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A divisão do trabalho anômica - Durkheim

- a divisão do trabalho apresenta formas patológicas; conquanto, normalmente, a divisão do


trabalho produz a solidariedade social, algumas vezes, porém, ela apresenta resultados
totalmente diferentes, até mesmo opostos

- é importante pesquisar o que a faz desviar assim da sua direção natural; enquanto não
estiver estabelecido que esses casos são excepcionais, poder-se-ia suspeitar que a divisão do
trabalho implicasse esses resultados diferentes logicamente

- o estudo das formas desviadas permitirá determinar melhor as condições de existência do


estado normal

* um primeiro caso desse gênero é fornecido pelas crises industriais ou comerciais, pelas
falências, que são verdadeiras rupturas parciais da solidariedade orgânica; elas atestam, de
fato, que em certos pontos do organismo, certas funções sociais não estão ajustadas umas às
outras

- a medida que o trabalho se divide, esses fenômenos parecem se tornar mais frequentes, pelo
menos em certos casos (como exemplo, o antagonismo entre o trabalho e o capital; à medida
que as funções industriais vão se especializando, a luta se torna mais viva, em vez de a
solidariedade aumentar)

- a coerção é a mesma para todos os trabalhadores indistintamente; a pequena indústria, em


que o trabalho é menos dividido, proporciona o espetáculo de uma harmonia relativa entre o
patrão e o operário; é somente na grande indústria que essas discórdias se encontram em
estado agudo

* viu-se nesses fatos um efeito necessário da divisão do trabalho assim que ela superou um
certo grau de desenvolvimento; dessa forma, o indivíduo, debruçado em sua tarefa, isola-se
em sua atividade especial; ele já não sente os colaboradores que trabalham ao seu lado na
mesma obra, já não tem sequer essa noção de obra comum

* a divisão do trabalho não poderia ser levada demasiado longe sem se tornar uma fonte de
desintegração

* se, por um lado, a separação das funções sociais possibilita ao espírito do detalhe um grande
desenvolvimento, impossível de qualquer outra maneira, ela tende espontaneamente a
sufocar o espírito de conjunto

- assim, o mesmo princípio que permitiu o desenvolvimento e a extensão da sociedade geral


ameaça, sob outro ângulo, decompô-la numa multidão de corporações incoerentes que quase
não parecem pertencerem à mesma espécie (influência dissolvente da divisão do trabalho)

- a diversidade das funções é útil e necessária; mas, como a unidade, que não é menos
indispensável, não resulta espontaneamente dela, o cuidado com realizá-la e mantê-la deverá
constituir uma função especial, representada por um órgão independente; esse órgão é o
Estado e o governo
- o que o governo é para a sociedade em sua totalidade, a filosofia deve ser para as ciências; já
que a diversidade das ciências tende a romper a unidade da ciência, é preciso encarregar uma
nova ciência de reconstruí-la

* o órgão governamental se desenvolve com a divisão do trabalho por uma necessidade


mecânica; como os órgãos são intimamente solidários onde as funções são muito partilhadas,
o que afeta a um atinge aos outros e os acontecimentos sociais assumem mais facilmente um
interesse geral; assim sendo, percebe-se que há um mundo de órgãos que, sem serem
totalmente independentes do primeiro, funcionam sem que este intervenha, sem que ele
sequer tenha consciência disso pois esse órgão dirigente se encontra longe demais deles

* não é o governo que pode, a cada instante, regular as condições dos diferentes mercados
econômicos; todos esses problemas práticos levantam multidões de detalhes, dependem de
várias circunstâncias, que só os que estão bem próximos conhecem

* o governo não poderá ajustar essas funções umas às outras e fazê-las concorrer
harmoniosamente se elas não concordarem por si mesmas

* portanto, se a divisão do trabalho tem esses efeitos dispersivos, estes devem se desenvolver
sem resistência nessa região da sociedade, pois nada há nela que possa contê-los; no entanto,
o que institui a unidade das sociedades organizadas é o consenso espontâneo das partes, é
essa solidariedade interna que não só é tão indispensável quanto a ação reguladora dos
centros superiores, mas que até é a sua condição necessária

* fala-se da necessidade de uma reação do conjunto sobre as partes, mas é preciso que esse
conjunto exista, ou seja, as partes já devem ser solidárias umas com as outras para que o todo
tome consciência de si e reaja como tal

- o governo é demasiado geral para assegurar o concurso das funções sociais, se estas não se
realizarem por si mesmas

- para que a sensação do estado de dependência em que estamos fosse eficaz, seria necessário
que também fosse contínuo e isso só seria possível se ela estiver ligada ao jogo mesmo de
cada função social

- por isso, a filosofia se torna cada vez mais incapaz de assegurar a unidade da ciência;
enquanto um mesmo espírito podia cultivar ao mesmo tempo as diferentes ciências, era
possível adquirir competência necessária para reconstituir sua unidade; porém, à medida que
se especializam; essas grandes sínteses já não são outra coisa do que generalizações
prematuras, pois se torna cada vez mais impossível para uma inteligência humana ter
conhecimento suficientemente exato dessa inumerável multidão de fenômenos

