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A CIDADE E A ORGANIZACAO DO ESPAGO(*) Tnicialmente o tema nos faz refletir sobre a nogo de “organizagio do espago” utilizada correntemente pela Geografia. GEORGE (1971, p. 6 © 7) para civ tar um exempo, emprega o termo “organizacéo do espaga” no sentido de “arrumagio” que “designa os atuais empreendimentos destinados a modelar © espago herdado para neles se introduzirem as iGenicas juridicas © administrativas, que derivam de um espitito de sistematizagio da sua utilizacio”. ‘A nogio da “organizagao do espaco” se liga, para 0 autor, a0 “planejamento sistemético do espago” & ilo a relacdio histdrica entre homem e meio. Esta nogio esta relacionada & eoncepgio de ex aco-palco, ¢ isto quer dizar 0 espago geogrético en- tendido como paleo das atividads humanas, 0 lugat sobre 0 qual os agrapamentos humanos constroem sua existéncia. Hoje em dia, apesar de ter sido abo- lida a palavra espaco-palco, a nogao ainda esta muito presente na concepefo do espaco geogrifico, mesmo quando se analisa © espago geogréfico como espaco Ge relagies (GEORGE, 1969). Como partimos da premissa de espaco produto, isto &, 0 espaco geogratico enquanto produto das rela- ‘goes que se estabelecem, num determinado momento hist6rico entre sociedade © meio-citcundante, estamos analisando 0 espago geogrdtico como um elemento dinfmico, © componente ative na relagio do qual € produto, ¢ néio simplesmente como agente passivo. Ana Fani Alessandri Carlos (**) Nesse sentido, a nocd “organizagao do espaco”, estando metodologicamente associada a concepgio de espago-paleo, nfo pode ser aqui utilizada A nogfio evolui no pensamento geogrifico a par- tir do desenvolvimento da conceituagio de espaco g20- grafico, portanto, propomos a discussdo da nogto de “produgdo do espaco” em lugar da “organizacio do espago” pois ela esté em desacordo com 0 atual es ‘gio do pensamento seogrifico A uugo “produgae do espago” sc impée na ‘medida em que 0 espaco geogtifico é entendido como produto de relagdes, nao no sentido de arrumagio, mas de aurocriagdo constante. Ele ¢ fruto do processo de produgfio que se estabelece no seio da sociedade que tem por objetivo a reproducdo da existéncia hu- mana; e & portanto fruto do trabalho. Assim a premissa bisica de que partimos para 0 desenvolvimento do tema € a noco de espaco pro= duzido. espaco geogrifico é 0 produto das relagées que se estabelecem, através do trabalho, entre sociedade © meio circundante. © espaco geogritico & produzido concomitantemente a0 processo de produgdo da exis- téncia humana. Portanto, nfo é estético, nem acaba- do, mas uma prodacio humana ininterrupta. (©), — Ania proferida no concurso intezp0 para indica fo de 2 Auniliares de Bnsino, para conttato, no Dept? de Geografia da. FFLCH da USP, realizado em abril de 1981. Reeebido para publicacio em junho de 1981 (0) Mestre em Geogratia, Aluna do Curso de PésGraduigho, em nivel de Doutoramento 106 Deste modo, em cada momento histérico, tere- ‘mos uta producdo social peculiar e coerente ao desen- volvimento das foreas produtivas e, conseqiientemen- (e, wina producao espacial determinada. © espago geogrifico, enquanto produto do tra- balho, envolve a participagao dos membros da socie~ dade como um todo através da divistio do trabalho, que depende, em cada momento hist6rico, do desen- volvimento das forcas. pradutivas (como a mao-de~ obra produz, com que métodos produz, com que ins- trumentos, ete.). Os homens trabalham de maneira complementar, © a evolugio da diviséo do trabalho vai implicar em espagos diferenciados. A maior divisio do trabalho entre material ¢ 0 intelectual € traduzida pela separaco entre cidade ¢ campo. Para MARK e ENGELS (1974, p. 62) oposigio entre a cidade © 0 campo surge com a pas- sagem da barbie & civilizagdo, da organizacio tri bal 20 estado, do provineialismo & nacdo ¢ persiste através de toda a historia da civilizagao. ‘A cidade, ainda segundo os autores, é 0 resul- tado da concentrag%o da populagio, dos instrumentos do produgio, do capital, dos prazeres e das necessida~ des, enquanto que o campo pe em evidéncia 0 fato posto, 0 isolamento ¢ a dispersfio. A oposis cidade e campo 86 pode existr no quadro da proprie- dade privada; é a mais flagrante subordinagio do indi- viguo A divisto do trabalho, da subordinagio de uma atividade doterminada que Ihe € imposta. (© trabatho © as condicionantes histéricas em que ele 6 realizado € 2 chave da compreensio da procugdo espacial; produgio esta que traz em seu bojo a unidade do diverso, isto é, as contradi diferenciagSes que geram o seu proprio desenvol- vimento. Nesse contexto a producdo do espaco geo- grafico nao pode ser analisada desvinculada do pro- cesso de produgéo historicamente determinado. © modo de producto determinante — no caso atual, 0 capitalista — se materializa espacial- mente através da producio do espago global enquan- to totalidade, contendo em seu bojo a diferencia- ‘¢d0 entre 0 urbano € 0 rural, pois 0 processo de produglio se articula espacisimente através da di- visio entre trabalho industrial © comercial ¢ trabax tho agricola, isto é através da diferenciactio ea tre urbano ¢ agrério. Hoje no capitalismo, a cidade como produto do trabalho industrial assume papel hegeménico no co- mando do processo de produedio espacial como um todo, articulando ¢ determinando a divisdo espacial ¢ social do tcabalho; articulando e determinando a cha- mada rede urbana através da rede de cidade que vai desde as cidades pequenas, médias, as metrépoles re