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No Antigo Regime (séculos XVI a XVIII) as sociedades europeias organizavam-se segundo uma estratificação que vinha já da Idade Média, e que se baseava na
desigualdade do nascimento e funções desempenhadas.
Era uma sociedade de “Ordens” ou “Estados”: Clero, Nobreza e 3.º Estado (burguesia/povo).
O mais numeroso e menos privilegiado era, sem dúvida, o 3.º Estado, do qual faziam parte os camponeses, mineiros, pescadores, artesãos, operários, comerciantes e
funcionários.
No topo estava o rei que garantia o privilégio dos dois primeiros Estados ou Ordens Sociais, que eram o Clero e Nobreza.
O estado social de cada indivíduo dependia do seu nascimento (Nobre ou 3.º Estado) ou da função que desempenhava (Clero).
Conforme a sua condição, assim beneficiava de determinados privilégios ou estava obrigado a um conjunto de deveres que decorriam dos códigos de atuação pública
da sua “Ordem”.
Neste tempo, a mobilidade social era raríssima, apenas as economias mais progressistas da Inglaterra e dos Países Baixos permitiam alguns processos de ascensão
social, baseados na riqueza, na cultura, estilo de vida e alianças familiares.
A Nobreza ocupava o 2.º lugar. Havia a Nobreza Rural (que vivia dos rendimentos da terra), a Nobreza Cortesã (exercia cargos na corte, que acumulava com a condição
de grande proprietária), a Nobreza de Espada (ligada à vida militar), a Nobreza de Sangue (nobreza de linhagem que se fechava em casta) e a Nobreza de Toga (recém
nobilitada pelo exercício de importantes cargos públicos: diplomacia, justiça e administração).
Os nobres não pagavam impostos e tinham foro próprio.
O Absolutismo régio
Na Europa do Antigo Regime, o regime político dominante era, de facto, a monarquia absoluta.
Foi o resultado de uma longa evolução da política centralizadora que começou ainda na Idade Média (séc. XIII) e foi favorecida pelos seguintes fatores:
O ressurgimento do urbanismo e da economia de mercado;
A pressão ascensional da burguesia enriquecida;
O desenvolvimento cultural e renascimento do direito romano (que valorizava o estado centralizado);
O crescimento económico e alargamento geográfico dos países/impérios europeus.
Tudo isto contribuiu decisivamente para a valorização da figura do rei junto das sociedades daquela época. Os reis absolutos tornaram-se, assim, nas primeiras e mais
poderosas pessoas dos respetivos Estados, exercendo o poder de forma pessoal, absoluta, única e concentrando todos os poderes nas suas mãos (legislativo, judicial e
executivo).
João V foi o monarca português que melhor ilustrou a imagem de rei absoluto, sabendo superiorizar-se relativamente a todos os grupos sociais. Grande admirador de
Luís XIV, Rei Sol, tentou imitar o rei francês, tentando controlar todo o poder (diminuindo progressivamente a capacidade de decisão dos diversos Conselhos).
O absolutismo de D. João V manifestou-se na ostentação da sua riqueza, mas também nas reformas empreendidas na governação do Reino. Uma das características do
Absolutismo Joanino foi a não convocação de Cortes. Reformou a estrutura governativa com a criação de três Secretarias de Estado do Reino (que dirigia o Governo):
dos Negócios Estrangeiros e da Guerra; da Marinha e do Ultramar.
Ele presidia ao governo das Três Secretarias de Estado. O seu absolutismo traduziu-se, assim, no fortalecimento do poder real e na expansão das áreas de influência do
Estado.
Unidade 3 “Triunfo dos estados e dinâmicas económicas nos séculos XVII e XVIII
O mercantilismo
Nos séculos XVII e XVIII os Estados europeus tiveram uma grande tendência para proteger as respetivas economias nacionais, procurando uma balança comercial
favorável à custa de um grande estímulo à produção urbana, consolidada com medidas protecionistas. Entre os primeiros estados a praticar o mercantilismo (doutrina
económica que defende que a riqueza dum estado está na abundância de metais preciosos [ouro/prata], resultantes do “superavit” do comércio externo) está a
Holanda que promoveu o protecionismo à produção interna (agrícola e manufatureira) para obter uma balança comercial favorável.
Os países que tinham um império colonial, onde era possível a exploração de metais preciosos, como Portugal e Espanha, também viram aumentar as suas reservas em
metal precioso, mas isso não significa uma verdadeira política mercantilista, porque esta aposta sempre numa política de grandes investimentos na produção nacional e
numa legislação protecionista.
