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PAIAR 2017 volume 5 number 2 page 35-40 pe iresosclernicas urs a/ov/ndor popper? Pontifical Catholic Universty of Rio Grande do Sul Insitute of Geratics ond Gerontology Biomedical Geronclogy Graduate Mexram Pan American Journal of Aging Research © tou stow 0 884872957 9641 2017 207080 Gacane aes A criatividade como expressdo da subjetividade no envelhecimento Maria Cristina Reis Amendosira ower Pho) em Pseuahio,Picondise eSodde Marto pel nut de Puta do Unerstlde Federal do Bade Jonsro—UFRL Meare er quia, PconGlse © Saddle Marto pele UPd (2001). Maso do sitar de ftgusiro co Uneadads Relea Got one, oscusodone Go Progrome Craonaazao do fotolia «Sedge Menrl de 2508 0 301s coro eds 0 Sociedede Briar de Ficandlie do odo Jone, (SBPR, I). Memb do Asacog80Iteraionalde Pica, A (Corchoi da Amsrica latina do Corn Fespecivor izonalicos no Envchecimerlo de Avohaos¢ Pocicace Pan ST Za Tianvelnecimentoesubjetividad sio campos de extudo relacionados, que 0 processo criativo e sua expressto na cultura so uma preocupagio da Psicandlise. Recentemente, o envelhecimento vem se tomando foco de varios estudos psicanaliticos, inclusive sob o aspecto da criatividade como recurso de manutencao da identidade no idoso. Freud afirmou que a atividade artistica, o consumo de obras de arte ¢ a apreciagéo da beleza natural e da beleza artstica so algumas das ages que podem proporcionar felieidade ac homem. A arte lida com o principio do prazer e com o principio da realidade — Dra. Maria Cristina regulador de nossa aceitagao das exigénciss sociais ¢ culturais. Os sonhos Reis Amendocira 8 criaglo artistica também tm algo em comum ao buscar satisfazer descjos inconscientes. O fantasiar € uma tipo de pensamento que nao depende da presenca de objetos no mundo real e que esté presente na brincadeira das criangas e, mais tarde, no devaneio dos adultos. A arte promove uma reconciliagto desses dois principios, 0 do prazer eo da realidade, por uma via peculiar. Originalmente, o artista é uma pessoa que, por niio aceitar por completo a exigencia de renincia A satisfagao pulsional, afasta-se dela e, no mundo da fantasia, dé livre curso a seus desejos erdticos e ambiciosos, Obsicanalista Faitbaim comparou arte e sono. A fungio primaria do sonho ~ fomecer meios de expresso para as necessidades reprimidas do sonhador ~ Provoca alivio na pressio dessas necessidades e reduz a tensio psiquica. No sono ndo ha atividade motors, e a realidade é a ilusio, Na obra de arte, que é construfda pela atividade, hé algo presente na realidade externa. A arte fornece lum canal de expressio para as fantasias agressivas e cria um canal de expressio para fantasias de reparaclo. Para Segal, a atividade artistica estaria de tal modo relacionada as angristias depressivas ¢ aos impulsos repatadores que se poderia considerar uma intengo de “recuperar e recria:” 0 objeto amado e “esse mundo perdido”, como se dé no trabalho de luto com éxito, acompanhado de simbolizago. Estes processos teparadores sio transmitidos por meio da beleza formal, que representa o triunfo da reparagio sobre a destruicdo. Segal atribui & fantasia inconsciente o papel ES Bees El de fonte para a arte criativa. As pulsoes, desde o inicio da vida, déo origem & fantasia. O fantasiar é uma defesa contra realidades dolorosas e evolui com a experiencia acumulada ¢ o aprendizado com a realidade. A criacio actistica, por um tempo considerada como sublimacao de desejos sexuais, avanga para outro momento em que € relevante a presenga das tendéncias destrutivas e conflitos narctsicos A expressio de uma subjetividade se da na medida em que se cria e em que ‘emerge a sensibilidade de artista. Para Freud, a habilidade do artista esté na sua capacidade de ter acesso direto 20 seu inconsciente. As imagens, ento, em seus valores expressives, sfo fonte de processos, de afetos, de significagées. Porém, a imagem artistica em especial tem uma inventividade nitidamente superior & de qualquer outra: ela permanece na esfera da descoberta; nos aproxima de um campo que € também o da psicanélise. & uma janela aberta da alma, que no depende de outra linguagem. Outros psicanalistas contribuem com o tema, como Bion, que apresenta a arte como aprendizado e transformacfo, uma necessidade de busca pela verdade e liberdade do pensamento. Mas, de que lugares em suas mentes, atistas criativos buscam material para a inspiracdo que € capaz de despertar emocées tio fortes em todos nés? ‘© campo da arte é terreno de sensibilidades e revela-se mais rico em termos de possibilidades do que o terreno cognitivo. As limitagées, necessidades de mudangas e adapeagdes que surgem com o envelhecimento podem abrir novas possibilidades poéticas. Esse € 0 campo em que a limitago pode ser superada ou subvertida, Como exemplo, podemos citar Matisse, que, no final da vida, usou técnicas de recorte e colagem por conta de problemas motores. Ha diversos outros artistas que sao exemplos de possibilidades de elaboragio das perdas, como luto, processos de restauraco e reparacio no envelhecimento. Entre cles, Frida Kahlo, que, ap6s um grave acidente na juventude, que a marcou por toda a vida, registrou em seu didrio que sua “pintura traz em sia mensagem da dor (...) Pintar completou minha vida’. A artista Louise Bourgeois, que procura elaborar seus traumas ¢ expressé-los em obras de arte, fala da reparacio utlizando