You are on page 1of 369
FERNANDO REY PUENTE OS SENTIDOS DO TEMPO EM ARISTOTELES Eale exemplas ccasesponde & v tedogia ial de tse lofendsta ww f e apoavida pela Cemionsa x 9 Gasadera am LELa/98 v4 ’ . x (y 4 ra u y ta wv rf Ch wv ‘Tese de Doutorado apresentada como exigéncia parcial para obiengio do grau de Doutor em Filosofia & Comissio Julgadora, sob orientagto do Prof.Dr. Francisco Benjamin de Souza Netto UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS ‘Campinas ~ 1998 Fompane BC 1 NS CHANGE © vy, a Ea | nites Be) 3 FET wre 225 18g 8K Baim, i wegen IS | [a oo Ch-001239909—3 HICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP. Rey Puente, Fernando Os sentidos do tempo em Arist6teles / Fernando Rey Puente. ~~ Campinas, SP : [s.n.}, 1998, Orientador: Francisco Benjamin de Souza Netto, Tese ( doutorado ) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciéneias Humanas, 1. Aristoteles. 2. Categorias (Filosofia). 3. Fisica. 4. Tempo. 5. Meméria, .I. Souza Netto, Franciseo Benjamin, Il, Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciéacias Humanas. UL. Titulo. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer em primeiro lugar 0 apdio financeiro recebido do CNPq, durante quatro anos, sob a forma de uma bolsa de estudos que me possibilitou desenvolver esta pesquisa no Brasil e por um ano na Itilia, mais precisamente em Padua. Gostaria também de agradecer ao meu orientador, o Prof. Dr. Francisco Benjamim de Souza Netto por ter acreditado na viabilidade de um projeto tio ambicioso quanto este, bem como pelas sugestdes e comentirios por ele tealizados a fim de melhorar a redagdo final deste trabalho. Por fim, mas nfo em iiltimo lugar, gostaria de agradecer de modo especial a gentil acothida do meu co-orientador em Padua, o Prof. Dr. Enrico Berti, com quem pude discutir ce por em prova virias idéias a respeito desta pesquisa e de quem pude receber diversas informagdes bibliograficas titeis para o aprofundamento da mesma. “Man versteht den Aristoteles nicht, wenn man bei ihm stehen bleibt. Man muss auch wissen, was er nicht sagt, und selbst muss man die Wege gewandelt haben, die et wandelt, die Schwierigkeiten, mit denen er Kampf, den ganzen Process, den er durhlaufen, durchempfunden haben, um zu verstehen, was er sagt. Bin bloss historisches Wissen ist in Bezug auf keinen Philosophen weniger als auf Aristoteles m6glich” F.W.I.Schelling, Philosophie der Mythologie iNDICE Introdugdo. pl Os Sentidos do Ente € 0 Tempo 1. O sentido eategorial do tempo... 1.1. A multiplicidade do em, do um e do tempo... 12. Moré, nocd & xpdvoc.... 2. O sentido acidentat do ente ¢ de 70E......... 3. O sentido veritative do ente ¢ de xoté.. 4.0 sentido modal do tempo... 4.1. O ato ea poténcia ¢ 0 movimento. 42. Aconigieaso temporal dovebo co nor. 0s Tipos de Substincia e o Tempo 1. Os tipos de substancia e as partes da filosofia. 2. O sentido fisico do tempo: ZOBPOG ee 2.1. A definigo do tempo. 2.2. Onimero, 2,3. O movimenio...... 2.4, O anterior-posteriot 2.5, Oagora 3.0 sentido cosmolégico do tempo: ariabv. 4. O sentido metafisico do tempo... © Ambito Humano e o Tempo 1. A dimensio psicofisioldgica do homem e o tempo... 1.1. Os sentidos proprios, 0 sentido comum e a percepeo do tempo... 1.2, A meméria e 0 tempo... 1.3. A pascagem da cognigdo a ago: o movimento animal ¢ 0 tempo... 2, A dimensio pritica do homem e 0 tempo. 2.1. A agi (apezEtg) e a produgio (087014)... 2.2. O tempo € 0 agora resignificades: 0 Ambito da ado humane... 2.3. 0 tempo recriado pela linguagem: 0 ambito da produgdo humana... 2.3.1. As formas de discurso ¢ 0 tempo... 2.3.2. A poesia ea histéria: tempo tragico e tempo histérico, Conclusao.. _p.333 Bibliografia.. INTRODUGAG Nao nos parece necessirio do ponto de vista filoséfice justificar o porqué de mais um trabalho sobre 0 tempo, tampouco do porqué mais um trabalho que se proponha a investigar este tema em Aristoteles, pois que & sabido desde a propria origem do pensar filoséfico que o tempo & um enigma © um desafio insolivel que se coloca ante a nossa capacidade de compreensio. Basta lembrarmo-nos da célebre ¢ citadissima sentenga de Agostinbo nas Confissées, de acordo com a qual, se ninguém the perguntasse 0 que seria 0 tempo, ele saberia o que ele é, entretanto, a0 ser inguirido sobre este tema, ele no seria capaz de explicé-lo. Sabe-se também que apds algumas discussées mais ou menos esparsas ¢m Plato (p.ex.: no Timeu ¢ no Parménides) 0 conceito do tempo recebeu a sua primeira e até hoje imprenscindivel anilise sistemética no quarto livro da Fisica de Aristételes, mais especificamente nos capitulos dez 4 catorze deste livro, ou seja, naquelas piginas que se convencionou denominar o tratade do tempo. A importncia deste texto para a Historia da Filosofia ¢ incalculdvel, pois é impossivel pensar em qualquer tentativa séria de pensar 0 problema do tempo, desde Plotino até Bergson ¢ Heidegger, passando por Tomas de Aquino, Kant, Hegel, Schelling e Husserl, que nio tivesse de colocar-se a favor ou em contra das idéias expostas com conciso e profundidade neste pequeno tratado. Todavia, parece-nos necessério justificar 0 porqué de no nos determos apenas na andlise deste tratado. A propria ambighidade do nosso tftulo j4 aponta para esta raziio. 0 que quer dizer exatamente os sentidos do tempo? As percepgies, as diregdes ou os significados do tempo? E precisamente por causa dessa multiplicidade de acepgdes que 0 vocdbulo “sentido” possui em portugués, que nos pareceu conveniente escolhé-to. Isto porque 0 préprio Aristételes foi o mestre do discernimento ¢ do estabelecimento de nuances entre os diversos significados de um termo e, por conseguinte, nada mais aportuno do que refletir no proprio titulo do trabalho a polivocidade de significados que o tempo possui nas obras de Aristdteles € que nos propussemos a investigar e a reconstruir. A bem da verdade, o presente estudo iniciou-se com uma tradugfo ¢ andlise minuciosa do tratado do tempo, mas A medida que avangavamos nas nossas investigagdes acerca deste texto, percebiamos que era impossivel dissoci-lo totalmente de outros textos ¢ passagens do Corpus aristoteticum que também abordavam 0 tema do tempo, bem como de outros termos além de zpédvoc que se referiam ao tempo. Entio a questo de saber como relacionar estes textos ¢ esses vocdbulos entre si foi se tomando central para nds. Em paralelo a isso, a leitura de uma imensa literatura secundaria sobre o problema do tempo em Aristoteles, convencet-nos da inexisténcia de uma anélise mais global sobre o tempo em toda a obra do Estagirita, assim como do risco, quase que inevitivel, dado a extrema concisio dos argumentos, de realizar apenas mais uma pardfrase, dentre as muitas j4 existentes, do tratado do tempo, caso nos limitissemos tinica ¢ exclusivamente andlise deste eélebre texto, Foi com base neste receio de escrever uma mera parifrase do tratado do tempo e diante da inexisténcia de uma analise global deste problema na obra de Aristételes que nos propussemos a tarefa pretensiosa e talvez inexeqiivel de levar a cabo esta andlise, a mais, universal possivel, de todos 0s textos ¢ passagens do Corpus aristotelicum do nosso conhecimento que se referissem de algum modo a problematica do tempo. Neste trabalho hereileo de levantamento de textos ¢ passagens significativos para nés, & preciso mencionar, porque no 0 fazemos no decorrer do nosso texto, @ ajuda indispensavel e imprescindivel que o Index Aristotelicum de H.Bonitz nos prestou, Sem ele nfo saberiamos nem mesmo por onde comegar neste cipoal de conceitos articulados a partir de distintos planos ¢ perspectivas de anilise que compdem a obra imortal de Aristételes. B ébvio também que estamos plenamente cOnscios da nossa diminuta proporgio face aos intimeros especialistas do pensamento aristotélico que detinham e detém um cabedal de conhecimentos sobre Aristételes muito mais vasto e preciso do que 0 nosso. O que nos motivou a seguir em frente, apesar da clara consciéncia de nosso despreparo face a esses emétitos pesquisadores pretéritos ou hodiemos, foi o encontro de alguns poucos excelentes livros ou artigos desses exegetas que acenavam na mesma diregdo da nossa intuigo, a saber, na diregdio de uma andlise mais global da problematica do tempo em Aristételes, que evitasse recair na insuficiéncia e incompletude de uma andlise que se detivesse apenas e tho somente nas reflexBes contidas no tratado do tempo. Todavia, estes mesmos livros ou artigos muitas vezes ignoram-se reciprocamente quer em razd0 da dificuldade de acesso a alguns destes textos quer em fungio dos obsticulos linguisticos envolvidos nesta tarefa, de modo que nés, tal como na oélebre metifora do ando sentado ‘nas costas do gigante, acreditamos ter podido enxergar um pouco mais longe, Por esta razo nds nos propussemos a tarefa de tentar entrecruzar os dados de todo o aparato ctitico que nos foi possivel utilizar, visando ganhar deste modo algumas novas perspectivas sobre os diferentes aspectos da problemética do tempo na obra do Estagirita, ‘Além disso, a nossa leitura entrecruzada de alguns textos © passagens, pouco conhecidas ou mesmo ignoradas, sobre este tema contidas em outras obras do Estagirita com o tratado do tempo, proporcionou-nos, ao menos assim o supomos, uma perspectiva nova e original para tentar esclarecer as diversas manifestagdes do fendmeno do tempo e do agora na obra de Aristételes. ‘A grande pergunta que nos colocdvamos, a seguir, era a de saber de que modo poderiamos estruturar e sistematizar essa enorme quantidade de informagées por nés selecionada. A methor solugdo pareceu-nos ser a de seguir os modelos de sistematizagio insitos ao proprio pensamento de Aristoteles e que ele mesmo havia empregado em suas reflexdes filosdficas. A partir destas consideragdes € que se formaram as trés partes do nosso trabalho. A primeira delas se estrutura segundo os quatro modos possiveis de se dizer o ente, a saber, como categoria, como acidente, como verdade e como ato ou poténcia. Nela procuramos entender como Aristételes concebeu 0 tempo nestes diferentes modos de se dizer 0 ente ¢ de que modo 0s conceitos de xorée de yodves se relacionam entre si. ‘A segunda parte segue a divisio tripartite das substincias presente em Aristételes, a saber, a substincia imaterial ¢ imével, a substincia composta de matéria incorruptivel (o éter) e sempre em movimento circular € uniforme e, por fim, a substincia composta de matéria cormuptivel (a terra, a 4gua, o ar ¢ 0 fogo). Seguimos também a orientagdo de Aristételes de que € preciso comegar uma investigagzio com aquilo que é mais conhecivel para nés e menos conhecivel em si, para o que ¢ mais conhecivel em si e menos conhecivel para nés, razio pela qual iniciamos a nossa andlise com 0 sentido fisico do tempo e s6 depois nos ocupamos do seu sentido cosmolégico e metafisice. A andlise de zodvog no Ambito fisico ¢ a mais extensa ¢ minuciosa, constituindo o centro mesmo do nosso estudo, pois que nela todos os principais conceitos para pensar o tempo so expostos explicados. Procedemos a esta anilise de modo dual, no que também procuramos seguir Aristételes, pois os dois primeiros capitulos do seu tratado que culminam na célebre definigdo do tempo como numero de um movimento segundo 0 anterior-posterior, constituem um todo coeso © indissociavel que é necessério comentar linha a linha. A seguir adotamos o seguinte procedimento, dado que os capitulos restantes no possuem o mesmo grau de coesio que os dois primeiros: procuramos analisar em detalhe todos os termos que compiem a definigdio do tempo, bem como 0 conceito de agora, onipresente no tratado & que, embora nao entre formalmente na definig#o do tempo, é absolutamente essencial para ‘a compreensio do mesmo, pois, nas palavras do proprio Estagirita, “é impossivel ser ou pensar 0 tempo sem 0 agora” (cf. Pays. 251 bisac). Para finalizar esta segunda parte discutimos 0 conceito de atiaiv no Ambito cosmolgico, bem como qual o papel do tempo nna demonstrago da necessidade de um Movente Imével. A terceira ¢ tltima parte ocupa-se da relagio do homem com 0 tempo e aqui também procuramos nos guiar pelos dois planos diversos de andlise a que 0 homem foi submetido por Aristételes, 0 plano psicofisiotdgico e o plano das agdes ético-politicas. No primeiro caso investigamos a intima relagdo do tempo com a percepedo, propria ¢ comum, bem como com a meméria, A seguir tentamos mostrar a conexdo existente entre as faculdades criticas e as faculdades apetitivas e de que modo © movimento animal sé pode ser compreendido a partir de ambas essas faculdades. No segundo caso, ou seja, na dimensio pritica de andlise do homem, voltamo-nos para a diferenga fundamental entre a ago ¢ a produgo e tentamos mostrar de que modo no plano pritico as nogdes fisicas do tempo sio resignificadas, assim como no plano produtivo o tempo em seu sentido usual também é recriado pela linguagem, seja pelos discursos politicos - demonstrativo, deliberative ¢ judicativo -, que se subdividem de acordo com a divisio iripartite do tempo em passado, presente e futuro, seja pela poesia que estrutura o tempo narrativo de modo mais filoséfico, porque causal e necessério, ao contrario do mero relato histérico que se apresenta apenas ‘como uma narrativa casual e contingente. Na Conclusio, enfim, procuramos mostrar de modo resumido e esquemético os principais ganhos tedricos que acreditamos ter obtido por meio de nossa andlise. Resta, por fim, assinalar que, salvo indicagio em contririo, todas as tradugdes das passagens de Aristoteles ou de outros autores gregos por nds referidas foram por nés mesmos realizadas. OS SENTIDOS DO ENTE E O TEMPO 1, O sentido categorial do tempo 1.1. A multiplicidade do ente, do um, do bem ¢ do tempo # sabido que, segundo Aristételes, dos prineipios primeiros nao ha demonstragao, dado que estes sio de per si evidentes, sendo, por conseguinte, indemonstravefs, “Nés dizemos nem todo conhecimento ser demonstrativo, afirma Aristoteles, mas 0 conhecimento das proposigdes imediatas € indemonstrével"(Anal post. 72 bigze). Caso fosse possivel demonsiri-los, prossegue Aristoteles, entio 0 processo demonstrativo no teria mais fim, impossibilitando assim tanto a cigncia (que se fundamenta no conhecimento das causas, ef, pex., Anal.post. 71 by.i2 ) quanto 6 conhecimento em geral, dado que 0 pensamento nio pode percorrer uma série infinita (cf. Anal. post, 83 bsg ¢ Met. 994 bz2.25)). Ha, entretanto, uma demonstragdo indireta destes principios primeiros, a saber, @ demonstragio eléntica. Esta diferencia-se da demonstragfo pura ¢ simples, pois quem # quisesse levar a cabo incorreria necessariamente em uma petigio de principio, ou sea, teria de supor na propria demonstragio 0 termo a ser demonstrado. Todavia, em sendo um outro ‘© responsavel por esta contradigdo, entio, de acordo com Aristételes, nfo estariamos diante de uma demonstragao propriamente dita, mas sim ante uma confutagio (ef. Met. 1006 ays. ie). Esta estratégia, utilizada pelo Estagirta para explcitar a universalidade do principio de nfo-contradiglo no livro Gama da Meraffsica, € também por cle empregada para demonstrar el€nticamente, ou seja, confutatoriamente o principio da polivocidade do ente!. Note-se bem que a polivocidade do ente aqui em quesito & a da multiplicidade categorial ¢ ‘nio a da divisdo quatripartite do ente que orienta a divisto dos capitulos nesta primeira parte do nosso estudo e sobre a qual Aristételes quase nifo se promuncia (uma excegdo &: “Met. 1026 asy-b;). Como vemos, a propria polivocidade deve ser entendida de dois modos: como polivocidade categorial ¢ como quatripartiglo semantico-ontalogica do ente (ente segundo o esquema das categorias, ente segundo a potincia e @ ato, ente como verdadeiro TCE § Tomés de Aquino, In octo libros physicorum Aristoelisexpasitio,Liber 1, Lectio 3, par. 24 0u faiso ¢ ente como acidente). Isto ocorre principalmente no segundo ¢ terceiro capitulos do livro I da Fisica, bem como no segundo capitulo do livro Ni da Afetafisica’ ‘A tese contra a qual Aristételes se insurge nas passagens da Fisica supracitadas é a da univocidade do Principio Supremo postulada por Parménides. Ora, esta tese parmenidea instaura a aporia segundo a qual a realidade do devir € negada, jé que 0 nllo-ente no pode ser € que apenas 0 Ente ¢, Mais ainda, se apenas este “Ente imével” fosse efetivamente, entio ele no seria um principio, ao menos nfo na acepedo aristotélica, porquanto nesta um principio s6 0 é verdadeiramente se, e somente se, é principio de alguma coisa, em outras palavras, apenas ¢ tio somente se ha uma ou mais coisas distintas do principio e das quais precisamente ele é principio (cf. Phys. 185 a3.) Neste momento da sua inquirigdo , que Aristiteles, a propésito, reconhece como transcendendo 0 ambito da fisica (cf. Phys. 184 bus - 185 a,), ele postula o que Ihe parece evidente por indugdio (éx Tg Exacyaxy7ig)’. ou seja, que dentre os entes fisicos, todos ou pelo menos alguns, esto em movimento (cf:Phys. 185 ayz.). Esta evidéncia do movimento (e707), entendido aqui como a totalidade dos fendmenos exteriores*, ou seja, nflo apenas como geragio ¢ corrupeo, mas também como movimento local ¢ como as mutagSes quantitativas e qualitativas, constitui um dos pilares fundamentais da Fisica ¢ se reflete, no Ambito metafisico, na indemonstrabilidade da multivocidade constitutiva do ente. Ora, vé-se aqui com clareza que para Aristételes foi precisamente a negagio do movimento que levou Parménides ao postulado da univocidade do ente e sera, portanto, a partir da afirmagdo irrestrita do movimento (Aristételes afirma, em outra passagem da Fisica, que caso a evidéncia do movimento fosse apenas uma mera opiniio ou mesmo se imagindria, ainda assim haveria movimento, pois tanto a opinido (dé€c), quanto a imaginagSo (¢arracia), ja sfo, por si mesmas, um certo tipo de movimento, cf. Phys. * Uma exposigio detaihada desta refiaagto pode ser lida ein GResle, “Limpossbiita i intendere smivocamente Tessre ¢ la “tavolt’ dei signiiati di esso secondo Aristotle”, reoditado em - G Reale, 7 Conecto di Filosofia Prima eV Unité della Metafsica di risotele, Vitue Pensits, Milano, 1993. (CE 08 comentivios do MD Boar, Aristitles - Fisioa, Libras 1, Edtoral Bibloa, Bocoos Aires, 1902, 2.132 “El voto a7 een Aisttees un uso Ycico yn sia, eine ontesioson indamentalmente dos: 1) Processo mediante el cual se va de lo parti ‘ Rotem de 2 Proce ane dol wade pais Tp 108 2) ‘CE A.Mansion, Introduction a la Physique Aristotélicienne, Vtin, Paris, 19467”, pp. 175-176. 