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A POESIA CONTEMPORANEA COMO CONFIM Florencia Garramuno Faxuga tuas mios a bo 1.8. hot! aon oo O arco que toca o fio da voz um ewe um mim 6 uma cangado que diz: hai um fio, rodeia 0 mundo, ea voz é0 seu alfinete Edgardo Dobry, Cosa* Qual é 0 lugar da poesia, hoje? Que a poesia tenha, hoje, um lugar — talver isso scja precisamente 0 que est4 em diivida. Mas, pensada desde outra perspectiva, a pergunta nao assume tanto a procura pelo lugar que a poesia teria hoje, mas a busca de uma definicdo da poesia constantemente adiada ¢ langada irremediavelmente para frente. Assim reformulada, a pergunca deixa ver outro significado: qual o lugar que a poesia constréi hoje como préprio? O lugar da poesia, portanto, nesse outro sentido, viria a se perguntar pelo modo em que a poesia comemporines define « desenha 6 seu proprio lugar, No entanto, € possivel pensar que a poesia constroi — Roje — um lugar como préprio? E em torno dessas perguntas que escrevo estas linhas, centrando-me em alguns poemas contemporaneos que fazem da poesia a exploragio de uma impropricdade radical; poemas nos quais, de formas variadas, a poesia constrdi para si um lugar que melhor caberia desctever como impréprja. Renso que esse lugar impréptio da poesia oma contemporanea se relaciona de modo estreito coma elaboragio de um trabalho com 6 impessoal que, para além da déitrina modernista do impessoalismo em poesi impréprio. Em “A doutrina da impessoalidade e a guerra retérica do Modernismo: Eliot, Loy € Moore”,’ Charles Altieri analisou a tendéncia impessoalista na po por Eliot — a poesia como “uma fuga da personalidade” —, explorando ni0 3608 ia postulada No original: Wipe your hand across your mouth, and laugh (todas as tradugdes com referencia a cexros ™m espanhol ou inglés foram feitas por Luciana di Leone). * No orginal: Hiareo que toca enelhilo/ dela vor un yo y un mf es una eancién que dice:/ hay un hilo, roca mundoJ y la vor es su alfiler.. * No original: “The Doctrine of Impersonality and Modernism’s War on Rhetoric: Elior, Loy, and Moore” u FLORENCIA GARRAMUNO aaa jos que ela adquiriu em Eliot, mas também as atitudes que ACATTETOU Na oes inglesa.* Se em Eliot, Altieri localizou a impessoalida e como UM mod, de acacar a ideia de uma “unidade substancial da alma” (Altieri, 2006, p. 69). 9 — dir Altieri — “pode manter duas atitudes radicalmente opostas. Pode 4 man na linha da entica do Fgo sugerida por Eliot, ou pode celebrar 0 poder de atengs,, ue aparece quando alguem se libera da bagagem da autopromogio" (Altieri, 2006 an ° cira do impessoalismo cliotiano — € Marianng sent de ling - Entre Mina Loy — na ¢s p - na atenyio dirigida para 0 exterior, propée Altieri, a poesia poste Elio encontrou dois modos diversos de continuar com a tradiga0 do impessoalismo, De modo muito diferente dessas duas propostas, parece-me ver que em alguma 2 contemporinea ja no se trataria de uma dissolugao do eu: nem de sua de- sdo, nem de sua concentrasio exclusiva no exterior. De fato, em muitas das p. 60 7 ies oraT.s, poes sapa possias contemporineas nas quais precisamente identifico isso que estou chamando — por falta de um melhor nome — de novo impessoalismo, os sujeitos aparecem de modo insistente, ainda que despidos de toda interioridade. Em Monodrama, de Carlito Azevedo, em Engano Geognifico, de Marilia Garcia, ou em Afectos, de Carlos Cocina, ha a definigao de uma voz litica que, se distanciando da expressio de toda interioridade, se volta para a exterioridade de situages, relagdes experiéncias, faz dessa vor — desse eu — um ponto mével constantemente deslocado — muitas vezes diz Carlito) — que nesse movimento se tografia do espaco intervalar entre seres até em errincia (“todo poeta ¢ imigrante”, exibe como o ponto de tensio de uma car © coisas. A voz