Tom Bottomore
e Robert Nisbet
ORGANIZADORES
HISTORIA DA
ANALISE SOCIOLOGIA
Tradugio de
Waltensir Dutra
ZAHAR EDITORES
Rio de Janeiro4
Marxismo e Sociologia
Tom BOTTOMORE
A Formagiéo do Pensamento de Marx
Por mais de um século tem havido uma relagdo intima, dificil, con-
ten , éiitre o'matxismo ¢ a Sociologia, A proximidade se deve
26 fito de que a teotia de Marx pretendia ser, como a Sociologia,
‘uma ciéncia geral da socicdade, € Ri igualimente dirigida particular:
mente para o entendimento das mudancas ocorridas na sociedade,
em conseqiiéncia do desenvolvimento do capitalismo industrial .c,
das reyolugées politicas do século XVIII. Sua intencio e ambicées
eram, evidentemente, as mesmas expressas nos sistemas sociolégi-
cos de Comte e Spencer, ¢ até certo ponto ele valeu-se das mesmas
fontes intelectuais, entre as quais as histérias da civilizagéo, as
teorias do progresso, a andlise da sociedade industrial feita por
Saint-Simon ¢ a nova Economia Politica. Por outro lado, a difi-
culdade € a contenc&o nascem, como discutiremos mais detalhada-
mente adiante, das formas pelas quais a Sociologia e 0 marxismo
se desenvolveram historicamente em esferas muito separadas, do
conflito direto de opinides tedricas e da incerteza subjacente e per-
sistente se o marxismo deve ser visto como tma teoria sociolégica
;entre outras, ou como um sistema de pensamento a parte, um
‘mundo intelectual completa em si mesmo, que constitui uma alter:
wmativa radical a qualquer tipo de Sociologia, como meio de com:
reender e orientar a agio na sociedade humana.MARXSSMO E SOCIOLOGIA 167
Neste capitulo, no me ocuparei diretamente dessa iltima
questo, que discuti em outro lugar,’ mas partirei da suposicao de
que a teoria marxista trata de uma série especifica ¢ circunscrita de’
problemas, que também constitui a matéria de varias teorias so-
cioldgicas, a despeito da diversidade de seus esquemas conceptuais
¢ de seus principios metodolégicos. Qesse ponto de vista, as dife-
rengas entre 9 marxismo e a Sociologia podem nao parecer maiores
do que as existentes entre teorias rivais dentro do que habitual--
mente se aceita como campo da andlise sociolégica. Além disso,
como iremos ver no devido momento, h4 muitos pontos de contato
e de concordancia, bem como influéncias nituas, entre algumas
versdes da teoria marxista e certas posigdes tedricas na Sociologia.
No que se segue, portanto, minha intencio é expor os principais
elementos da teoria de Marx, ? considerada como um des principais
tipos de analise sociolégica, e em seguida acompanhar sua evolucdo-
posterior, as reinterpretagdes ou inovagées criativas que ocorre-
ram, € as maneiras pelas quais os pensadores marsistas responde-
tam tanto aos ataques criticos como aos novos problemas criados
pelas circunstancias histéricas em transformacko.
A teoria de Marx é, em primeiro lugar, uma sintese notavel
de idéias derivadas da Filosofia, dos estudos histérieos e das Cién-
cias Sociais de sua época, cuja formacio se pode seguir melhor nos
Manuscritos Econdmicos ¢ Filosdficos de 1844.8 Neles Marx
comeca a definir 0 conceito mais fundamental de sua teoria, o do
“trabalho humano”, que mais tarde desenvolver4 numa série dé
conceitos correlates. “A principal realizagio da Fenomenologia de
Hegel”, diz Marx, “é, primeiro, que ele compreende a autocriagio
do homem como um processo... que portanto ele compreende a
natureza do trabalho, e concebe o homem objetivo... com 9 re-
sultado de seu préprio trabalho.” 4 Nesses manuscritos, podemos
ver como Marx transforma a concepgio de Hegel, de “trabalho
espirituat’, introduzindo a nogio totalmente diferente de trabalho
que se encontra nas obras dos economistas politicos — o trabalhe
no processo de produgio material, trabalho como fonte de riqueza.
Nem aqui, nem em seus escritos postcriores, limita Marx a idéia
do trabalho simplesmente 4 produca material, como se afirmou
por vezes, pois mantém sempre a nocio mais ampla do trabalho
como atividade humana, na qual a produgio material e intelectual
caminham juntas. O homem nao sé produz os meios de sua exis-
téncia fisica como também cria ao mesmo tempo, num process
Unico, toda uma forma de sociedade. B certo, porém, que a carac-
teristica do conceito de Marx consiste na éilasé “dada a ‘imnportan-
cia do trabalho no sentido econémico (0 intercambio, em desenvol-