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CAPITULO 1 O INDIVIDUO E A PATRIA 1, 0 NACIONALISMO LITERARIO 2. 0 ROMANTISMO COMO POS:CAO DO ESPIRITO E DA SENSIBILIDADE 3. AS FORMAS DE EXPRESSAO 1 O NACIONALISMO LITERARIO 0 movimento arcadico significou, no Brasil, incorporacao da atividade intelectual aos padrées europeus tradicionais, ou seja, a um sistema expressivo, segundo 0 qual se havia forjado a literatura do Ocidente. Nesse processo verificamos 0 intuito de praticar a literatura, a0 mesmo tempo, como atividade desinteressada e como instrumento, utilizandoa ao modo de um recurso de valorizagdo do pats — quer no ato de fazer aqui ‘o mesmo que se fazia na Europa culta, quer exprimindo a realidade local. © perfodo que se abre a nossa frente prolonga sem ruptura essencial este aspecto, exprimindoo todavia de maneita bastante diversa, gracas a dois fatores novos: a Independéncia politica e o Romantismo, desenvolvido este a exemplo dos pafses de onde nos ver influxo de ciilizagdo. De tal forma, que o movimento ideologicamente muito coerente da nossa forma¢ao literdria se viu fraturado a certa altura, no tocante expresso, surgindo novos géneros, novas concepgées formais; e, no tocante aos temas, a disposi¢do para exprimir outros aspectos da realidade, tanto individual quanto social e natural. Como as formas e temas tradicionais jd se jam revelando insuficientes para traduzir os modernos pontos de vista, foi uma fratura salutar, que permitiu sensivel desafogo, devido a substituigéo, ou quando menos reajuste dos instrumentos velhos, como evidente beneficio da expressdo. Isto compensou largamente os prejuizos, uma vez que seria impossivel guardar as vantagens do universalismo e do equilibrio éssico, sem asfixiar a0 mesmo tempo a manifestagio do espitito novo na patria nova. Gracas ao Romantismo, a nossa literatura pode se adequar ao presente. Por outro lado, essas tendéncias reforcaram as que se vinham acentuando desde a segunda metade do século XVIIL. Assim como a Ilustragdo favoreceu a aplicacao social da poesia, voltandoa para uma visio construtiva do pais, a independéncia desenvolveu nela, no romance e no teatro, o intuito patridtico, ligando-se deste modo os dois perfodos, por sobre a fratura expressional, na mesma disposicdo profunda de dotar o Brasil de uma literatura equivalente as européias, que exprimisse de maneira adequada a sua realidade prépria ou como entdo se dizia, uma “literatura nacional”, Que se entendia por semelhante coisa? Para uns era a celebragio da patria, para outros 0 indianismo, para outros, enfim, algo indefinivel, mas que nos exprimisse, Ninguém saberia dizer com absoluta preciso; mas todos tinham uma nogdo aproximada, que podemos avaliar lendo as varias manifestagdes a respeito, algumas bastante compreensivas para abranger varios ou todos os temas reputados nacionais. E 0 caso de um ensaio de Macedo Soares, lamentando que os escritores nao se esforgassem por dar & nossa literatura uma categoria equivalente as européias. “Entretanto — ajunta — ll no se carece de muito: inteligéncia culta, imaginagao viva, sentimentos e linguagem expressiva, eis 0s requisitos subjetivos do poeta; tradicées, religiio, costumes, instituigées, histéria, natureza, eis, os materiais”. As nossas tradigdes so “duiplices”, devendo o poeta, se quiser ser nacional, harmonizar as indigenas com as portuguesas. "Os costumes sio, se assim me posso exprimir, a cor local da sociedade, 0 espirito do século. Seu cardter fixa-se mais ou menos segundo as cren¢as, as tradigGes e as instituicdes de um povo. Eles dever transparecer em toda a poesia nacional, para que 0 poeta seja compreendido pelos seus concidadaos” “Quanto & natureza, considerada coino elemento da nacionalidade da literatura, onde ir buscéla mais cheia de vida, beleza e poesia (..) do que sob os trépicos?”, “Se nossas instituigies nao nos sio inteiramente peculiares, se nossa histéria ndo tem essa pompa das paginas da meiaidade, temos ao menos instituicdes € histérias nossas”. “Em suma: despir andrajos e falsos atavios, compreender a natureza, compenetrar-se do espirito da religido, das leis e da histéria, dar vida as reminiscéncias do passado; eis a tarefa do poeta, eis os requisitos da nacionalidade da literatura”. Como se vé, é um levantamento bem compreensivo, feito ja no auge do Romantismo e tendo por mola o patriotismo, que se aponta ao escritor como estimulo e dever. Com efeito, a literatura foi considerada parcela dum esforgo construtivo mais amplo, denotando o intuito de contribuir para a grandeza da nagio. Mantevese durante todo o Romantismo este senso de dever patridtico, que levava os escritores nao apenas a cantar a sua terra, mas a considerar as suas obras como contribuigio ao progresso. Construir uma “literatura nacional” é afa, quase divisa, proclamada nos documentos do tempo até se tomar enfadonha. Folheando a publicacao inicial do movimento renovador, a revista Niterdi, notamos que os artigos sobre ciéncia € questées econémicas sobrepujam os literdrios; no apenas porque o mimero de intelectuais brasileiros era demasiado restrito para permitir a divisio do trabalho intelectual, como porque essa geracdo punha no culto a ciéncia o mesmo fervor com que venerava a arte; tratava-se de construir uma vida intelectual na sua totalidade, para progresso das Luzes e conseqiiente grandeza da patria. A Independéncia importa de maneira decisiva no desenvolvimento da idéia romantica, para a qual contribuiu pelo menos com trés elementos que se podem considerar como redefinigao de posigdes andlogas do Arcadismo: (a) desejo de exprimir uma nova ordem de sentimentos, agora reputados de primeiro plano, como 0 orgulho patristico, extensdo do antigo nativismo; {b) desejo de criar uma literatura independente, diversa, nao ar2nas uma literatura, de vez que, aparecendo o Classicismo como manifestagao do passado colonial, o nacionalismo literdrio e a busca de modelos novos, nem classicos nem portugueses, davam um sentimento de libertacao relativamente 4 mae-patria; finalmente (c) a nogdo ja referida de atividade intelectual nao mais apenas como prova de valor do brasileiro e esclarecimento mental do pais, mas tarefa patridtica na constru¢ao nacional. Na exposicao abaixo, procurarse-A sugerir principalmente a diferenca, a ruptura entre os dois periodos que integram 0 movimento decisivo da nossa formacdo literdria, acentuando 0s tragos originais do periodo novo. Para isto é preciso analisar em que consistiu o Romantismo brasileiro, decantando nele os elementos constitutivos, tanto locais quanto universais. 1. Macedo Soares, “Consideracdes sobre a atualidade de nossa literatura”, III, EAP, ns. 34, pags. 396 e 397 (1857). 12

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