You are on page 1of 41
Tipos de campesinato latino-americano: uma discussdo preliminar Este foio meu primeiro trabalho aceite para publicacao pelo periddico maisimportante daantropologiaamericane. Antesdessa época,oseditores de American Anthropologist resistiam a publicacdo de artigos comorien- tacdo evolucionista, cultural-ecolégica ou estrutural. Até mesmo Julian Steward teve de publicar seu importante ensaio sobre “Aspectos ecoldgicos da sociedade do sudoeste” em Anthropos (1937). Apds a Segunda Guerra Mundial, foi o Southwestern Journal of Anthropology, sob a direcdo de Leslie Spier quese mostrou mais receptivoaessetipode trabalho Este arti- 40 oi publicado na American Anthropologist porque pediram a Sidney Mintz que editasse um niimero especial sobre “Novas visdesda antropolo~ giada América Latina’, patrocinado pel loComitésobre América Latina do Conselho Nacional de Pesquisas, Esse ntimero reuniu contribuicdes da cenologia, arqueolagia,lingihistica eetno-historia que indicavam mudan- casimportantesnoenfoque antropologico americano da América Latina Neste artigo, utilize’ oconceitode“tipos” nosentidostewardiano de “abs- tragoes", construidas em torno de um niicleo cultural formado pela *nterdependencia funcional de tracos numa relagaoestrutural” (Steward, 1955:6).Interdependénciassemelhantes seriam provavelmente o resultado de “adaptacoes ecoldgicas locais ¢ niveis similares de integracdo Sociocultural”, poderiam ser comparadasa fim de determinar regulari- Gades recorrentesentre culturas. Aoaplicar essa idéia ao campesinato la~ tino-americano, atribui destaque especial a dimensdo ecolégica ¢ a como esses lavradores se encaixam no andaime organizacional da sociedade. Propussetetipos,analisandocomalguma profundidade doisdos mais bem documentados e esbocando osoutros cinco em termasgerais. Algumas pes- soas que parecem ter ido apenasparte do artigo,me acusaram de dividtro mundocamponésem apenasdoistipos.o que naoéocaso, U8 ERICR. WOLF A medida que a antropologia se preocupa cada vez mais com oestudo das comunidades modernas, os antropélogos passaram a dar atengao as caracteristicas sociaise culturais docampesinato. O objetivo deste artigo étentar fazer uma tipologia dos grupos camponeses da América Latina como base para trabalhosde campoe discussces ulteriores: Essa tipologia ird necessariamente levantar mais questées do que podem ser respondi- das com facilidade no momento. Até agora, os antropélogos que traba- Tham na América Latina trataram principalmente de gruposcom cultu- 7 atura antropolégica dispontvel reflete esse ras “indigenas”e a interesse, Qualquer reorientacaoda investigacio, passandodas tipologias baseadas principalmente em caracteristieas de conteido cultural para tipologias baseadas em semelhangas ou dessemelhancas de estrutura, apresenta problemas que um nico estudioso no pode pretender resol- ver. Este artigo, portanto, tern carter provisdrioe suas afirmacoes est2o totalmenteabertasadiscussao. Houve varias tentativas recentes de tracar um: tha diviséria entre primitivose camponeses Robert Redfield, porexemplo,discutivessa dis- tingdo nos seguintes termos: Niio havia camponeses antes das primeiras cidades. E os povos primitivos sobre- viventes que niio vivem em relacfio com a cidade nao sto canponeses. (..) O camponés é ur nativo rural cuja ordemt de vida estabelecida ha muito tempo dé rauita importincia & cidade (1963: 31). Alfred Kroeber também enfatizoua relacao entre ocamponése.a cidade: (Os camponeses sio definitivamente rurais, mas vivem em relagfo como merca- do das cidades; eles formar um segmento de classe de uma papulacio mais ampla que geralmente contém também centros urbanos, as vezes, capitais metropolita- nas. Eles constituem sociedades parciais com culturas parciais” (1948: 284). Os camponeses formar assim “segmentos socioculturais horizontais", tal comoestes terms foram definidos por Julian Steward (1950: 115). Redfield sustenta ainda que cidade se tornou “possivel” gracas ao tra~ balho de seus camponeses (1953) e ambas as definicoes implicam - em- bora nao o declarem abertamente - que a cidade consome grande parte doqueocamponés produz. A vida urbana é impossivel sema produgaode um excedenteagricola nocampo. ‘TIPOS DECAMPESINATOLATINO-AMERICANO... 