a turbulência dos anos i93o, que se
Estado. Assim se estabelece uma relação de ascendência e interme- tornou possível detectar mais claramente essa mudança. Sob a sua
diação obrigatória do Estado em relação às massas,recentemente administração 6oi promovida a primeira anistia da cidade irregular.
incluídas no pacto. Uma norma municipal permitiu que as autoridades públicas pudes-
Depois de i93o, estabeleceu-seum novo tipo de compromis- sem reconhecer os loteamentos ou subdivisões de terra que não ha-
so político, no qual nenhum dos grupos participantes no poder viam sido abertos de acordo com a lei, dependendo do juízo da Junta
poderia oferecerasbasespara a legitimidade do Estado.As clas- Diretiva de Trabalhos Municipais. Ajunta Diretiva analisaria e indica-
sesmédias urbanas, que compreendiam grande parte da opinião ria os requisitos necessáriospara aprovar os parcelamentos do solo.
pública que levou à crise do regime oligárquico, não possuíam as O mecanismo proposto foi inovador: tornou possível o reco-
condições para denunciar de maneira radical o marco institucio- nhecimento dos parcelamentos e subdivisõesirregulares, mesmo
nal, porque não podiam negar o fato de que o caH e os produtos sem que as condições de reconhecimento estivessem definidas, já
de agroexportação constituíam ainda a fundação decisiva da eco- que estas dependiam do critério dos técnicos municipais da Junta
nomia brasileira. Os interessesdos produtores de café tampouco Diretiva de Trabalhos, caso a caso. Foi dado então um passo funda-
podiam ser as bases principais da sustentação política, em virtude mental para estabelecer uma nova ordem legal na qual a "irregula-
do deslocamento produzido pelo peso da crise económica. Os se- ridade urbana" se transformava em extralegalidade passível de ser
tores empresariais menos vinculados à exportação também não reconhecida e integrada à cidade, a depender das posições assumi-
assumiram essepapel, devido à distância em que se encontravam das, caso a caso, pelo Estado -- nesse caso, pela municipalidade. Ser
do centro da base económica. Nessas condições, uma nova perso- reconhecida é a condição para entrar na esferadas obrigações e das
nalidade apareceu na história do país: as massas populares urbanas, responsabilidades públicas. Finalmente, depois de muitas tentati-
a única fonte possível de legitimidade do novo Estadobrasileiro.:9 vas, encontrou-se uma fórmula para incorporar quem deveria ser
Ao afirmar que a sua legitimidade se encontrava nas massas incorporado na nova ordem: de forma discricionária e dependente
urbanas, Getúlio Vargas estabeleceu o poder do Estado como uma de quem estava sentado na mesa do poder e que, a partir desse
instituição. E este se tornou uma categoria decisiva na sociedade lugar, poderia conceder a legalidade.
brasileira. Relativamente independente, o Estado começou, por No mesmo período foi introduzido o primeiro zoneamento
na cidade. O desejo da elite de controla-la manifestou-se como um

ig Essa análise é apresentada por Francisco Wef6ort (O populismo rla política


brasileira,pp. 4-5i). 20 Idem, ibidem, p. 5]

222 223
desejo de proteger seu próprio espaço: a intensidade do desenvolvi- Novas perspectivas para o velho tema do
mento urbano era uma dupla ponte de riqueza e perigo, já que poderia
permitir tanto que a riqueza mudasse de mãos como que cessassem
planejamento da cidade:
alguns dos privilégios. Por isso, era necessário proteger a cidade. Se-
gundo o discurso das elites-- confrontadas com o populismo das
leis estatais --, era seu território que precisava de proteção legal, uma
proteção que tinha, ao contrário da anistia para o território popular,
fronteiras e regras claramente definidas pela lei.
A anistia discricionária e o zoneamentoseletivosão duas faces
da mesma moeda: elas representam em São Paulo uma estratégia
de política urbana que assentou basestão profundas que pratica- Qual seráa velocidadeda cidade do futuro? A da internet bandalar-
mente permanecem até os dias de hoje. Sua fundação teve a marca ga,que elimina fronteiras, desmaterializando espaços,ou a do con-
do compromisso estabelecido na Revolução de i93o: as massas che- gestionamento quilométrico, que transforma curtas distâncias em
garam ao poder sem autodeterminação, subordinadas a um Estado um longo tempo imprevisível?E o espaçourbano do futuro? Serão
protecionista e populista; as elites realizaram uma reviravolta sem ruínas inacabadas,cobertas por montanhas de lixo e entulho, ou
perder seu lugar. Ou seja: tudo mudou para que nada mudasse. ambientes assépticos superiluminados de megacentros de compras
Entender o êxito económico e político dessepacto territorial e lazer?Existirão ruas no futuro? Elassobreviverãoà fragmentação
é fundamental para poder analisa-lo. Democratizar os mercados crescentedos espaços,à negaçãoabsoluta de qualquer território
de solo urbano e, consequentemente, a cidade significa repensar a de ambiguidade ou de convivência entre o público e o privado?
ordem legal urbana levando em consideração não somente o fun- Deixarão as ruas de ser o lar dos automóveis ou serãodecoradas
cionamento real dos mercados, mas também o complexo tema da especialmentepara serem vistas atravésdo para-brisa? Ou serão
cidadaniaedo acessoaopoder. elas a casados sem-casa, dos sem-lugar, dos cora da ordem mundial?
Ê consensual a necessidadede intervenção no processo de
crescimento e desenvolvimento das cidadesbrasileiras na direção
de um espaçomais equilibrado do ponto de vista socioambiental.

l Estetexto íoi redigido em i993 sob a forma de artigo, com o título «Planeia
mento urbano: novas perspectivas para os velhos temas", publicado na revista
da FederaçãodeÓrgãos para Assistência Social e Educacional (Fase),no número
especial "Em discussão: a reforma urbana". Foi posteriormente desenvolvido
e inserido no livro Globalização,fuWentaçãoe rqÉormaurbana:o.aturo dascidades
brasileirasna crise,organizado por Luiz Ribeiro Cesar de Queiroz e Orlando
Alves dos SantosJunior.

224
225
No entanto, o consenso termina aí as estratégias a serem adotadas a montagem de um sistema legal, que corresponde simul-
para lograr astransformações necessáriase urgentes não parecem taneamente ao modelo exposto acima, ao regime jurídico da pro-
sequer constituir um campo de debate prioritário na agenda política priedade privada do solo urbano e a instrumentos que garantam
e económica nacional. Isso implica a manutenção de um modelo de a estabilidade e a hierarquização dos valores do solo, definindo
política urbana baseado em respostas governamentais a grupos territórios exclusivos, como é o caso do zoneamento;
de pressão absolutamente separados e paralelos, em uma espécie de ' uma estratégia de controle de adensamento, concebida a
varejão de respostas a demandas que vão de empresariais a cidadãs partir de potenciais construtivos e não de densidades demográficas,
e que se reproduz tanto em escalalocal como nacional. deforma que"adensar"setransformou em sinónimo de construir
Por outro lado, consolidou-se no país a visão de que o tocas em altura, mas não necessariamenteem "construir para muitos'
de formulação de uma política urbana, especialmenteem sua di- ' a progressiva morte dos espaçoscoletivos não programa-
mensão territorial, é a esfera técnica do planejamento urbano, im- dos, como ruas, calçadas e praças, e sua captura pelos sistemas
plantada como setor da administração pública, sobretudo a partir de circulação; processo correlato a uma superprogramação dos
do final dos anos ig6o e início dos i97o. A crença nos milagres do espaçosprivados e semipúblicos.
planejamento apesar de décadas de frustrações era corte o sufi- Do ponto de vista da economia política, os pressupostos do
ciente nos meios políticos e técnicos para reaparecer no processo paradigma que têm presidido as intervenções via planejamento
constituinte de ig88, como veremos adiante. Por essasrazões é urbano e seusinstrumentos, sobretudo considerando o momen-
fundamental entendermos que visão de cidade e de política urba- to de sua disseminação no Brasil, são:
na tem dominado nossaexperiência de planejamento, tanto para ' gestãourbana fundamentada em um processo estatal de toma-
compreender seu fracasso como projeto de controle do processo de da racional de decisões, orientado para lograr implantar uma cidade
desenvolvimento urbano quanto seu sucessona cultura político- de acordo com um modelo de ordem urbana ideal, não contraditória,
.urbanística dominante no país. oposta tecnocraticamente a uma realidade vista como anárquica;
A história do planejamento urbano entre nós tem sido domi- . modelo ideal de cidade como parte de um prometo "moder-
nada por certa concepção de cidade e de estratégia de intervenção nizador" e "integrador", que tem por objetivo eliminar ascontradi-
na política urbana formulada no período autoritário. A base dessa ções geradas por um processo de urbanização rápido, que implicou
concepção é uma visão que alia a tradição do urbanismo higienista, desterritorialização de parte considerávelda população;
em sua versão funcionalista pós-Carta de Arenas, a uma economia ' garantia de fluxos contínuos de investimentos, principal-
política desenvolvimentistacom forte protagonismo do Estado. mente federais, em infraestrutura básica, assegurando as condições
Poderíamos sintetizar os pressupostos urbanísticos dessavi- geraisdereprodução do capital.
são nas seguintes características: Ê evidente que essespressupostos encontravam absoluta
' uma concepção de isonomia baseada na existência de um ressonânciano contexto político e económico internacional, no
único modelo de apropriação do solo considerado "saudável" e, qual, tanto no modelo do socialismo real soviético quanto no do
portanto, legítimo; capitalismo pós-New Deal, o Estadoplaniâcador e interventor

