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ESTE E MEU, E SEU, E NOSSO INTRODUGAO A PARODIA NO CINEMA BRASILEIRO Em 1954, 0 filme Nem Sansao nem Dalila, dirigido por Carlos Manga, parodiava a superprodugio Sansdo e Dalila, de Cecil B. de Mille, langada alguns anos antes. No filme de Manga, podemos encontrar o que talverseja a me- Thor metéfora da parédia no cinema brasileiro. Ao eontré rio do original americano, onde a forea de Sansao\Victor ‘Mature encontrava-se no seu proprio cabelo, no filme bra- leiro, essa mesma forga era encontrada na peruca usada or SunsdoOsearity. Em outraspalavras, ome bras +o, enquanto parédia, esta para a superprodugéo de Holly ‘wood assim eomo a peruea de Oscarito esté para 0 cabelo natural do ator americano. Comparando-se as duas situa ‘ges, vemos que aforca do cabelo verdadeiro, artficializada Hhum acessério, aperuca, € uma metdfora para forcade um Sistema desenvol vido de produeo cinematogriifia origi: rnado nos mecanismos internos de uma poderosa economia, ‘em oposieao a forca simulada de um cinema imitativo. A sm disso, também caracteriza um aspecto formal , elemento orgiinieo da lingguagem earnavalesea ‘que, por sua vez, define os limites da parédia no cinema brasileiro A palavra parédia nos remete imediatamente para ‘um objeto que existe anterior a ela eque setorna arazaode sua propria existéncia. Do objeto artistico original, seja ele lum peca teatral, musical, um romance, ou um filme, até 0 novo objeto, ocorre um processo de transformagio no qual & parédia procura imitar o original de forma cémica. Ela 6 ‘uma imitagao, qe geralmente da a impressao de algo gros- seiro, de segunda mao, apresentando elementos de humor, nonsense e de ridiculo. Como uma das formas de satira, @ parédia se coloea numa posigao sempre critica do proprio discurso ao qual ela se dirige. Entretanto, no caso do ei- nema brasileiro, a parédia se transforma numa sitira desi ‘mesmo, eriticando 0 préprio cinema brasileiro. Aqui, a in- toneao primeira da parédia seria muito mais @ capitalize ‘¢Z0 dos residuos de sucesso do modelo original do que a er tea ao seu discurso, Acexistancia da parédia como manifostacio artistica esta vinculada diretamente a funcdo do riso, conforme in- vestigada no excelente estudo de Mikhail Bakhtin Rabel- ais and his world.’ Segundo ele, 0 riso, como expressio, ‘Dossui um significado profundo e & uma das formas essen- Ciais de verdade em relacdo ao conhecimento do mundo, da, Historia e do homem: “6 um ponto de vista particular relativo ao ‘mundo, O mundo ¢ visto de uma forma nova ‘nao menos (¢ talvez mais) profundamente do que quando visto de um ponto de vista sério. O "iso 6 tao pertinente A boa literatura, na coloca- ‘gho de problemas universais, quanto & seric- dade, Certos aspectos essenciais do mundo sa0 facessiveis apenas através do ris0”. Analisando principalmente alguns ritos populares do Renascimento, Bakhtin apontou, com muita clareza é me- thor do que ninguém, a importancia que os espetdculos c0- ‘micos, assim como as festividades carnavalescas, desempe- ‘pharam para o homem na antiguidade, onde a caracter tiea dominante de tais manifestacoes era adiferenca de ou- tras formas feudais, politicas, ofciais ¢ eclesidsticas, en- contradas nas ceriménias da éstrutura social. Tais mani- JOAO LIZ VIEIRA {estagieseriaram um mundo novo, uma alternativa para o “modus vivendt” oficial, da qual participava, por exemplo, ovo medieval durante unia erta gpoea do ano. Nos pric ‘mardios do desenvolvimento cultural, cults srios e cbmi- fon oexistiam num tnico sistema de rituals primitives. ‘Amboseram igualmente sncramentadoseoficias, Poster- ormente, as manifestagbes ebmicas foram transferidas para umm nivel ndo oficial, ou seja, para o nivel anti- Estrutural da organizacao social, Permaneceram na ofiela- {idade os rituals que enfatizavam a ordem social tas como asprocissoesreligionane os desfilescivicos que sscaracter- ‘am por um reforgo de valores que confirmam a estabili- dade'¢ a ndo-transformagao, os aspectos tradicionais c es ‘watifeados da sociedade, ais eomo a hierurqula e a Feli- ido, os valores moraise politica e, finalmente, normas e Proibigdes. Bakhtin afirma que estes rituals df Enfuse ao {riunfo de uma verdade precstabelecida e predominate, imposta como eterna eindiscutivel, Eesta mesma verdade que explicn, por exeryplo, ae rszfes para o