O mercantilismo Francês
As medidas mercantilistas em França foram adotadas, sobretudo por Colbert, no reinado de Luís XIV, e consistiram: na criação de manufaturas régias; modernização das
técnicas e processos de fabrico; concessão de benefícios fiscais e jurídicos às indústrias; fiscalização da qualidade da produção; regulamentação do trabalho fabril e
adoção de pautas aduaneiras protecionistas. Criou também Companhias Comerciais Monopolistas e alargou as áreas coloniais, reforçando os investimentos no
desenvolvimento da frota mercante e da marinha de guerra.
Mas esta política não resultou porque Colbert esqueceu a agricultura, os gastos com a guerra e com a Corte eram elevadíssimos, teve a oposição da Nobreza e notou-se
um excesso de dirigismo político. Ainda assim este modelo de mercantilismo foi o mais adotado pelos países europeus.
O mercantilismo inglês
O “mercantilismo inglês” assenta nos “Atos de Navegação” que são responsáveis pelo domínio inglês do comércio marítimo mundial a partir da 2.ª metade do séc. XVII.
Na prática, esta legislação inglesa, altamente protecionista, pretendia retirar aos holandeses o seu domínio nas áreas do comércio britânico, impedindo que as
mercadorias estrangeiras chegassem ao mercado inglês noutros barcos que não fossem os ingleses ou os do país de onde eram esses produtos. Até os tripulantes dos
navios ingleses deveriam ser maioritariamente britânicos.
Entre as principais medidas mercantilistas adotadas pelos Estados europeus, salientam-se as seguintes: redução das taxas fiscais para as exportações; proibição das
importações de artigos de luxo; aumento das taxas sobre os produtos importados; incentivo à produção manufatureira; criações de Companhias Comerciais
monopolistas; exclusivo colonial.
No séc. XVIII, os países mais desenvolvidos da Europa (Holanda e Inglaterra) iniciaram importantes inovações no setor agrícola, das quais se destacaram os seguintes:
substituíram o sistema rotativo trienal pelo quadrienal (acabando com o pousio);
aumentaram as áreas de cultivo (apropriando-se de baldios e recorrendo a arroteamentos e drenagens);
praticaram o emparcelamento e vedação de terrenos;
selecionaram sementes;
recorreram à mecanização(máquina de semear) e intensificaram a criação de gado.
A Revolução Agrícola, por sua vez, estimulou o arranque da industrialização, libertando mão-de-obra dos campos, fornecendo-lhe matéria-prima (lã, linho e algodão),
permitindo a acumulação de capitais e consumindo instrumentos de ferro (produzidos pela indústria metalúrgica).
O Tratado de Methuen
Assinado entre Portugal e a Inglaterra (em 1703), garantia privilégios fiscais aos têxteis ingleses que entrassem no mercado português (pagando apenas 2/3 de direitos
alfandegários) em troca de igual privilégio para os vinhos portugueses que entrassem no mercado inglês.
Mas, tal Tratado, mostrar-se-ia mais favorável aos interesses ingleses do que aos interesses portugueses (nós poderíamos, sem grandes dificuldades, produzir aqui os
têxteis que importávamos, mas eles, mesmo que quisessem, não podiam produzir na Inglaterra vinhos iguais aos nossos, porque o clima é bem diferente do nosso).
Os resultados da política pombalina fizeram-se sentir de imediato. As áreas económicas sob controlo das companhias prosperaram, desenvolveram-se outros produtos
coloniais como o algodão, o café e o cacau, em muitos ramos da indústria as produções internas substituíram as importações e aumentaram também as exportações
para o Brasil, de produtos manufacturados da metrópole.
A balança comercial obteve saldo positivo.
Guerras e revoluções afectaram o comércio francês e inglês, contribuindo para devolver a Lisboa um pouco da sua antiga grandeza como entreposto atlântico.
Graças às medidas económicas tomadas pelo marquês de Pombal, no fim do século XVIII Portugal viveu a sua melhor época de sempre
Unidade 4 Construção da modernidade europeia
4.2. A filosofia das Luzes e a crítica aos valores tradicionais
No início do séc. XVIII, os intelectuais achavam que tinham descoberto o caminho para um futuro melhor para a humanidade. A Filosofia das Luzes representa,
efetivamente, a evolução do pensamento renascentista, promovendo o espírito crítico baseado na razão, e acreditando no conhecimento, na técnica e no progresso,
como meios primordiais para atingir a felicidade humana.
A religião, a política e a Sociedade do século XVIII foram objeto de críticas contundentes, que estão na base da condenação dos valores tradicionais e na defesa dos
direitos naturais (igualdade natural), valorizando a crença na natureza, o individualismo, a liberdade, a crença no trabalho, ilustração e progresso. Estes novos valores,
explicitados na “Enciclopédia”, estão na origem das Revoluções Liberais que ocorreram nos finais do séc. XVIII e princípios do séc. XIX.