- é certo que para ter de uma ciência um ideia exata é necessário tê-la praticado e tê-la vivido;
isso porque ela não cabe nas poucas preposições que demonstrou definitivamente; cada
ciência possui, por assim dizer, uma alma que vive na consciência dos cientistas; apenas uma
parte dessa alma toma corpo e formas sensíveis, mas a outra parte da ciência nenhum símbolo
traduz externamente; nela, tudo é pessoal e deve ser adquirido pela experiência
- o mais difícil de se unificar são os métodos, pois estes são imanentes às próprias ciências e é
impossível separá-los completamente do corpo das verdades estabelecidas para codificá-los a
parte; portanto, só os pode conhecer quem os praticou

- ao lado das semelhanças ente as ciências, existem diferenças que precisam ser integradas

- se as ciências particulares só podem tomar consciência de sua dependência mútua no seio de


uma filosofia que as englobe, o sentimento que dela terão será sempre vago para ser eficaz

* se já estabelecemos que o enfraquecimento da consciência coletiva é um fenômeno normal,


não podemos transformá-lo em causa dos fenômenos anormais; se, em certos casos, a
solidariedade orgânica não é tudo que deve ser é porque todas as condições de existência dela
não estão plenamente realizadas

* para que a solidariedade orgânica exista não basta haver um sistema de órgãos necessários
uns aos outros e que sintam sua solidariedade, mas é necessário que a maneira como devem
concorrer, pelo menos nas situações mais frequentes, seja predeterminada

- se não fossem predeterminadas, os conflitos se renovariam sem se cessar e as obrigações


mútuas deveriam ser debatidas de novo em cada caso particular

* por mais que regulamentações sejam necessárias, sempre existirá um espaço livre para
muitos atritos; mas não é necessário nem mesmo possível que a vida social seja sem lutas; o
papel da solidariedade não é suprimir a concorrência, mas moderá-la

* se a divisão do trabalho aproximasse apenas indivíduos que se unem por alguns instantes
com vistas a intercambiar serviços pessoais, não poderia dar origem a nenhuma ação
reguladora; mas o que ela põe em presença são funções, isto é, maneiras de agir definidas,
que se repetem em circunstâncias dadas, pois decorrem das condições gerais e consistentes da
vida social

- as maneiras de agir passam a se repetir com maior frequencia até que se tornem hábitos e, à
medida que adquirem força, se transformam em regras de conduta; o passado predetermina o
futuro

* esse lento trabalho de consolidação, essa rede de vínculos que pouco a pouco se tece por si
mesma, faz da solidariedade orgânica algo permanente

* a falta de regulamentação não permite a harmonia regular suas funções

- as regras do método estão para a ciência assim como as regras do direito e dos costumes
estão para a conduta; elas dirigem o pensamento do cientista, assim como as segundas
governam a ação dos homens; se cada ciência tem seu método, a ordem que ela realiza é
totalmente interna

* se elas formam um conjunto sem unidade não é porque não possuem um sentimento
suficiente de suas semelhanças, mas é porque não são organizadas

** se a divisão do trabalho não produz solidariedade é porque as relações entre os órgãos não
são regulamentadas e, portanto, elas estão num estado de anomia
* o estado de anomia é impossível onde quer que os órgãos solidários se encontrem em
contato suficiente e suficientemente prolongado; sendo contíguos, eles são facilmente
advertidos da necessidade que têm uns dos outros e possuem um sentimento vivíssimo e
contíguo de sua dependência mútua

- as trocas entre eles se produzem facilmente e também frequentemente; regularizam-se por


si mesmas e o tempo completa pouco a pouco a obra de consolidação

- as relações sendo raras não se repetem o suficiente para se determinar; a cada nova vez, são
novas tentativas

* uma função só se pode dividir entre duas ou várias partes de um organismo se estas forem
mais ou menos contíguas; ademais, uma vez que o trabalho é dividido, como necessitam uma
da outra, elas tendem naturalmente a diminuir a distância que as separa

- cada mercado é muito limitado devido aos vários segmentos diferentes a que cada um
corresponde; assim, os produtores estão bem próximos dos consumidores e podem perceber
bem as necessidades a satisfazer; à medida que ocorre o desenvolvimento, a fusão dos
diversos segmentos acarreta na construção de um mercado único e então cada indústria
produz para consumidores que se encontram dispersos por toda a superfície e, portanto, o
contato já não basta; ele acaba tendo que tatear o acaso

- o que explica que as ciências morais e sociais se encontram no estado que dissemos é o fato
de que estas foram as últimas a entrar no círculo das ciências positivas; mas, pelo simples fato
de que levarão suas pesquisas cada vez mais adiante, acabarão necessariamente por se
encontrar e por tomar consciência da sua solidariedade; a unidade da ciência se formará por si
mesma

* a divisão do trabalho não produz suas consequências negativas em virtude de uma


necessidade de sua natureza, mas apenas em condições excepcionais e anormais; o jogo de
cada função especial exige que o indivíduo não se encerre estreitamente nela, mas que
mantenha relações frequentes com as funções vizinhas

**se não tivessem reduzido a divisão do trabalho a um meio de aumentar o rendimento das
forças sociais, teriam visto que ela é, antes de mais nada, uma fonte de solidariedade

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