254 ayo) que o Estagirita procuraré expandir os horizontes do ente para além da mera dicotomia estabelecida por Parménides entre Ente ¢ ndo-ente, Esta expanisio seméntica do que é em meio ao nfo-ente, também pode ser lida como a atenuago de uma negagio radical do ser (obx’ efv2) que instituia uma diversidade (€-repoc) irredutivel entre estes dois termos, para uma negagao, por assim dizer, mitigada do ser (4¢7) efvarz), em que se postula apenas uma diferenga (Stagopd) entre eles (assim, por exemplo, “Corisco sentado” e “Corisco em pé” no so proposig6es ireconcilidveis - desde que se respeite a impossibilidade de uma simultaneidade destas atribuigées -, mas apenas diferengas de estado que ocorrem sucessivamente em um tinico individuo). A refutagio confutatéria 4 tese parmenidea pode ser analjsada, entio, como o desdobramento légico do pressuposto de que Parménides “considera que 0 ente se diz de modo absoluto, mas, para Aristoteles, ele ¢ dito de muitos modos” (7) darAdic Aawficiver 28 dy AéyeoOat, Aeyouévov nohAagas, Phys.186 a.25 ). E nisto, segundo ele, consiste o erro bisico de Parménides. Esta atitude, como o Estagirita nos esclarece em um outro fexto, seria apenas admissivel na esfera do pensamento puro, mas seria demencial em se considerando os entes naturais (cf. De gen. et corrup. 325 ayy.19 ), pois estes, como vimos no parigrafo acima, sio-nos evidentes em sua multiplicidade por meio dos sentidos. © Ente-uno de Parménides no pode sex um outro em relago a si mesmo sem deixar de ser, pois, por definigio, somente ele ¢ efetivamente, Logo, 0 Ente nao pode ser predicado de nada que ndo seja ele mesmo, caso contrario, ele seria um predicado do que nao é, Em outras palavras, o Ente seria. um predicado do no-ente, ou ainda, o Ente teria como substrato 0 nfio-ente, A outra altemativa, isto é, a de que o Ente pudesse ser 0 substrato universal das predicagSes - levando-se sempre em conta a tese parmenides da univocidade do Ente - é também absurda, porquanto deste modo os predicados que The seriam atribuidas no seriam, dado que se apenas o Ente ¢, os seus atributos ndo passariam de nflo-entes. O Ente-uno parmenideo, portanto, no pode ser nem predicado, nem sujeito da predicagdo ¢ isto pela mesma razio segundo a qual ele também niio pode ser verdadeiramente um principio, ou seja, porque sendo Um ele ndo pode se expressar por meio de nenhum termo relative, como, por exemplo, sujeito-predicado ou substrato- atributo, na medida em que ambos esses pares de conceitos pressupdem um hiato fundamental ¢ intransponivel entre dois aspectos constitutivos do ente, Dado o nosso intresse aqui ndo ser 0 de nos aprofandarmos na pertinéncia ou nao ds critica empreendida por Aristételes contra Parmémides, passemos & andlise da sua critica posigio dos platénicos, crtien esta central para a compreensio da filosofia aristotélica. Vimos.precedentemente que hi, para Aristoteles, um hiato fundamental no ente, sendo ste originariamente cindido em dois aspectos eonstitutivos, Ora, isto, segundo ele, jé havia sido visto pelos Académicos, que postulavam o par fundamental Ente-ndo-ente, n° tentative de explicar a multivocidade do que & “mas & absurdo, adverte Aristoteles, mais ainda ‘mpossivel que algo de natureza ‘nica torne-se causa de que do ente algo seja um isto, um ‘al, um tanto ou um onde” (det, 1089 arzis )- £ interessante notar que nesta passagem, & tinica nos livros Mi e Ni da Metajisica, segundo a comentarista mais percuciente destes livros? , onde Aristételes trata o par fundamental dos platénicos, © Um e 0 Dois indefinido, ndo como meros principios dos entes matematicos {0 que ocorre, por exemplo, em ‘MeL 987ay35), mas sim como os prinefpios de todos os entes. Esta duaidade do principio, cntretanto, nfo consegue dar conta da diversidade categorial insta a0 ente ¢ ao ndo-emt, js que atabos, segundo o Estagirta, so ditos de muitos modos (cf. Met, 1089 ays.g ) © 80 assim, o8 sea, 96 partindo-se de uma multivocidade primordial ¢ imedutivel do ente © do lo-ente & que se pode derivar a multiplicidade de modos com que efetivamente dizemos que algo ¢ ou que no é. Fata multivocidade do ente aludida acima nada mais ¢ do que @ multivocidade categorial que, por sua vez, é a expresso metafisca da pluratidade inerente propria imensio da experigncia Constala-se esta pluralidade da experiéncia por meio da diversidade de movimentos que ocorrem no mundo sublunar, os quais mantém uma inringada relagtio de reciprocidade condicionante com as categorias. sta munis implicagio entre as modatidades do ente ¢ as do movimento é essencial para comproendermas a relagio entre a Fisica e a Metafisica, que sera objeto especifico de ‘CE LAnnas, itotle’s Metaphysics - Books M and N, Clarendon Press, Oxford, 1976,p.200 : “This Jong seers ees ofthe two Acadeny principles, but atin ter role as producers of mathematics ets an criti vather tha way they Sige as the prineipss of Being and Not-being Som wich ol objects, eau ones eein sre way derived” « p:201: “This is the only section in MEN where this de ‘of the principtes is sistematically treated”. nossa investigagdio na segunda parte deste estudo. Aqui, contudo, cabe observar que se as categorias, por um lado, sio as condigdes imanentes do devir, na medida em que os diversos tipos de movimentos findamentam-se na propria polivocidade categorial (cf. Phys. 201 ays), por outro lado, as priprias categorias sito de cert forma conhecidas por meio dos diversos tipos de movimento a elas correlatos, pois que a predicagao efetiva s6 & possivel porque a propriedade essencial do movimento é ser “extatico” (cf. Phys. 222 big ¢ De an. 406 bys}. Este cardter “extatico” do movimento deve ser entendido literalmente como 0 abandono de um estado origindrio em diregdo a um outro final. Deste modo, apenas porque é possivel determinar uma substincia que se corrompe ou se gera, que recebe ou perde atributos quantitativos ou qualitativos, ou ainda, que se desloca espacialmente é que se pode efetivamente predicar algo de algo. Essa substancia a que nos referiamos, porém, 86 pode ser a substincia corruptivel caracteristica de mundo sublunar, pois s6 ela esti sob 0 {jugo do tempo, isto é, s6 dela pode se dizer propriamente que se encontra no tempo, j4 que “ser-no-tempo”, como nos esclarece o Estagirita, nada mais é do que “ser medido pelo tempo”, ou soja, ser a medida de um certo movimento ou repouso. Pois daquile que néo se encontra em movimento ou em tepouso nio se pode dizer que se encontre no tempo, ‘As modalidades de predicagio estudadas por Aristételes nas Categorias so basicamente duas, a saber: 0 que € dito do sujeito (xa@’ dmoxeysEvou) ¢ 0 que esté no sujeito (év baoxeysévg), A primeira , também chamada de predicagio verdadeira, exprime o que uma coisa é, ou seja, a sua substiincia primeira (apwte obcia), operando, portanto, no interior de um mesmo género e explicitando a relagdo extensiva existente entre este, as suas espécies ¢ os individuos pertencentes 2 estas (ambito sinonimico). A segunda modalidade de predicago, também denominada ineréncia, exprime também o que algo & mas apenas enquanto € algo em outra coisa, isto &, em um sujeito. Nao nos esquegamos que, em sendo as categorias termos sem ligagdo (cf. Cat. 1 bys), elas constituem apenas o esquema dos predicados possiveis, ou seja, elas ainda ndo sio consideradas enquanto predicagSes efetivas e por isso se manifestam apenas em um sujeito. Sob este aspecto, portanto, ainda no so algo (um predicado) de um sujeito (dmbito paronimico). Todavia, se consideradas enquanto predicagdes efetivas, 0 que veremos mais adiante, a diferenga entre estes dois tipos de predicacdo pode ser traduzida também em termos intensivos. A primeira possni um carter necessério, dado que se expressa por meio das relag6es analiticas - proprias do conhecimento cientifico (émzozryin) - no interior de ‘um mesmo género, enquanto que a segunda, ao estabelecer uma relacdo entre dois ou mais géneros ou entre as suas respectivas espécies ¢ individuos, apresenta um carter apenas contingente, pois que, para Aristételes, nfo pode haver cigncia inter , mas apenas intragenérica, ou seja, no pode haver uma ciéncia oniabrangente e total, como para Plato, o era a dialetica. A dialética aristotélica também abarca diferentes géneros, porém ela nilo & considerada por ele como uma ciénoia em senso estrito, dado esta ser para ele caracterizada eminentemente por seu cunho apodictico ¢ necessério, caracteristicas estas ausentes da sua concepeao de dialética (cfAnpost. 77 a2s.5 ). Detenhamo-nos um pouco mais nessa diferenga com Plato a fim de que possamos aprender, em toda a sua originalidade, pensamento aristotélico. A dialética platénica compreendia dois momentos opostos. © primeiro momento, 0 da condugdo (oumayeoyt), que tinha por objetivo a recondugdo de uma pluralidade de individuos a unidades cada vez mais abrangentes, até alcangar a unidade mais geral de todas, o universal. © outro momento, a divisto (Starcripeorg), consistia na decomposicaio de um género, obtido por condugdo, em seus elementos especificos ¢ particulares. Este procedimento légico de Plato, bem como veremos a seguir o de Aristételes, sustentava-se em uma tese de envergadura essencialmente metafisica (no caso a doutrina esotérica platénica do Um e do Dois Indefinido) e por isso apresentava uma caniter predominantemente dicotémico, isto é, procedia-se a uma decomposigo dual do género do qual se partia ¢ de suas respectivas espécies, até se chegar ao particular (ef, Sofista 252 -254 a). Aristételes, ao ingressar na Academia na época em que este procedimento estava no centro dos interesses de Plato, iri elaborando pouco a pouco a sua propria filosofia a partir de uma critica a este método dialético. O que ele faz e que o diferencia de seu mestre € que ele analisa cuidadosamente as especificidades das diversas conexdes estabelecidas entre os ‘termos individuados por este processo. Por esta raz%io, como dissemos mais acima, ele diferencia primeiramente dois tipos basicos de relagdo entre um sujeito e seus predicados, de modo que, para ele, toda proposi¢do efetiva exprime a definigio ou a propriedade de algo ou um acidente que the acomete (cf. Top.101 brs). ‘Uma caracteristica central para evidenciar a diferenciagio entre essas conexdes (consideradas enquanto predicagdes efetivas) & a dimenstio modal, ignorada pelo método dicotémico. Aristoteles mostra que a relagio entre alguns destes termos apresenta um cariter necessério, traduzido na figura do silogismo perfeito, enquanto a relagdo entre outros termos ndo apresenta esta propriedade, sendo no maximo uma forma débil e imperfeita de silogismo. Deixemos que o proprio Aristételes exemplifique esta fraqueza do meétodo dicatémico: “Seja pois animal significado por A, mortal por B, imortal por C ¢ homem, cuja definigo ¢ preciso dar por D. Todo animal considerado é mortal ou imortal, isto é, 0 que fosse A enquanto tal teria de ser ou B ou C. Novamente, admite-se que, sempre prosseguindo a divisio, 0 homem é animal, de modo que se considera A pertencer a D. O silogismo entio & que todo 0 D seri ou B ou C, por conseguinte & necessirio 0 homem ser ou mortal ou imortal, mas que seja animal mortal nfo é necessério, embora tivesse sido solicitado, Isto era o que deveria ter sido demonstrade por silogismo” (4n.pr. 46 bs.12)- Platdo em seu didlogo O Sofista (255 d) ja havia estabelecido uma classifieagdo dos entes em “por si” (xexb’ crbtd) e “relatives” (mpég 12), classificago esta que Aristételes critica e reelabora em sua doutrina da polivocidade categorial do ente. A diferenga com a doutrina platénica consiste basicamente em dois pontos: o primeiro é que Aristiteles se recusa a classificar todos os atributos do ente sob a categoria de mpé¢ 7, afirmando enfaticamente a multiplicidade original e irredutivel de aspectos que estes representam, ou seja, a substincia (obcia), a quantidade (70060), a qualidade (70161), a relagdo (mpés 72), 0 lugar (7200), 0 tempo (107é), o jazer (xeioBau), o ter (yet), 0 agir (moLei”) ¢ 0 padecer (actoyetv) (cf. Cat 1 bys - 2 a © Top. 103 by.25 ). O segundo ponto de divergéncia & que o Estagirita no considera 0 ente como um género supremo capaz de unificar os entes “por si” © 0s “relativos”, Para ele as categorias so realmente géneros supremos ¢ irredutiveis a um género superior, “pois nada hé de comum além da substancia © das outras categorias” (zapd yop tiv obciay Kai nila wd Kettnyopotweva obdéy kom xowvdy, Met.1070 bi, )*. Resumindo: os atributes relatives para Aristételes nao exprimem, como para Plato, um tipo de ente, mas sim apenas © to somente os distintos modos de se dizer o ente. Dada a irredutibilidade constitutiva das categorias nfo € possivel, portanto, proceder a tuma dedugao tinica ¢ exclusivamente gramatical, légica ou ontoldgica das mesmas. A bem da verdade, tal dedugio nfo pode ocorrer, 1a medida em que isto significaria afirmar a preexisténcia de uma dimensio gramatical, légica ou ontolégica em relagdo as categorias, {alo este que seria totalmente absurdo pela prépria razio de que, como vimos, as categorias sio, para Aristételes, por definigao, génetos supremos. Por idéntico motivo, tampouco pode uma delas ser deduzida de qualquer outra’ . Por conseguinte, resta ao Estagirita apenas a possibilidade de exemplificé-las, dado que clas ndo podem ser definidas, pois isso significaria subordind-las a um género superior, 0 que, como vimos, ¢ por definigao impossivel. Embora Aristoteles estabeleca no decorrer de suas obras quadros classificatérios com um numero diverso de categorias® (nas Categorias ¢ nos Tépicos, onde encontramos 0 elenco mais completo, ele diferencia, por exemplo, dez categorias), sempre uma dentre elas, a substincia (obec), também denominada cf Eo (“o que 6") ou 76dE Te (“um isto, um individuo”), possui em relagdo 4s demais uma certa primazia, Esta primazia, contudo, deve ser muito bem compreendida, a fim de que possamos nos aproximar com maior fidedignidade do pensamento aristotélico, evitando assim algumas incompreensdes ¢ falsas interpretagdes « que o pensamento do Estagirita, durante séculos, esteve submetido. A relagiio entre a substincia e as outras categarias, por conseguinte, nilo € apenas uma relagio de miitua reciprocidade entre termos relativos, como haviamos dito anteriormente, mas é, na verdade, uma relago na qual a substincia ¢ literalmente aquilo que dé suporte © * Cf E Berti, Aristotele: dalla dialettica alia filosofia prima, Padova, CEDAM, 1977, p.189. 