226 2z7
tinha plena vigência. No Brasil, esseprojeto se implementou sob o
Nessenovo padrão de desenvolvimento, a modernização sedá
impacto perverso da ditadura militar.
deforma seletiva,com os investimentos direcionando-se segundo
Hoje, os limites dessaconcepção estão claramente colocados e
os "requisitos locacionais da acumulação flexível como: melhor
se expressam tanto na falência do projeto de produzir cidades equi-
oferta de recursos humanos qualificados, maior proximidade com
libradas e de acordo com suas normas mais da metade de nossas
centros de produção de conhecimento e tecnologia, maior e mais
cidades é irregular ou clandestina quanto na impossibilidade de
eficiente dotação de infraestrutura económica, proximidade com
sustentaçãoem facedas transformações económicas e políticas os mercados consumidores de mais alta renda".3
no cenário mundial, que se aceleraram a partir da última década.
A modernização seletiva anual usufrui as vantagens locacio-
Embora não caiba aqui uma explanação das características do
nais produzidas no território durante o período da moderniza-
novo capitalismo mundial globalizado, é importante assinalaralguns
ção desigualvigente no "capitalismo dirigido" entre as décadas
indicadores que implicam mudanças territoriais ou a acentuação de
de i95o e 1970.Essenovo padrão de desenvolvimento, conduzido
algumas tendências erroneamente identificadas como reflexos ou
principalmente pela lógica competitiva do mercado,tem gerado
produtos da crise por que atravessa o país desde os anos tg8o.
a formação de enclaves de dinamismo próximos a áreas excluídas
Essasmudanças inserem-se em uma conjuntura económica
dos processos de seleção económica. Ou sqa, trechos do território
internacional .marcada por uma série de ajustes em face da inten- qualificados para receber investimentos distribuídos seletivamente
sificação da velocidade das relaçõeseconómicas globalizadas, com
passama participar das relações económicas mundializadas e a
o aumento nos fluxos financeiros e o surgimento de novos padrões
se distanciar socialmente dos territórios de pobreza, que perma-
tecnológicos e organizacionais da produção, dominados pela auto-
necem estagnados e isolados, processo que leva ao aumento da
mação e pela atuação em rede de grupos económicos transnacionais.
desigualdade e dos graus de exclusão social e territorial. A "seleti-
A chamada firma-rede descentralizando a produção, em cadeias
vidade territorial" no direcionamento dos investimentos públicos
espalhadas por diferentes territórios do planeta, e explorando locali-
novamente coloca o Estado como importante ater na presença e
dades com larga oferta de mão de obra barata -- organiza-se segundo
na ausência -- no desenho de uma nova geografia urbana.
franquias, subcontratações e terceirizações. A revolução microele-
Uma nova geografia se arma na paisagem global. Nela, as ci-
trõnica, com o aperfeiçoamentodo microcomputador, a utilização dades foram de certa maneira desconectadas dos limites dos Es-
maciça da telemática, dos métodos digitais e da automação na produ-
tados nacionais que as continham e, soltas em uma rede perversa
ção industrial, nos serviços e na agricultura, a robótica e a realidade
estruturada por um capital flutuante, procuram redefinir seupapel.
virtual, constituindo as chamadas Terceira e Quarta Revoluções In-
Boa parte da produção contemporâneado urbanismo tem sido
dustriais, fornece a infraestrutura necessáriapara as operações em-
mobilizada para criar uma cenografia em que a cidade se constitua
presariais descentralizadas com concentração de ganhos e decisões.:
como uma espéciede produto à venda em estandes,como parte de

2 Rolnik, Raquel; Nakano, Kazuo. "Cidades e políticas urbanas no Brasil: velhas


3 Araújo, Tânia Bacelarde. "Brasil: dinâmica regional recente,sustentabilidade
questões, novos desafios". In: Rattner, Henrique(org.). Brasil no limiar do séculoxxr.
e competitividade das regiões",p. 3.

zz8
229
uma megaexposição global de cidades à procura de empresários grande componente de informalidade nos serviços de transpor-
transnacionais que nelas decidam investir.
te público. Com a redução da massa de empregados -- entre eles
Sob a égide exclusiva da competitividade e da inserção na or- os beneficiários de vale-transporte --, aumentou a massa dos ex-
dem global, grandesinvestimentos são feitos, recortando na pai- cluídos do transporte. Ao mesmo tempo, surgiu o fenómeno dos
sagem fragmentada da cidade os enclaves mundializados. Esses 'perueiros" como nova frente de trabalho informal. Assim, infor-
enclaves,entretanto,não seviabilizam senãocom forte investimen-
malidade, irregularidade e clandestinidade -- paradigmas domi-
to em infraestrutura urbana, sobretudo em sistemasde circulação nantes na produção habitacional há décadas -- atingiram também
-- agora rebatizados de logística que permitam a conexão entre o setor de transportes.
os nós da rede de espaços incluídos. Nenhuma dessas cenografias Do ponto de vista espacial, essascaracterísticas, somadas às no-
do capital globalizado foi erigida semforte participação do Estado. vas tecnologias de comunicação, que redefinem a variável "distância'
Do ponto de vista social, essesprocessos têm signiâcado, no de forma radical, têm implicado o desaparecimentodo modelo "clás-
mundo desenvolvido, tanto o aparecimento de novas formas de sico" de cidade industrial. E uma nova forma de organização do mer-
organização da produção como das próprias relações de trabalho,
cado imobiliário parece despontar como tendência: o megaprojeto,
com parcelas cada vez maiores de trabalhadores precarizados, ex- ou o superespaço multifuncional privado, que substitui a cidade,
cluídos das garantias trabalhistas. Essasmudanças têm implica- como são cada vez mais os complexos empresariais e os shopping
do aumento inânito da informalidade: nas relaçõesde trabalho centers.Essesespaçosdespontam fortemente como tendência nas
e nas formas de inserção urbana. Soma-se a isso o desmonte das
cidades, que cada vez mais deixam de ser centros industriais para se
políticas de bem-estar,salário indireto e pleno emprego, configu- converterem em centros de comércio e serviços e sedes de gestão do
rando um exército que não é mais de reserva, mas de excluídos
capital financeiro. Ê essemesmo capital financeiro, especialmente
da nova ordem.
através da entrada de recursos dos fundos de pensão das grandes
A explosão da economia informal deve ser analisada no con-
empresas, e de outros atores ânanceiros, muitos deles globais, que
texto de desagregaçãoda sociedadesalarial, na qual o trabalhador promove a construção dos megaprojetos, que são alugados -- e não
tinha acesso a serviços e benefícios, por meio do "salário indireto'
mais vendidos no mercado dos grandes escritórios, dasgripese
proporcionado pelo emprego formal. Além de vermos a diminui- franquias. A "despatrimonialização" das empresas comerciais e in-
ção da proteção social, a perda de direitos adquiridos, como férias dustriais, imposta pela necessidadede se livrar de ativos pesados
remuneradas e l3Qsalário, e o trabalhador da economia informal
para se ajustar a uma economia em crise e em processo de tran-
assumir o encargo da aposentadoria e da assistência médica, tam-
sição, reforçou o caminho da flexibilização espacial,aberto pelas
bém estamos testemunhando o aumento das vulnerabilidades no
tecnologias de comunicação. Tudo isso, em que pesea inércia das
interior da sociedade brasileira.
centralidades tradicionais, tende a tornar as localizações muito mais
Essasmudanças tiveram impacto urbanístico particularmen- probabilísticas, ou muito menos predeterminadas pela estrutura
te agudo na questão da mobilidade e acessibilidade, aprofundando hierárquica da cidade, e, teoricamente, favorecer a desconcentração
o isolamento dos mais pobres nas periferias e introduzindo um do mercadoimobiliário. Entretanto,o partido arquitetõnico desses