A valorização do indivíduo
Defendendo os princípios do humanismo, racionalismo, empirismo, crença na natureza, razão e progresso, os iluministas defendiam também a educação como forma
de divulgar o saber e, sobretudo, de valorizar o indivíduo, desenvolvendo nele as capacidades naturais e racionais, e colaborar, assim, para formar cidadãos cultos,
capazes de construir um futuro de progresso. Empenharam-se em demonstrar, perante os governos, a importância da educação para o pleno desenvolvimento das
faculdades naturais dos indivíduos; defenderam a educação escolar para todos (rapazes e raparigas); explicaram a utilidade e riqueza para as nações que resultaria do
facto de terem todos os seus cidadãos instruídos, preconizarem uma reforma de ensino, recorrendo a novos métodos pedagógicos e à introdução de novos currículos
escolares, adequados à necessidade da época. Os novos modelos pedagógicos punham de parte os castigos físicos e incentivavam uma aprendizagem baseada no gosto
de aprender em liberdade e com responsabilidade.
A defesa do direito natural / O contrato social / Separação dos poderes
Valorizando a razão e a filosofia natural os iluministas, com base no direito natural, defendem uma sociedade nova assente no reconhecimento dos direitos naturais do
homem: igualdade e liberdade, negando o absolutismo e a teoria da origem divina do poder real, contrapondo os princípios da soberania nacional (que pertence ao
povo) e do contrato social (acordo, tácito ou explícito, entre o povo e os seus governantes).
Os iluministas, relativamente ao poder político, defenderam a sua tripartição: poder legislativo (o que faz as leis, normalmente, pertencente a assembleias eletivas);
poder judicial (o que julga o não cumprimento da lei, pertencente aos tribunais); e poder executivo (o que aplica as leis e vigia o seu cumprimento).
Em termos sociais, achavam que todos deviam ser iguais perante a lei, mas aceitam as desigualdades resultantes dos talentos e capacidades individuais.
O atentado contra D. José (1758) deu a Pombal o pretexto para uma repressão dirigida contra as principais famílias nobres, com destaque para os Távoras, condenadas
à pena máxima. A violência e o aparato com que foram executadas as sentenças, encheu de horror o país e a Europa.
Com o objectivo de reduzir a influência do clero, Pombal procurou controlar o Tribunal de Santo Ofício que, progressivamente, subordinou à Coroa. Instituiu, também,
um organismo de censura estatal - a Real Mesa Censória -, que chamou a si as funções de avaliação das obras publicadas, até aí competência dos inquisidores.
Alvo particular da animosidade do ministro foi a Companhia de Jesus, que detinha um papel de relevo na missionação dos índios brasileiros e nas instituições de ensino.
A reforma do ensino
Considerando a ignorância o maior entrave ao progresso dos povos, a filosofia iluminista colocou o ensino no centro das preocupações dos governantes. Foram
tomadas medidas no sentido de alargar a rede de instrução pública e de renovar, à luz das novas pedagogias, as antigas instituições. Este espírito chegou a Portugal por
via dos estrangeirados.
Pombal criou um colégio destinado aos jovens nobres, com o objectivo de os preparar para o desempenho dos altos cargos do Estado. O Real Colégio dos Nobres foi
organizado de acordo com as mais modernas concepções pedagógicas, integrando as línguas vivas, as ciências experimentais, a música e a dança, estas últimas
imprescindíveis à frequência dos círculos sociais aristocráticos a que os alunos pertenciam. O projecto do Real Colégio não prosperou, talvez pela renitência dos nobres
em colocarem os seus filhos numa instituição tão conotada com um ministro que detestavam.
A expulsão dos Jesuítas obrigou ao encerramento de todos os seus colégios. Foram criados postos para ‘’mestres de ler e escrever’’. Para os alunos que pretendessem
prosseguir estudos, instituíram-se mais de duas centenas de aulas de retórica, filosofia, gramática grega e literatura latina, cujo conhecimento era imprescindível a
quem quisesse ingressar na universidade.
Criou-se a Junta da Previdência Literária que fica incumbida de estudar a reforma da Universidade.
A Universidade recebe os seus novos estatutos, estes configuram uma reforma radical, quer no que respeita ao planeamento dos cursos, quer no que toca às matérias
e aos métodos de ensino, que passam a ser orientados por critérios racionalistas e experimentais.
Uma vez que a reforma no ensino ia dar muitas despesas, foi criado um novo imposto, o Subsídio Literário, sobre a carne, o vinho e a aguardente, pagável no reino e
nas colónias.