7 CE MZanatta, Aristotele, Le Categorie. Inradusione, traduzione ¢ note, Rizzoli, Milano, 1981, p.83. A. introdugdo (pp.7-270) a esta obra, além de ser uma rica fonte de informagGes sobre este texto e possuir uma cextenst € itil bibliografia blsica sobre © assunto (pp.271-298), oferece-nos uma discussio profunda ¢ efalhade acerca da infludncia plaidnica sobre AsistOteles © das diferengas fundsmentais entre esses dois Alésofos. CE M.Zanatta, op.cit.pp.463-466, onde 0 autor fornece um quatro completo dos diversos efencos categoria individuados por Aristételes em toda a sus obra. sustentagio 4s demais categorias. Esta relago da substincia (cdvia) com as demais categorias, entretanto, é concebida de modo diverso nas Categorias € em outros textos do Estagirita como, por exemplo, no primeiro capitulo do livro Zeta da Merafisica. No ambito das Categorias s6 a substincia primeira ¢ efetivamente, pois sé ela é de fato um individuo (téde 71), As outras categorias sio somente os modos possiveis de se predicar algo em um_ sujeito, logo, elas so “sujeito” apenas de modo incompieto, porquanto o so apenas no interior do género categorial de que so fundamento, mas nio como atributos que efetivamente so. O que diferencia essas categorias das substincias segundas (espécie ¢ ‘género) é que elas nio stio “ditas de um sujeito” (xad bmoxeysévov Aéyera), como as substincias segundas, mas apenas se encontram “em um sujeito” (7 bmoxeruéve), Ora, este encontrar-se em um sujeito Aristételes caracteriza somente em termos negatives como sendo “o que pertence a algo, néio como sua parte ¢ ¢ impossivel ser separado daquilo em que €” (Cat. | anas: 6 év tit un bg udpog bmdpyov ddbvarov xapig elvat tod év @ éotiv). Desta definicao depreende-se que as categorias ndo sio partes de uma substincia (a0 contrario da substincia segunda), mas que tampouco so separiveis desta substincia & qual inerem. Apenas e to somente esta substiincia, isto é, a substdncia primeira, é numericamente una e indivisivel e por isso significa algo concreto, literalmente “um isto” (165e 7), ou seja, “um individuo” (cf. Cat, 3 bir.ts). Nas Categorias, portanto, 0 sentido mais proprio (yptcirartog) e primeira (mpdbrag) de substincia é 0 de individuo concreto, ou seja, este homem on este cavalo, dado que ma auséncia de um individuo ndo haveria espécies e, menos ainda, o género destas especies. Por esta razio Aristételes denomina substiincia segunda, tanto as espécies (268) quanto 0 ganero (7év0g) que so ditos de uma substincia primeira (um individuo) (ef. Cat.2 ay).16). ‘A diferenga entre as demais cafegorias e as substincias segundas em relago A substancia primeira consiste em que as primeiras jamais podem expressar a definigdo de um sujeito, 0 que constitui propriamente a fungdio das segundas, por exemplo, de um certo homem pode- se dizer que ele perience 4 espécie “homem"” e que esta, por sua vez, pertence ao género “animal”, termos que, como vemos, compéem a sua definigdo. Logo, a mitua predicagio 19 entre género, espécie individuo & de ordem sinonimica (cf. Cat. 3 a33~ bs). Se, por outro Jado, no capitulo trés do livro Zeta da Metafisica ele afirma que a forma (efé0¢), mais do que a matéria (0277 ou do que o composto de materia e forma (obveAOr}, é a substincia primeira, porquanto a forma é a causa da matiria (cf. Mer. 1041 bys), isto se deve aos distintos modos de abordar a relagiio da obcia com as outras categorias. Os critérios adotados pelo Estagirita nestas classificagdes divergentes so, como se vé, distintos. No Ambito das Caregorias ou dos Tépicos a primazia do ente é deduzida a partir da primazia da predicago ¢, por conseguinte, 0 individuo é caracterizado como uno, ao contrério da. espécie ou do ginero (cf.7op. 121 ass © 122 bri), enquanto que, sob a dtica da filosofia primeira, a primazia do ente ¢ deduzida a partir da primazia da causalidade, De modo que, segundo este critério, a substincia primeira nfo é um individuo, por exemplo, “este homem”, mas sim a forma (e#50¢) do homem, ou seja, a sua alma (cf. Met. 1037 as.) ou, em outras palavras, a determinagio especifica conferida a0 composto (a6ve201) pela forma? Essa busca por um significado primacial de um termo, significado este a que todas as demais acepgdes deste termo se referem, constitu uma conquista filoséfica importantissima que possibilitou ao Estagirita escapar tanto & paralisante univocidade do ente postulada pelos eleatas, quanto & dispersante ¢ homogeneizante equivocidade do ente advogada pelos sofistas. Ambas posig®es, conquanto aparentemente opostas, conduzem & mesma situagiio aporética, na qual o saber sobre o mundo sublunar é ou desquslificado pela negagio peremptéria de uma ciéncia do inconstante ou tomado impossivel pela infinitizagdo dispersante do que pode ser predicado, na medida em que tudo pode ser predicado de tudo na auséncia de um significado central coerenciador, a partir do qual as, predicagdes sito estabelecidas™ . A relago caracterizada pela referencia a um significado ° CE E.Beti,op.cit, pp.235-6. © Sobre a semelhanga entre estas teses aparentemente to opostas © a sua superaydo por Aristoteles cf, P-Aubenque, Le probiéme de Véire chez Aristote, PUR, 1991 (1962" ), p.138: “a thse Hi ny a que des accidenis aboutit done paradoxalement a cette autre these: Tout est un. Tt revient au méme de dire: 1/n'y a pas rsences et I n'y a qu'une essence, car $7 n'y avait qu'une essence, elle ne pouvait qu’étre la collection indéterminge, parce que toujours inachevée, de l'infinité des accidents possibles”. Nesta passagem Aubenque ‘cata da polivocidade do ente de modo geral ¢ embora se refira & importante distinglo entre a categoria da substincia eas demais, ele ndo se refere aqui explicitamente & relago mpag Ev de que estamos tratando, Isso central de um termo a0 qual os outros significados deste termo se referem Aristoteles denominou mpdg Ev (“referente a um”). £ importante perocber que mesmo nas Categorias, onde nao ocorte o termo mpdc Eve onde a relagdo das demais categorias com a substancia primeira é uma relagdo de tipo efven év (ser em”), hd uma ceria primazia da obio em relagio as outras categorias, na medida em que estas sb podem ser nela, dado que a cbcia, no sentido de substincia primeira, é o que subsiste em si, sendo numericamente uno ¢ idéntioo consigo mesmo € podendo assumir determinagées opostas (cf. Cat. 4 ap.r1). Ona, € precisamente este modo de set apenas év dmoxexsévp (“no sujeito”) que é caracteristico das categorias consideradas enquanto tais, ou seja, enquanto termos sem ligagdo, Em outras palavras: elas 36 sfo potencialmente em um sujeito, ou ainda, elas s6 sio como predicados possiveis de serem efetivamente predicados de um sujeito. A relagio apéc £v, que é explicitamente articulada no segundo capitulo do livro Gama (ef, Met, 1003 33.1) © que esté na base da discussio da relagdo entre a obiar ¢ as demais categorias contida no primeiro capitulo do livro Zeta da Metafisica, estabelece uma primazia logica, gnoscolégica e eronolégica entre a primeira e as demais categorias (cf ‘Met, 1028 a3 53). Segundo esta nova perspectiva de analisar a relagdo das categorias com a substincia, elas passam a set vistas precisamente como os modos de ser efetives de uma substincia ¢ néio mais, consoante as Categorias, como os modos possiveis de predicagao insitos a um sujeite (ef, Met. 1028 aye20). Logo, cada uma delas manifesta um modo de ser de uma substincia e seu ser consiste exatamente nisto, a saber, nesta relagdo fundante com uma substincia. Dado que elas ndo podem ser ditas isoladamente de um sujeito, pois ndio Geo favd 98 tmis adiante (pp.239-250, especialmente p.247) onde ele analsa o fncasso da metalisca gua Héncia do eate como © rollexo da impossiblidade de se deduzir as demsis categories da categoria de Gubstinca, Todavia, como alguns erticos advertiram (c£ pex. E.Berti, L'Uniti del Sapere in Aristotee, Padova, CEDAM, 1965), tal interpretago fundamenta-se no pressuposto de que o tipo ideal de dependéncia dos entes em telagdo ao principio seria 6 dedutibilidade, ou seja, o modelo de ciéncin postulado nos Analitcas, fo quz presmupde a univocidade do ente e, por conseguinte a imanéncia do pancipio. Para Beri, por outro ado, a relagio s*pdg &y & “a auténtca relagio de tipo metaisico"(p 129), no suprimindo, contudo, problematicidade init ao ente “poich il principio ou esa rinvia non ¢ immanente agi ent dell'esperienza, re {B trascende, e dunque non ne annulla la radicale dipendenza, indigenze precariet. Si pub dire alora, con nnoggiore esattera, che In reazione transcendentale indicata da Aristotele non si identifi con Ia piens @ defcisva uoita dell'essere, ma ne costinisce l'indicazione, fa domanda, il bisogno, e percid non ¢ altro che lastessa problematicita"(p.129). sio por si (xer bz), elas literalmente pressupdem um sujeito e, deste modo, exprimem- se nfo mais como algo em um sujeito, mas sim como algo de um sujeito, ou ainda, no segundo a estrutura 72 é 711 (“algo em algo”), mas sim segundo a estrutura 7 xa7di savdg (“algo de algo”). Por exemplo: se a categoria da qualidade enquanto tal esti presente potenciaimente em uma substincia (obviamente em uma substincia corruptivel, como vimos anteriormente), uma sua determinagdo especifica, “branco”, por exemplo, ndo pode estar presente gm um homem, pois, na verdade, o que encontramos efetivamente ¢ apenas tum homem que é branco ov, mais precisamente ainda, um homem branco, Voltaremos a abordar essa complexa mudanca conceitual ao investigarmos 0 sentido acidental do ente. Antes, porém, de tratarmos da relagio mpé¢ £, atentemos apenas para a prioridade cronolégica da substincia em relagio as demais categorias, porquanto ela nos interessa particularmente. Esta primazia fundamenta-se no caréter de separabilidade da substincia face as outras categories (que néio podem ser separadas daquela) ou, se quisermos nos expressar com a linguagem da Fisica, no subsistir privio do substrato em relagio as afecgbes que ele recebe sucessivamente (of. Phys, 185 a3..2). Arelagio mpéc Ey, também denominada por um seu sagaz exegeta “significado focal” (focal meaning)" diferencia-se tanto da relagio paronimice, estudada nas Categorias e nos Tépicos, quanto da relagio snalégica. A primeira diferenga é apenas intragenérica ou, em outras palavras, apenas entre planos diversos de andlise. No plano linguistico, por exemplo, “chama-se pardnimo aquilo que diferindo pela terminago deriva o seu nome de algun outro nome” (Cat.1 ay2s ), ou seja, diz-se pardnimos os adjetivos construidos a partir de substantivos abstratos por meio de uma mudanga de terminagdo, como se pode evidenciar pelos exemplos fornecidos por Aristételes: de “gramética” deriva-se “gramatico” ¢ de “coragem” “vorajoso”. Ora, neste caso, a relaglio de subordinagdo entre os sentidos secundirios de um termo em referéncia ao seu sentido principal é de ordem somente gramatical € niio de ordem semantico-ontologica, o que caracteriza a relagio mpde Ev propriamente dita, que pode ser concebida, portanto, apenas como um Caso especial de WC yrata-se obviamente de GEL. Owen, Logic and Metaphysics in Some Earlier Works of Aristotle in Articles on Arisitle. Metaphysics, ed J Bares, M SchoSeld and R Sorabji, Duckworth, Londen, 1979 (1960! p17 paronimia? . A segunda diferenga ¢ muito maior (cfEN 1096 bos2» ), embora freqdentemente descurada pelos intérpretes, na medida em que a relagdo analégica nfio leva ‘em consideragdo os miltiplos significados de um termo em referéucia ao seu sentido focal, ‘mas estabelece, apenas ¢ to somente, uma relagiio de proporgio entre eles. De modo que, para Aristoteles, o que se comporta segundo uma relagdo analdgica (xar' duoyiax) ¢, em suas préprias palavras, “ 0 que & como um outro em relago a um outro” (Met. 1016 by. as: 6001 Exer bg Gado mpdg EAAd) ou o que ¢ “outro em outra coisa” (EN 1096 boy : dAdo év GAAO), mas no 0 que é dito “em relago ao um e a uma tinica natureza” (Met. 1003 assay 2 mpd Ev xeel pio tid bo). Na Etica Nicomaguéia Aristételes nos oferece uma precisa definiglo da analogia : “a analogia, na verdade, é uma igualdade de proporgdes que envolve a0 menos quatro termos” (EN 1131 anise: Yee dvadoytar iodine eoti Adywn, xeci Ev rétzapow ehayyiotors) e nesta mesma obra ele nos dé um claro exemplo de analogia: “como a vista esté no corpo, o intelecto esté na alma” (EV 1096 bisa: OS yap év odpan dync, Ev uxt vous), Por fim, na Poética a definigao de analogia como proporgo entre quatro termos ¢ plenamente desenvolvida: “digo que ba analogia, quando 0 segundo termo esti para o primeiro, na igual relagdo em que esti 0 quarto para o terceiro, porque, neste caso, 0 quarto termo poderd substituir o segundo e 0 segunda, 0 quarto” (Pods. 1457 byr20, trad. E. de Souza). Logo, de acordo com o que acabamos de ver, a analogia ¢ uma relagdo de igualdade ‘entre termos diversos, enquanto que o que € dito mpdg Ev exprime uma relagao desigual - a primazia da substincia - entre termos iguais - as categorins. Detenhamo-nos neste ponto. ‘Umn dos exemplos que o Estagirita nos di das coisas que sto ditas “em relago ao um ¢ a uma Gnica natureza” é 0 das coisas ditas saudveis que, na verdade, s6 0 so, porquanto so predicadas em relaglo & sade, ou seja, porque a conservam ou produzem, ou porque The servem de indicio ou Ihe sdo receptivas, © outro exemplo é 0 das coisas ditas medicinais 1 GELOwen diferencia a paronimia da relagio mpag £y (cf. op.cit, p21), contudo, a maioria dos intéxpretes vé 4 relagio ade Ev como um caso especial de paronimia, cf MZanetta, op cit, p.89, 0.128 (onde sio citados diversas outros exegetas), O.Paizig, Theology and Ontologte in Aristotle's Metapiysics, ® rncles on Aristotle Metophysics, p38, 2.9 ¢ EBettl ,op.cit., p.128; “I parorimi sono le cose di cui un determinato termine si predica sods & Tale él caso degli Sve, ossia le varie categorie, le quali prendono tutte il nome di enti dall' obetat 4 em relagdo a medicina, A razSo destes exemplos ¢ uma s6: tomar mais compreensivel a multivocidade do ente, por isso a conclusto: “assim também o ente ¢ dito multivocamente, mas todos so ditos em relago a um principio tnico” (Afet. 1003 bss: btw 52 wai wd dv Aéyetar moddaydic uév, dad adv mds piav Spxtied. A mesma estratégia € adotada pelo Estagirita em outra passagem da Metafisica. Nesta, apds os j4 conhecidos exemplos da saide e da medicina, segue-se a mesma conclusio: “do mesmo modo também tudo é dito ente, pois cada ente é do ente enquanto ente uma afecgio, um hibito, uma disposig&o, um movimento ou alguma coisa deste tipo” (Met. 1061 a739 : tov abrév 51) qpdmov Kai 8 dv dnav Aéyeran uw yap tod bvt0g ff éu mibog f Bétg dudBeonc fy xivnorg h niu Gdaaw v1 ty rowbrow elven Aéyeta Exacrov ovcav &y). Estas duas formas de relacdo, a analogia e a significagdo focal, siio, portanto, dois modos essenciais através dos quais Aristételes procura tomar evidente alguns dos conceitos fundamentais de sua fiosofia, Se 2 analogia acentua, por um lado, o aspecto poliédrico ¢ miultiplo dos géneros, a relagio mpdg Ev, por outro lado, enfatiza a derivagaio ou destinagio unitéria destes diversos géneros da ou para a substancia. Falamos em derivagde ou destinagdo ao um , porquanto o Estagirita normalmente ndo diferencia entre o que ¢ dito “deriva do um” (dg év¢) © 0 que é dito “ homonimia” (Met, 1003 asst GAAd mpdg Ev xoi wiay mivd dbo, Kai oby Guavipnas), & decisive nesta tradugiio se devemos ou no supor uma restrigdo para o termo “homonimia”. Se lemos “no por simples homonimia”, entdo, podemos penser a relagdo apdg £v como um tipo especifico de homonimie, caso contririo, e sendo mais literais, leremos “no por homonimia”, ou seja, de um outro modo que no a homonimia, restando-nos apenas , nesse caso, subscrever a telagio mpdg év a paronimia, Dissemos que Estagirita parece qualificar a relago de homonimia como apog £% porquanto ele tampouco o afinma textualmente quando analisa 0 modo pelo qual diz-se ser o bem um termo polivoco: “mas de que modo diz-se-o? Pois ele ndo se parece aos homdnimos por acaso. Mas entio ele seria um homénimo pelo fato de todos os bens serem derivados de um bem ou de finalizarem-se em umm bem? Ou antes por analogia?” (EN. 1096 bos2x: GAA mag SH Aésyeran; ob ydp Eowe tig ye dad TOyNE duovipo, Gad’ dpa ye wi ap’ Evdg elven f mpac Ev dxovea ovvrehsin, i uchdov Kat’ Gvadoyiay), A nossa suposigio baseia-se na locugo GAA’ pdt (“mas entio") que caracteriza uma transig#o que se fundamenta sobre ¢ denota 0 que foi dito precedentemente (cf, sobre © uso desta locugao: Platdo, Apologia, 25 a). Deixando essas sutilezas exegéticas de lado, o que realmente nos interessa aqui € 0 questionamento acerea do modo de vinculagio dos diversos termos que Aristoteles usa pare referir-se a dimensio temporal. Obviamente a andilise detalhada desta questo serd o objeto mesmo deste estudo no seu desenrolar-se. Agora, contudo, gostariamos apenas de levantar as questies mais gerais a este respeito ¢, em especial, a de saber que tipo de polivacidade poderia ter sido atribuida por Aristiteles ao fenémeno temporal, caso ele tivesse formulado explicitamente este problema. A. indicagio de uma resposta para esta questio, entretanto, nio pode ser investigada jsoladamente do que vimos neste capitulo, ou seja, devemos pensé-la em consondncia com tum dos princtpios mais fundamentais da filosofia aristotélica, a saber, 0 da polivocidade do ente ¢ do um. Parece-nos que, como sempre, no que se refere a0 pensamento do Estagirita, devemos proceder a uma diferenciagZo mais refinada e sutil, a fim de que, deste modo, possamos nos aproximar da complexidade inerente as suas préprias andlises. Sendo assina, a primeira coisa que precisamos aceitar € que nfo parece haver uma resposte univoca para esta questo. E patente, contudo, que a diversidade de termos que exprimem o fendmeno temporal em Aristételes (aoré, pdvos, xaapéc, viy, etc...), bem como a evidente correlagdo dos mesmos entre si, impede-nos de pensd-los segundo uma simples relagio de sinonimia ou de homonimia meramente casual. Constataremos no decorrer deste estudo que hi uma multiplicidade de termos designando diferentes aspectos do tempo nas diversas obras de Aristételes © que eles compdem uma tessitura conceitual bastante complexa engenhosa. Relacionar-se-ia, entio, esse emaranhado terminolégico consoante a relagiio mpeg évou por analogia? Ou haveria, além destes, um outro tipo de articulagdo entre estes conceitos? Ou, quem sabe ainda, eles se articulem entre si ndo de modo dinico, mas sim por mais de um tipo de relagio? Essas questdes, portanto, permeario a nossa inquirigtio subsegiiente, cujos capitulos sucessivos procuraro esclarecer alguns destes conceitos em suas respectivas conexdes, de modo que, ao fim deste estudo, esperamos estar aptos a formular uma resposta, ainda que apenas hipotética, para esse questionamento, aqui apenas esbogado, Iniciemos, entdéo, a nossa inquiricdo propriamente dita aprofundando-nos na determinago categorial do tempo. 2B 12, Hoté, nooby e xpbvo¢ ‘A categoria expressa por 0% que tradicionalmente foi taduzida como categoria do “tempo” indica, na verdade, de acordo com a sua acentuagdo, o advérbio temporal interrogativo “quando” (s267é) ou o advérbio temporal indefinido “em um momento qualquer”, “um dia” (qoré). Pode ser empregado também encliticamente,isto 6, justapondo-se a uma palavra subseqente, neste caso prescindindo de um acento proprio (#oTe), Em todas as passagens de sua obra em que Aristételes inclui a categoria relativa a0 tempo no seu elenco categorial, ele 0 fiz denominando-a, na quase totalidade das vezes, com o advérbio indefinido word (¢f. Cat. 1 bye; Top. 103 bys; Phys. 190 ass © 255 bys “Anpost. 