giouais, nacionais, até as chamadas metrépoles intcr- nacionais, como uma distribuicio social ¢ espacial das diferentes condigdes gerais da produgio em fun- 0 do tipo de atividades. Partimos, portanto, da tese segundo a qual 0 ‘modo de producdo se materializa na producao espax cial, © espago urbano (que é a producio da cidade), como elemento da totalidade também sofre 0 mes- mo processo de materializagio. Como isto ocorre? A cidade no $6 6 fruto do processo de produ- Ho capitalista como uma condigao desse provesso. A cidade € determinada por relagées de produ- 40, e vista dentro do processo de producdo global & frato da separagio entre 0 trabalho industrial e co- ‘mercial de um lado e do trabalho agricola do outro © trabalfio industrial, no capitalismo, assume papel determinante; tem um papel hegeménico ¢ transforma a agricultura em um ramo seu. B este por sua vez, confere & cidade um papel hegemd- nico no comando do proceso de produgio espa- cial, uma vez que ele se realiza e viabiliza na cida- de e através dela, A cidade apresentaria hoje as condigdes. gerais desse processo de producao. Com 0 desenvolvimento do processo de produ- io baseado no desenvolvimento das forgas produti vvas, a cidade vai ganhando cada vez mais sua influén- cia sobre © campo e sobre Greas vizinhas, toman- do-se a expresso espacial mais importante desse sis- tema de produgo; 0 ponto de maior expressio espa- cial. A cidade passa assim a comandar 0 process de produgao espacial através de uma grande concea~ ‘raga cumulativa de fungdes © grau de complexidade de fungdes osté relacio- nado com 0 grau de desenvolvimento do processo produtivo, baseado na divisio do trabalho e na di- ferenciagio das classes sociais. A cidade passa @ co- mandar nfo s6 a producto de sua rea, mas seu pa- pel c poder extravasam seus limites alcangando ¢ st bordinando no somente freas agricolas — cuja fun- go seria a de fornecer matérias primas ¢ alimentos para a produgao e consumo urbanos — mas se relaco- nando com outros espagos urbanos através da div's80 espacial do trabalho determinada pela metrépolc, constituindo em miltiplas relagSes e interrelagbes es- ppaciais a producdo do espaco global. © que ovorre & a espacializagio do processo de producao capita lista que tem na cidade seu centro de acumulaczo. Para KAUTSKY (1966, Initodugio), 0 modo de produgio capitalista, dominante na sociedade, atual, consiste no antagonismo entre classe assalaria- a ¢ capitalisia. Tal antagonismo move 0 nosso sé culo € the dé fisionomia. © sistema de produc ca pitalista se descnvolve primelramente, vis de regra, ras cidades © mais especificamente nas indéstr'as. O desenvolvimento da indiistria urbana Tanga também ‘© germe da dissoluedo da familia rural primitiva. In:~ cialmente a propriedade do camponés continha a ter- ra necesséria & alimentagio de sua famflia; a depen @éncia cada vez maior do mercado 20 dinheiro fazia ‘com que o Tavrador tivesse paralelamente uma maior necessidade de terra ditada pela diversificagéo © au- mento da quantidade dos géneros que deveria colher e vender. “0 continuo desenvolvimento do capital'smo, vai aumentando cada vez mais a influéncia da cidade so- bre o campo, uma vez que esta, além de subtrair-the tertitério, vai subordinando paulat’namente a agricul- tura ao setor urbano industrial. Mais do que sto. 0 desenvolvimento do sistema capitalista vai proporcio- nar o surgimento da grande cidade, da metrépole, que ‘comandarfi nfo somente as reas rurais como esten- 107 decd seu dominio sobre outras cidades de porte infe- rior, visando melhores condides de acumulaclo, ior- nando-se pois a expressio espacial desse sistema de produco” (CARLOS, 1979, p. 46) ‘A cidade nfo pode portanto, ser analisada como tum organismo em si, isolada de seu processo de for maciio, como fazem multos gedgrafos. A cidade deve ser entendida como uma forma espacial fruto de um amplo processo. Néo é a cidade em si que produz 0 espaco, ela é um ponte formal de comando. “A cida- e atual apenas assume a forma espacial das relagies de produgio que ocorrem nese modo de producdo espocifico.... Néo é a cidade em si o fator de eriagao € desenvolvimento de uma regido atual, mas o proces- so de acumulagio capitalista, € a cidade como “sede” da acumulagdo “assume”, formalmente 0 papel dint mico de comando do espago” (CARLOS, 1979, p. 46) A cidade, assume a forma de comando espacial: do um lado articulando e determinando a div'sio es- pacial do trabalho através da articulngéo néo 36 da rede urbana, mas também determinando o papel do ‘campo no process geral de produgo espacial; © de outro, possibilitando, com essa produgio espacial geral, as condigées gerais necessérias 20 desenvol- vimento do processo de producao capitalista. A cidade hoje no € s6 condicdo para a repro- dugdo do capital, como também um produto do pro~ cesso de produgao capitalista. Do mesmo modo que © capital & a categoria determinante na anélise do processo de producao capitalists, cla também sera determinante no processo de produgao espacial, na ‘medida em que este também & um produto do proces- so de produgdo capitalista. A divisao do trabalho que se estabelece no pro- cesso produtivo, na unidade de producto, também se estabelece espacialmente nfo 66 a nivel cidade-campo ¢ cidade-cidade, mas também dentro de cada parcela do expaco, determinada pela hierarquizagao coman- dada pela metrépole, ¢ esta por sua vez, dependeré do desenvolvimento das relagées capitalistas de produ- go de um determinado ps

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