A subida ao trono de D. Maria I significou a desgraça do ministro que, desapossado dos múltiplos cargos que exercia, se viu desterrado e perseguido.
MÓDULO 5 O LIBERALISMO – IDEOLOGIA E REVOLUÇÃO, MODELOS E PRÁTICAS NOS SÉCULOS XVIII E XIX
Unidade 4 “A implantação do Liberalismo em Portugal”
A rainha D. Maria I foi declarada como louca e por isso estava incapaz de exercer o seu cargo, portanto, em 1792 o seu filho D. João (futuro D. João VI) subiu ao poder
como príncipe regente. Nesta altura o país estava ainda muito ligado ao antigo regime.
Todavia, apesar do absolutismo, havia uma burguesia comercial urbana e um conjunto de intelectuais que desejavam a mudança. Muitos iam a cafés, botequins e lojas
maçónicas onde eram propagados os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade vindos de França.
As invasões francesas (1807-1811) podem ser consideradas como uma causa indirecta da Revolução Liberal portuguesa de 1820, na medida em que criaram uma
conjuntura propícia à mudança, a vários níveis:
1. Conjuntura política:
a) A família real, juntamente com todos os que representavam a monarquia e os súbditos que quisessem acompanhar a viagem em navios privados (cerca de 15 000
pessoas, no total), embarcou para o Brasil (1807).A ideia não era nova, pois já em épocas anteriores (por exemplo, aquando da invasão espanhola, em 1580) se havia
pensado nessa possibilidade
Porém, a mudança da Corte para o Brasil, apesar de justificada, então, pela necessidade de preservar a independência de Portugal e de evitar a dissolução da dinastia
de Bragança, foi entendida, pelos súbditos comuns, como uma verdadeira fuga, contribuindo, assim, para o descrédito da monarquia absoluta.
b) Na ausência de D. João Vl (que apenas regressaria em 1821), Portugal ficou sob o domínio do marechal inglês William Beresford, tornado presidente da Junta
Governativa. Beresford organizou a defesa contra os Franceses, controlou a economia e exerceu a repressão contra o Liberalismo nascente. Conquistou o ódio dos
militares, que perdiam os postos de comando para os ingleses, e da generalidade dos Portugueses que o viam como prepotente (tendo-se salientado o episódio da
execução do general Gomes Freire de Andrade por envolvimento na conspiração liberal de 1817).
A Revolução de 1820 viria a ser desencadeada aproveitando a ausência de Beresford, que se havia deslocado ao Brasil no intuito de solicitar ao rei poderes acrescidos.
c) A permanência dos Franceses no território português (apesar de serem os invasores malquistos), bem como o exemplo da revolução liberal espanhola de 1820,
contribuíram para disseminar as ideias liberais entre os Portugueses.
2. Conjuntura económica:
a) As invasões francesas, para além de responsáveis pela destruição material à passagem dos soldados, provocaram a desorganização em todos os sectores económicos
e o défice financeiro.
b) A situação do Brasil como sede do reino (em consequência das invasões francesas) valeu-lhe a atenção do regente que, durante a sua estadia, tomou medidas
favoráveis à economia brasileira, porém, muito contestadas pela burguesia da metrópole, destacando-se:
- em 1808, a abertura dos portos do Brasil, obrigando a burguesia portuguesa a competir com os estrangeiros pelo mercado brasileiro;
- em 1810, o tratado de comércio com a Inglaterra, que favorecia a entrada de manufacturas inglesas no Brasil.
3. Conjuntura social:
a) A burguesia, sendo o grupo mais afectado pela crise no comércio e na indústria decorrente das invasões francesas, era também o mais descontente, logo, mais
inclinado à preparação da revolta. A tomada de consciência política traduziu-se na constituição do Sinédrio (associação secreta fundada por Manuel Fernandes Tomás,
ligada à Maçonaria) que planificou a rebelião.
4.2 A Revolução de 1820 e as dificuldades de implantação da ordem liberal (1820-1834)
Formou-se, então, a Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, que governou o país durante quatro meses e organizou eleições para as Cortes Constituintes
(Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa).
Da reunião das Cortes (1821-1822) resultou a Constituição de 1822, elaborada de acordo com a vontade da ala mais radical dos deputados. O Vintismo é, assim,
identificado com um liberalismo de tipo radicalista, que vigorou em Portugal através da Constituição, entre 1822 e 1826, muito embora ameaçado por golpes
absolutistas desde 1823.