83 833 ¢ 83 bis; Rhet. 1385 bs © Met, 1026 as; ¢ 1029 bys), apenas por duas vezes ele emprega 0 advérbio interrogativo ve (cf Met. 1017 az7 ¢ FB. 1217 by.) € uma tinica vez ele opta pelo termo 4pdveg (cf. E.N. 1096 az.). Esta uilizagdo da palavea chronos para indicar a categoria relativa ao tempo ¢ bastante atipica e voltaremos a ela somente a0 abordarmos o sentido axiolégico do tempo. ¥ ébvio, porém, que 0 uso de 7678, 2oté ou moze em Aristételes nifo se limita ao seu sentido categorial. Apenas para dar um exemplo, nas Categorias, moté é citado efetivamente como categoria em 1 bz; e indiretamente em 2 a), mas as outras nove vezes: em que este advérbio 6 utilizado (cf, 3 2130; 5 ban; 7 byio; H ape, 12 bia; 13 ag ¢ 15 by), ele denota somente o sentido tipicamente fornecido por um advérbio temporal indefinido. Infelizmente as Categorias so um texto do Estagirita que apresenta uma nitida interrupgo (0 passo 11 bios & uma interpolagdo posterior que tenta colmar 0 hiato existente entre os capitulos cinco a nove que tratam de algumas das dez categorias enumeradas no capitulo quatro e os capitulos posteriores, dez a quinze, que ndo se adequam perfeitamente & obra), de modo que, embora Aristételes cite ové na relagio que oa ele nos fornece das categorias (cf. Cat. 1 bys € 2 83), 0 capitulo que deveria nos elucidar acerca desta categoria nfo existe. Esta auséncia inestimavel ¢ apenas parcialmente compensada pela discussio sobre o tempo (706v0¢) contida no capitulo seis que trata da quantidade (20061), A divisio que preside 0 tratamento dado 4 categoria da quantidade é a divisio estabelecida entre 0 discreto (Staprouéror) ¢ 0 continuo (cwrezéc). Estes dois tipos de quantidade, que nas Categorias sfo apresentados separadamente, possuem, contudo, um género em comum, como nos esclarece um importante passo da Fisica (cf. Phys, 227 ays. we) de onde se depreende que cles devem ser considerados as espécies do consecutive (dpe£iic), ou seja, como termos contrérios ¢ no contraditérios, dado ambos pertencerem a ‘um mesmo género categorial"®. O consecutivo, por sua vez, ¢ definido por Aristételes como aquilo que se segue a um principio, por posigo, espécie ou de outro modo, sendo desprovido de um intermedidrio congénere entre ele ¢ o de que é dito consecutive. Nada impede, porém, que se Ihe interponha um intermedidrio de outro género (cf.Phys. 226 bys- 227 ay). Para entender a noglo de consecutividade & necessério lembrar-se que 0 critérie de ordenagio de suas espécies e subespécies ¢ 0 grau crescente de vizinhanga dos entes que sfo ditos consecutivos. No nos esquegamos que, estando no ambito da fisica, estes conceitos serio compreendidos a partir da percepgdo © com base nesta. Decorre dai a ordenagio que indica proximidade crescente: consecutive, contiguo ¢ continuo, Consecutive & 0 que no apresenta limite comum, estando, portanto, apenas em consecugo com seu termo sucessivo (por exemplo: os niimeros, cf. Phys. 227 aao21), contiguo (Exouévod) & 0 que esté respectivamente em consecugio € em contato com o seu termo subseqilente (cf. Phys. 227 ae) e, por fim, continuo ¢ 0 que estando em consecuco, possui Ceo comentiri de HG. Apostle reproduzido em Aristotle, Le Categorie, Introd, tradkcione ¢ note i M-Zanatta, Milano, 1989, p-171: “Tae name “discrete” isthe contrary and not the contradictory oF “continuous”, and iis not a synonym of “nat continuous”, whici isthe contradictory of “eontimous™ € 0 prépsio comentirio de MZanatta, ad loc, pp.536-540. ‘um limite comum com o seu temo sucessivo, de modo que esses entes niio serio considerados separadamente, mas sim como algo unico (cf. Phys. 227 ayo.i3)””. O critério de classificagio das Caregorias desconsidera a anélise do género comum, enfatizando apenas a diferenga especifica entre quantidades discretas (mlimeros e palavras) ‘¢ continuas (linhas, superficies, solidos, tempo ¢ lugar). O critério utilizado por Aristételes para diferenciar entre estes tipos de quantidade ¢ o da existéncia ou nao nestas quantidades de partes que estejam em uma posigtio (#c7¢) reciproca entre si (apdg EAAnAa), Ora, para o Estagirita, as quantidades discretas diferenciam-se imediatamente das continuas, pois as suas partes, a0 nfo estarem em contato, jamais poderiam possuir um “limite comum” (woirds p06) ¢, por conseguinte, obviamente no poderiam possuir uma relagdo reciproca entre si. Essa pretensa obviedade implicita na andlise de Aristoteles, ¢, contudo, enganosa, pois ela nasce da suposigo errénea de que a existéncia de uma reciprocidade centre as partes constitutivas de uma quantidade deva-se, apenas ¢ tio somente, ao fato delas, possuirem ou ndo um limite comum, mas, como vimos, isto define apenas 0 continuo ¢ niio a consecutividade enquanto tal. © tempo, ao contririo, € considerado por Aristételes como sendo uma quantidade continua, “pois o tempo presente une o passado em relago ao futuro” (Cat. 5 are: 6 yap viv xpbvo covdarer moc ve tv mapeAnAvbbra Koti tv péAAOYTA) - ese que est em frontal oposigiio ao papel desempenhado pelo vv (“agora”), enquanto limite sem durago de tempo, nos capitulos dez a quatorze do quarto livro da Fisica, como veremos na segunda parte do nosso estudo, O tempo, porém, constitui uma excessio no dmbito das quantidades continuas, “pois nenhuma das partes do tempo permanece © do que no permanente, pergunta-se surpreso Aristételes, como isto poderia ter alguma posi¢do? Antes, porém, prossegue ele, poder-se-ia dizer que elas tém uma certa ordem, jé que do tempo hé o anterior ¢ 0 posterior” (Cat. 5 aro: baquéver yap obdév tv rob xedvow noptev, & 68 wh bony bmopsvev, nig dv tbr Béow tind Exon dddd uGidov whew tive elmo dv Exew 16 18 ev npbcepor elven rob zpbvow 73 1 Consultar 0 artigo de G.G Granger, “Le concept de continu cher Aristote et Bolzano”, Les Erudes Philesophiques, 1969, 04, esp. pp, 517-8. 6 & Gorrepov), A surpresa do Estagirita é justificada, na medida em que para podermos dizer que algo permanece, é necessirio a0 menos podermos afirmar que este algo ja ocupe uma dada posig’o, posigdo esta na qual permanecerd por algum tempo, © que obviamente no ocorre com o proprio tempo, Eniretanto, eabe observar, que é no minimo redundante dizer das partes do tempo que elas tém uma certa ordem, expressa pelo anterior ¢ pelo posterior, porquanto 0 tempo ¢ esta ordem. Por conseguinte, ¢ somente aquilo que & mensusado por esta ordenagdo consecutiva (por exemplo: um dado movimento), ou seja, pelo tempo, que pode ter uma certa ordem, precisamente a ordem temporal”, Esta singularidade do continuo temporal ante 0 outro tipo de continuo (0 tépico), pode ser melhor apreendida se nos reportarmos a uma clarificago do conceito de posigdo encontrada em outra obra do Estagirita, onde ele afirma que s6 tem contato em sentido proprio o que tem posigo e que, por sua vez, s6 tem posi¢ao em sentido préprio aquilo que ocupa um lugar (T6200) (cf. De gen. et corrup. 322 by.~ 323 a)). Ora, € evidente que este no pode ser 6 caso do tempo, porquanto as suas partes, embora tenham um limite comum (0 presente aqui nas Categorias, 0 agora-limite na Fisica), certamente nfo se encontram em nenfum lugar, devendo-se considerar este limite comum, portanto, apenas como @ pura consecugdo que ocotre entre partes desprovidas de contato, pois que falar de contato implica em falar de posigo ¢ falar desta, implica em falar de lugar. Logo o tempo, para Aristételes 86 pode ser um continuo em sentido impréprio. Todavia, se a ordem temporal ¢ considerada uma subespécie do continuo, ainda que apenas impropriamente - na medida em que a unidio de suas partes nfo pode ser uma unifio t6pica, mas apenas uma consecutividade cidética ou de outro tipo -, como explicar, entio, que a série numérica no seja também classificada por Aristételes, ainda que apenas derivadamente, um continuo (pois as suas partes também exprimem uma consecutividade eidética ou de outro tipo)? Isto se deve ao fato - que teremos oportunidade de analisar mais detidamente a0 abordarmos 0 conceito de nimero na segunda parte deste estudo - do nimero ser compreendide por ele sob dois aspectos: 0 nimero numerado € o niimero numerante, Em outras palavras, ele concebe 0 niimero, consoante a tradigao pitagérica, 2 CE 9 comentirio de Ricardo Santos, Aristteles, Categorias. Tradugio, notas e comentdrios, Porto, 1995, plz. 2 como um agregado de seixos (cf. Soph.el. 165 ayy ¢ 3s). Sob este aspecto, portanto, qualquer composigo numérica ¢ literalmente composta de entidades fisicas separadas ‘umas das outras, ou seja, a unidade ¢ entendida apenas como ponto material isolado, logo, um conjunto destes entes fisicos, jamais poderia constituir um continuo. Mas, entio, se 0 mmimero & um agrupamento de entes fisicos sitos em um lugar, por que o Estagirita diferencia, dentre os indivisiveis, a unidade do ponto, precisamente por ela nio ter uma posigio (cf, Afet. 1016 by..27)? Isto ocorre porque estes pontos materias, considerados em si mesmos, ainda no so unidades numéricas propriamente ditas, dado estas $6 serem constituidas enquanto fais, no ato mesmo da contagem; somente ent&o, ou seja, somente enquanto nimeros numerantes é que a série numérica manifesta uma certa ordem (ef. Cat. 5 ayo.s3). Ora, sob este aspecto, é evidente que os nimeros ndo possuem nehuma posigio, mas apenas consecugdo atépica, Em conseqdéncia, se os nimeros apresentassem apenas este aspecto atual, eles poderiam ser considerados como quantidades continuas, pois a ‘ordem numérica em nada se distingue da ordem temporal, ambas expressando uma consecutividade de partes sucessivas sem contato”” Resta-nos ainda indagar por que entSo Aristoteles nas Categorias opta por considerar 0 tempo como uma subespécie do continuo, porquanto ele s6 o pode ser impropriamente, na medida em que prescinde de partes que possuam uma posigio reciproca. Este critério da reciprocidade das partes constitutivas de um quantum pode produzir classificagdes divergentes, conforme esta reciprocidade seja entendida em termos exclusivamente t6picos ‘ou nio. Se considerada topicamente 0 nimero e o tempo, como vimos, situam-se em grupos distintos; entretanto, se considerada em sentido mais amplo, tanto o tempo (quantidade continua) quanto 0 mimero (quamtidade discreta) silo agrupados conjuntamente, Ambos, segundo o Estagirita, possuem apenas ordem (melhor seria dizer, como 0 fizemos acima, que ambos sfio um tipo de ordem), mais precisamente, uma gerta ordem (cf Cat. 5 ay , 3). Esta ordem parece constituir a propria esséncin da 2 Sobre esta problemitica do -0 consultar especialmente os comentirios de M Zanatta, op.cit., pp.349~ 552: cf também os comentirios de J Ackrill, ep.cl., 9p.94-95 e os de Mario Ferreira dos Santos, Aristotees, ‘Das Categorias, Tradugdo, notas © comentirias, Sie Paulo, 1968, pp.86-91. Acerca da relegdo entre 8 ordem “numnérice ea temporal vec 0 coraentinio de D Pesce (Aristotle, Le Categorie Introducions ¢ commento, Padova, 1966) citado por Zanatta (op.cit,p.551): "la serie nunerica&(..) gi per Aristotle essenzialmente suceessione temporale”. 28 consecutividade, como se depreende do confronto entre uma passagem da Fisica (cf. Pays. 227 ay.«) com algumas asserydes de Aristételes nas Categorias. Ao definir 0 consecutivo na Fisica, Aristételes 0 define como sendo propriamente aquilo que est& em consecugdo a alguma outra coisa, ou seja, como “algo posterior” (Botepor 72). Esta posterioridade, portanto, indica que hé reciprocidade tépica entre termos conscoutivos, pois o um nio é posterior ao dois, mas sim este aquele, A ordem numérica, por sua vez, ¢ igualmente definida nas Categorias com a mesma unidirecionalidade de suas partes, de modo que se conta primeiro 0 um do que o dois ¢ o dois do que o trés (cf. Cat, 5 as:). Analogamente sucede com o tempo, pois sua ordem, segundo Aristoteles, & estabelecida pela relagdo anterior-posterior (cf. Cat. 5 azo). Vé-se, portanto, que hé uma clara diferenga entre uma ordem tépica e uma ordem numérico-cronolégica: na primeira ha reciprocidade entre as partes consecutivas, enquanto que na segunda ocorre apenas uma unidirecionalidade relacional, ou seja, apenas consecugo entre as “partes” consecutivas. Voltaremos a este ponto ao abordarmos os conceitos de simultineo (diva) e de anterior-posterior (pétepor- botepov) Hi, por conseguinte, uma anterioridade logica da unidade numérica sobre 0 ponto, pois este possui uma determinagdo tépica, a sua posigdo, enquanto que a série numérica, na medida em que é atualizada pelo ato de contar, nada mais ¢ do que a propria consecutividade (of. Phys. 227 ays.20). catéter extremamente problemético do tempo (zvoc) j& se fiz presente nestas classificagdes ambiguas ( as vezes ele se associa aos continuos propriamente ditos, as vezes a série numérica ) ¢ se tomnard ainda mais patente no tratamento que o Estagirita dispensard 4 categoria da quantidade no livro Delta da Metafisica, Passemos, entio, a sua andlise. ‘No capitulo treze do referido livro Delta, Aristételes volta a abordar a categoria da quantidade, Infelizmente, também no livro Delta o Estagirita no nos legou uma discussio sobre a categoria do tempo (07). Devemos, portanto, como no caso das Categorias, investigar a sua discussdo sobre a quantidade em busca de alguns novos indicios para a nossa inquirigflo sobre o tempo. ‘Ao contrario do que ocorre nas Categorias, Aristételes nos oferece aqui uma definigdo de moody, Este, segundo ele, é definido como “o divisivel em partes imanentes, cada uma 29 das quais é, por sua prépria natureza, algo uno e determinado” (Met. 1020 a: 7 Sunpersy cig Evondpyovia, dv éxdrepov f Exaatov Ev m1 Kai rode 1 népoxer elven), Esta alusio a0 um é importantissima ¢, mais adiante, retornaremos a ela, Agora, entretanto, explicitemos quais 0s novos conceitos introduzidos pelo Estagirita Ha para ele dois tipos de coisas divistveis: as potencialmente divisiveis em partes ndio- continuas ¢ as potencialmente divisiveis em partes continuas. O primeiro tipo, cujas partes somente podem ser contadas, chama-se pluralidade (21 7}00¢), 0 segundo tipo, cujas partes sdo apenas mensuriveis, chama-se grandeza (uéye00c). Quando uma pluralidade & delimitada (memepcquévor), obtemos 0 nimero, quando delimitamos 0 comprimento, obtemos uma linha, quando a largura, uma superficie e quando a profundidade, um corpo. ‘A segunda classificago empreendida por Aristételes no livro Delta ¢ a que separa a quantidade em “por si” (xa abr) e “por acidente” (xerzel ou PeByxdc). Quantidade por si é aquilo que em sua propria esséncia (xarr’ obcicv) é um quanto (por exemplo: a linha) ou aquilo que por ser uma afecgdo ou um estado disto ¢ dito um quanto (por exemplo: muito € povco ou comprido € curt). Todavia, mais importante para nés, € a diferenga que ele estabelece entre as quantidades por acidente. Estas 0 so ou por pertencerem a uma quantidade apenas acidentalmente, tal como “miisico” e “branco” sio ditos quantidades apenas por inerirem a algo que ¢ essencialmente quantitative, ou por serem como 0 movimento (Kivjoug) ¢ 0 tempo (yp6v05). “E estes sio ditos quantidades € quantidades continuas, segundo Aristételes, porque aqueles entes de que sdo afecgies, so divisiveis” (Met 1020 age0). A seguir, ele esclarece que nfo se refere a divisibilidade do que se move (73 Kivotptevod), mas sim do que movido ou, mais precisamente, daquilo que 0 mével atravessou ao mover-se (6 Exrvf}On). Ora, isso que o mével percorre 20 mover-se € algo quantificdvel e, por causa disto, o movimento que 0 atravessa também 0 0 tempo, por sua vez, também 0 seri, porque 0 movimento o é Em outras palavras, 0 movimento e o tempo ndo slio afecg¥es da grandeza da mesma forma que 0 comprido ¢ 0 curto 0 sio, Uma linha, por exemplo, é, por si mesma, comprida ou curta, ou seja, estas so consideradas, ao menos no livro Delta, como sendo afecedes préprias de uma quantidade, 30 conquanto nas Categorias Aristoteles empreenda uma anilise mais minuciosa desta ¢ de determinagées andlogas ¢ prove que elas no sto propriamente quantidades, mas 0 sdo apenas de modo impréprio, pois que elas dependem de alguma referéncia extema, isto é, elas so, na verdade, termos relativos (por isso podemos falar a respeito de um grio de milho que ele seja grande em comparagio com um outro muito menor ¢ acerca de uma ‘montanha que ela seja pequena em comparaco com uma muito maior). O movimento € 0 tempo tampouco inerem a uma grandeza (por exemplo: a um corpo), como, por exemplo, 0 atributo “branco” o faz. Antes associam-se de outro modo a esta grandeza”. Este modo, como veremos ao tratar do sentido fisico do tempo, € o da seqiéncialidade, expressa pelo verbo dxodovbeiy (“seguir”) (cf. Phys. 219 arss,). Logo, de acordo com o Estagirita, 0 cariter quantitative do movimento se funda sobre a grandeza tépica ¢ o do tempo sobre o movimento, Deste modo, a continuidade tépica ¢ afirmada como constitutiva em relagdo & sucessiio. A este ponto extremamente dificil ¢ problemdtico retomaremos, porém, na segunda parte do nosso estudo. ‘Como vimos mais acima, algo para ser verdadeiramente um quanto deve no 86 ser divisivel, mas além disso, ser divisivel em partes unas e determinadas, quer elas sejam apenas numeriveis, quer somente mensuriveis, A referéncia 4 unidade € muito importante ‘¢-veremos por qué. Ao abordarmos a polivocidade do um , referimo-nos a importancia deste no Ambito da quantidade, isto porque o um significa a primeira medida de cada género e, no seu sentido mais préprio, a primeira medida na categoria da quantidade, porquanto 6 a partir desta que este conceito ¢ aplicade as demais. A unidade de uma pluralidade chama-se nimero (dptGudc), j4 a de uma grandeza, medida (uéqpov). A relagdo entre clas ¢ explicitada por Aristételes em uma importante passagem da Metafistca: “A medida & aquilo com o que o quantitative é conhecido, O quantitative enquanto quantitativo, porém, € conhecido ou pelo um ou pelo niimero, mas todo némero pelo um, ogo todo quantitative enquanto tal é conhecido pelo um” (Met, 1052 bzo2:). O quantitativo 6 definido aqui como primacialmente numérico, j& que a medida do mimero € “a mais precisa” (dexpiBéovatov) por ser a unidade “totalmente indivisivel” (advrzy CE os coment ‘Dumninil ¢ Jaulin sobre Delta, 13, Aristote, Meraphysique.Livre Delta. Texte, traduction et commentaire, Toulouse, 1991, pp.220-225 (part. p25). 