z30
z3i
T
experimentando em nossas cidades novas formas de democratiza-
megaprojetos, sobretudo em sua relação com a cidade, tem corres-
ção da gestão e de constituição da cidadania.
pondido à acentuação da polarização e da concentração de renda,
configurando-os como cidadelasantiexcluídos. Porém, pensar em reconstituição da dimensão pública passa
Assim, a cidade redeíinida é cada vez mais segregada-- cada hoje necessariamente pela tareia de assumir integralmente o papel
vez mais o espaçopúblico se transforma em uma espéciede terra de protagonista económico-político, ou seja,o de formular uma
de ninguém, tomada pelos circuitos criminais e aparatospoliciais, estratégia económico-político-territorial para o futuro da cidade.
Que papel cumprirão as cidades brasileiras na nova divisão inter-
enquanto se espalhauma arquitetura-fortaleza dos condomínios
e espaços semipúblicos privados e controlados. nacional do trabalho? O que oferecerão elas na anual competição
Do ponto devista político, esseprocessotem correspondido a feroz entre cidadespara atrair investimentos? Serãocapazesde
duas mudanças importantes que ganharam hegemonia nos paradig- oferecer oportunidades económicas para seus habitantes e seus
mas de política urbana: redefinição do papel do Estado,diminuindo descendentes, ou apenasseapresentarãocomo mais uma frente
seu tamanho e protagonismo, e descentralização política, delegan- de expansão para capitais em busca de novos campos de rentabi-

do mais competências aos governos locais, o que implica crescente lidade? Que regras as cidades poderão estabelecer para o jogo de

responsabilidade das cidades em relação aos impactos da reestru- constituição dos mercados urbanos, no sentido de produzir mais
turação espacial e de sua correlata complexa problemática social. solidariedade e equilíbrio neste mundo segregadoe polarizado?
Com que instrumentos enfrentarão o tema das maiorias clandes-
No Brasil, os sinais dessasmudanças no cenário internacional
se confundem com aquelesda décadaperdida, os anos ig8o de tinas e do território popular eternamente ilegal e precário?

crise e não crescimento económico; de modo que têm permitido O modelo de planeamento urbano, cuja concepção e pressupos-

alimentar alguma esperançade que o milagre do desenvolvimento tos descrevemos no início do texto, nem de longe responde a essas

económico fordista ainda poderia ser retomado entre nós; que a questões.No entanto, Éoiele que emergiu como proposta na fórmula
de política urbana adotada pela Constituinte de ig88. Poderíamos
miséria e a fome poderiam ser suprimidas com o pleno emprego e
o Estado de Bem-Estar Social. Entretanto, os movimentos de países dizer que o que emergiu do confronto de posições que então ocor-

latino-americanos que estãosuperando suascrises económicas reu íoi uma espéciede inclusão formal das demandas populares na

Chile, México, Argentina -- têm demonstrado um aprofundamento lógica do regime urbanístico em vigor, reforçando o papel do Estado
da polarização e segregação no bojo de uma adesão irrestrita ao e imaginando a cidade conduzida por planos diretores competentes.
paradigma neoliberal no continente. Assim, o capítulo da política urbana, com os famosos artigos
Tal situação coloca para os governos locais uma perspectiva i82 e i83,4 acaba por dizer que a cidade cumprirá sua função social

totalmente nova e desafiadora:se, por um lado, "sobrou" para as


cidades ter que administrar o produto polarizado e desestrutura-
4 Os artigos l82 e i83 da Constituição Federalde ig88 integram seu capítulo
do dessastransformações,por outro, ascidadespodem hoje as- Da política urbana". No artigo i82, determina-se que a cidade e as propriedades
sumir o papel de protagonistas político-económicos no processo. urbanas devem cumprir sua função social, preveem-se sançõespelo não cum-
E isso ocorre entre nós exatamente no momento em que estamos primento desta e institui-se o Plano Diretor, obrigatório para todas as cidades >

232 233
quando seu processo de produção for controlado pelo Estado, através
Poderíamos aârmar que o mesmo confronto, com posições mui-
do planejamento urbano. Na verdade, essasolução foi fruto de uma to semelhantes, se reproduziu no processo de elaboração e discussão
espéciede aliança entre tecnocratas do aparelho de Estado e congres- pública dos planos diretores, em nível municipal. A entrada em cena
sistasque se credenciaram como mediadores em face das resistên-
na Constituinte do planejamento urbano no espaço que deveria ser
cias às propostas contidas na Emenda Popular de Reforma Urbana.s
o da reforma urbana de certa maneira definiu a agendade debates
O conflito se deu basicamente entre os atores que formularam a emen-
e os interlocutores no processo de elaboração dos planos que está
da popular: movimentos sociais de íavelados e moradores de perife-
ocorrendo hqe(anos t990-2000) nos municípios. Em primeiro lugar.
rias articulados a profissionais -- arquitetos, engenheiros, advogados
conferiu um enorme espaço e poder a um segmento, os urbanistas,
-- a eles vinculados, que defendiam a legitimidade da apropriação da
que teoricamente detêm o saber fazer sobre a cidade. São os que pos-
cidade por meio de outras formas e outros processos até então não suem a "receita" de Plano Diretor, que dominam ojargão, e que, aber-
reconhecidos pela ordem urbanística frente a duas formas de oposi- to o debate, saíram em defesairrestrita da ordem urbanística vigente,
ção às suas propostas. De um lado, os grupos de pressão que atuam fornecendo os argumentos técnicos para os embates políticos que se
na área de incorporação imobiliária ou com interesses económicos
sucederam à apresentação de projetos com novo perfil.
fortemente ligados à dinâmica atual de produção do espaçourbano;
Isso significa que a dificuldade de se avançar em direção a uma
de outro, uma posição de natureza técnico-corporativa fortemente reforma urbana decorre do grande poder de que dispõem os inte-
enraizada na administração pública brasileira. Embora motivadas por
resseseconómicos,que controlam politicamente a cidadepor meio
propósitos distintos, essasduas formas de oposição às teses e pro' de coalizões económico-partidárias, e decorre também da cultura
postas contidas na emenda popular convergiram para uma posição urbanística dos meios políticos e técnicos, que não conseguen} ver
conservadora no que se refere à manutenção dos regimes urbanos
o processo de produção dos assentamentos precários, irregulares,
atuais, que se apoiam sobre um modelo jurídico da propriedade do
ilegais como uma forma específica e particular de urbanização,
solo excludente, e seu correlato, a legislação urbanística de loteamen-
com sua própria dinâmica económica e institucional, mas como
to, uso e ocupação do solo em vigor, que invisibiliza a cidade real. um desviode um sistemaque paraelesdeveriafuncionar de outra
forma, segundo um ideal de perfeição que a «vontadepolítica" do
> com mais de zo mil habitantese integrantesde regiõesmetropolitanas como governante seria capaz de impor.
peça na qual essafunção social deve ser definida. Já no artigo l83, estabelece-se Concretamente, a experiência de construção da cidade popu-
a possibilidade de reconhecimento pleno das propriedades urbanas ocupadas
lar só é vista pela cidade enquadrada no regime urbanístico legal
por posseiros com finalidade de moradia há mais de cinco anos.
como um problema a sanar e, consequentemente, como objeto de
5 A Emenda Popular de Reforma Urbana, uma das emendas apresentadas aos
favores rentáveis em contabilidades eleitorais. E, por outro lado,
constituintes atravésde petição subscrita por cidadãos,defendia o reconheci-
quem aposta na mágica da "vontade política" ignora a natureza
mento da cidade autoconstruída pelos próprios trabalhadores e sua inclusão
definitiva nos serviços e equipamentos urbanos, o combate à especulação conflitiva da produção e gestão do espaço urbano.
imobiliária e a participação direta dos cidadãos nos processos de tomada de A tensão legalidade/ilegalidade, bastante presente no conteúdo
decisões sobre a política urbana. da emenda popular e um dos polos do conflito em torno dos planos