A acção do Vintismo caracterizou-se, no essencial, pelas seguintes medidas:
Elaboração da Constituição de 1822 e instituição do parlamentarismo;
Instituição da liberdade de expressão: a Inquisição acabou, a censura foi abolida (com efeitos importantes sobre a imprensa e o ensino);
Eliminação de privilégios do clero e da nobreza: foram abolidos o pagamento da dízima à Igreja e os privilégios de julgamento; a reforma dos forais (1821) libertou
os camponeses da prestação de um grande número de direitos senhoriais; a "Lei dos Forais" (1822) reduziu (mas não eliminou) as rendas e pensões que os
camponeses tinham de pagar aos senhores das terras.
1. Pela oposição constante das ordens privilegiadas, que não queriam perder os seus direitos.
2. Pelo descontentamento das classes populares, as quais pretendiam uma reforma socioeconómica mais profunda, que anulasse as estruturas de Antigo Regime; ao
invés, a actuação vintista defendeu os interesses da burguesia rural em detrimento do pequeno campesinato, pois os deputados das Cortes eram, também,
proprietários de terras. A Lei dos Forais, nomeadamente, não surtiu o efeito desejado porque não se aplicava a todas as terras e porque convertia as rendas
(habitualmente pagas em géneros) em prestações pagas em dinheiro, sem um critério de conversão uniforme.
3. Pela actuação antibrasileira das Cortes; apesar de o Brasil ter o estatuto de reino desde 1815, toda a actuação das Cortes se orientou no sentido de lhe retirar
autonomia e de refrear o progresso económico:
o regresso de D. João Vl a Portugal em 1821, onde veio a assinar a Constituição de 1822, interrompeu a obra de desenvolvimento que este monarca havia iniciado no
Brasil (por exemplo, permitindo a criação de indústrias, ordenando a criação de um banco, de uma biblioteca, de um teatro, de uma imprensa local). Ficou no Brasil,
como regente, o seu filho Pedro.
as Cortes, compostas por deputados que dependiam do comércio colonial, aprovaram várias leis que tornavam o Brasil directamente dependente de Lisboa (por
exemplo, os poderes judicial e militar eram submetidos directamente a Lisboa) e que retiravam a liberdade de comércio à colónia (nomeadamente, só os navios
portugueses podiam fazer o comércio de porto em porto em todas as possessões do império).
o príncipe regente D. Pedro foi chamado a Portugal com o argumento (pouco convincente) de ser educado na Europa.
Esta tentativa, por parte das Cortes, de retirar direitos que os colonos sentiam como adquiridos resultou, em 1822, na independência do Brasil proclamada pelo próprio
D. Pedro, coroado imperador do Brasil (foi D. Pedro I do Brasil, entre 1822 e 1831, e D. Pedro lV de Portugal, durante uma semana apenas, em 1826, antes de abdicar do
trono português em favor da sua filha).
A perda da colónia americana foi um dos factores de fracasso do Vintismo, pois retirou importantes fontes de rendimento a Portugal, o que provocou o
descontentamento social. A independência do Brasil só viria a ser reconhecida pela metrópole portuguesa em 1825.
A Constituição de 1822
A Constituição de 1822 é um diploma arrojado para o seu tempo. Eis as suas principais deliberações:
1. Os direitos dos cidadãos foram assegurados (arº I "A Constituição política da Nação Portuguesa tem por objectivo manter a liberdade, segurança e propriedade de
todos os Portugueses."). Porém, a ausência de representação das classes populares nas Cortes (os deputados eram, maioritariamente, magistrados, proprietários e
comerciantes) repercutiu-se na afirmação do sufrágio não-universal (Título III, Capítulo l, item 33 - "Na eleição dos deputados têm voto os portugueses que estiverem
no exercício dos direitos de cidadão *...+. Da presente disposição se exceptuam *…+")
2. O poder real foi limitado: o rei, a quem cabia o poder executivo, tinha direito de veto suspensivo sobre as Cortes, isto é, podia remeter uma lei já aprovada às Cortes
Legislativas, mas teria de acatar o resultado dessa segunda votação. Assim, o absolutismo foi abolido, pois a soberania residia nas Cortes e não no rei (Título II, item 26 -
"A soberania reside essencialmente em a Nação").
3. A sociedade de ordens foi abolida, pois não se reconheciam quaisquer privilégios à nobreza e ao clero (Título I - item 9 - "A lei e igual para todos"). Esta determinação
motivou, aliás, a oposição cerrada das ordens privilegiadas ao radicalismo vintista.
4. A responsabilidade de elaboração das leis foi entregue a uma Câmara única (Cortes Legislativas), o que retirava às ordens superiores a possibilidade de terem um
órgão de representação próprio (Título III, Capítulo V item 105 - "A iniciativa directa das leis somente compete aos representantes da Nação juntos em Cortes.").