conceitos psicanaliticos enunciados por Klein. A base da sublitnacio eda criatividade encontra-se na capacidade que cada um de nds tem de poder restaurar ¢ recriar dentro de si objecos ammados, antes percebidos como danificados. Assim como Freud, ela afirma que os artistas sdo capazes de acessar 0 inconsciente e expressam simbolicamente realizagoes psiquicas fundamentais. A atividade artistica permite transformacao e crescimento, o que podemos considerar um tipo de restauragio psiquica. A arte pode ser comparada & psicoterapia no que diz respeito & gerantia de sanidade mental, pois, uma vez ‘que cla se relaciona com as angristias depressivas e com impulsos reparadores, pode-se pensar nela como uma tentativa de recuperar e recriar um objeto amado dentro e fora e de si por parte do sujeito. Esse sentimento de tero mundo interno destrogado leva todo artista a criar e cecriar algo sentido como novo. A arte, centio, pode ser considerada uma tentativa de resolugio, uma necessidade de superar a depressdio eo medo da morte, conforme Segal descreve em seu estudo sobre simbolos. Entio, assim como no trabalho de luto, a arte seria acompanhada de simbolizagio. E esses processos reparadores podem ser percebiclos na belesa formal, que representa o triunfo da reparagio sobre a destruicio. Ao envelhecer, deparamos com a possibilidade real de ruptura de vinculos © podemos ser envolvidos pela pulsio da morte ~ uma forca de desligamento © destrutividade, Torna-se um desafio gerar ou manter projetos eriativos paar 20r7;sp.35.40 36 lidar com perdas de todo tipo. Duas direcées se apresentam: o isolamento ou a possibilidade de elaboracbes criativas. A criagéo artistica, nesse momento da vida, pode ser concebida como atividade terapéutica, uma forma de contato do sujeito com suas emogies mais profundas, © processo criativo trae em si alguma insatisfacdo: o desejo de alcancar beleza, equilfbrio ou expresso de um seatimento € real, mas nio se pode prever o caminho que leva a esse resultado. Na criatividade ests o valor da reconstrugao, da recuperacio de afetos perdidos e conilitos primitivos que podem ser revividos e remobilizados. © potencial terapéutico da arte requer a possibilidade de dar forma as emogées profundas, transformando-as e mudando-as de nivel. A necessidade humana de criar e recriar a realidade busca na arte uma via de expresso da subjetividade e pode trazer alivio emocional. As transformagbes da assisténcia no campo da satide e da saiide mental, com énfase na reabilitagio, aproximam-sc, na pratica, da afirmativa da psiquiatra Nise da Silveira ~ pioneira na valorizacéo da atividade expressiva, com 0 Museu de Imagens do Inconsciente — de que um atelié de pintura deve ser um espaco em ue possamos nos exprimir e nos relacionar com liberdade, procurando aceitar entender 0 outro em sua forma de linguagem especifica. Nise da Silveira, nos anos 1940, inaugurou ateliés de pintura e modelagem para os clientes, em sua maioria esquizofiénicos, da seco de Terapéutiea Ocupacionsl no Centro Psiquistrico Nacional do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, onde trabalhow de 1944 a 1975. Inconformada com os métodos de tratamento da época, a Dra, Nise buscava novas abordagens terapéuticas, Os pacientes trabalhavam regularmente, o que contribuiu para um crescente dominio da técnica pictorica. As pinturas foram realizadas sem orientagéo te6rica e sem 0 conhecimento de reprodugées de obras de arte. O monitor artista, Almir Mavignier, procurava oferecer aos pacientes as melhores condiges Possiveis para que pudessem criar livremente, sem que nada os impedisse. Miério Pedrosa, eritico de arte do jornal Correio da Manha, demonstrow trande interesse sobre o assunto. Essa representagio visiondria do mundo io sctia, para cle, exclusividade dos loucos, mas estaria presente em todo artista, em todo ser sensivel. A. transfiguragéo do mundo, por vezes mais fantasiosa, outras mais realista, 6 0 préprio fazer atistico. A atividade artistica, em sta forma mais viva e profunda manifesta 0 talento de cada um em sua afirmaco da prépria existéncia ~ o prazer estética libera tensGes da vida psfquica, pensamentos, emogées e paixdes. A criacHo artistica recupera a dignidade do sujeito e o insere no em um mundo de velhos ou jovens, doentes ou sadios, mas em um campo social em que o trabalho criativo mantém todos na grande aventura de ser humano. A vida da Dra. Nise ¢ exernplo de criatividade, pois muitas de suas principais cobras — sejam escritas, audiovisuais, exposig6es, eventos culturais ou grupos de estudo ~ aconteceram apés a aposentadoria compulséria aos 70 anos. Ela produsiu trabalhos e publicagées até sua morte, aos 94 anos. Outro exemplo € a psicanalista Marialsra Peresteello, que se manteve criativa até pouco antes de sua morte, em 2015. E, aos 91 anos, em plena produgso intelectual, estudou o tema da criatividade ¢ envelhecimento. Os artistas do Museu de Imagens do Inconsciente também softeram a passagem do tempo. © atelié de pintura transformou-se num espaco de liberdade de expresso ¢ de relacionamento ativo com 0 outro, de aceitagio © entendimento da forma especial de linguagem para esses pacientes durante todas as suas vidas. Entre 0s artistas que surgiram das enfermarias ¢ dos patios do hospital e envelheceram no Centro Psiquistrico Nacional, no Engenho de Dentro awe 2or7sc3s.40 37

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