3 &dtctiperor) (cf. Met. 1053 a1). Decorre dai que dentre as ciéncias a aritmética seja mais precisa do que a geometria, pois 0 ponto é mais complexo do que 0 um, porquanto o primeiro possui posigio © 0 segundo no (ef. An.post. 87 a:s.s7), J4 nos outros géneros uma tal indivisibilidade pode ser apenas imitada, sem, contudo, jamais afingir tal grau de preciso. Também por causa disto, Aristételes afirma nas Categorias, que a principal caracteristica do quantitativo ¢ ele poder ser dito igual (10) ou desigual (Evtcov) ¢ isso tanto no caso do corpo, como no caso do tempo (ef. Cat. 6 825.29). Nas outras categorias, entretanto, 0 um nio se diz igual, mas simile (10100), no caso da qualidade ou idéntico ( neris751), no caso da substineia (cf. Met. 1021 a41.12) Deste modo - ¢ aqui Aristoteles cita um exemplo que nos interessa particularmente ¢ 20 qual retornaremos ao discutir 0 sentido cosmolégico do tempo -, também dentre os movimentos deve-se buscar um movimento que sirva como medida e principio a fim de poder conhecer os demais. “E assim, prossegue Aristételes, também 0 movimento se mede pelo movimento simples ¢ mais ripido, pois este possui um tempo minimo” (Met. 1053 as. o: Rei OF) nai xivnow 1 dndg xavjoe xed of taxiony dhipotoy yap abt) Exet ypovor, cf. De caelo 287 a7327). Apés termos acompanhado a discussio de Aristételes acerca de zpdvog, resta-nos a dificil tarefa de tentar relacionar este com oté. O imico indicio que Aristétetes nos da sobre este iltimo termo, nas Categorias, s80 dois exemplos do mesmo, a saber: “ontem” (atée) @ “no ano pasado” (aépvory) (cf. Car. 2 a;). Em nenhuma outra passagem do Corpus onde cle tenha enumerado, dentre as categorias, a categoria do xoté, ele nos ofereceu algum outro exemplo do mesmo. © iinico outro elemento que possuimos para a nossa andlise comparativa é uma definigao do advérbio temporal indefinido woré em um passo da Fisica: “ “um dia” significa um tempo definido em relagdo ao primeiro sentido de agora, por exemplo: “ “um dia” Troia foi conquistada” e “ “um dia” havers um dilavio” ” (Phys. 222 areas: 78 5& noté xpdvog dpiopéves mpos 16 mpétepov viv, otov nots EdqgOn Toot, cai rové Boren Keech voyés). Este primeiro sentido de agora a que Aristételes se refere 32 aqui, € 0 seu sentido, por assim dizer técnico, ou seja, é a sua concepedo de agora (vdY, como limite concomitantemente unificador ¢ divisor do tempo. Sob esta perspectiva 0 agora é 0 mantenedor da continuidade entre o tempo passado ¢ o tempo futuro, na medida ‘em que os divide potenciaimente, mas os une factualmente. Em outras palavras: ele é 0 limite, mas também o limiar da transigdo efetiva do futuro ao passado (of. Phys. 222 are20). O sentido corriqueiro do agora, ao contrario, é entendido por Aristételes no como o de um limite adimensional do tempo, mas sim como o de um intervaio de tempo vizinho ao agora entendido como limite, Este intervalo pode ser passado ou futuro , como se depreende dos exemplos de Aristoteles: “cle chegara agora”, significando que ele chegard hoje e “ele ‘chegou agora”, significando que ele chegou hoje (cf. Phys. 222 arya,). Sob esta perspectiva agora é, na verdade, um intervalo de tempo em tomno ao agora-pontuat e que compreende um passado ¢ um futuro préximos. Todavia, o passado e 0 futuro remotes nfo so compreendidos por ele, Por isso, nfo ha nenhum sentido em dizer que “Tréia foi conquistada agora” ou que “haverd um dilivio agora”. Estas dimensdes mais distantes do agora-limite so precisamente as que so compreendidas pelo advérbio temporal indefinido soté, Mas é importante considerar a ressalva que Aristoteles faz, a saber, 2o7é significa am tempo definido em relaglo ao primeiro sentido de agora, isto &, 0 agora-pontual. Portanto, qualquer intervalo de tempo (passado ou futuro), seja préximo ou longinguo do agora-limite pode ¢ deve ser concebido como zoré. Isto também se evidencia pelo fato Sobre como deve ser ementida x espeviicagio apg 18 mpdtepor Ov (Phys. 222 a3) hi um divergéncia ‘desde os comentadores antigos. Dentre estes alguns completaram essa especificago com o adeno Kad 20 berrepoy viix(por exemplo: Temistio 158.68. e Simplicio 750.13-14, of. também a nota de 5.0.Urmson ‘em : Simplicius, On Aristotle Physics #.1-5,10-4, p.162,, 1.228), outros (por exemplo: J Filopono 761.2485.) «sentenderam como referindo-se ao primeiro sentida de agora tratado no inicio do capitulo treze, ou seja, 0 agora pontusl. A primeira letura foi seguida por K Prantl em sua tradugHo (p.221), a segunda por WD. Ross (£0 seu comentario, 609) e pela maioria eamagadora dos outros tradutores e/ou comentadores (por exemplo: A. Carteron, V. Goldschmidt, C.Collobert, H.G. Apostle, R. Waterfield, H.G Zell, A. Vigo ¢ E Cavagnaro-Stuit). H. Wagner, embora traduza 0 passo sem o adendo sagerido por Temistio/Simplicio, recusa-se a endossar a opinido da malaria e pensa que a eiminagio de mpdrepoy, sugeida por H.Bonitz.e sccita por A.Torsrik ("Uber die abhandlung des Aristotetes von der zeit", Philologus, Bd.26, 1867, p.508), seria a melhor solugio, pois ele nao scredita que o agora anterior a que se refereo pasto em questio se 0 agorsisnite, mas sim 0 agora-dimensional do trecho imediatamente anterior. Assim, moté sgnificaria 0 passado eo fururo longinguos que se separasiam entre si por um intervalo de tentpo (0 agera-timensional) & ‘do por um ponto (0 agora-limite) (of 0 comentario de H. Wagner, p.583). Nés seguimos & letura da maior parte dos exegetas, mas mesma que leventos era conta as consideragdes de H.Wagner, 0 sentido do texto nila se alteraria tanto, pois poderiamos pensar em dois usos do termo one em Aristoteles ~em paralelo aos dois 33 de que é 0 advérbio temporal interrogativo dé que preside ou poderia presidir as perguntas que obtém como respostas os outros advérbios temporais estudados pelo Estagirita no capitulo treze do quarto livro da Fisica, ow seja, a pergunta “quando?”, pode dar-se como resposta diferentes intervalos delimitados de tempo em relagdo ao agora- limite, por exemplo, “agora” (entendido dimensionalmente), “recentemente"(7d dpm), “ja” (cd HO), “antigamente” (td méAcc) e “subitamente” (70 é£acidvnc)™. Todas estas determinagdes encontram-se “em algum tempo” (707d), ou melhor, exprimem algum imervalo de tempo entre 0 agora-limite atual e 0 do evento em questo. Aqui os dois advérbios temporais (yté¢, “ontem” e wépvory, “no ano passado”) citados como ‘exemplos da categoria mozé nas Categorias inserem-se perfeitamente. Nao s6 isso, mas também a consideracdo de Aristételes, naquela obra, a respeito da continuidade do tempo fundamenta-se, como vimos, na concepgfio corriqueira do agora, que 0 considera como um agora dimensional, ou seja, como um “tempo presente”(Cat. 5 ay: 6 Fur zpdved) que une © passado 20 futuro Se esta discussio da Fisica esclarece as passagens acima aludidas das Categorias, nio podemos ignorar a grande diversidade entre estes dois textos, diversidade esta que se reflete nas diferentes determinagdes de woté ¢ zpdvoc. O primeiro termo indica uma categoria, ou seja, algo possivel de ser predicado de uma substincia (note-se que nas Categorias ainda ndo se trata de predicagées efetivas, 0 que so ocorre a partir do De interpretatione, pois as categorias sto termos sem ligngfio, cf Cat. 1 bss)", Hoté estabelece, portanto, 0 Ambito temporal de um predicado que pode ser atribuido a uma substincia. Serdo, por conseguinte, 0s tipos de substincia que determinariio a valéncia ow sentidos de agora por ele discutidas - : um uso corriqueiro, no qual cle se oposia 20 agora~dimensional e um uso mais especifico, no qual ote definitia a propria categoria do tempo, incluindo, portanto, todos os momentos deste (inelosive 0 agort-dimensional). Alm disso, tanto A. Trendelenburg, ap.cit.,p.87, quanto ¥ Brentano, Von den manigfachen Bedeutung des Seiendes nach Aristoteles, Hildesheim, 1960, pp.73-4, também considera 207 como abrangendo o presente e nfo somente o passed ¢ o future remotes. 28 Cf, Brentano, op.cit., pp.173-4. 2 4 respeito da diferenea cntre predicagdo possivel e predicagio efetiva como modo de distinguir 0 sentido er, ‘que as categorias sto ditas predicados possivels ou efttivos de um sujlto, ver 0 esclarevedor artigo de ‘ThEbert, “Gattungen der Pricikate und Gattungen des Seienden bei Aristoteles”, Archiv fr Geschichte der Philosophie, 67, 1988, pp.417-8. no do atributo oré Deixemos que o proprio Aristételes se manifeste sobre este ponto essencial para nés: “ E evidente também que acerca das coisas iméveis nélo hé engano em relagiio ao tempo, s¢ as consideramos imdveis” (Met, 1052 a..s: pavepdy dé xad bn nepi viv dxivitov ob Eon dmicn ward 1 notk, eb ug bxodappdiver xiviytd), Assim, continua o Estagirita, no se pode dizer da propriedade essencial de um tridngulo, que é possuir a soma dos Angulos intemos igual a de dois retos, que ela ¢ em um certo momento (zoré) verdadeira, em outro no, dado ela ser sempre (aie?) verdadeira. Conelui-se disto que somente as substincias corruptiveis podem receber 0 atributo moté significativamente, pois seria no minimo inadequado falar de uma determinagdo temporal qualquer diante do que no sofre ou executa qualquer tipo de movimento (por exemplo: os entes matematicos), porquanto sem movimento no hi tempo. Mais adiante voltaremos a esta questo 20 analisarmos 0 emprego de zozé na determinagéo do ente enquanto verdadeiro ¢ falso. ‘A diversidade entre as Categorias e a Fisica nfo deve ser entendida, contudo, meramente como uma diversidade entre um tratamento linguistico ¢ um tratamento fisico- matematico do tempo ou, se quizermos, entre a série A e B de McTaggart™. A andlise de Aristoteles 6 infinitamente mais complexa e refinada, Tanto nas Categorias como na Fisica ele se serve de elementos dessas duas séries a fim de propor a sua propria concepgo do fenémeno temporal. Esta divisdo entre estas duas séries, como se vé, nfo é capaz de, por si s6, elucidar a claborada articulagdo conceitual de Aristételes acerca do tempo”. As Categorias, como vimos, nfo discutem apenas a categoria do tempo (moté\a bem da verdade, como ja mencionamos, esta categoria, infelizmente, nao € discutida), mas 2 FE McTagenn (The Nature of Existence, vol.2, Cambridge, 1927) divide @ concepeto temporal em dues stries:a sete A, formada pelos conccitos de passado, presente « futuro © série B, comstituida pelos conceitos de anterior e posterior. Enquanto a primeira série é fluid pois varia de acordo com 0 momento da elocusdo, 2 utra série é fia, ou saa, os seus termos mantém uma posieSo independente do momento da elocugto (por exemplo: um dado evento X precede a um outro Y ¢ isto independe da minha afirmasto ser efetuada hoje ou dagui « alguns anos, a relagdo de anterioridade de X em relagdo a Y seré sempre a mesma). 7 Udo Marquart, Die Einheit der Zeit bei Aristoteles, Worzburg, 1993 & um dos poucos exegetas que se detém a analisa 0 estaruto do tempo no interior das Categorias. Vale a peaa consultar as sues importantes considerasies sobre 0 tema (pp.30-37) que muito nos ajudaram a estabelecer esse confionto entre a Fisica e as Categorias. também e sobretudo a categoria da quantidade (0067), onde encontramos a classificagiio do tempo (xpdvec) como um quanto continuo ordenado sucessivamente (¢ no simplesmente disposto topicamente, como no caso dos outros tipos de quantos continuos). Hé, portanto, no interior mesmo das Categorias uma reflexdo sobre o tempo (Zpdves) que muito se aproxima daquela desenvolvida nos capitulos da Fisica, onde Aristételes se ocupa do conceito do tempo (zp6vo¢) no ambito da natureza (pov). Para Arist6teles pdvos nao é uma categoria do ente como 7oré, mas sim uma quantidade continua que expressa uma certa ordem. E apenas na Fisica, gragas a0 conceito de agors-limite, que 0 Estagirita elucida um pouco methor alguns predicados temporais como “recentemente”, “antigamente”, “jd” ¢ outros, Essa diversidade de advérbios temporais, porém, ¢ analisada nesta obra sempre em relagdo ao aspecto quantitativo implicito em cada um desses termos. Em outras palavras, Aristételes quer saber 0 quanto dista do agora-limite um dado evento que se diz ter ocorrido recentemente ou antigamente. E serio precisamente estas diferentes distincias, quantificdveis a partir do agora-limite, que definirio 0 uso coloquial desses termos, Uma andlise sobre as possibilidades légicas de predicaco de um atributo temporal, por outro lado, encontra-se em um iluminante passo dos Tépicos, onde se discute 0 mode com © qual se dizem os predicados relatives ou aqueles submetidos a uma certa determinago temporal ou tépica: “Na verdade, se 0 predicado é possivel relativamente, atirma Aristételes, ele & também possivel absolutamente. E do mesmo modo quanto a0 que é predicado em um certo tempo ou lugar, pois 0 que é impossivel absolutamente, tampouco possivel de modo relative ou em um certo lugar ou tempo” (Yop. 115 bys: && yelp ware am éwt zero, xa dnddc evbbzeron quiog 58 Kati 13 note f) nob, 7 yap Gnlds a&Sévatov obte xatd 1 ote nord ote nod évdéyerat), Dos exemplos de Aristételes, dados em seguida a esta considerago, interessa-nos um em especial: “Do mesmo modo, também € possivel que em wm certo momento algo corruptivel no se corrompa, mas que isto absolutamente ndo se corrompa é impossivel” (Top. 115 byras: Quotes 5¢ wai nord wey bvbtyeroa vibv pBaprdv 7 ur) PBapiiven, dnddc & 36 obx évdéyenar un dbeprivet), As categorias, por conseguinte, exprimem o horizonte de predicago possivel para uma dada substdncia. Isso significa que uma categoria qualquer (no nosso caso ord), com excegio da propria substiincia (obi), sé ¢ atribuivel significativamente em relagao as substdncias corruptiveis, pois somente estas encontram-se necessariamente em um certo tempo. Por outro lado, no ha sentido, como vimos, em se atribuir uma determinag&o temporal qualquer ao que & imével. Resta-nos saber a respeito da possibilidade ou nao de atribuir 2o7é 4 substancia mével, mas incorruptivel (0s corpos celestes supralunares), 0 que, entretanto, abordaremos apenas ao tratarmos do sentido cosmologico do tempo. Ora, & justamente 0 modo efetivo da predicagdo temporal a que esti forgosamente submetido um ente fisico qualquer que Aristételes explicita com a formula “ser-no-tempo” (08 &y ypduvep sfvai) (cf. Phys, 220 byy- 222 a) Segundo ele, esta poderia ser entendida ou como significando apenas que algo ¢ quando o tempo € ou como significando algo andlogo ao “ser-no-nimero” (£v dprudé efvar), formula que, por sua vez, pode ser compreendida de dois modos: como parte (12800) ou afecgio (srceOoc) do mimero, ou seja, de modo geral como algo do nimero ou, por outro lado, como algo de que hA um nimero (algo numerivel). As determinagSes “agora”e “anterior”, portanto, sio algo do tempo, bem como “um”, “par” e “impar” so algo do nimero. Dizer das coisas (a2 mpdypard), por outro lado, que clas so no tempo, ¢ dizer que elas so envolvidas (nepréztetect) pelo tempo, assim como quando se diz que sio no niimero, dizemos que so envolvidas pelo nimero ou quando sio em um lugar, que so envolvidas pelo lugar. Se ser ‘em um numero significa ser numerado por um ndmero, logo, ser no tempo significa, para um ente fisico qualquer, ter seu movimento numerado pelo tempo que ¢, precisamente, nimero do movimento. Por fim, quando Aristételes diz que o que € no tempo é envolvido pelo tempo, assim como o que é em um lugar é envolvido pelo lugar, isto deve ser entendido apenas como uma comparagio aproximativa, pois o lugar e 0 tempo envolvem os 3 As melhores andlises desta formula encontram-se em: A Torstrk, op.cit, pp-487-499, part p.496; P.Conen, Die Zeitiheorie des Aristoteles, Miachen, 1964, pp.142-158 e V Goldschmidt, Temps Physique et Temps Tragique chez Aristoxe, Patis, 1982, pp.76-95, 37 entes que neles se encontram de modo muito distinto, O lugar “envolve” ao ser “o primeiro limite imével do envolvido” (Phys. 212 ay: 10 00 meptbyovtos népag dxivytov mpdétov). Ou seja: 0 lugar nfo ¢ algo externo 2 coisa, mas sim concomitante (dua) & propria coisa, porquanto os limites e 0 que é delimitado sio eles mesmos concomitantes (cf. Phys. 212 a25.50). © tempo, por outro lado, “envoive” ao ser infinite (dzxexpo<) (ef. Phys, 203 byg.rn), isto 6, a0 se poder conceber sempre um tempo mais abrangente que 0 tempo delimitado em questo (cf. Phys. 207a 74), de acordo com a definigdo de um infinito potencial. © tempo, porém, é também considerado por Aristételes como um infinito atual, como veremos ao analisarmos os sentidos cosmolégico ¢ metafisico do tempo. O exemplo que o Estagirita nos forece daquilo que ndo esté no tempo, ou seja, dos “entes eternos” (2a extei 3701 que nao sto envolvides pelo tempo e, portanto, tampouco medidos por ele, remete-nos ao exemple citado anteriormente (cf.Met, 1052 ag,,), pois ele é também um exemplo matemitico, mais precisamente, geométrico, ainda que simetricamente oposto dquele. Se na Metafisica ele citava 0 que é sempre (a soma dos Angulos internos de um trangulo é sempre igual a soma de dois retos), aqui na Fisica, ele cita, a0 coniririo, o que ndo é jamais. Em outras palavras; que a diagonal de um quadrado seja comensuriivel com o seu lado (cf. Phys. 221 bya.2s) € uma impossibilidade absoluta ¢, portanto, independente de qualquer determinagdo temporal, tal qual a necessidade absoluta expressa no exemplo da Metafisica, também independe de qualquer especificagio temporal {a respeito da eqiivaléncia semantics do necessirio e do impossivel cf. De interp. 