119 Uma vez que estamos mais interessados em discriminar diferentes ti- pos de camponeses do que no tipo campones genérico, devemos tragar distingées entre grupos de camponesesenvolvidos em tipos divergentes de cultura urbana (para uma discusséo das diferengas entre centros ur- banos, ver Beals, 1951: 8-9, Hoselitz, 1953). E especialmente importante reconhecer os efeitos da Revolucao Industrial e do crescente mercado mundial sobre os segmentos camponeses de todo o mundo, osquais mu daram tanto as caracteristicasculturais desses segmentos comoocarater desuasrelagdescom outros segmentos, Oscamponeses do mundo inteiro se envolveram em relagées de mercado de magnitude muito diferente daquela que predominava antes do advento da cultura industrial, Essa expansao também nao pode ser compreendida como um fenémeno pu- ramente unilinear Ha diferentes tipos de indiistriase mercados, diferen- tes tipos de expanséo industrial e crescimento de mercado que afetaram diferentes partes do mundo de modos muito diferentes. Os camaponeses encontrados no mundo de hoje séo os produtos muiltiplos desse cresci~ mento multilinear Aomesmotempo, eles naosto mais os principais pro~ dutores de riqueza: em vez da agricultura, industria e comércio produ- zem agora o grosso dos excedentes necessarios para sustentar 03 segmentos naoenvolvidos diretamente nos processosce producao. Varios tiposde empresasagricolas de larga escala surgiram paracompetir como camponés pelos recursos e pelas oportunidades econdmicas. Isso provo~ cou uma “crise do campesinato” mundial (Firth, 1952; 12), relacionada como papel cada vez mais marginal dos camponeses no sistema econd- micodominante. Naescolha da definicao de camponésque seria adequada ao nossoobje- tivo,devemos lembrar que as definicoes sto ferramentasdo pensamento, endo verdades eternas, Raymond Firth, por exemnplo, define o termoda forma maisampla possivel, incluindonao somente agric bém pescadorese artesdos rurais (1952: 87). Outros podem sentir-se ten~ tadosa incluir seringueiros independentese mineiros de superficie. Para uma andlise inicial,julguei convenienteconsiderar cada um desses véri- 0s tipos de atividade separadamente ¢ definir o tetmo ‘camponés” da maneira mais estrita possivel. Trés distincoes podem servir de base para ‘essa definigdo, todas escolhidas tendo em vista ascondicoes latino-ame- ricanas ¢ todas suficientemente flexiveis para abranger variedades que possamos descobrir nodecorrer da investigacao. : Em primeiro lugar, tratemos docamponés apenas como produtor agri- cola. Isso significa que, para os objetivos deste artigo, devemosseparar de 120 ERICR. WOLF ‘um lado, camponeses e, do outro, pescadores, mineiros, seringueiros ¢ vaqueiros As implicaoeseconomicas eculturaisde cuidar do gado, por exemplo,stosuficientemente distintas daquelasda agricultura para jus tificar um tratamentoseparado, Isso vale especialmente para a América Latina, onde a criagaode gado é feita em grandes fazendaséin vezde em pequenas propriedades. Em segundo lugar, devemos- sempre tendoem vista onosso propésito~ distinguirentre camponesesque detém ocontrole efetivoda terrae aque- Jes cujocontrole esta sujeitoa uma autoridade de fora, Essa distincaotem alguma importancia na América Latina Ocontrole eferivo da terra pelo camponés € garantido geralmente pela propriedade direta, por direitos de posse indisputados ou por arranjos habituais dearrendamentoe usoda terra Camponeses nao tém de pagar direitos para um proprietariode fora. Por outro lado, os arrendatarios tendem a buscar seguranca principal: mente por meio da aceitagao de controles externos sobre os arranjos de producaoe distribuigao e,assim, aceitam com frequéncia papéis subordi- nados nas redes hierarquicamente organizadas de relagoes. Em geral, os camponeses detém um controle muito maior de seus processosde produ ao. Os controles