A Carta Constitucional de 1826, ao contrário da Constituição de 1822, é um documento de tipo moderado. A Carta foi outorgada por D. Pedro, após a morte do pai, D.
João VI, em 1826 ("Faço saber a todos os meus súbditos portugueses que sou servido decretar, dar e mandar jurar imediatamente pelas três Ordens do Estado a Carta
Constitucional *…+ " Procurava conciliar o Antigo Regime e o liberalismo, através das seguintes medidas:
1. O poder real foi ampliado: graças ao poder moderador de que passava a usufruir (Título V Art.º 71 - "O poder moderador é a chave de toda a organização política e
compete privativamente ao rei [...] "), o monarca podia nomear os Pares, convocar as Cortes e dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir o governo, vetar a
título definitivo as resoluções das Cortes (Título III, Art.º 59- "O rei dará, ou negará, a sanção em cada decreto *…+”) e suspender os magistrados.
2. Os privilégios da nobreza foram recuperados (Título VIII, Art.º 45, item 31 - "Garante a nobreza hereditária e suas regalias.")
3. As Cortes Legislativas passaram a ser compostas por duas Câmaras: a Câmara dos Deputados, eleita por sufrágio indirecto e censitário, e a Câmara dos Pares,
reservada a elementos das ordens superiores nomeados a título vitalício e hereditário (Título III Art.º 14 - "as Cortes compõem-se de duas Câmaras [...] "
5. Os direitos do indivíduo só aparecem no fim do documento (Título VIII, Art.º 45 "*…+ a liberdade, a segurança individual e a propriedade [...]" e o sufrágio era
censitário e indirecto.
A Carta Constitucional teve três períodos diferentes de vigência: 1.º entre 1826 e 1828, o 2.º entre 1834 e 1836 e o 3.º entre 1842 e 1910 (embora sujeita a alterações
desde 1851).
A guerra civil de 1832 e a resistência ao Liberalismo
O Liberalismo português sofreu várias ameaças:
As primeiras reacções absolutistas lideradas pelo infante D. Miguel foram apoiadas pela sua mãe, a rainha D. Carlota Joaquina, pela nobreza e pelo clero.
Beneficiando de uma conjuntura externa favorável ao retorno das monarquias absolutas, D. Miguel pôs em prática dois movimentos militares: a Vilafrancada, em
1823 e a Abrilada, em 1824. Apesar de fracassados (D. Miguel é exilado em Viena de Áustria) puseram termo ao projecto progressista do Vintismo. D. João VI
remodelou o governo, que passou a integrar liberais moderados, e muitos dos liberais (ou "malhados", como lhes chamavam os partidários de D. Miguel) fugiram do
país;
Em 1828, Portugal tornou-se, de novo, um país absolutista. Perante o problema da sucessão ao trono após a morte de D. João VI, D. Pedro, então imperador do
Brasil, confirmou a regência de Portugal pela sua irmã, a infanta D. Isabel Maria e abdicou dos seus direitos à Coroa em favor da filha D. Maria da Glória (rainha D.
Maria II). Porem, como a sua filha tinha apenas sete anos, ficaria como regente D. Miguel, o qual casaria com a sobrinha e juraria a Carta Constitucional. O
casamento não se chegaria a realizar pois D. Miguel, após ter regressado do exílio, convocou Cortes onde se fez aclamar rei absoluto. Assim, entre 1828 e 1834,
Portugal viveu sob o regime absolutista, o que conduziu à fuga de um grande número de liberais;
Entre 1832 e 1834 desenrolou-se a guerra civil entre os liberais (chefiados por D. Pedro desde 1831) e os absolutistas (liderados por D. Miguel). A implantação
definitiva do Liberalismo revelou-se muito difícil, pois D. Pedro apenas dispunha de um pequeno exército (de cerca de 7500 homens). Foi a partir da ilha Terceira dos
Açores (que já se havia insurgido militarmente contra o absolutismo em 1828 e em 1829) que D. Pedro organizou a resistência. Em 1832 desembarcou em Pampelido
(Mindelo), dirigindo-se para a cidade do Porto, onde foi cercado, durante dois anos, pelas forças absolutistas (Cerco do Porto). A vitória liberal só aconteceu em
1834, e foi selada pela Convenção de Évora-Monte. D. Pedro morreu, pouco tempo depois, de tuberculose, enquanto o seu irmão D. Miguel foi exilado para o resto
da sua vida. D. Maria II rainha desde os sete anos de idade, só então, com quinze anos, pôde sentar-se no trono português.