22 6.1). ‘A comparagio destes exemplos ¢ também proveitosa por uma sutil diferenga que nos remete a diferenga existente entre moté e pdvog. Quando discorria sobre zoré no passo da Metafisica, Aristételes se referia 4 possibilidade ou nfo de uma proposigio ser ‘temporalmente ou absolutamente verdadeira. Aqui na Fisica, contudo, ele se indaga sobre a possibilidade ou niio de algo encontrar-se ou niio no tempo e, por conseguinte, em ser medido ou numerado pelo mesmo. Mas isto s6 poderd ocorrer as substincias, jamais aos entes geométricos que no siio substincias propriamente ditas, mas apenas e tho somente representapes mentais abstraidas dos entes fisicos. Estes aspectos no esto totalmente cindidos, como se pode ver do tratamento que o Esiagirita thes concede no De caelo, onde 38 cle associa a impossibilidade légica de um ente com o fato dele nfo ter geragdo ou corrupgdo (cf. De caelo 281 as, onde ele cita precisamente o exemplo em questiio na Fisica, a saber, 0 da comensurabifidade da diagonal com o lado). Aristételes nos oferece um critério de meridiana clareza para sabermos do que podemos dizer que se encontra no tempo: “E necessario que todas as coisas coruptiveis ¢ passiveis de geragdo ¢, em geral, as coisas que as vezes so, as vezes no so, sejam no tempo” (Phys. 221 bose: doe uév oby PBaprat xei yernta Koi Chang bté we Svea ord JE Hh, dvdyen év ypdvw eivan). As coisas corruptiveis ¢ passiveis de geracio nio sio outras do que os entes fisicos do mundo sublunar, mas a que o Estagirita se refere quando fala das coisas que 4s vezes so ¢ as vezes nao so? Duas passagens da Metafisica parecem dar-nos a resposta (cf. Met. 1034 br.1y € 1044 byi.21)”. Essas duas coisas so aquelas que diferentemente da substincia (otcia), ndo requerem a prévia subsisténcia em ato de um congénere, como no caso da substincia (por exemplo: para gerar um animal é necessério que haja um outro que o gere), mas basta-Ihes um subsistir prévio (mpovadpyew) apenas potencial. Em outras palavras: aquilo que as vezes é e as vezes nio é, é tudo 0 que & desprovido de matéria fisica, como , por exemplo, os pontos, as formas ou as categorias, “pois nilo se gera o qualitative, mas madeira de certa qualidade, nem 0 quantitativo, mas madeira ou animal de uma certa quantidade” (Met. 1034 biaie: Ob yelp yiyverau 7 orev ddd Ebhov, ob58 18 moody dada 16 moody Ebdov th {eov}, Essas coisas podem se dizer pereciveis ou passiveis de geragio apenas indireta ou impropriamente, pois, elas o séo somente enquanto atributos de um ente fisico que efetivamente nasce e perece. Elas so presentes, porém, ndo porque estejam efetivamente separadas da matéria fisica (solugdo platénica), mas sim porque sendo nos entes fisicos apenas potencialmente, elas passam a ser em ato na medida em que nds as pensamos e, assim, as efetivamos, ou seja, elas esto presentes em ato em nés ¢ em poténcia na matéria, Em suma (e contra os platénicos): elas nfio so substancias” ® CE o comentario de H.Apostle, Aristotle's Physics, Ontario, 1969, p.265,0.29. »° CE 0 comentirio conclusive de G.Reale aos capituls 7,8 2 9 de Met,Zeta, Aristotele, Metafisica, Mileao, 1993, vol, pp.363-4, 2.15. 39 Aristételes mostrou, em primeiro lugar, que o que é absolutamente ou 0 que nfo absofutamente escapam a0 ambito temporal, pois nfo podem ser envolvidos nem numerados pelo tempo, j4 que sido iméveis ¢ 0 tempo & 0 numero do movimento, ¢, a seguir, mostrou que o dominio do tempo é propriamente o das coisas que nem sempre so {como vimos no pardgrafo precedente), Resta-the, enfim, mostrar como as coisas que nem sempre nfo siio, também podem se dizer como sendo no tempo. Segundo ele, hd trés modos em que isto ocorre; 0 modo daquilo que foi somente no passado, o daquilo que sera somente no futuro © 0 daquilo que foi e sera, mas ndo € agora. O que decide se um ente fisico ¢ ou nao é a sua presenga atual: se ele for presente atualmente, entio ele ¢ dito um ente (67), caso ele s6 seja no passado ou no futuro, ou em ambos, mas no no presente, enti ele é dito um ndo-ente (417) 6%). O que, porém, “no era, é ou seré” (Phys. 222 as: obte fv obte Lowy obze Eowai), por exemplo, a comensurabilidade da diagonal com, ‘9 lado, ndo podendo ser envolvido pelo tempo, jé que escapa a todas as determinages femporais, ndo é um ente temporal, Da mesma forma, 0 seu contrario, ou seja, aquilo que sempre foi, é ¢ sera, por exemplo, a no comensurabilidade da diagonal com o lado, tampouco é um ente temporal (of. De caelo 282 a4)". Por fim devemos elucidar porque Aristételes ndo aceita que a formula “ser-no-tempo” seja considerada como significando apenas “ser quando o tempo é”. Isto se deve ao fato da relagdo entre o ente ¢ 0 tempo, que se deduz da mera co-presenga entre o tempo e aquilo que é nele, ser apenas acidental enquanto que este vinculo deveria ser expresso, na verdade, por um nexo necessirio entre esses dois termos - 0 ente ¢ 0 tempo -, 0 que ocorre a0 entendermos essa formula como a sua correlata “ser-no-nimero”, que analisamos nos parégrafos precedentes (cf. Pays. 221 ay3.24). Por conseguinte, ente, para Aristoteles, 20 menos ente no sentido do ente sujeito ao devir (que constitui propriamente 0 ambito da Fisica), significa para ele ser um ente que possui, melhor ainda, que ¢ um certo movimento capaz de ser numerado, Esse nimero com que numeramos o movimento é precisamente 0 tempo. Sobre a mera co-presenga acidental e, portanto, ado necessdria entre 0 ente ¢ 0 > 4 influéncia de Parménides (DK 28 B 8,3~6) ¢ de Plato (7imew, 37 e ~ 38 a) nx delimitagdo entre uma instincia supratemporal, o Ente, caracterizado por ser eterna & o devir, expresso pelo passado ¢ pelo fisturo é aqui evidente-CF. tambéen os comentarios de E.Cavagnaro-Stuit, Aristotele e i! Tempo.Analise di Physica IV, 10-14, Leenwarden, 1995, pp.217-9. 40 tempo, teremos oportunidade de retornar ao abordarmos 0 confronto que Aristételes estabelece entre a histbria ¢ a poesia no final deste trabalho. 4 2. O sentido acidental do ente e de ore Como quase todos as conceitos centrais no pensamento de Aristételes, 0 conceito de acidente (oBeBrxde) também é multivoco. Obviamente no iremos investigar todas estas miiltiplas significagdes em detalhe, dado este no constituir 0 objeto do nosso estudo, Logo, nos ateremos apenas ¢ tio somente aqueles significados mais pertinentes para nds”. Se, a0 tratarmos das categorias, resaltavamos 0 fato dessas serem os géneros predicaveis supremos ¢ irredutiveis entre si, agora a0 nos inguirirmos 0 sentido do ente como acidente {jd nos eneontramos plenamente na dimensio da predicacdo efetiva ou ainda, segundo um outro (e mais proprio) sentido de acidente, nos encontramos no ambito de uma predicagao contingente™, Para acompanharmos melbor esses sentidos de acidente, devemos fembrar-nos daquilo que haviamos visto ao investigarmos as categorias. Ora, mostramos naquela ocasido que 0 Estagirita analisava a relagio das categorias com a obcia sob dois aspectos: 0 primeiro ao considerd-las enquanto tais, ou seja, enquanto predicados que sdo potencialmente em um sujeito e, 0 segundo, a0 considerd-las enquanto predicados efetivos de um sujeito. Esta ‘passagem de uma concepedio para a outra também pode ser caracterizada como a passagem de uma predicago de tipo sinonimico (que ocorre em um sujeito uno ¢ indivisivel) para ‘uma predicagdo de tipo paronimico, a relagaio mpg Ev (que ocorre entre um sujeito € uma sua determinagao qualquer). conceito de acidente sé faz sentido em contraposigfio ao de “por si” (wad tre} Logo, ao considerarmos a substincia qua substincia, isto é, ao prescindirmos das determinagdes potenciais (as demais categorias) que a ela inerem potencialmente, nos a 2 Um panorama geral dos significados de owuspepnntig e/ou Kata: oupBepnxds no Corpus aristotelicum ‘encontra-se no comentirio a0 passo 188A 91.4 da Fisleat de H Wagner, op.cit, pp.417-422, CE também a sempre atual exposigde de F Brentano, ap.cit., pp.8-21 3 4 diferenciagSo aqui mencionada e de que trataremos a seguir, est em profisndo débito para com a anilise cutl ¢ penctrante de E.Tugendhat, Tr xeetd tix6¢ Fine Untersuchung 2u Straktur und Ursprung. Aristotelischer Grindbegriffe, Freibarg/Monchen, 1958, pp.37-65, a estaremos concebendo em seu ser pristino, ou seja, em sua esséncia prévia a qualquer determinagio categorial, literalmente em seu 76 ti ff efvext (“o que era ser”) (a respeito da identidade de xa abrde 10 vi fv efvet, cf. Met, 1029 bys.14)". Todavia, esse ente por si nfio é uma pura mesmidade apenas intuida (voet/), mas sim uma diferenga articulada no interior de si mesma, ou seja, é um dizer (Aéyew) 0 que precisamente ja é (dxep Eotir segundo o seu género ¢ a sua diferenga especifica. Nas palavras de Aristételes: “que ‘aquilo que € ente’ se divide em algo diverso que jé ¢ ente, isto também, éevidente por definiggo” (Plys. 186 bias: 672 58 Stoapetcan 16 Sep dv etc omep dv 11 dAdo, Kot 1 Ady dorvepdy), Mais uma vez Aristoteles ataca indiretamente (pelo uso de dtanpettatt) a concepsdo parmenidea de um Ente absoluto e “sem divisio” (cf. Parménides, DK 28B 8,22: obd8 dhaaperoy. A nocdo de xa arité no ambito das Categorias &, contudo, suficientemente flexivel para que também as outzas categorias, além da substincia, possam ser consideradas por si, dado que cada uma delas é estudada neste texto como um ente em si (6v Ka abr), ou seja, como algo que inere um sujeito tinico e indivisivel, Por isso 0 sentido contraditério. 20 de “por si”, 0 de “por acidente”, & igualmente bastante dictil. Um exemplo muito elucidante € quando Aristételes, ao tratar dos termos relativos no sétimo capitulo das Categorias, analisa a relagfo senhor-eseravo. No ambito desta relagio, qualquer outra determinagio que se refira a “senhor”, por exemplo: “bipede”, “capaz de receber ciéncia” ‘ou mesmo “homem”, sera apenas um acidente ¢ deverd ser posta de lado na andlise desta relago (ef, Cat. 7 a33- 7b). Este exemplo mostra que considerado logicamente 0 16 ti fv 3 Esta fOrmula eriada por Aristteles findamenta-se gramaticalmente ns pergunta 23 tf fr wd 1) Exctorey ‘efvezt; "0 que era para cada eoisa 0 ser) que distinguia claramente a posisio dele da de seu mestre, Platzo, ‘porquanto ser buscado no era um ser separado da coisa (camo as Idéias) mas sim o ser mesmo dz eoisa ‘enquanto tal, ou sea, 0 ser da coisa antes de a pensermios com quaisquer de seus atributos. A formula 19 tt fv efvert 6 também muitas veres substiulda por uma sua corrlata mais simplifiada, onde aparece apenas um ‘eemo no dativo (de posse), como, por exemplo, 7 exvépamn giver (“0 ser do homemYef. Met. 1006a 3. 54). Sobre este conceito consultar E.Tugeadhat, op.cit., pp. 13-20 ¢ as andlises miniciosas do livro Zeta da “Metofisica de C.Arpe, Das tt fv efx bel Aristoteles, New York, 1976, pp-30-88. Uma diferente ‘abordagem da mesma formula ¢ oferecida por F Bassenge, “Das 70 évi elvan, 10 ckyatp elvan etc. tc. tund das 72 oh fy eFoexe bei Aristoteles”, Phifologus, 104, 1960, B efvan pode referir-se a qualquer categoria, pois com esta formula o Estagirita procurava apenas explicitar o contetido de uma dada definigdo™, Nos Tépicos, apés diferenciar os quatro predicaveis (definigd0, propriedade, género e acidente), ele afirma que “a definigao a proposi¢iio que significa a esséncia” (Top. 101b y=: Zot 5’ Spog wév Adyog 6 1d th fiv elven onpatvan, ‘A anilise empreendida por Aristételes no livro Zeta da Metafisica, bem como no capitulo vinte e dois do primeira livo dos Analiticos Posteriores, apresenta um interessante contraponto as concepges desenvoividas nas Categorias. No livro Zeta, bem como em An,post. T, 22, a relagio entre a substincia e as demais categorias ¢ investigada enquanto uma relagdo de predicago efetiva, A primazia da substincia ante as outras categorias ¢ aqui estabelecida ontoldgica e nfo mais apenas logicamente, 0 que quer dizer que s6 ela ¢ efetivamente, Todas as outras categorias stio apenas formas de se dizer a substincia, Mas, nfo a dizendo por si mesmas, pois que dizem suas diversas propriedades, dizem-na indiretamente, isto ¢, por acidente (xan oupfeBrxds). Esta caracteristica é explicitada com clareza no capitulo vinte ¢ dois do primeiro livro dos Analiticos Posteriores. Neste capitulo, Aristételes, insurgindo-se contra a teoria das Idéias, afirma que 0 predicado “branco” niio pode ser em si mesmo, mais ainda, que “branco” sé esté presente enquanto urna qualidade de um substrato especifico, ou seja, no hd uma qualidade em si que inira a um sujeito, mas sim um sujeito determinado (um 745e 71) que possui esta qualidade. Por exemplo: “branco” nfo inere a um homem, em outras palavras, 0 homem no & branco porque participa da “brancura”, o que ha de fato ¢ apenas e to somente um homem que é branco ou, mais propriamente, um homem branco (cf. An. post. 83 224.6). ‘A diferenga com a doutrina exposta nas Categorias é sutil, mas fundamental. Conquanto também lé a primeira categoria possua uma primazia sobre as demais, essa primazia ¢ apenas potencial. Ao atualizar-se, porém, esta primazia explicita 0 fato que dizer acidentalmente a substincia constitui o proprio ser das categorias. Dito de outro modo: cuuBeBnxée & a denominacao mesma da relagdo efetiva das categorias com a obata, SCE C-Ampeopeit, pp.23-24 e E Tugendhat, opcit,p.18, 018 telagZo esta que, considerada somente enquanto possivel, Aristételes havia caracterizado anteriormente como dy bmoxeysévep * Dado que agora sé a substincia ¢ efetivamente um “ente por si” (6 xed’ ard), € apenas em relag3o a ela que podemos falar de um ti fv efvetr em sentido primeira (aptotos) e absolut (ciatAdic). As outras categorias, ao contririo, 6 podem ser ditas ti fiv efvert de modo “nfo absolute” (oby daAcie), isto é, relativo, ou seja, como tt fv event de uma qualidade ou de uma quantidade (cf. Met. 1030 aj9.s2). Em suma: a esséncia ‘mesma das outras categorias fundamenta-se em sua relago com a substincia, pois a0 ndo subsistir de facto a qualidade ou a quantidade em si, elas s6 siio enquanto uma determinada qualidade e/ou quantidade de uma substncia ou ainda, como dissemos no parégrafo anterior, 0 seu proprio ser consiste precisamente nesta relagdo acidental que elas mantém com a substincia. Neste sentido a substéncia é constitutivamente um “ente por si” (dv xa6" abzd}, enquanto que as demais categorias o sio apenas “por acidente” (Karta oy Pefnnds) ¢, na medida em que so considerados como acidentes (ouuBefnxdta), pode se dizer que dos acidentes ha ciéncia (cf, An.post. 75 a4; € Met. 1059 a3). As conexdes das categorias entre si e com a substincia estabelecem os trés tipos de relagdes acidentais possiveis: quando um predicado ¢ dito de um sujeito, por exemplo, “este homem ¢ misico”; quando um sujeito € dito de um predicado, por exemplo, “este misico é homem” e, por fim, quando um predicado é dito de um outro, por exemplo, “este miisico ¢ justo” (ef. Met. 1017 722). Deve-se notar que neste mesmo capitulo do livro Delta Aristételes considera as categorias ndo come acidentes, como nés o fizemos, seguindo o livro Zeta, mas sim como entes por si, ou seja, seguindo o mesmo tipo de anélise Iégica que encontramos nas Categorias (cf. Met. 1017 3233). Todavia, isto nfo deve nos perturbar, jé que em Delta.7 Aristételes estranhamente contrapde 0 sentido proprio de Sy xa6’ critd (categorias= predicados possiveis) com 0 sentido impréprio de dv Kata oumBeBnxés (acidentes~ * Cf E.Tugendbat, op.cit., p53, n.16 ¢ p.54, 2.18, 45 categorias)", As “estranhezas” de Delta,7, contudo, ndo cessam ai. Ao referirse as categorias ele ndo as menciona enquanto tais, mas antes refere-se a alguns exemplos. coneretos. Ora, estes, como se depreende deste passo, também podem ser considerados enquanto tais, isto é, enquanto meras determinagées acidentais de uma categoria ou como ‘0s representantes mesmos de uma dada categoria (que ¢ 0 que ocome aqui). Assim, “branco” pode significar este homem que é branco, mais precisamente, este homem branco ‘ou, por outro lado, significar a propria categoria da qualidade. Nesta medida, a sua fungao é a de ser, por assim dizer, um representante do género categorial a que pertence (por exemplo: “branco” pode significar a propria categoria da qualidade). Deduz-se dai que os acidentes (isto é: as categorias consideradas como predicados efetivos, ou ainda, como acidentes) so 0 realizar-se empirico das categorias enquanto tais (isto é: enquanto consideradas como predicados possiveis)”. ‘Apis termos tratado do sentido improprio de acidente, passemos a investigi-lo em seu sentido proprio, Ora, a0 falarmos das predicagdes efetivas ¢ de como elas podem ser consideradas, em geral, como os acidentes de uma substincia, cabe-nos perguntar agora sobre os modos possiveis de relagio entre um determinado predicado (evitemos chamé-lo de acidente para no confundir ainda mais um tema, ja por si tio complexo) ¢ um determinado sujeito. O acidente pode ser entendido entéo de dois modos, como se deduz de uma importante passagem da Fisica: “Diz-se acidente o que pode ou no se predicar ou © que estd presente na definigto daquilo de que é um predicado acidental” (Phys. 186b 1p. a OwpBefnxds te yop Aéyeror tobto, f 6 évbtzyerca tndpyer nai wr} tndpger, t 06 kv Adyw tmdpger 1 G coupPéBnxer, O primeito tipo Asistoteles exemplifica com 0 predicado “sentar-se", 0 segundo, com o exemplo de “chato”, em cuja definigdio jé esta contido o conceito de nariz, ou seja, aquilo de que “chato” é um predicado acidental. » Sobre a dificil anise de Mer. Delta,7, of E.Tugendhat, op.cit, pp.44 ¢ 50 eibd., “Uber den Sinn der vierfachen Untercheidung des Seina bei Aristoteles (Meraphysik Deka,7)”, Philosophische Aufsitze, Frankfurt, 1992, 5 este respeito congultar 0 huminante comentario de G-Reale, op.ctt, ad loc, 9p.229-232. 