escreve, sempre, entre: entre lugares, entre pessoas, entre coisas. A impessoalidade, aqui, teria mais a ver com um esvaziamento do lugar do sujeito para fazer dele um lugar hospitaleiro do que com uma experiéncia concebide para além do prisma da experiéncia individual. Trata-se, portanto, de uma vor imprépria, de lima Fox que no assume a propriedade nem sobre si mesma nem sobre os lugares ou sobre os discursos que a habitam. - Cosas, de Edgardo Dobry. Um livro organizado em torno de poemas numerados due vio se acoplando precariamente. Qual é 0 fio que os une? Fragmentos de um pons que reaparecem em outro, lugares que se repetem, um resto de von que em cada um dos poemas aparece como uma caixa de ressonineia sobre a qual repercurem 2 eesOes Pars as quais os poemas constroem um lugar. Entre Rose ig ¢ Barcelona, 1 fogs ds ie: aS “Teadisdo « talento individual”: "A poesia io & uma Uberagio da emosio, ss ors fea emo, 2 tem ponte da personalidade, mas uma fuga da persondlidade Nawecieewte yb. AAICIeS Que tém personalidade e emogdes saben © que significa a ous a Sauls au em ¢ significa querer escapar dessas ¢ P. Ver amber Seamus Heaney (1998) ¢ Rosanna Warren (2008). A POESIA CONTEMPORANEA COMO CONFIM 28 wlewwund Orono? Instante om que uny reyplendor amorna Outro: 58 Hera cut, if quase mito. No poema 28, o resple r resplendor realiza a agio sobre um eu — sublinho um — que, passivamente. 0 recebe “dentro do corpo distraido”. “O eu” que recebe a agio. pes repetir as palavras do poema, pode ser pensado como eu litico ou ele — a vor do poema — se enco clo or se encontra, pelo contritio, fora do poema e ¢ desde 0 exterior que observa a cena? Que cena seria » observada desde onde? Evidentemente, trata-se de um momento no qual o cu — “o eu” — ausente de si mesmo, menos presente ante si mesmo do que presente ante um fato, recebe o resplendor célido. Em outros pocmas do mesmo Cosas, “o eu” — ¢ nao, simplesmente, eu — se estilhaga em partes, pedagos, formas, Cito 0 poema 23: A unha do meu dedo, o dedo da minha mio, a mio do meu corpo, © corpo do meu eu. Meu eu do meu eu do meu eu.’ © procedimento nao implica um mero questionamento de um eu tinico, mas mais profunda e radicalmente, lido no conjunto do livro todo, a exibigio de uma preocupagio por uma poesia que, para além da doutrina impessoalista do moder- hismo ¢ do contessionalismo no outro extremo, problematiza as nogées de sujeito € vida de um modo inovador. O que, pelo menos, tem consequéncias novas. O gesto mento do eu litico na poesia de Dobry — em Cosas, mas também no EI ago de los botes — possibilita explorar uma das figuragdes do impessoal ou andnimo que acarreta a articulagio de uma experiéncia que, sendo pessoal, desauroriza toda nogdo de pertencimento e propriedade. Nesse poema 28, reparemos que, depois do ntimero 28, 0 poema inclui, entre paréntese, “Boulevard Orono”, uma das ruas mais emblematicas larga, ponteada de drvores e ensolarada — de Rosério — a “Cidade de distanc * No original: Instance en que un resplandor templa/ el yo adentro del cuerpo distraido. No original: Ya era yo. va casi no. . . Lembie guia reintorpretasio de Freud que faz Roberto Esposito: “Os episédios som 1 de Freud mio sio atos, reatizados ou falhos, de um sujcito: pessoal, mas a \Snimos nae sempre se ensontt lem dt pewou, O que filta na verdacte, nfo 9 ato, musa NSE ee the daa vida, sempre “atravessada, ¢ desfigurada, pelo pr S dexituindo ssoa, 0 luxo impessoal que altera seu perfil e scien fear ae 2012, p. 39). se apodcrando de stias proprias forgas e dirigindo-as Fee ee la mano demi cuerpo. < ‘Mi yo de mi inca abundincia no fexto Fragmentos de vida que m aque de quem “js conera eli” (Esposito, cuerpo de mi yo. onginal La una de mi dedo,/ el dedo de mi mano, yo de mui yo. 1s

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