4.3. O novo ordenamento político e socioeconómico (1832/34-1851)
José Xavier Mouzinho da Silveira, ministro da Fazenda (finanças) e da Justiça durante a regência de D. Pedro (1832-1833), promulgou decretos fundamentais para a
consolidação do Liberalismo, atacando as estruturas de Antigo Regime:
Na agricultura, aboliu os dízimos, os morgadios e os forais, libertando os camponeses das dependências tradicionais;
No comércio, extinguiu as portagens internas e reduziu os impostos sobre a exportação, de maneira a retirar os entraves à actividade comercial;
Na indústria, acabou com os monopólios, nomeadamente o da Companhia das Vinhas do Alto Douro;
Na administração, dividiu o país em províncias, comarcas e concelhos; também instituiu o Registo Civil para todos os recém-nascidos, retirando a questão do
nascimento da alçada da Igreja;
Na justiça, organizou o país segundo uma hierarquia de circunscrições (divisões territoriais), submetendo todos os cidadãos à mesma lei;
Nas Finanças, criou um sistema de tributação nacional, eliminando a tributação local que revertia, em grande parte, a favor do clero e da nobreza; substituiu o Erário
Régio (criado pelo Marquês de Pombal) pelo Tribunal do Tesouro Público para controlar a arrecadação de impostos;
Na cultura, mandou abrir aulas e instituiu a Biblioteca Pública do Porto.
Ferreira Borges desempenhou, igualmente, um papel importante na liquidação do Antigo Regime em Portugal, ao elaborar o Código Comercial de 1833, onde se
aplicava o princípio fundamental do liberalismo económico: o livre-câmbio, ou seja, a livre circulação de produtos (por oposição ao proteccionismo), através da abolição
de monopólios e de privilégios, bem como da eliminação do pagamento de portagens e de sisas.
Joaquim António de Aguiar, ministro da Justiça, mereceu o epíteto de "mata-frades" pela sua intervenção legislativa (1834-1835) contra os privilégios do clero, em
particular do clero regular, identificado com o projecto miguelista:
Aboliu o clero regular, através do Decreto de Extinção das Ordens Religiosas que acabava com "todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer casas
de religiosos de todas as Ordens Regulares" masculinas; as ordens religiosas femininas eram, indirectamente, aniquiladas por meio da extinção dos noviciados
(preparação para o ingresso numa ordem religiosa).
Os bens das ordens religiosas foram confiscados e nacionalizados;
Em 1834-1835, esses bens, juntamente com bens da Coroa, das Rainhas e do Infantado, foram vendidos em hasta pública - beneficiando a alta burguesia - e o produto
da venda foi utilizado, pelo ministro da Fazenda (Silva Carvalho), para pagar dívidas do Estado.
O Setembrismo
O reinado de D. Maria II (1826-1853) correspondeu a um período conturbado da história política portuguesa de Oitocentos. Começou a reinar, efectivamente, em 1834,
sob a vigência da Carta Constitucional redigida pelo seu pai, D. Pedro (1834-1836: etapa designada por Cartismo). Porém, em Setembro de 1836, uma revolução de
carácter civil obrigou a rainha a revogar a Carta e a jurar a Constituição de 1822.
O Setembrismo (1836-1842) foi um projecto político da pequena e média burguesia, com o apoio das camadas populares (contra o predomínio da alta burguesia, que
havia sido favorecida pelo Cartismo). Os mentores do Setembrismo, que integravam o novo governo, eram Sá da Bandeira e Passos Manuel.
A política setembrista, apoiada na nova Constituição de 1838, caracterizou-se, essencialmente, pelas seguintes medidas:
O rei (neste caso, a rainha) perdeu o poder moderador (embora mantivesse o direito de veto definitivo sobre as leis saídas das Cortes);
A soberania da Nação foi reforçada;
Adoptou-se o proteccionismo económico, sobrecarregando com impostos as importações, de modo a tornar mais competitivos os produtos industriais nacionais
(sem grande sucesso);
Investiram-se capitais em África, como alternativa à perda do mercado brasileiro;
Reformou-se o ensino primário, secundário e superior, com destaque para a criação dos liceus, por Passos Manuel, onde os filhos da burguesia se preparavam para o
ensino superior que lhes permitiria exercer cargos de relevo;
As taxas fiscais aplicadas aos pequenos agricultores não foram abolidas, o que contribuiu para o fracasso económico do Setembrismo.
O Cabralismo
Entre 1842 e 1851, vigorou a ditadura de António Bernardo da Costa Cabral. O país enveredou, novamente, pela via mais conservadora: enquanto o Setembrismo se
inspirava na Constituição de 1822, o Cabralismo repôs em vigor a Carta Constitucional de 1826, identificando-se, assim, com o período do Cartismo (1834-1836). E, tal
como aconteceu com o Cartismo, as medidas tomadas durante o período do Cabralismo favoreceram, em primeiro lugar, a alta burguesia.
