Teoria Geral dos
Contratos
1. NOGOES INTRODUTORIAS
Para se entender o fendmeno contratual, é preciso entender
a necessidade e a liberdade de contratar.
Noart. $8, Il, da Constituigao Federal (ninguém serd obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa sendo em virtude de lei)
encontra-se a centelha da liberdade de contratar. Ai se consagra
que, a nao ser em virtude de lei, ninguém se obriga. A inferéncia
logica disso é a de que 0 ordenamento juridico confere ao sujeito
a chamada autonomia da sontade.
O contrato, em verdade, desde 0 Direito romano, estd 20
lado da lei e do ato ilfcito como uma das principais fontes de
obrigagées. Concebiam os antigos que 0 contrato era a uniso
de duas declaragdes de vontade de pessoas que manifestavam
interesses aptos a se convergirem.
Segundo a regra 73, § 4 dos brocardos de Justinianio, de
Quinto Miicio Scaevola, “nec paciscendo, nec legem dicendo,
nec stipulando quisquam alteri cavere potest™.' Destate, & de se
TRS FOR Tein, por st abrir a cure nem madance paca, pam pa lo
TP re see 2 cpl” (@UNONG RANEA Ribs
Brocordos Jrticos ~ As regras de Justinino. 2 ed. So
1969.p.81)observar que somente o cidadio, enquanto detentor de direitos
civis, pode obrigar-se por si. Ninguém por ele, a ndo ser que no
tenha capacidade plenae seja representado ou assistido por outrem.
‘A regra, portanto, era a da liberdade plena de contratar,
muito embora a vontade pudesse fazer surgir obrigagdes outras
{que no propriamente pelo contrato, como se dava ~ e ainda se
di - nos atos juridicos em sentido estrito (ex.: reconhecimento
de filho), nos negécios juridicos unilaterais (ex.: emissio de
titulos de crédito, promessas de recompensa) ou nos quase
contratos (ex.: gestéo de negécios).
Dessa liberdade plena de contratar, portanto, devia derivar
‘uma resposta juridica, que era a forga vinculante dos contratos.
Ora, se posso, livremente, me obrigar ou néo, de
‘momento em que opto por me vincular, observar
aquilo a que me obriguei. Nada resulta mais légico do que isso,
‘numa primeira visio da matéria.
Esta foi a primitiva expressio da liberdade de
autonomia da vontade. Trata-se da forca obriga
4, em lati, pacta sunt servanda (os pactos de
Com efeito a liberdade que tem 0 cidadio de assumir ou nao
suas obrigagdes civis induziré 4 vinculagao que para ele surgird
em eventual celebracio de algum negécio juridico. Quando se
diz pacta sunt servanda quer-se salientar que aquele que contraiu
uma obrigacio deve cumpri-la na exata medida daquilo a que se
obrigou. Na antiga licdo de Pothier, “chama-se obrigacéo civil
aquela que é um vinculo de direito, vinculum juris, e que dé, em
relacio aquele com quem se contratou, o direito de exigir na
justia aquilo que nela esté contido”?
No Direito canénico costumou-se condenar @ superes-
timagio da autonomia da vontade. Em que pesem as razdes
religiosas que levavam a efeito esse pensamento - a par da
influéncia do Direito germanico’ ~ o fato é que se podem
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identificar, nos institutos canénicos, algumas figuras juridicss
{que apontavam para uma mitigaséo ¢, por que no es
evolugao do conceito de contrato, quando, por exemple?
permitia a anulacao dos negécios pela lesao ¢ se proibia 2 usur®-
‘Mas a dominagio clerical que se seguiu 4 decadéncia
romana ~ e 0 consequente mergulho na obscuridade naquela
que se convencionou chamar Idade das Trevas — fes surgir
efusiva reacao as diretrizes do Direito canénico, méxime no
sentido de se afirmar a liberdade do cidadao em face do Estado
da Igreja. Dai surgiu 0 extremado individualismo idealizado
apés as revolucées libertérias do final do Século XVII.
Pode-se observar, portanto, que no Direito Civil que
decorreu imediatamente da Revolugio Francesa, com a
consagracéo das ideias liberais e individualistas do iluminismo,
privilegiou-se, novamente, a forca vinculativa do contrato, de tal
forma a que o devedor, uma vez obrigado, deveria cumprir a sua
prestacao exatamente como a contraiu.