46 E este primeiro sentido de acidente que Aristételes investigara no segundo capitulo do livro Eta da Metafisica, bem como em Delta,30 (cf. Met. 1025 a;439) € que constitui o sentido mais usual por ele conferido a este termo, Ele o define negativamente como aquilo que no ocorre sempre ou necessariamente, nem tampouco no mais das vezes (ef, Met, 1025 ayyag @ 1026 byo3;). Logo, devido a essa inregularidade, ndo pode haver cigneia do acidente (considerado neste sentido), pois s6 ha ciéncia do necessério ou do regular (cf. Met. 1027a 29.25). Trata-se, como vemos, de um conceito de cunho eminentemente fisico, mais precisamente da fisica que se refere a0 mundo sublunar, isto &, ao mando dos quatro elementos fundamentais (terra, agua , ar ¢ fogo) que estio submetidos & geragio © a corupgo. Mais ainda, a propria existéncia do acidente esté intrinsecamente determinada pelo mundo sublunas, ou seja, pelo mundo no qual os eventos ocosrem apenas no mais das vezes (Eni 16 021) endo sempre (crte!), como nas esferas suprafunares. Isto porque € a existéncia mesma desse mundo sublunar que ¢ a causa (tia) ¢ o principio (azz) do acidente, porquanto apenas em um mundo onde os eventos ndo ocomam sempre ¢ necessariamente, pode ou melhor “é necessdrio” (duetyxcy efvez2) que ocorram eventos de modo irregular ¢ no natural, ou seja, os acidentes (of. Met. 1026 byo.s1 € 1027 ag). Note~ se que o termo Ei 1d 201.6 nio indica simplesmente uma freqiéncia estatistica, mas sim uma tendéncia ou regularidade natural que s6 nfo & necesséria porque bd justamente ‘eventos nao regulares, a saber, os acidentes. ‘Vemos, portanto, que este conceito de ou SeByxdc esti intimamente relacionado 4 fisica do perecivel ¢ esta, como vimos, determinada, a sua vez, pelo “ser-no-tempo”, pois somente 0 que s¢ encontra sob o jugo do tempo ¢ passivel de geragdo ¢ corrupgio. Na Fisica (cf. Phys, 1,4-6) Aristételes estudaré detalhadamente as subespécies deste tipo de acidente, o acaso (7HY7), citcunscrito & esfera pritica e a espontancidade (abrduatov), aplicada a todos os entes em que ndo ha deliberagdo, caracterizando ambos com a mesma irregularidade do acidente, tal como considerado no parigrafo precedente (cf Phys. 196 bye, 199 a); De caelo 283 az; De gen. et corrup. 337 by; Top. 112d; ¢ An.post. 1,30). Para a nossa investigagdo sobre os sentidos do tempo, esse capitulo sobre 0 sentido do ente como acidente nos obriga apenas a atentar para o uso de oré Ora, se ao 47 considerarmos a distingao entre oré e yoSvoc, ressaltavamos o cardter predicativo de moré, pois la tratava-se do moné categorial, isto ¢, de um predicado possivel, aqui, a0 contrario, em se tratando de um predicado efetivo, woté & exatamente aquilo que gramaticalmente ele €, a saber, um advérbio temporal indefinido, Um born exemplo desse uso enconira-se em um passo do segundo capitulo do livro Bta da Metafisica, Discorrendo sobre a irregularidade constinutiva do acidente AristOtetes afirma que: “nem sempre, nem 1a maior parte dos casos o branco & miisico, mas desde que em um momento qualquer ele se torna , ele o serd por acidente” (Met, 1027 an.i2! 067 atei 068 dg kai 1d wold & Aevwds povorxés zon, baci Sé yiyvetai note, Kad ouuPeBnxes Eoar, cf. também Met, 1025 ar.2.). Que a dimensio do devir, aludide no trecho acima pelo verbo yiyvozat, esteja constitutivamente interrelacionada com esta nogio de acidente, depreende-se de um confronto entre os trés modos de acidentes enumerados anteriormente (ef. Met. 1017 a2) eas trBs modalidades do devir analisadas na Fisica (ef. Phys. 189 bya 190 a)). O paraleto entre dois dos exemplos citados em ambas enumeragdes é perfeito. A estrutura desses exemplos paralelos ¢ a de um substrato que se torna um atributo, mais precisamente, que recebe um atributo e o de um stributo que se toma, ou melhor, de um substrato que apés ja bayer recebido um atributo, recebe um outro. Dependendo do cariter necessario, regular ou fortuito desse(s) atributo(s), estaremos diante de uma predicagdo necesséria ou de uma predicagdo acidental. Portanto, qualquer determinagsio temporal efetiva s6 pode ser atribuida significativamente aos entes méveis, porquanto s6 onde hi movimento e repouso pode haver tempo. Desta forma, o sentido de acidente que nos interessa em particular € aquele que se fundamenta na propria auséncia de necessidade constitutiva do mundo sublunar. Ele compée, por assim dizer, um dos limites deste mundo. Digo limite porque o mundo da natureza corruptivel, para Aristételes, esté como que delimitado, por um lado, pelas esferas supralunares, ou seja, pelos eventos que se dio sempre ¢ necessariamente e, por outro, por aqueles que ocorrem apenas fortuitamente, O estabelecimento de limites, no interior dos quais desenvolvem-se os principais conceitos do pensamento aristotélieo, & ‘uma estrutura recorrente em diversos contextos € constelagles de sua filosofia, como 48 teremos oportunidade de ver no decorrer deste estudo. Agora passemos a um sentido de ente que est intimamente relacionado ao do ente como acidente, o do ente como verdade. 49 3. O sentido veritativo do ente e de moté O tratamento mais abrangente que Aristiteles concedeu 4 problemética do verdadeiro & do falso encontra-se no décimo capitulo do livro Theta da Metafisica””, Por conseguinte, a nossa anilise centralizar-se-a basicamente neste texto, recorrendo a outros apenas caso seja. necessério evidenciar algum topico em particular. © modo como ele formula a questio sobre 0 verdadeiro ¢ o falso em Theta,10 ja nos coloca no ceme mesmo da nossa inquirigdo: “quando ha ou no hd o que chamamos 0 verdadeiro ou 0 falso?” (Met, 1051 bs: a5¢ Eon fh obx Eom 10 dans Asyouevor # yebdog;). Como vemos, o proprio emprego do advérbio temporal interrogativo pére nos coloca imediatamente diante da conexiio entre tempo e verdade (ou falsidade)”. E sera, como veremos, precisamente a partir da constatagio do estado de coisas em que se encontra uma dada substincia que poderemos afirmar ou no a sua verdade ou falsidade (uma posigio contréria a esta é apresentada em Eta,4, onde em uma andilise mais restrita Aristételes atribui a verdade e a falsidade no as coisas (zc apdiyyicrca)), mas apenas a0 pensamento discursivo (Sicivowz), Deste modo, dirt a verdade quem afirmar que hi separagiio (Staxipecte) ante 0 que esté efetivamente separado ¢ que hi composigao (cbvOc07¢) ante o que esta efetivamente unido; 0 erro consistira, por conseguinte, em contradizer 0 estado de coisas efetivo em que se encontram os entes (cf. Met. 1051 bs) Todavia, se as coisas em questo encontram-se sempre separadas ou sempre unidas, delas nfo haveri verdade ou ero condicionados temporalmente, pois eles serio sempre verdadeiros ou sempre falsos. Eis-nos aqui novamente em face da estrutura conceitual > Uma profiunda ¢ original anlise deste capitulo e de outros passas do Corpus aristotelicum que tratam do problema da verdade pode ser consultada em M Hieidegger, Logik. Die Frage nach der Wahrheit (WS 1925/ 11926), Frankfurt a M., 1976, pp.125-195 (gobre 0 capitulo aqui em questfio ver pp.170-195). Esta iavestigagtio contém 2 findamentayio anslitica do tratamento muito esquemético que Heidegger da sobre este tema em Sein xnid Zeit (par. 44). CE também pera uma anise geral e mais tradicional dos diversos passos ns obra de as vezes verdadeira, as vezes falsa, mas elas mesmas so sempre verdadeiras ou sempre falsas” Get. 1031 bisaxt mepi d8 tek AStvate Eaag Eyew ob yiyverar été wey dAnfis oré 58 yebdoc, GAN atei rabed Anon Kai yevdi). A contraposigio entre tei e ozé, por sua vez, pode ser verificada em um outro passo da Metafisica: “pot isso & necessirio que os principios dos entes efernos sejam [sempre] os mais verdadeiros, pais eles niio so verdadeiros em um certo momento...” (et. 993 bw Od tc wiv alet Sve dpxds dvaynaiov [dei] sivot GAnbeotdtac: ob yop noré ¢AnOeig) (cf. também De gen. et corrup. 335 bis-:9). Por fim, 0 contraponto entre uma predicagéo incondicionada (dAdic) ¢ uma outra condicionads temporalmente (ou de outro modo) pode ser visto no exemplo dos Tépicos que jd citamos anteriormente (ef. Top. 115 biz.1s) ou nas Confitagdes Sofisticas, onde a confustio entre o sentido absoluto ¢ o sentido relative (temporal ou niio) de um termo € estudada como sendo a causa de um determinado tipo de paralogismo, ou seja, de um Geterminado tipo de raciotinio falacioso (cf. Sophel. 166 bz223). Além disso, em pelo menos duas outras passagens de sua obra o Estagirita restringe este condicionamento ‘exclusivamente 4 dimensio temporal. A primeira passagem é particularmente elucidante: “6 preciso entender o predicado em geral sem determinagio temporal, como, por exemplo, ‘agora’ ou ‘neste tempo’, mas absolutamente” (Anpr. 34 bys: def 52 AapPdvery 10 mowed bndpyov yr) xo xpsvov opicaarac, lov viv fh bv ubde 1 yodre, GAR’ déenddc), Caso uma proposicio seja considerada apenas “em relago a agora” (xecra 14 viv), prossegue Aristételes, ento no baveré silogismo, O exemple que ele nos oferece ¢ bastante claro: se em um dado momento “homem” pode pertencer a totalidade das coisas moveis, supondo-se que neste momento nada mais se mova, isto nfio nos autoriza a postular “movel” come o género a que “homem” pertence de modo absoluto (cf. 32 Anpr. 34 berg). Em outras palavras, no podemos concluir que “mével”seja uma propriedade essencial ou em um sentido absoluto de “homem’, como, por exemplo, “animal” ou “bipede”, mas apenas que seja uma caracteristica tempordria (oré) ou relativa (p66 72), isto & uma caracteristiea que pertence exclusivamente a “homem” somente “por um certo tempo” (xored rive zpdvov) (cf Top. 102 azz29). A outra passagem, que se refere especificamente a0 condicionamento temporal (contraposto a0 sentido absolute), encontra-se ao fim do primeito capitulo do De interpretetione, onde lemos que uin termo s6 pode ser dito verdadeiro ou falso caso a ele seja acrescido 0 ser ou 0 ndo-ser, considerados “ou absolutamente ou segundo um tempo ” (De interp. léays: f daddg f Karat xp6v00) Na verdade, quando Aristételes afirma nfo haver silogismo do que é delimitado temporalmente, ele quer dizer que nfo ha silogismo necessdrio deste tipo de ente, mas apenas possivel (a isso retomaremos no préximo capitulo). J4 a nevessidade dele constantemente excluir uma qualquer determinago temporal dos silogismos que se pretendem universais (ef. Anpr. 34 bir.e), deixa transparecer a tendéncia bastante difundida na cultura grega de sua época de considerar as predicagdes nfo essenciais como implicitamente temporais, ainda que de uma temporalidade indefinida, pois relativa a0 ‘momento da enunciagio". Assim, a proposigo “Sécrates caminha” quer dizer, na verdade, “Sécrates caminha agora”, sendo este “agora” um termo temporal referente ao falante, pois ele pode ser aplicado em uma sentenga enunciada ontem, hoje ou amanha. Dado que no mundo sublunar tudo ¢ apenas regular ¢ niio necessario, podendo, portanto, ocorrer eventos - 08 acidentes - que escapem a toda regularidade, ¢ claro que os silogismos necessirios $6 podem dizer respeito as definigdes propriamente ditas (predicagées sinonimicas), as propriedades permanentes ou essenciais (cf. Top. 128 bys21 © 128 byy - 129 a, onde 0 Estagirita diferencia quatro tipos de proprio (FOtov): essencisl (xax8 abz6), permanente Sobre este ponto consultar o perspicaz estuda de J Hintikka, Time & Necessity. Studies ir Aristotle's Theory of Modality, Oxtord, 1975, pp 63-70, esp. p.64: “In particular, the sentences Aristotle is apt to have in mind are temporally indefinite; they depend on the time of their utterance. They may be suid to be relative to the ‘moment at which they are propounded, This relation may be implicit, but it may also be made explicit by the ‘occurrence of such ‘token-reflexive’ expressions as ‘now” ot ‘at the moment present” in the sentence in question” ¢ p.68: “My main suggestion is that he [Le. Aristotle] tended to take temporally indefinite sentences 45 paradigms of al information sentences”. 38 (dei), relative (mpdg Etepov) e temporal (sroté)) ou ainda aos entes no sujeitos a geraglo © & corrupso, quer por possuirem uma natureza eterna, por exemplo, os astros compostos de matéria incorruptivel (o éter), quer porque desconsideramos voluntariamente a natureza fisica perecivel em que existem,por exemplo, os entes geoméiricas e/ou aritméticos, Logo, para Aristételes, s6 haveré ciéncia (mtotrjuy) propriamente dita, daquilo que & necessirio € que, portanto, € universal ¢ etemo (cf. EN. 1139 buoae € An post. 83 bys). Daquilo que pode ser diferente do que atualmente é, por outro lado, nfo pode haver ciéncia, mas acerca disto pode-se apenas, além de dar a sua definigdo ou enunciar as suas propriedades essenciais ¢ permanentes, ter uma opinitio(Sééay(cf An.post. 83 box). Por conseguinte, se deduzirmos uma proposi¢ao da relagio necesséria entre a premissa maior ¢ 0 termo médio, esta serd uma proposi¢So cientifica. Se, por outro lado, deduzirmos uma proposigdo apenas de uma relagdo contingente entre a premissa maior ¢ o termo médio, entZo esta seri uma opiniti, ou seja, uma assergdo acerca do que pode ser de outro modo (cf. Met. 1039 bsg - 1040 a). A determinago temporal de uma proposigdo qualquer & sempre indefinida, pois “agora” ‘ou “neste momento” stio indicadores refativos ao falante ¢ nfo indicadores absolutos, ow ainda, eles referem-se apenas ¢ exclusivamente a atualizagdo da ago verbal € ndo a uma demarcagao cronolégica rigida. Isso parece dever-se ao fato dos gregos no possuirem um calendario unico ¢ preciso. Estes nflo s6 eram diferentes nas diversas cidades-estado gregas, bem como uma mesma cidade possuia, as vezes, dois calendérios, um para os eventos religiosos, outro para 0s politicos, de modo que nao teria sentido algum para um grego de ent formular uma proposigdo como “no dia X do més Y do ano Z chovia em Atenas”, dado no haver para cles indicadores temporais precisos ¢ universais. Logo, 0 uso CF GER Lioyd, “O tempo ao peasamento grego”, As Culturas ¢ 0 Tempo, Petropolis, 1975, pp.142-3 © cespecimente 3 Hintikka, op.cit,p.87: “Whoter or not there was a dzect connection berween the general Greek attitude toward time and thei philosophers’ ways of handling this notion, there isthe fact that the Greeks were not very successful with their timekeeping - much less success than earlier civilizations, not to speak of the Romans, Different cities could have different calendars to such an extend that the year might beyin at different time, and that the thirteenth month that periodically had to be added to the year was added at (iGferent tinses [ .] Because of these failures of chronotogy, there simply was ao handy way for the Greeks to ‘ake the course modem philosophers generally assume to be the only satisfactory one, viz, to replace all references to the indefinive ‘now’ in a sentence by references to somve chronology indepeadent of the moment at which the sentence is uttered”. 34 indefinido do tempo nas proposicdies permitia aos gregos considerar uma proposigdo enunciada em diferentes ocasides como sendo a mesma, podendo, no entanio, ser verdadeira ou falsa devido & mudanga do estado de coisas a que esta proposigao se referia. agora implicito na proposi¢ao “Sécrates caminha” era sempre o mesmo, pois referia-se A situagdo atual do falante e nao a uma cronologia jé estabelecida no dmbito da qual poderia ser classificada (hoje se pensaria, a contririo, que estas duas proposigdes so diversas, pois uma refere-se ao dia X do més ¥ © a oufra a uma outra data). Ocore aqui um interessante paralefo entre uma proposi¢io ao ser enunciada num agora sempre idéntico, com a atualizagdo dos diferentes momentos do tempo que so atualizados em um agora sempre idéntico (ariet 70 ccb-04) que unifica continuamente o passado e 0 futuro (ef. Phys. 222 ajo.1s)"8. A isso retornaremos ao investigarmos a consignificagdo temporal do verbo ¢ 0 conceito fisico do tempo. A discussio do capitulo dez de Theta, ap6s ter tratado da verdade ou falsidade dos entes compostos, prossegue analisando a relagio dos entes simples, néic-compostos (to cobvOer) com a verdade ¢ a falsidade, Neste caso, por nfio haver composigiio (ou separago) de elementos os conceitos de verdadeiro € falso stio profundamente alterados. Estes entes sio simplesmente conhecidos ou ignorados, nfo havendo propriamente erro ou engano acerca deles, na medida em que 0 erro esta constitutivamente relacionade & composigao, pois, como diz sem rodeios Aristiteles, “o erro esti sempre na composiglo” (De an. 430 b,x: 18 yp wetdor kv ovvbécer cet ; cf. também Met. 1024 by52). Nem toda composigao, entretanto, é falsa. A composigo e a separagto, como vimos, sfio a fonte do verdadeiro e do falso (cf. De interp. 16 ay2.13). Logo, se o erro pertence necessariamente a0 ambito da composi¢&o, mas nem toda composigSo € necessariamente falsa, podendo igualmente ser verdadeira, entdo a verdade da composigio ndo esgota a possibilidade de algo ser verdadeiro, pois ela se refere apenas ¢ to somente ao Ambito do pensamento discursive (Sicipotd) ¢ nfo a0 ambito da intelecgao pura (vous). © CE J Hintikka, op.cit, p86. “Cf, Heidegger, op cit, pp. 136-7. 