z34
z35
diretoresmunicipais, é um indicador evidenteda necessidadede um fórum representativo dos agentes que a constituem e assentada
revisão das utopias, dos métodos e dos instrumentos de intervenção sobre um pacto de solidariedade urbana, pode ser importante ele-
do planejamento urbano. Essaquestão é hoje estratégica, não só mento de constituição de uma nova cidade, ou de uma nova ordem
porque se dirige àsmaiorias urbanas ilegais -- que tendem a crescer, urbanística. Estácada vez mais claro que, caso desejemosalguma
e não diminuir, no novo contexto do capitalismo globalizado --,mas chance para nossas cidades no futuro, esta dependerá da capaci-
porque enfrenta-la requer rupturas conceituais fundamentais, a fim dade de defesa da cidadania e auto-organização dos cidadãos, o
de construir uma nova concepção de ordem urbanística: que exigirá crescentemente por parte do governo local a abertura
' ruptura com a ideia de homogeneidade e de eliminação das de espaços de interlocução e partilha de processo decisório com a
diferenças,tão constituinte do pensamento urbanístico moderno sociedade no processo de elaboração das políticas.
e que tem correspondido à experiência histórica de alisamento Essasmudançasimplicam redefinição do papel do Estadoe,
de territórios existenciais em detrimento de uma ordem única e em especial,do governo local; não seudesmontee substituição
hegemónica, produtora permanente de exclusão e ilegalidade. Esta pelo mercado, como querem os neoliberais, mas um Estadoque
pode ser substituída pela possibilidade de produção permanente funcione como estimulador de solidariedade,promotor de auto-
de singularização e diferença (iguais devem ser as oportunidades nomia e distribuidor de renda e poder.
e direitos, e não as pessoase seusmodos de vida); Para isso se requerem novos instrumentos de intervenção ur-
' ruptura com o prometoracional,elaboradoa partir da tecno- banística, capazes de acompanhar uma dinâmica urbana que hoje,
cracia de Estado, permanentemente confrontado com a realidade, por causadas próprias transformações dosprocessosdeprodução
sem nunca conseguir enquadra-la. Estepode e deve ser substituí- e circulação, é muito mais probabilística e muito menos predeter-
do por um pacto territorial, com uma multiplicidade de grupos- minada. É necessária também a formulação de instrumentos que
-sujeito. atuem sob a égide de uma nova ética e uma nova estética urbana.
Nesseponto emergea centralidade dos processosdecisórios Uma ética baseada no renascimento da dimensão pública da cida-
sobre a política urbana, e não por acaso a chamada "agenda da de, na corresponsabilidade dos cidadãos, na solidariedade; uma
reforma urbana" teve historicamente como um de seuspilares a estética que rompa com os modelos e tipologias da repetição, da
ampliação da chamada "participação popular" nas arenas de deci- segregaçãoe do isolamento e que produza os novos símbolos
sãosobreapolítica urbana. daurbanidade.
É nessecontexto que surgem,no período de experimenta- Na verdade, a ruptura com o modelo tecnocrático implica
ção democrática local que se seguiu à Constituinte, mecanismos também fortalecer a capacidadede intervenção do governo local
e espaços de discussão pública sobre planos, projetos e estratégias na regulaçãodo mercado imobiliário. Não no sentido atual, de
urbanos, procurando superar os canais institucionais vigentes até detalhamento minucioso das formas de apropriação permitidas
aquele momento, como são, por exemplo, os legislativos locais. e suas respectivas reservas de mercado exclusivas, produzindo a
Para essaconcepção, a formulação de uma estratégia econó- perenização da segregação e mecanismos perversos de valoriza-
mico-político-territorial para o futuro da cidade, conduzida por çãoimobiliária, mas,sim, no sentido de produzir mais equilíbrio

236 237
socioambiental, dialogando com o mercado. Isso implica despri- Das lutas pela reforma urbana às cidades
vatizar o modelo de regulação,liberando-o da lógica única e hege- da Copa do Mundo:
mónica dos usos e formas de ocupação o mais rentáveis possível
para o capitalnelesinvestido.
Assim como a definição dos objetivos, também os instru-
mentos devem serfruto de um pacto territorial local em torno do
futuro da cidade, no qual o conjunto de atores/segmentos socioe-
conómicos e culturais nela presentestenha plena capacidadede
Mais de uma década após a aprovação do Estatuto da Cidade --
participar. A tarefa é ampla, o caminho é longo, mas essapode ser
a utopia que nos ajudará a atravessar os anos de tormenta. marco regulatório da política urbana no Brasil inserido no âmbito
dasreformas políticas e jurídicas anunciadaspela Constituinte de
ig88 --, cabe debater se este tem sido implementado no país, onde,
quando e de que forma. O balanço não pode deixar de considerar
as dimensões do processo político e social que deram origem ao
estatuto e como foram se transformando no país desdea apro-
vação pelo CongressoNacional. A hipótese que lançamos aqui é
a de que todo o processo -- incluindo a formulação, aprovação,
aplicação e interpretação do Estatuto da Cidade tem sido uma
história de disputa entre projetos distintos de reforma urbana
no pais.
Ao longo dos anos ig8o e l99o, os movimentos sociais e po-
pulares conseguiram pautar o processo de redemocratização com
questões pertinentes à construção de um Estado de direitos em
que o acessoà terra e a sua função social têm papel central. Por
outro lado, o projeto neoliberal de política urbana, a integração
do Brasil nos circuitos globalizados do capital e das finanças e o
modo como se estruturou o jogo eleitoral no país também pauta-

l Esteartigo, apresentadoem 20u, em mesa-redonda no xlv Encontro Nacional


da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e
Regional, íoi publicado no livro Querrlphnda o território?Atorn, arerlaseematégias,orga-
nizado por Ana ClaraTorres Ribeiro, Lilian FesslerVaz eMana LaísPeneiradaSalva.

239
z38
ram os rumos da nossapolítica urbana. Com isso, todo o processo
é marcado pela ambiguidade e pela contradição.
Parareconstruir brevementeessahistória é preciso remontar o
T trabalhadores (PGTS)para financiar a produção imobiliária para as
classes médias e da produção de conjuntos habitacionais públicos
-- estes também nas periferias sem cidade e cora das normas para
processo social de construção de uma cultura de direitos no Brasil,
os setores de menor renda.
expressaem várias frentes,dentre as quaiso movimento pela refor-
No final dos anos i97o, o modelo de industrialização por subs-
ma urbana. A luta pelo direito à cidade e pelo direito à moradia,
tituição de importações, que alimentou o crescimento económico
um de seuscomponentescentrais emergiu como contraposição
do país nos chamados anos do "milagre brasileiro", entrou em cri-
a um modelo de urbanização excludente e espoliativo, que, ao lon-
se. Em um contexto internacional de globalização dos mercados
go de décadas de urbanização acelerada, absorveu em poucas e
e de crise âscal dos estados, a agenda de reformas económicas de
grandes cidades numerosos contingentes de pobres migrantes de
ajuste estrutural liberalizante chegou ao país. Gerou desemprego e
zonas rurais e pequenas cidades do país, sem jamais integra-los.
diminuiu o alcance e escopo de políticas redistributivas que ainda
O modelo urbanístico de crescimento das grandes cidades foi es-
existiam ou faziam parte da pauta de reivindicação dos trabalha-
truturado pela chamada "lógica da desordem".: Conforme esse
dores,tais como subsídiospara as tarifas públicas e para financia-
modelo, fundamental para a manutenção de altas taxas de acumu-
mentos habitacionais durante um período de alta da inflação e de
lação, os trabalhadores na cidade devem realizar a autoconstrução
deterioração do poder de compra dos salários.s
de seu próprio habitat em áreas de não cidade.'
A crisecontribuiu para ampliar a basedo movimentopela
Essa"solução" da questão habitacional dialogava com um mar-
reforma urbana, incluindo moradores de assentamentos informais,
co regulatório do crescimento urbano caracterizado por um siste-
de periferias e favelas, e setores das classes médias urbanas pro-
ma nacional de planejamento urbano e municipal que era voltado
fissionais (arquitetos, engenheiros, advogados), que, sobretudo a
para a "formação de um mercado imobiliário restrito e especulati-
partir de suas articulações no campo sindical, passarama apoiar
vo", além de "abundante aparato regulatório (leis de zoneamento,
e integrar essacoalizão.' Especialmenteem cidadesatingidas pela
código de obras, código visual, leis de parcelamento do solo etc.)
crise e que reconstruíam suas agremiações sindicais e movimentos
convivendo com a radical flexibilidade da cidade ilegal, fornecen-
populares organizados, essacoalizão logrou eleger,ainda ao longo
do o caráter da institucionalização fraturada, mas dissimulada".'
da década de ig8o, administrações locais comprometidas com um
Dialogava ainda com a montagem de uma política habitacional
modelo redistributivista e de ampliação da cidadania.
estruturada em torno da mobilização de um fundo público dos
Essemodelo incluía a melhoria de serviços públicos, a inclusão
dasfavelase periferias nos investimentos, o apoio a cooperativas e
programas de geração de renda e outras formas de enfrentamento
2 Kowarick, Lucio. A espoliação
urbana.
3 Oliveira, Francisco.Críticaà razãodualista.
5 Goldfrank, Benjamin; Schrank, Andrew. "Municipal Neoliberalism and
4 Arantes, Otília; Vainer, Cardos;Maricato, Ermínia. A cidadedopensamento
único: Municipal Socialism: Urban Political Economy in Latin America'
desmanchando
consensos,
p. i24
6 Keck, Margaret. TbeWorkersPara and Democratizaüonin BrazÍI,pp. igo-3