Destacam-se, nomeadamente:
O fomento industrial (fundação da Companhia Nacional dos Tabacos, difusão da energia a vapor);
O desenvolvimento de obras públicas (criação da Companhia das Obras Públicas de Portugal para a construção e reparação de estradas; construção da ponte pênsil
sobre o rio Douro);
A reforma fiscal e administrativa (publicação do Código Administrativo de 1842, criação do Tribunal de Contas para fiscalização das receitas e despesas do Estado).
No entanto, as Leis da Saúde Pública, em especial a proibição do enterramento dentro das igrejas, a par do descontentamento com o acréscimo de burocracia e com o
autoritarismo de Costa Cabral, despoletaram duas movimentações de cariz popular
A revolta da "Maria da Fonte" e a "Patuleia" que se transformaram em guerra civil (1846/47) e acabaram por conduzir à queda de Costa Cabral, em 1847.
Este regressaria ao poder em 1849, sendo afastado definitivamente em 1851, pelo golpe do marechal-duque de Saldanha.
Depois de uma primeira metade de século extremamente agitada, nos últimos 50 anos de Oitocentos, Portugal iria gozar a paz e o progresso material do período da
Regeneração.
MÓDULO 5 O LIBERALISMO – IDEOLOGIA E REVOLUÇÃO, MODELOS E PRÁTICAS NOS SÉCULOS XVIII E XIX
Unidade 5 “O legado do Liberalismo na primeira metade do século XIX”
O Liberalismo é uma forma de organização social, política e económica que vigorou na Europa Ocidental nos séculos XVIII e XIX.
A nível político, o Liberalismo defende a representatividade popular, contra o regime absolutista;
A nível económico, é a favor da liberdade de iniciativa privada, contra o intervencionismo do Estado;
A nível social, coloca a burguesia no topo da escala social, contra os privilégios da nobreza e do clero.
A implantação do Liberalismo correspondeu à queda do Antigo Regime e influenciou, de forma marcante, grande parte dos regimes actuais.
Pela sua importância, estes direitos apareceram consignados nos diplomas fundamentais do Liberalismo:
- A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776) apresenta como justificação para romper os laços políticos com a Inglaterra os "Direitos
inalienáveis, entre os quais a Vida, a Liberdade e a procura da Felicidade";
- A Constituição dos Estados Unidos da América (1787) tem como objectivo assegurar "os benefícios da liberdade';
- A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789) refere, no seu artigo 1.º, que "Os homens nascem e são livres e iguais em direitos" e, no artigo
2.º que os direitos naturais do homem "são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão",
- A Carta Constitucional de 1814 esclarece, no Artigo 1.º, que "Os Franceses são iguais perante a lei [...] ", embora apresente, seguidamente, todas as nuances a esse
direito características de um liberalismo moderado (bicameralismo, sufrágio censitário, autoridade real reforçada, liberdade de expressão e de religião relativizadas);
- A primeira Constituição Portuguesa (1822) explicita, logo no seu artigo 1.º, que "tem por objectivo manter a liberdade, a segurança e a propriedade de todos os
Portugueses.";
-A Carta Constitucional portuguesa (1826), partidária de um liberalismo mais moderado, remete a enunciação dos direitos para o fim do diploma constitucional,
referindo, no artigo 45.º que "A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a
propriedade, é garantida pela constituição do Reino".
O Liberalismo económico
Ao contrário daquilo que defendia o mercantilismo, o liberalismo económico opunha-se à intervenção do Estado na economia.
De acordo com o valor iluminista do individualismo, devia dar-se total liberdade à iniciativa privada, pois a procura individual do lucro resultaria, naturalmente, na
riqueza e progresso de toda a sociedade. Destacaram-se vários pensadores na formulação dos princípios do liberalismo económico:
- Adam Smith defende a inteira liberdade de iniciativa dos indivíduos para produzir e comerciar; o Estado não precisa de se imiscuir na economia pois esta rege-se por
leis próprias, em particular a lei da oferta e da procura e a livre concorrência;
- Quesnay advoga o fisiocratismo, doutrina económica segundo a qual a base da riqueza de cada país está na agricultura, pelo que se deve incentivar todos os cidadãos
a serem agricultores e a comercializarem, em regime de livre concorrência, os seus produtos agrícolas; o fisiocratismo serviu de base ideológica à revolução agrícola
inglesa do século XVIII;
- Gournay exprimiu o ideal de livre concorrência na famosa expressão "laissez faire, laissez passer" ("deixai produzir, deixai comercializar").