‘Nao mais se perquiria sobre a causa ou a razdo que levava 0
trair a divida, fosse ela licita ou nao. O positivismo
juridico, principalmente, passou a retaliar qualquer invocagao
subjetivista na teoria contratual. Nao importava, portanto, 0
motivo que levava a parte a contratar: tendo contratado, pacta
sunt servanda, ou seja, cumpram-se os pactos. O causalismo
contratual foi violentamente repelido na codificagio francesa
(Code Napoledo de 1804), influenciando 0 Cédigo Civil
brasileiro de 1916 (Concepcao liberal do contrato).
Ocorre que a causa do negécio, como jé tivemos
@ oportunidade de observar na parte geral, pode levar a
consequéncias que implicam no atingimento da relacao juridica
obrigacional. As pessoas contratam para satisfazer necessidades
econémicas da vida, por isso, no podem ser eternamente
condenadas & satisfaci
‘na relagio cont
intencio de se aproveitar da necessidade ou inexperiéncia da
‘outra, impondo cliusulas que podem comprometer o equilibrio
da relacdo contratual.
157Embora a evolugio do Direito Civil, em geral, nio destoe
da ideia da forga vinculativa dos contratos, que continuam
a obrigar o contratante ao cumprimento de sua prestacio, 2
ordem moderna indica que o cidadio, agora, pode questionar,
em juizo, alicitude ou até mesmo a legitimidade da prestagio a
que ele préprio se obrigou, isso porque o Estado nao esté mais
totalmente alheio as contratagées particulares do cidadio.
Com efeito, enquanto nas codificagdes mais antigas 0
contrato era tido como algo intangivel, esse panorama comegou
a mudar a partir do inicio do Século XX, méxime a partir do
surgimento dos chamados direitos de segunda geracdo. J fo
referéncia 4 Constituic¢do mexicana de 1917, 4 Constit
de Weimar, na Alemanha, em 1919, & consagracdo dos direitos
trabalhistas e previdenciérios, e a0 Cédigo Civil italiano de
1942.* Foram normas que permitiram ao Estado interferir na
até entio sagrada autonomia da vontade das partes, inserindo
nas relades contratuais imposicdes estatais que limitam 0
Ambito de atuacao dessa vontade, de arte a impedir a imposigo
de cléusulas que tornem a relacio contratual um fardo pesado
demais a ser carregado por uma das partes e, a0 mesmo tempo,
uma vantagem exagerada 4 outra.
Sendo assim, enquanto a autonomia da vontade era, em sua
forma primitiva,a liberdade que as partes tinham nao apenas para
contratar, mas também para determinar livremente 0 contetido
do contrato, hodiernamente se diz que as partes tém a liberdade
de contratar e de determinar 0 conteiido dos contratos nos
limites impostos pela lei e pela supremacia da ordem piblica.+
Ora, se as partes tém, a partir desta nova visio, um direito
de determinar 0 contetido do negécio, mas limitado aos ditames
da lei e da ordem piblica, fica Sbvio que, mesmo diante da
expressio da vontade de uma delas no contrato, poders o Estado,
\ através de pronunciamento judicial, adequar eventual contrato
dee que
‘sem 6 realizar ineresses merecedores de tutela de acordo com 0 ordem jure
que, mesmo escrito e assinado pelos contraentes, venha a ferir 0
ordenamento juridico®
Essa tendéncia jé havia sido adotada expressamente em
nosso ordenamento juridico através do Codigo de Defesa do
Consumidor (arts. 6%e $1) queestatuiu, entre outros direitos, nas
relagdesdeconsumo,aprotecaodoconsumidordiantedepraticas
comerciais e cléusulas abusivas; a modificasio de cléusulas
contratuais que estabelecam prestacdes desproporcionais ou
sua revisio em razio de fatos supervenientes que as tornem
‘excessivamente onerosas;” 0 reconhecimento de nulidade de
cldusulas que: subtraiam ao consumidor a opgio de reembolso
de quantia j4 paga; estabelecam obrigagées iniquas, abusivas,
que coloquem 0 consumidor em desvantagem exagerada ou
sejam incompativeis com a boa-fé ou a equidade;* deixem
a0 fornecedor a opgio de concluir ou nao o contrato, embora
Te memes argo (10 Dre Ci Conical ¢ a Nove Teor dos
°s. ‘c sblemas de Direito Civil —
‘esporanga de que o uz terha as suas pretenses como legen
7. mportante ress, a respeito do art. 6%, do Césigo de Defeta do Consumior,
c dos princios que evoliram ro curso dos séules. Desa evolugo
dade como un nove rao do dito - equity” (ZITSCHER, Hart
trod 0 Dito Ci Aledo Igts, Belo Horizonte: Del Rey, 1999,
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