z4o
z4i
da crise e de compensações e proteções, em face do vazio de polí- É inegável, como veremos adiante, que essatensão estevepre-
ticas em nível nacional. O novo modelo distributivo local se refe- sente não apenas nos debates do Estatuto da Cidade (lg88-zoom)
ria simultaneamente"à quebrado controle excludentedo acesso como também na última década,quando, em tese,ele deveria ter
à riqueza, à renda e às oportunidades geradas no (e pelo) uso e sido implementado. Para examinarmos mais de perto as tensões,
ocupação do solo urbano, assegurandoa todos o direito à cidade escolhemos -- não por acaso -- três entre os temas da agenda de
como riqueza social em contraposição a sua mercantilização".7 reforma urbana em que essaconfluência perversa ocorreu: a re-
Podemosafirmar que,no interior dessecampo,autodenomi- gularização das favelas, a participação popular e a renovação das
nado por seus atores de "democrático-popular", três grandes eixos práticas e instrumentos do planejamento urbano.
constituíram o centro da agendade reforma urbana das adminis- Durante os anos lg8o, cresceram as intervenções municipais
trações eleitas: o reconhecimento dos direitos dos posseiros, a luta sobre as áreasocupadas precariamente, sobretudo por meio de
contra a "especulação imobiliária" e a democratização do processo investimentos progressivos em infraestrutura. Entretanto, muitas
decisório sobre as políticas urbanas.8 vezes a situação "irregular" ou "ilegal" do assentamento levava ao
Não podemos deixar de assinalar que, principalmente a partir estabelecimento de barreiras no interior do aparato jurídico admi-
dos anos i99o, penetraram também no país o ideário e as práticas nistrativo das gestõespúblicas para que os investimentos pudessem
do chamado "empreendedorismo urbano", resposta neoliberal acontecer. No processo de redemocratização, os investimentos em
à crise económico-política do Estado provedor, que encontrou urbanização -- e muitas vezes a própria criação dos assentamentos
espaços de confluência perversa com alguns temas e críticas cons- ganharam importância crescente no jogo político-eleitoral, o que, do
tantes na plataforma de reforma urbana.9 A descentralização e ponto devista dasrelaçõesdepoder e do controle político que ali se
o fortalecimento dos governos locais, a titulação e o registro de estabeleceram, era reforçado pelo caráter discricionário das ações.lo
propriedade de áreas ocupadas por favelas, a crítica à rigidez Foi exatamente contra o caráter discricionário e levando em
do planejamento urbano modernista e a defesade participação da conta uma perspectiva de direitos e o estabelecimentode uma
sociedadecivil (stakeholders)
no planejamento, dentre outros fato- política pública geral que aconteceram nas cidades brasileiras as
res, introduziam conteúdos por vezes diametralmente opostos primeiras experiências de inserção e reconhecimento das favelas
em uma mesma agenda. no âmbito do planejamento urbano e da regulação urbanística. As
experiências pioneiras de Recite e Belo Horizonte inovaram não
tanto por investir nas favelas o que já vinha sendo deito de forma
7 Ribeiro, Luiz Cegarde Queiroz; SantosJunior. Orlando Alves dos. "Desafios
da questão urbana". LeMonde DiplomatiqueBrasÍI,São Paulo, n. 45, abr. zon. pontual em várias cidades --, mas por identificar e demarcar essas
áreas no zoneamento da cidade como Zonas Especiais de Interesse
8 Trevas, Vicente; Magalhães, Inês; Barrete, Luiz (orgs.). Governoe cidadania:
balanço e r#exões sobre o modo petisca de governar.

g Vainer, Carlos. "Pátria, empresa e mercadoria: a estratégia discursiva do 10 Rolnik, Raquel. "Democracia no fio da navalha: limites e possibilidades para
planejamento estratégico urbano". In: Arantes, Otília; Vainer, Cardos;Maricato, a implementação de uma agendade reforma urbana no Brasil". RevistaBrasileira
Ermínia, op. cit. de Estudos Urbanos e R(lgionais, Recite, v. n, n. z, nov. 200g, pp. 3l-5o.

24z Z43
Social (Zeis), reconhecendo sua existência e estabelecendo com- A partir das duas experiências, a introdução de Zeis nos zo-
promissos na direção de sua regularização. neamentos das cidades, as políticas de regularização e urbaniza-
No caso do Recite, o Plano de Regularização das Zonas Espe- ção de favelas e a promulgação de legislações específicas contendo
ciais de Interesse Social (Prezeis)propunha o estabelecimento de instrumentos de reconhecimento dos direitos de possese genera-
regras de intervenção para a implantação de programas de urba- lizaram no país,principalmente a partir da incorporação desses
instrumentos, inclusive as Zeis, no Estatuto da Cidade e na Medida
nização e consolidação dos assentamentos a partir da elaboração
de planos especiais criados através de processos democráticos e Provisória z.220, que o acompanhou. Houve uma grande disse-
participativos, que levavam em conta o reconhecimento da exis- minação da adoção das Zeis no período de 2001 a 200g, com um
tência de padrões de ocupação específicos.' ' expressivo aumento a partir de 2005, quando "o número de muni-
O Prezeisinovou tambémao criar um sistemade gestãoque cípios com Zeis passou de 672 em 2005 para i.799 em 200g, o que
envolvia Comissões de Urbanização e Legalização (Comuls) locais, representaum incremento de i68%".:'
integradas por moradores e prefeitura. Elas eram responsáveispela Apesar dessasmudanças, é bem mais complexa e contraditória
gestão dos planos de urbanização de cada Zeis e de um fórum per- a luta cotidiana dos assentamentosinformais e ocupaçõesno país
manente do Prezeis que discutia e deliberava sobre problemas e para resistirem às remoções e expulsõesviolentas e se integrarem
estratégias de gestão do conjunto das áreasdemarcadas. Belo Hori- definitivamente à cidade.Ainda nos anos i99o, quando o front dos
zonte também foi pioneira no tema ao criar o Programa Municipal conflitos seencontrava sobretudo no âmbito municipal, a consolida-
de Regularização de Favelas (Proíavela), em lg83, na contramão das ção de favelassituadas em áreascentrais era com frequência objeto
políticas de desfavelamento e remoção de famílias, com a criação de disputas e controvérsias.i4 Não por acaso, o instrumento que pos-
de um zoneamento específico que reconhecia a existência das ocu- sibilita a concessãopara seusmoradores de áreaspúblicas ocupadas
pações do ponto de vista legal.:: irregularmente, embora aprovado no Congresso,Éoivetado pelo en-
tão presidente da República e negociado mais tarde por meio da pro-
mulgação de uma medida provisória que restringida sua utilização.
ii Botler, Milton; Marinho, Geraldo. "0 Recite e a regularização dos assen- Por outro lado, as concessões de ânanciamentos habitacionais
tamentos populares". RevistaPólos,São Paulo, n. 29, 1997; Ferreira, Jogo Sente do sistemaoficial de ânanciamento do desenvolvimentourbano
Whitaker; Motisuke, Daniela. "A efetividade da implantação de Zonas Especiais
de Interesse Social no quadro habitacional brasileiro"; Miranda, Lívia; Moraes, só admitem a propriedade plena escriturada em cartório, apesar
Demóstenes A. de. "0 Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse
Social (Prezeis)do Recite: democratização dagestão e pjanejamento participa-
tivo". In: Cardoso, Adauto Lucro(org.). Habitação social nas metrópoles brasileiras:
i3 SantosJunior,Orlando Alves dos;Montandon, Daniel T. "Síntese,desafiose
uma avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo Horizonte, Porto AleWe, Reco, recomendações". In: SantosJunior, Orlando Alves dos; Montandon, Daniel T.
Río delaneÍro e SãoPaulo rto.anal do séculoxx; Moraes, Demóstenes A. de. Por uma (orgs.). Os planos cliretores municipais pós-Esraruto da Cidade: balanço cHrfco e pers-

política de habitação de interessesacia! para o Reco: apontamentos sobre o Prezeis. pectivas, p. 3i.

i2 Fernandes, Edésio. "Perspectivas para a renovação das políticas de legaliza- i4 Salva, Jacqueline Severo. "Regularização fundiária, exercitando um novo
ção de favelas no Brasil". paradigma: um conflito também ideológico apresentação de casos".

244 245
de isso ser diferente do que afirma a lei. Também é fundamental tações sociopolíticas concretas ocorreram nessa direção, com a
acrescentar que, embora os instrumentos de regularização tenham criação de espaçosde participação social, como o orçamento par-
sido objeto de várias normas, decretos e leis, as ações concretas de ticipativo, conselhos e conferências, entre outros. "0 surgimento
regularização são verdadeiras corridas de obstáculos, com proces- do orçamento participativo em Porto Alegre despertou atenção
sos estendendo-se muitas vezes por décadas. Finalmente, quando de atores do Norte e do Sul sobre as novas formas de participação
recursos públicos vultosos estão disponíveis para investimentos na geradas pela democratização brasileira".:' A prática se estendeu
urbanização das favelas do país -- como foi o caso do Programa de para mais de i7o cidades do país.:;
Aceleração do Crescimento (PAC)das favelas --, o que se observa é As experiências foram fundamentais para que os novos parti-
a desconstituição dos processose fóruns participativos, uma geo- dos de oposição que emergiam naquele momento agregassem os
graâa seletiva de favelas a serem urbanizadas e processos maciços distintos interessesdo setor popular com a criação e a consolidação
de remoção, muitas vezescom uso de violência. Mais grave ainda de uma identidade baseadana cidadania atava.:9Ao mesmo tempo,
é o generalizado não reconhecimento, por parte das autoridades em muitos casos esses novos espaços de participação contribuíram
públicas, da regularizaçãofundiária como um "direito" dos mo- para a construção de estratégias redistributivas.:'
radores. Para prefeituras, em geral setrata de um "favor", como já A implementação de orçamentos participativos e outros es-
discutimos amplamente neste ensaio.Juízes,promotores e procu- paços de participação popular direta, no entanto, não ocorreu de
radores, em processos de desapropriação de terras que abarcam maneira hegemónica no país e não logrou romper com os modelos
assentamentosinformais, assim como em conflitos provocados tradicionais de tomada de decisão sobre a política urbana.
por reintegraçõesde possepromovidas por particulares ou pelo Na verdade, a transição democrática no Brasil ocorreu através
governo, raramente evocam a necessidadede implementação de de um pacto restrito, interelites, que preservou as regras do jogo de
alternativas sustentáveis à remoção.' 5
No ideário que orientou a elaboração do Estatuto da Cidade, a
i7 Santos, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a demoaacía: os caminhos
participação popular direta era deânida como condição para que ciademocraciaparticipativa;Avritzer, Leonardo. "Modelos de deliberação demo
fossealterado o padrão clientelista e excludente daspolíticas so- prática:uma análisedo orçamento participativo de Porto Alegre". In: Santos.
ciais e promovido um novo padrão de intervenção nas cidades".'' Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia
participativa;Dagnino, Evelina; Olvera, Alberto J.; Panfichi, Amo (orgs.).A disputa
Nos anos lg8o, quando se elegeu uma primeira geração de gover-
pela construção democrática na América Latina.
nos democráticos e populares em cidadesbrasileiras, experimen-
i8 Avritzer, Leonardo. "Instituições participativas e desenhoinstitucional:
algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático'
i5 Fernandes,Edésio,op.cit. Opinião Pública,Campinas, v. i4, n. i, zoo8, pp. 43-64.