externos se manifestam principalmente quando ven dem seus produtos no mercado, Oexame dosegmento dos arrendatarios pertence mais a discussao das haciendas ¢ plantations do que a do campesinato. Isso nao significa que, a0 tratar da América Latina, possa- mos esquecer por tim momento que os latifindios obscureceram as ou- tras formasde posse da terradurante muitos séculos, ouque os segmentos de arrendatérios possam exercer uma influéncia maior doque dos cam- poneses sobre o todosociocultural Em terceiro lugar, ocamponés tem por objetivosua subsistencia, nd00 reinvestimento, Seu ponto de partida sao as necessidades definidas por sua cultura. Sua resposta, a produgio de produtos para o mercado, € provocada, em larga medida, por sua incapacidade de satisfazer essas necessidades dentro do segmento sociocultural a que pertence. Ele ven de suas colheitas para obter dinheiro, mas esse dinheiro, por sua vez, € usado para comprar bens e servicos de que ele precisa para subsistire ‘manter seu status ocial,em vez de ampliar sua escala de operagoes. De~ vemos entao separar o campones de um outro tipoagricola, que chama- mos de “fazendeiro”. O fazendeiro vé aagricultura como um empreendi- mentocomercial. Ele comega sua operagdocom uma quantia' dedinheiro que investe numa fazenda. O produto do cultivo¢ vendido nao somente para proporcionar bens e servicos, mas também para permitir a amorti- TIPOS DECAMPESINATO LATINO-AMERICANO... 121 zagaoea expansdode seu negécio.O objetivodocampones a subsistén- cia Calvo do fazendeiro € 0 reinvestimento (Wolf, 1951:60-61) ‘Otermo “camponés’ indica uma relagao estrutural, nao um deter- minado contetido de cultura, Por “relagées estruturais” entendemos “re Jacoes relacivamente fixas entre partes, em vez de (..) as préprias partes cuelementos”. Da mesma forma, entendemos “estrutura’ como"“o modo como as partes se situam umas em relacao as outras” (Kroeber Kluckhohn, 1952: 62, 63). Uma tipologia de campesinatos deve ser feita com base na regularidade da ocorréncia de relacoes estruturais, © n40 baseada na regularidade da ocorrénciade elementos culturais similares. ‘Ap escolher certas caracteristicas estruturais em vez de outras para for necer um ponto de partida formulagode tipos, podemosavancar tora mente sobre uma base empirica. A selegao de critérios essencialmente econémicos seria congruente com o interesse atual em tipologias basea- dlas apenas em caracteristicas econdmicas e sociopoliticas. Compreen- dem-ce com mais clareza atualmente as implicacdes funcionais dessas caracteristicas do que aquelas de outros tragos da cul seu papel dominante no desenvolvimento da estrutura organizacional fol observa doempiricamente em muitosestudos de culturas especificas "Aoestabelecer uma tipologia de segmentos camponeses, defrontarno- nosimediatamente com adificuldadede que os cam poneses nao sao pri- mmitivos isto é,a cultura do segmento camponés nao pode ser entendida em termosdela mesma, mas como uma cultura parcial, relacionada com itm todo maior Certas relagbes entre as caracteristicasda cultura campo- esa estao amarradas a corpos de relacées externas a ela, mas, de toda forma, determinam seu cardter e sua continuidade, Quanto mais alto o nivel de integragdo dessas culturas parciais, maior o peso desses determinants externos “Nas sociedades complexas, certos componen- tes da superestrutura social, em vez de a ecologia, parecem ser cada vez mais determinantes de desenvolvimentos posteriores” (Steward, 1938 362). leso € especialmente verdade quando atingimos o nivel organizacional do mercado capitalista,no qual arelagaoentre tecnologia ceenbiente é mediada por complicados mecanismos de crédito ou con trole politico que podem ter origer totalmente externa cultura parcial sob investigacto. “Devemos estar cientes nao somente dos fatores externos que afetam 2 cultura parcial:temosde dar conta tambem da maneira como ess cultu- rase organiza notodo sociocultural mais: amplo. Diferente de outros seg crentor aocioculturais horizontais,taiscomo comerciantes ou empress

You might also like