55 Em contraposicgo a tese de que a verdade ¢ a falsidade estio “no pensamento” ( Stazvoig) niio “nas coisas" (Ev toig apdyytaciz), defendida por Aristételes no capitulo quatro do livro Eta da Metafisica (of. Met 1027 bzs.7), a posigio presente no décimo capitulo do livro Theta advoga justamente o contrario, Neste texto Aristoteles afirma que algo € branco, por exemplo, no porque assim o pensamos, mas sim porque existe ‘efetivamente algo branco (cf. Met. 1051 969). E claro, portanto, que aqui ele mio mais se refere a uma mera verdade da proposi¢io (do Adyog), porém a verdade insita a0 proprio composto (algo branco), ow seja, ao préprio sentido de “ser como verdade” (efrar che GA NOEs), pois se a composigio eounciada pela proposigio é verdadeira apenas na medida ‘em que esta corresponde a um camposto que ¢ efetivamente, entio este titimo nao pode ser simplesmente um produto do Aéyo que 0 enuncia. Sob este prisma (da veracidade intrinseca 20 proprio ser do composto) e levando em consideragdo 0 que dissemos mais acima sobre as especificidades do falso, podemos classificar os diversos entes (verdadeiros) de acordo com as suas relagdes com o falso, ou seja, com a possibilidade de dissociagdo de seus elementos constitutivos, Assim obteremos uma série que se iniciaria com os entes compostos, cujos atributos podem ser dissociados (por exemplo: homem-misico), pasando por aqueles que excluem a falsidade, desde que seus atributos nfo podem ser dissociados (por exemplo: homem-mortal), até atingir os enies ndo-compostos, dos quais até mesmo a possibilidade do falso esti descartada, na medida em que sendo simples, nenium atributo poderia ser dissociado detes (por exemplo: a apreensio das categorins, ef Met, 1045 ay. - 1045 bz , onde Aristételes esclarece que as categorias no possuem nem matéria fisica, nem inteligivel). Esta impossibilidade no caso destes entes reside no fato de que eles siio puro ato (évépyetai) ¢ no poténcia (ducts), sendo, portanto, sem geragio ou corrupeio, Aristételes denomina o inteligir (voEi) estes entes como um tocar (Otyet”) ou falar (fcivai) e nisto consiste a veracidade de seu ser. ‘Destes entes, por conseguinte, néio ha erro ( weddog), nem engano (4ad77) - j4 que, como vimos, $6 existe erro na composiggo-, mas apenas ignorincia (@yvota), ou seja, a possibilidade deles nfo serem pensados (4yvoeiv) ou tocados (yx Oyydvery), 56 Retornaremos a este complexo ponto ao abordarmos o modo de apreenstio do agora na discussio do sentido fisico do tempo e, em maiores detalhes, quando falarmos do processo da intelecgao dos indivisiveis na segunda parte deste estudo. Detenhamo-nos ainda no exemplo (jf citado no primeiro capitulo) a que Aristételes se refere no final de Theta, 10: 0 dos entes iméveis (a dxéviyra) (cf. Met, 1052 a1..). Apos ter dito que dos entes nflo-compostos nilo hi nenhuma possibilidade de engano (ob5” dact7), cle cita um exemplo matemético, no qual, segundo ele, s6 no pode ocorrer um determinado tipo de engano, a saber, o engano relacionado ao tempo (of. Met. 1052a 5: obK fou dadtq xad 6 moté), pois 0 tempo, como veremos, esté intrinsecamente vinculado ao movimiento ¢ 0s entes matematioos nio se movem. O exemplo que Aristételes nos dé é 0 da propriedade, inerente a0 conceito mesmo de tridngulo, de possuir a soma de seus Angulos intemos sempre (attef) igual a soma de dois Angulos retos. Ora, esta propriedade, obviamente ndo poderia ser verdadeira em um momento (77078) ¢ falsa em um outro, dado ela ndo ser meramente uma propriedade temporal, mas essencial ¢ permanente. Confirma-se, portanto, com este exemplo, que a contraposiso gramatical aludida acima entre aii e oté refere-se, na verdade, a disting&o entre as substincias iméveis (quer por natureza, quer por abstragio) e as méveis, ow ainda, entre as substincias ‘etemas ¢ necessdrias e as substincias submetidas ao tempo, isto ¢, sujeitas 4 geragSo © 4 corrupgdo ¢, portanto, contingentes, como analisaremos na segunda parte do nosso trabalho. Acessa altura, porém, 0 leitor talvez pense que apenas os entes compostos que podem ser de outro modo estejam sujeitos ao devir e, por conseguinte, ao tempo, pois que os entes compostos que nunca sto de outro modo, parecem nfo estar submetidos a geragdo € 4 corrupgao, precisamente devido ao seu carter imutavel. Entretanto, rigorosamente falando, apenas 0s entes absolutamente simples, por serem apenas em ato, esto efetivamente libertos do devir, pois pertencem a classe dos entes que ora so, ofa no so, sem, contudo, gerar-se ou corromper-se, como vimos na discussio do sentido categorial de moré © modo que eles apresentam de sujeigao ao tempo 6, todavia, diverso. Os compostos necessérios e sempre verdadeires so, por exemplo, a definigdo de um sujeito ou um ente 7 matemitico qualquer. Em ambos os casos estamos diante de entes de razio (provides apenas de matéria inteligivel) ¢ no de entes fisicos (constituidos de matéria corruptivel).. Quando dizemos de um homem, por exemplo, que ele é “animal bipede sem asas” ou “animal politico”, nada estamos a acrescentar a este individuo concreto, mas estamos apenas exprimindo a sua propria esséncia, ou seja, estamos apenas enunciando uma propriedade que lhe é permanente e essencial. Essa, porém, no se manifesta em um certo momento ¢ em outro no, pois no é uma mera propriedade temporaria. Ela jé ¢ co- presente (potencialmente) a este individuo, desde 0 momento mesmo em que o individuamos enquanto tal (isto é: enquanto homem). Essa co-presencialidade traduz-se em fermos temporais pela relago de simultaneidade. As predicagées sinonimicas so, portanto, simultineas aos individuos de que se dizem e no sujeitas ao vir-a-ser ou a0 deixar-de-ser. Os individuos concretos, porém, niio podem ser separados de sua condigo efémera e mortal e, sob este aspecto, as predicagdes sinonimicas também encontram-se em um “quando”, que ¢ 0 quando existencial do individuo (748# 7) em questo. Por isso, Aristételes aponta como eminentemente contraditéria a situagio de um homem que uisesse postular uma doutrina da imobilidade universal, “pois o proprio falante em um momento no era ¢ novamente nfo sera” (Met. 1012 bysa5: O Yelp ASyeov nove axbrog ob fy xai ndatw obx Boren). ‘O mesmo tipo de relagtio encontramos nos entes mateméticos, pois, como diz Arisidteles, “a definigdo ¢ um tipo de nimero” (Met. 1043 bu: 5 2e yap Oprouds dpifuds ws). Sendo pois os niimeros concebidos a partir de um processo de desconsiderago progressiva da matéria fisica a que inerem, eles podem ser considerados, qua entes matemticos, como no submetidos ao devir. Mas, na verdade, hi uma dependéncia constitutiva deles para com os entes fisicos aos quais inerem. Nestes dois casos de entes compostos pode-se dizer que as suas predicagdes escapam 20 tempo, pois sio sempre verdadeiras e necessirias. Assim, um homem é sempre um “animal que #i” e um tridngulo possui sempre a propriedade de ter a soma de seus angulos intemos igual a de dois retos. Isto depende, contudo, do ato intelectivo de alguém que pense ¢ enuncie estas definigdes, pois um homem determinado ¢ um qualquer artefato triangular 38 esto total e completamente submetidos ao devir ou, formulando de outro modo, eles so entes que esto no tempo, pois so passiveis de terem a sua “duragiio vital” (arty) mensurada pelo mesmo™*, ‘Jé no caso dos compostos que podem ser verdadeitos em um momento e em outro niio, ou seja, no caso das predicagées paronimicas, como, por exemplo, quando atribuimos o predicado “caminhante” a Socrates, ocorre uma dupla determinagao temporal. Por um lado, 36 € efetivamente Sécrates que caminha ou Socrates caminhante e, nesta medida, o predicado “caminhante” depende constitutivamente deste individuo. Mas esta dependéncia € essenciaimente e ndo apenas indiretamente relacionada ao tempo, porquanto ndo basta que haja o individuo Sécrates para que se dé o caminhar, & preciso que neste momento ele crates caminha” seja esteja efetivamente caminhando, a fim de que a proposigiio verdadeira, caso contrério, ela serd falsa. Esta predicagdo, enquanto perdure o estado de coisas a que se refere, também se dard agora, isto é, em simultaneidade com o sujeito ao qual inere. A diferenga é que este agora 4, por assim dizer, mével, mutivel, de modo que esta mesma proposiglio pode em um outro momento ser falsa, na medida em que o estado de coisas a que se refere ja tenha se alterado, Esta sucessividade caracteristica das predicagées paronimicas contraditérias parece ser constitutive dos entes que se encontram no tempo. No por acaso, 0 principio de ndo-contradigio (doravante designado como p.d.n.c.), demonstrado indiretamente por Aristételes no livro Gama da Mezafisica, postula inequivocamente a impossibilidade de que 0 mesmo predicado pertena e simultaneamente (Gc) no pertenga a um mesmo sujeito ou, em outras palavras, que os predicados contritios nfio possam inerir simulltaneamente a um mesmo sujeito. Que esta simpultaneidade aludida pelo pdn.c. seja eminentemente uma simultaneidade temporal, pao deixam margem a divida algumas importantes passagens do Corpus aristotelicum onde Aristételes, formulando o p.din.c., explicita com toda clareza este nexo temporal a0 * Cf P.Aubenque.op cit, p375, 9.1 ¢L.Ruggiw, Tempo, Conoscensa e Essere nella Filasofia di Aristotete, Brescia, 1970, pp.489-471, esp. p-469: “Laddove esiste composizione, infat, esiste sempre diveniro e tompo. Trapporto che si stabilise allinterno dell’ente il cui essere é nel divenire, & sempre un rapporto di tempo, ‘quind 0 di successione o di simaltaneits” 59 substituir 0 advérbio Guar pelas expressées tév arbtdy ypdvor (cf. Met. 1061 bic ¢ 1062 ay) ou Ey 1 exbael ypdixy (cf. Soph.el. 167 areas). No nosso exemplo, Séerates no pode caminhar e estar sentado ao mesmo tempo, ou seja, os predicados contrérios que efetivamente se atribuam simultaneamente a um mesmo sujeito so no apenas falsos, mas imposstveis, Dado que o falso eo impossivel, contudo, nilo sfio 0 mesmo, dizer que Socrates caminha quando ele esta sentado é falso, mas nfo impossivel (ddtvarrov) em sentido absoluto, porque Sécrates tem a capacidade (Stbveyiig} de caminhar, ainda que nfo o possa fazer simultaneamente a quando esti sentado, Em outras palavras, esta ¢ uma possibilidade que pode se efetivar em um outro momento para este individuo. Logo, ndo é contraditério a presenga simultinea de um predicado efetivo e de seu contrério potencial em um mesmo sujeito: “Sécrates caminha” & “Sdoraies pode se sentar” nfo violam o pd.n.c.. Ambos predicados 36 podem se efetivar, contudo, em tempos diversos (cf. De caelo 281 bs.s). Também & possivel que Sécrates esteja de pé, parado ¢ enldo, neste preciso momento, ndo seria contraditério afirmar simultaneamente que “Sécrates pode caminhar” ¢ que “Sécrates pode se sentar”, porquanto a potencialidade dos contrérios pode ocorter ao mesmo tempo, sem com isto inftingir 0 p.d.n.c., ndo porém a sua atualizagdo (cf Med. 1051 ayo.11). Como diziamos mais acima, Aristételes concitia as posigbes extremas que asseveravam tudo ser apenas verdadeiro ou apenas falso. No caso das predicagées isto se exemplifica pela diferenga entre as predicagdes sinonimicas ¢ as paronimicas. A definiggo de um sujeito sera sempre yerdadeira enquanto este sujeito viver, tal qual uma propriedade que the seja essencial ¢ permanente seri também sempre verdadeira. A definigdo ou a propriedade essencial ¢ permanente de um sujeito como que estabelece a identidade no meio da diversidade infinita de outras detenninagbes mio essenciais (p.ex.: as suas propriedades relativas ¢ temporais) que pertencem apenas e to somente por algum tempe 20 sujeito em questo, A simultaneidade subjaz, por assim dizer, & sucesso, Em outras palavras: bé uma mitua determinagdo entre a dimensio do simultineo (dia) ¢ a do % Sobre a determinagdo temporal de dizer no p.dn.. eonferira exaustiva andlse de L Rugaiu, op cit, pp. 506-611, esp.pp.556-567. CE. tambéma boa anilse de A.de Andrade, 4s Duas Faces do Tempo, Sto Paulo, 197%, pp.449-459, anterior ¢ posterior (apérepov Kati Sozepov}. Ambos 03 modos de ser no tempo - 0 simultineo € 0 sucessivo - constituem, por conseguinte, modos essenciais do ente come verdade, 6 4. O sentido modal do tempo 4.1 O ato ea poténcia eo movimento O sentido do ente como poténcia (Sdvayiz¢) ¢ ato (évépyera) & fundamental para a nossa inquirigo, porquanto & ele que nos permitiré compreender a esséncia do movimento 2 indirela ¢ parcialmente a do tempo (zpdveg), pois, como jé vitnos, na auséncia de ‘movimento {ou do seu contrario, 0 repouso) no pode ocorrer o tempo, embora, como ‘veremos mais detalhadamente ao tratarmos do seritido fisico do tempo, na segunda parte do nosso estudo, este nilo se confunda com aquele, Comecemos a nossa andlise com 0 exame da poténcia, desde que sobre ela Aristételes discorreu mais longamente. As nossas principais fontes sero 0 capitulo doze do livro Delta € 0 livo Theta da Metafivica. Também aqui, ndo iremos aos aprofundar em toda a complexidade deste conceito, limitando-nos apenas aos t6picos de nosso interesse. Passemos, enti, & andlise de Delta, 12 Asvoiis 6, segundo Aristételes, “o principio do movimento ou da mudanga que esté em outro ou enquanto € considerado como um outro” (Met 1019 asic: REY Sox Kumoewos h petapodtc h év &tépw tt ff Exepov). Os exemplos do Estagirita so inuito elaros. No primeiro caso a poténcia (aqui a melhor tradugiio para Svayti seria capacidade, prescrvaremos poténeia, contudo, apenas para enfatizar 0 uso de um tinico termo em grego) de construir no est na construgdo, mas sim em um outro, a saber, no construtor ¢, no segundo caso, a poténeia esté no proprio médico que pode curar a si proprio, mas um médico doente cura-se nflo enquanto é um doente, mas sim enquanto é um médico, ow sea, enquanto ¢ um outro em relagdo a si mesmo, Por outro lado, Tovayitc ndo $96 a pottncia de atuar sobre win outro, mas também a poténcia complementar de softer um movimento ox uma mudanga a partir de um outro (6p' £cépov) ou enquanto & 2 considerado como um outro. Além disso, Aristételes refere-se a mais trés acepodes de Sévaure. a poténcia de executar ou de softer algo de modo comet (KazAdic) ou por deliberagdo (kata npoccipeoty), a poléncia de ser completamente (64a) impassivel (GmdOn), imutivel (detdBanta) ¢ o de ser movido para o pior somente com dificuldade. Os mesmos sentidos de poténcia (dévaytc) valem também para 0 potente (7d dvvaz6r), que & precisamente aquele ou aquilo que possui o principio do movimento ou a mudanga. Apés a exposigiio dos sentidas do potente, Aristételes passa a discatir o conceito de impoténcia (aSuvayia) que & detinida como sendo a privagao (axépnctc) a poténcia. Esta privagdo da poténcia, no entanto, pode ser absoluta ou relativa. Relativa ela 0 seré de dois modos: ou no sentido em que ocome em um ente que naturalmente deveria possui-la (103 mepundr Exexr) ou no sentido em que ocore quando este ente deverin possui-la (Sze népuxer dn Ezeu), O Estugirita elucida estas duas formas de privagio ao afirmar que ndo dizemos que uma crianga, um homem ¢ um eunuco séo incapazes de procriar do mesmo modo. Neste exemplo, parece explicitar-se com nitidez os trés sentidos de impoténcia: 0 primeiro em sentido absoluto, no caso da crianga, pois esta de modo algum est apta a procriar, © segundo relativamente ao tempo, no caso de um homem, pois no individuo adulto tal potGncia ja deveria estar presente ¢, por fim, relativamente & propria natureza, no caso do eunuco, que, por ser homem, deveria possuir naturalmente a poténcia de gerar. De igual modo que, quando ha potincia, bi algo que ¢ potente, assim também ao haver impoténcia, havera algo que ¢ impotente (ASéverzoy). Aristételes, porém, apenas menciona este sentido de impotente e constata, a seguir, um outro: 0 de impossivel (&dtverr0v) que se opde ao de possivel (Suvartéy). Em seguida a esta passagem abrupta do sentido de dd buetov, Aristételes exemplifica que, nesta segunda acepgao, &Stveto» significa “aquilo cujo contrario € necessariamente verdadeiro” (Met, 1019 bss.2u: ob 16 evavtiov && dudyxng cAnGEs), ou soja, 6 0 impossivel. O exemplo citado € 0 tio freqiente no Corpus aristoielicwn da incomensurabilidade da diagonal em relagSo aos lados de um quadrado. Afirmar esta 8 incomensurabilidade é verdadero, mais ainda, é necessariamente verdadeiro, Neila, por outro lado, é falso, mais precisamente, necessariamente falso, Mais adiante ele também redefine Suvcrzév no ambito desta nova acepgio, Este di-se “quando 0 seu contrario no & necessariamente faiso” (Met, 1019 byy.29: 6tav ut) dvaynaiov ff 16 évavtiov weddog efvan). A conjungio temporal Szav neste e em outros pardgrafos andlogos, conquanto muitas vezes descurada nas tradugdes é essencial, pois ela eircunsereve a esfera do possivel ap ambito temporal. Em outras palavras: & na. sucesso temporal que os atributos no essenciais podem ou ndo inerir a. um detertainado sujeito, Aristoteles exemplifica: que um homem se sente & possivel, pois o seu contririo, isto ¢, que ele no se sente, no & necessariamente falso. Para compreender este exemplo devernos pensi-lo temporalmente, ou seja, no é necessério que o individu em questo no posse se sentar, mas quando ele estiver ofetivamente sentado, ai eno serd um ervo afismar que o seu contrario no seri necessariamente falso, porquanto ele o seri. Mas enquanto meras possibilidades esses atributos podem ocorrer simultaneamente. © possivel, portanto, possui trés significados: 0 do que niio é necessariamente faiso, o do que € verdadeiro ¢ v do que pode (evdexquevor) ser verdadeiro, Este tltimo sentido parece indicar a intima conexdo entre e possivel © o tempo, pois algo que néo & verdadeiro agora (segundo significado de possivel), pode st-lo posteriormente™. impossivel ¢ 0 necessério, como vimos no capitulo anterior, escapam ao Ambito do tempo, dado serem sempre verdadeiros ou sempre falsos. Ao final do capitulo doze de Delia Aristételes afirma que todos estes signiffcados de poténcia referem-se ao primeiro, ou seja, que eles se articulam em uma relago de significado focal (mpdg Ev) com o primeiro sentido de pottncia, isto é, com 0 seu sentido de principio da mudanga em outro ou no mesmo enquanto considerado como outto. Este, portanto, ¢ 0 significado principal (xijzra¢) de poténcia, ‘A andlise da poténcia no livro Theta ¢ muito mais abrangente ¢ complexa™. Neste texto ela vem relacionada com a do conceito de ato (Evépyeta), 0 que nfo ocorria em Delta, 2. "CE 0 comentirio de G Reale, op.cit, Toms de Aquino, ** A nossa analse esté em gransle débito pare com & interpretagio minaciosa ¢ profinda de MHeidegger, Aristoeles, Metaphysit Theta, t-3. Von Wesen ure Wirklichkelt der Kraft, Frankfurt aM. 1990. Cf também a anilise detalhada de todo o livro Theta em L.G.Cabranes, El Poder y fo Posible, Paniplona, 1989, pp.93-201. ad foc., pp 282-3 que, por sua vez, se fundamenta na exegese de

You might also like