i6 Santos, Mauro Rego Monteiro dos. "0 sistema de gestão e participação ]g Goldfrank, Benjamin; Schrank, Andrew, op. cit.
democrática nos planos diretores brasileiros". In: SantosJunior, Orlando Alves zo Wampler, Brian. "Que tipos de resultados devemos esperar das instituições
dos; Montandon, Daniel T. (orgs.). Os planos dÍretores municipais pós-Estatuto da participativas?". In: Pires, Roberto Rocha C. (org.). EÉetividade das instituições
Cidade: balanço crítico e perspectivas,p. z57- partícipativas rlo Brasil: estratégiasde avaliação.

246 z47
'Y'

representação de interesses,reproduzindo a tradição de mandatos A confluência de concepções políticas antagónicas contrapôs,


individuais articuladosem neMorkse máquinaspolítico-eleitorais forte- desdeo fim do regime militar, o projeto de aprofundamento
mente entremeadas com o controle de cargos na máquina estatal. É no democrático, através da ampliação da cidadania e da participa-
interior do jogo político-eleitoral que boa parte do processo decisório ção social, com a visão de não apenas um Estado mínimo, mas
sobre a política urbana, especialmenteno que serefere aos investimen- também de participantes e arenaspolíticas mínimas: de uma
democraciamínima.22
tos em obras e ampliação de serviços urbanos, ocorre. O acesso a cré-
dito, como a recursos a fundo perdido, seja sob a forma de emendas
parlamentares, sqa sob a forma de convênios com os programas dos Finalmente, os modelos e instituições de gestão participativos
ministérios, depende essencialmente das relações que os governantes não foram incorporados no desenhoe nos processosdecisórios
locais estabelecemcom o governo federal, com intensa participação de das políticas e programas recentes de financiamento do desenvol-

mandatos parlamentares e essasredes de natureza político-eleitoral.:: vimento urbano -- como o PACe o programa Minha CasaMinha
Há que se considerar também que, nas relaçõespolíticas no Vida , que ganharam enorme impulso nos últimos anos, deslegi-
interior da construção e na implementação dos conselhos e ou- timando os fóruns e asarenas de participação atéentão existentes
tros espaçosparticipativos, assimcomo com o governo, é possível (como conselhos de habitação e de cidades) como lacasde elabo-
identificar que, além da inovação político-cultural, ainda estão vi- raçãoedecisão.
gorosamente presentes o clientelismo e uma espécie de neocorpo- O terceiro pilar da plataforma democrático-popular de redor:
rativismo, as velhas gramáticas que estruturam as relaçõespolíticas ma urbana é a regulação do solo urbano, no sentido de diminuir
no país que foram assim sendo renovadas -- mas não superadas a transferência da renda e riqueza para os detentores dos imóveis
através da entrada de outros atores. e assim poder ampliar o acessodo conjunto dos cidadãos à terra
Por outro ]ado, a agenda de reforma neo]ibera] do Estado bra- urbanizada e bem localizada e democratizar as oportunidades ur-
sileiro também veio acompanhadade um discursoparticipacionis- banas. Assim como mencionado nos temas anteriores, essadireção
ta e de revalorização da sociedadecivil, redefinida como "terceiro também partiu de experimentaçõesem nível local nos municípios
setor", que esvaziavao sentido da proposta de cidadania ampliada nos anos i99o e, posteriormente, inseriu-se no Estatuto da Cidade

para alinha-la à ideia de Estado mínimo. Assim, a simples exis- como princípio, diretriz e instrumental de aplicação.
tência de "processosparticipativos", mas sem conexão explícita e Desde a formulação da função social da cidade e da proprie-

sem configuração clara no interior dos processos decisórios, atende dade na Constituição, a implementação de estratégias e instrumen-

perfeitamente a um modelo que fortalece o centro e não empo- tos de combate à retenção especulativa de terrenos foi inserida na

dera asbases. De acordo com Evelina Dagnino: elaboração de planos diretores por parte dos municípios. Dessa

zi Rolnik, Raquel. "Democracia no fio da navalha: limites e possibilidades para 22 Dagnino, Evelina. "Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos
a implementação deuma agenda de reforma urbana no Brasil". RevistaBrasileira falando?". In: Mato, Daniel (org.). Políticas de cÍudadaníay sociedadcivil en tiempos

de Estudos Urbanos e R(lgiormís, Recite, v. n, n. z, nov. zoog, pp. 3i-5o-


deglobalízación,
pp. 95-no.

248 249
forma, antes mesmo da aprovaçãodo estatuto, vários foram os A Pesquisa de Informações Básicas Municipais do iBGE (Munic), rea-
municípios que procuraram incluir os instrumentos de sançãoà lizada desde 200i, demonstra aumento significativo no número de
retenção especulativa de terrenos vazios ou subutilizados que ha- cidades com planos: a partir de 2005 o número de planos diretores
viam sido anunciados no artigo i82 da Constituição, com enormes aumentou consideravelmente, passandode 805 em zoo5 para 2.3l8
dificuldades para aprovar os planos nas câmarasmunicipais. em 200g[...]. Em zoog, dos i.644 municípios com maisde 20 mi]
Foi a experiência realizada em Diadema, nos anos i99o, que habitantes, ].433 declararam ter Plano Diretor, o que corresponde
introduziu de forma mais clara uma estratégia fundiária de apoio a 87%do total.24
à produção de habitações sociais. O município aprovou em seu
Plano Diretor o estabelecimento de Zeis como reserva de terra Essamesma pesquisa mostra que, apesar do êxito quantita-
para moradia em áreasconsideradas subutilizadas ou vazias. tivo de elaboração de planos diretores municipais e da presença
As Zeis de vazios, posteriormente reproduzidas em vários pla- de instrumentos como as Zeis, a sua implementação e seu papel
nos, inclusive em São Paulo, representaram uma estratégia de na definição de investimentos e estratégias de desenvolvimento
combate à especulação imobiliária, de melhor aproveitamento urbano posteriores têm sido muito limitados.:s
das áreasjá infraestruturadas para a garantia das necessidades No estatuto, a estratégiade regulação redistributivista do solo
habitacionais.2s
concentrou-seem instrumentos de ampliação do acessoà terra
No artigo 4 do estatutofoi incluído, além dasZeis,todo um urbanizada, como as Zeis de vazios e os instrumentos de sanção
conjunto de instrumentos de que o município pode se valer para à retenção especulativa de terrenos em áreas bem localizadas e a
elaborar uma política de desenvolvimento urbano local planejado, chamada "gestão social da valorização mobiliária", que incluía
a partir da premissa de função social da propriedade e do direito a criação de instrumentos para captura de mais-valias imobiliárias
à cidade. O estatuto estabeleceu também o prazo de cinco anos, a para fundos públicos de caráter redistributivo. De forma geral, a
partir de zoom,para que municípios com mais de 20 mil habitantes pesquisaqualitativa sobre os planos diretores já mencionada de-
e/ou integrantes de regiões metropolitanas elaborassem e aprovas- monstra a generalizada incorporação dos instrumentos previstos
sem seus planos. Em zoo5, o Ministério das Cidades liderou uma no Estatuto da Cidade pelos municípios. Entretanto, como também
campanha pela elaboração de planos diretores participativos em aârmam Santos Junior e Montandon:
todo o país. Em 20n, um estudo de avaliaçãosobre a implementa-
ção dessesplanos, coordenadopelo Observatório dasMetrópoles Muitos planos apenastranscreveram os trechos do estatuto, outros
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirmou que: incorporaram os instrumentos sem avaliar sua pertinência em rela-
ção ao território e à capacidade de gestão do município, outros,

z3 Mourad, Laica Nazem. Democratizaçãodo acessoà terra urbana em Diadema;


Cymbalista, Renamo. ReHndar o não.andado: desaÚosdigestão democrática das polítims 24 SantosJunior, Orlando Alves dos; Montandon, Daniel T., op. cit, p. zg
urbana e habÍtacíorlal no Brasíl. 25 Idem,ibidem.

z5o 251
T
ainda, incorporaram alguns fragmentos de conceitos e ideias do do mundo das empresas para o universo urbano, como é ela que
estatuto de modo desarticulado com o próprio plano urbanísti- autoriza a venda das cidades, o emprego do marketing urbano, a
co[. . .]. A pesquisa evidenciou uma genera]izada inadequação da unificação autoritária e despolitizada dos citadinos e, enfim, a ins-
regulamentação dos instrumentos nos planos diretores no que tauraçãodo patriotismo cívico.28
se refere à autoaplicabilidade ou efetividade dos mesmos, prin-
cipalmente no caso dos instrumentos relacionados à indução do A existência simultânea e contraditória dos dois ideários no
desenvolvimentourbano.2ó interior do mesmoplano é ilustrada no PlanoDiretor Estratégico
da Cidade de São Paulo, que incorporou diversos instrumentos do
Por outro lado, no início da última década,enquantoo mo- estatuto para regularização fundiária, reconhecimento da posse e
vimento pela reforma urbana procurava fomentar o debateda ampliação do acessoà terra urbanizada, masdemarcou uma parte
desmercantilização do solo urbano, na direção da e6etivaçãodo significativado território municipal como áreasujeita a "Opera-
direito de todos à cidade,eram tambémcolocadasem prática as çõesUrbanas Consorciadas", em que parcerias público-privadas
estratégias do chamado "empreendedorismo urbano", platafor- podem promover um projeto não sujeito às regras gerais de re-
ma neoliberal de respostaà crise. Essaplataforma surgiu a partir gulação da cidade e desenhado com o objetivo de atrair capitais e
de uma espécie de consenso geral em todo o mundo capitalista investimentos.
avançado de que benefícios positivos seriam obtidos por cidades O caso de São Paulo é bastante ilustrativo da esquizofrenia
que assumissemum comportamento empresarial em relação ao presente na implementação do estatuto. A cidade utiliza, desde os
desenvolvimento económico.2z anosi99o, instrumentos de captura de mais-valiasimobiliárias e
Entre os instrumentos largamente utilizados por essascidades suadestinaçãopara fundos públicos redistributivos, como é o caso
estava o "planejamento estratégico", com técnicas e metodologias da "outorga onerosa do direito de construir", ou "solo criado", que
derivadas de experiências na direção do aumento da competitividade estabeleceum potencial de construção básico para todos os terre-
advindas do mundo corporativo. Conforme afirma Carlos Vainer: nos da cidade e cobra de quem alcançar os fetos maiores (sempre
preestabelecidos em lei) para investir os recursos em áreas me-
Em primeiro lugar, não há como desconhecer a centralidade da nos providas de infraestrutura, equilibrando assim a cidade.Mas
ideia de competição entre cidades no prometoteórico e político do a cidadetambém adota,desdeo mesmo período, instrumentos de
planejamento estratégico urbano. É a constatação da competição flexibilização das regras de uso e ocupação do solo destinados a
entre cidades que autoriza a transposição do modelo estratégico viabilizar grandes projetos urbanos privados em áreasdotadas de
infraestrutura, que claramente abriram frentes de expansão para

26 Idem, ibidem, pp. 3i-4. um capital financeiro excedenteglobal em buscade novaslocali-


zações. As chamadas operações interligadas, operações urbanas
27 Harvey, David. "Do gerenciamento ao empresariamento:a transformação
da administração urbana no capitalismo tardio". Espaçoe Debates,São Paulo,
anoxvi, n. 39,i996,pp.48 64. 28 Vainer, Carlos, op. cit« p. 99

z52 253
l

e concessões urbanísticas coram gerando espaços "liberados" de uma Essaobservação nos ajuda a entender os próprios limites da
regulação redistributiva. Dessaforma, criaram a possibilidade de con- chamada descentralização e autonomia local, e,portanto, também
centrar ainda mais os potenciais devalorização da cidade, permitindo dos eventuais exercícios de pactuação territorial anunciados pelos
que nessesfragmentos de cidade,cada vez maiores, se aplicassem neles planos diretores. Descentralizar a gestão do uso do solo sem esta-
mesmos(e não em um grande fundo geral da cidade) as mais-valias belecer uma organização do Estado que permita a coordenação de
decorrentes dos investimentos públicos realizados no município. políticas entre níveis de governo e diferentes setores e uma capacida-
Mesmo no caso em que em virtude sobretudo daspressões de local instalada para viabilizar a implementação de uma estratégia
por moradia Zeis tenham sido desenhadasdentro dessesprojetos, urbanística de longo prazo é condenar a prática de planejamento
estas não são implementadas e os recursos gerados nas operações urbano local a um exercício retórico que, assimcomo em outros
urbanas têm basicamente promovido processos de valorização vários corpusnormativos, funciona no mesmo registro da "ambigui-
imobiliária concentradores e excludentes.29 dade constitutiva": trata-se de uma lei que pode ou não ser imple-
Assim mesmo, poderíamos imaginar que a simples incorpo- mentada, a depender da vontade e capacidade do poder político local
ração de instrumentos nos planos diretores poderia abrir caminho de inseri-la no vasto campo dasintermediações do sistemapolítico.30
para uma utilização futura, desde que sua implementação atuasse Os aspectos elencados acima permitem uma avaliação do
como condicionalidade, por exemplo, para obtenção, por parte dos processo de implementação do estatuto, sobretudo nos contex-
municípios, de recursos para investimentos em desenvolvimento tos e modelos socioterritoriais sobre os quais, como vimos, ele 6oi
urbano, hoje ainda bastante dependentesde transferências federais formulado ou seja,as grandescidadesindustriais e portuárias
e estaduais. Diante das pressõese embates locais para que esses herdeiras do fordismo, centros da crise e do ajuste que o sucedeu e
planos não sejam utilizados, uma política urbana nacional poderia onde renasceram movimentos sindicais e populares que passaram
ter um papel indutor na sua implementação, caso a existência de a integrar a base de uma nova coalizão que governa o país. Mas o
uma política fundiária e de planejamento pudesseter algum papel universo dos municípios e a totalidade do território brasileiro não
na viabilização de investimentos públicos, como redes de trans- se limitam a tal contexto. As tentativas de elaboração de planos
porte ou saneamento. Entretanto, ocorreu exatamente o contrário. diretores como pactos socioterritoriais que cobriram todo o país
O grande aumento de disponibilidade de recursos para investimen- revelaram claramente o descolamento da agenda proposta em
tos em desenvolvimento urbano nos anos recentes notadamente relação a realidades sociais, políticas e territoriais muito diversas.
o PACe o programa Minha CasaMinha Vida não incluiu estímulo Paraalém dos limites políticos já assinalados,temas como o pla-
algum para a adoção de nenhuma medida de política fundiária ou nejamento da expansão urbana,;' o uso do solo nas áreasrurais,
instrumento do estatuto à exceçãode mais instrumentos jurídicos
de regularização de assentamentos informais em seu desenho.
3o Rolnik, Raquel. "Democracia no fio da navalha: limites e possibilidades para
a implementação de uma agendade reforma urbana no Brasil". RevistaBrasileira
zg Fix, Mariana. Parceirosda exclusão: duas histórias de construção de uma nova cidade deEstudosUrbanose Regionais,Recite, v. n, n. 2, nov. 200g, pp. 3i-5o
em São Paulo Faria Lama e Agua Espraiada. 3i Santoro, Pauta. Flamejar a expansão urbana: dilemas e perspectivas.

254 255
a questão indígena e quilombola, a gestão metropolitana, entre deâniu a priorização do uso de recursos públicos para promover
outros, desafiaram os instrumentos do estatuto para pensar além desenvolvimentourbano via promoção de grandesprojetos de
do modelo do crescimento espoliativo e especulativo e da ocupa- infraestrutura que redesenham a rede urbana do país, sem for-
ção dos vazios urbanos com habitação popular. talecer espaços de planejamento e ordenamento territorial nem
Porém, mesmo levando-se em conta o contexto em que o construir um sistemade gestão do território federativo,levando
estatuto foi formulado, uma avaliação de seu processo de imple- em consideração as fragilidades e potências dos processos locais.
mentação não pode desconsiderar que ascidades brasileiras vivem Como ressalta Sales:

hoje uma situação que não deve ser mais definida e compreendida a
partir dos paradigmas da "lógica da desordem" ou do sobretrabalho Trata-se do descolamento, da desvinculação entre os enunciados

inerente aos processos de autoconstrução, bases de um pensamen- do Plano Diretor e os grandes investimentos vigentes ou em via de
to sobre a cidade brasileira formulado nos anos i97o. realização. Nas palavras do relatório do Rio deJaneiro: os grandes
O novo ciclo de crescimentoeconómico por que passao país, investimentos se impõem ao plano como condicionantes exter-
embora carregue a inércia do velho modelo de desenvolvimento nos, ou seja,asgrandes definições de investimento são tomadas
urbano patrimonialista e excludente,e, aparentemente,reproduza sem relação alguma com os planos municipais, e os planos não
políticas e fenómenos do chamado período do milagre brasilei- dialogam como poderiam com os investimentos existentes ou pre-
ro, na verdade se dá sob a égide de uma nova política económica, vistos. Investimentos em urinas, siderúrgicas,aeroportos, gran-
sustentada por uma nova coalizão política. No que concerne ao des obras viárias, obras do PACnem sequer são mencionados nos

impacto dessapolítica nas cidades, pelo menos dois elementos planos e não se relacionam explicitamente a nenhuma estratégia
marcam a constituição de um cenário também novo: a integração ou diretriz para o desenvolvimento.':
dos trabalhadores no mercado de consumo (inclusive com relação
à mercadoria "casa") e a inserção da acumulação urbana nos cir- O papel exercido pelos fundos de pensão dos trabalhadores
cuitos financeiros globalizados. como grandesinvestidores nos megaempreendimentospúblicos e
Do ponto de vista político, os mesmos partidos que, como privados, em sociedade com os grandes grupos económicos nacio-
oposição, lideraram experimentações de gestão democrática em nais, reforçou, de forma renovada, a tradicional aliança do Estado
governospopulares nasdécadasde ig8o e i99o compõem hoje brasileiro com o capital. Também reforçou os espaçose canais em
uma coalizão em âmbito federal, em que as lideranças que emer, que essainterlocução se dá como lugaresprivilegiados de tomada
giram do movimento sindical ganharam uma nova hegemonia no de decisão, enfraquecendo e esvaziando a participação popular
establishment político, exercendo enorme influência sobre a agen-
da do desenvolvimento.
3z Sales,Pedro Manuel Rivaben de. "Operações urbanas consorciadas". In
C)modelo de "integração pelo consumo", o crescimento IPPUR -- Observatório das Metrópoles. Cadernos técnicos de orientação para im'
com geração de empregos e a melhoria das condições salariais plementaçãodos instrumentos do Estatuto das Cidades,p. 7 CD. In: Santos Junior.
- tipicamente identificada com as reivindicaçõessindicais Orçando Alves dos; Montandon, Daniel T., op. cit.

Z56 257
nos processos decisórios sobre a política urbana no país e seus tratadas de maneira ambígua e discricionária. No caso de comuni-
espaços institucionais. dades removidas, o direito à posse e à moradia digna é convenien-
No contexto atual, a política habitacional é concebida e pratica- temente relegado a condição secundária em virtude da equação da
da como elemento de dinamização económica para enfrentar uma lucratividade dos projetos de intervenção urbanística.
possível crise e para gerar empregos, colocando-se de forma desar- Cientes do esvaziamento dos espaços de pactuação participa-
ticulada como uma política de ordenamento territorial e fundiária tiva da sociedade, vozes que ainda defendem um modelo de desen-
destinada a disponibilizar terra para moradia popular. O resultado é volvimento urbano baseado na afirmação de direitos têm se valido
um extraordinário aumento no preço de terras e imóveis. O progra- dos instrumentos do Estatuto da Cidade como forma de resistência
ma Minha CasaMinha Vida, formulado como política industrial -- e no campo jurídico. Dessaforma, as Zeistêm sido utilizadas para
com grande apelo eleitoral --, tem ignorado as conquistas no campo impedir remoções,assimcomo para barrar aprovaçõesde projetos
da cidadania e do direito à cidade e à moradia. O financiamento, fei- definidos sem discussão e para cobrar a obrigatoriedade de parti-
to diretamente para as construtoras como estímulo à produção ha- cipação popular nos planos diretores.
bitacional de mercado, transformou-se em um enorme mecanismo Mesmo assim, os argumentos para a judicialização dos proces-
de transferência de subsídios públicos, do orçamento estatal, para sospossibilitada pelo estatuto não são uma garantia plena, uma vez
o preço da terra e dos imóveis, em uma conjuntura sem controle que tudo que ela assegura é o julgamento de conflitos na esfera do
algum sobre o processo de especulação imobiliária. Judiciário poder bastante conservador, que quase sempre ignora
Grandes projetos em curso entre operações urbanas e obras o estatuto e as dimensões da função social da cidade e da proprie-
de preparação das cidades para a Copa do Mundo e a Olimpíada dade.Hoje, poderíamos dizer que, mais do que induzir qualquer
-- abrem espaços "sem norma nem lei", ou nos quais lei e norma processo de reforma urbana, o Estatuto da Cidade possibilitou a
podem ser flexibilizadas para se enquadrar em regime especial, via- ludicialização para importantes frentes que resistemaos impera-
bilizando uma nova fronteira de expansão para as finanças globais.'; tivos do capital sobre o solo urbano, mas essasalvaguarda tem
A liberação de terra bem localizada para empreendimen'tos e servido mais para evitar ou bloquear violações de direitos do que
grandes negócios depois de remoções forçadas ou da aplicação de para promover ações afirmativas e resolver os conflitos urbanos.
instrumentos que constam no Estatuto da Cidade, como a Conces- Não sepode negar a importância do crescimento económico,
são Urbanística, são já efeitos visíveis dessas práticas: uma gestão da geração de empregos, da valorização do salário, mas, sem uma
do solo urbano desenhada para explorar ao máximo as possibi- política de enfrentamento da lógica corporativa e patrimonialista
lidades de sua rentabilidade para o capital financeiro investido. de gestão das cidades e sem o fortalecimento da regulação pública
As conquistas no campo da legalidade e do direito à cidade, fruto sobre o território, é muito provável que essesganhos se tornem
sobretudo da luta da população de menor renda, são ignoradas e perdas no futuro. Nessesentido, os princípios da reforma urba-
na enunciados na Constituição podem e devem ser reafirmados.
Mas de nada serve sua inclusão no ordenamento jurídico se o sis-
33 Rolník, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das
.pnanças. tema político, de financiamento eleitoral em sua relação com os

258 259
AVRnZER,Leonardo. "Instituições participativas e desenhoinstitucional:
investimentos no desenvolvimento urbano, que dita hoje os pro-
algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil demo-
cessos reais de tomada de decisão sobre a gestão do território das
crático". OpiniãoPública,Campinas, v. l4, n. i, pp- 43-64,zoo8. Disponível
cidades, não for radicalmente reformado.
em:http://www.scielo.br/pdf7op/vi4m/02.pdf.Acessoem: zg/3/zoi2.
Ê fundamental a existência de uma política global que leve em
AZUL-A, Antonio. La ciudad, la propíedadprivadas el derecho.Cidade do
conta a missão improrrogável que se apresenta: a reconstrução
México: EI Colegio de Mexico, lg8g.
local da noção de esfera pública, aquilo que dá identidade e sentido
BOTLER, Milton; MARINHO, Geraldo. "0 Recite e a regularização dos as-
à cidade e à sociedade.Nessecontexto, o urbanismo tem um papel
sentamentos populares". RwistaPólos,São Paulo, n. zg, i997
específico e profundamente estratégico. Sua capacidade de gerar
CARDoso,Fernando H. et alia. "Cultura e participação". In: Recursos
hu
símbolos e imagens futuros, atribuindo materialidade a alguns
manos.y
urbartízación.
BuenosAbres:Siap, i97i.
dos aspectos de um projeto de construção dessa esfera pública,
cucHEvsKY, Nora (org.). Consnuccíórty adminístración de la ciudad latinos.
pode ser extremamente eficaz. Os processos de planeamento ou
mericarla.BuenosAbres:nED/Grupo Editor Latinoamericano,t99o
a definição de projetos e políticas urbanas, denominem-se planos
diretores ou planos estratégicos, não são inocentes. Podem ser- coELHO,Fábio Ulhoa. Direito epoder.SãoPaulo: Saraiva,i99z.

vir apenase tão somente para legitimar práticas concentradoras coNirr, Michael. Urban Políticain Brazil: The RíseofPopultsm i925-i935. Pitts-

e excludentes,podem ser capturados pela lógica da acumulação burgh: University ofPittsburgh Press,lg8i.
ou, modestamente, nos estreitos limites da poderosa atuação ur- CVMBALTSTA, Renamo. Rçfundar o não./urtdado: desaÚosda gestão democrática

banística, podem ousar o desejo de intervir nessalógica e de abrir daspolítícas urbana e habitacional no Brada. São Paulo: Instituto Polis, zoo5

espaços de redistribuição de renda e poder, reconhecendo, poten- OAGNiNO,Evelina. "Sociedade civil, participação e cidadania: de que es-
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