tom monolitea: ‘entenérin das comemoraghesofcais ©0 porqu deo ris0 ‘tar sempre munente delas Tal nao acomtece no carnaval, quando ha uma suspensio temporéria dos niveis hier duicos estruturadores da sociedade, permitindo o apareci- ‘ento de um tipo de comunicagdo especial e incomum na ‘ida do dia-a-dia, Esta comunicagdo cria uma formula ¢ lremamente dindmica esimbolics,earacterizada por uma logiea toda especial que éa da inversaode status, posigbese sgnifiedos€ dentro deste raciocinio que, no Brasil Ro- terto da Mata vem tambom fornecendo as melhores anali- ses antropoldgiens para o carnaval do Rio de Janeiro’ Se- frundo cle, as mversoes etruturais durante a€poeaearna- ‘alesca fazem florar alguns pontos crticos do funciona emda ecru eon bar eceraplo lated eoonte ros aose veatitem de nobres, reise rainhas, significa uma Fepresentagio diametralmente oposia & de suas vidas nos Outros meses do ano essa linguagem docarnaval que all- ‘mentou a produgdo da maior parte das chanchadas no ci- tema brasileiro, e¢ dentro desse universo quo a parédia as. Sime uma signifieag bastante particular. De imediato, a parddia no cinema brasileiro surge como urna forte indicagao da relagdo de poder existente na Tata pelo mercado cinematografico apontando direlamente para'a fora dominante neste mercado que ¢ a do filme es Frangeiro,notadamente de procedencia norte-americana, G'simples fato de que a parsia, no cinema brasileiro, é Airigida basements para o fle americano ja um dado revelador de sua penetragao em nossa cultura cinemato- frifiea, Esta ifluencia aparece, a nivel economico, atra- end dominio do meveado cnarhatografic reflo-eena prodiocultural aa maior ou enor rad oligo {o publice que produze que consome cinema entre ne. En trelanto,ofatoda parédia geralmente significar a situagio dedominagio ceonomien «cultural nao quer dizer que ela explicit uma eritien consciente, nem tampouco a denncia de sua dependéncia, Plo contrario, como observou Paulo Emilio’ mesmo emrexemplos mals recentes, o queexisie€ ima situagto na qual scrtieao proprio cinema brasileiro atraves, principalmente, de sua enorme incapacidade de opi, dentro dos padroes soihados pelos prodtores, dine: {ores ¢ public, poderosaeficiencia tecnoliyicn exibida fm filmes como Tubardo ou a nove versio de King- Ron. 2 ‘um ile de Adriano Stuart Costinha eo King Mone “1977, de Ateino Diniz Lange na se K No cinema brasileiro, aparédia exibe uma multiplici- dade de formas. Hi uma profusaode parddias voltadaspara conhecidas personalidades do meio inematografico como a imitagao que Oscarito fez de Elvis Presley nofilmeDevento ‘em popa (1951), onde o cantor americano passou a se cha- ‘mar "Melvis Prestes”, ou sua imitacto de Rita Hayworth emfEste mundo é um pandeiro(1947). Norma Bengell mar- ou presenga nos iltimos anos da chanchada parodiando Brigitte Bardot no Homem do sputnik (185). Um outro exemple dessa tendéncia ¢ a sintese feita por Costinha de varios elementos presentes no Tarzan, seja através doe: nema, como em Costinha, o ei da selva (1976), ou em int- ‘meros comerciais e programas de televisao durante uma {poca. Outras vezes a parédia 6 feita em cima de persona. gens historicos e/ou literarios geralmente identificados com uma certa cultura de elite. &, por exemplo, 0 caso de ‘Osearito travestico de Helena de Trois em Carnaval Alan. tida (1953), ou a antologica representagao de Romeue Juli- ta feta tambem por ele e Grande Otelo no classicode Wat- ‘son Macedo Carnaval no foo (1949). Sao também os casos de filmes como Sherlock de arague (1958),0 barbeiroque se vira (1957), Uma certa Luerécia (1967), As irés mulheres de Casanova (1968), dentre outros, Em alguns casos, a parédia associa-se ao filme original através de referéneias espectf- «as, independente de uma relacdo mais intima coma narra- tiva, como 6 o caso de citagoes a O exorcista presentes no filme de Mazzaropi Jeca contra o capeta (1975). Em Assn tina das Amerikas (1976), Nelson Dantas pula numa poca agua cantando e dancando como se fosse em Cantando na chuva, Em algumas parédias, aproveita-se a idéia inicial o- Poses dde um filme de bastante sucesso para se criar, a partir daf, uma série de situagoes novas. Como exemplos, podem sor citados os filmes feitos para o publico infanto-juvenil, geralmonte lancados durante as feriasescolares, dentro da, Série dos Trapalhdes: Os Trapalhdes no planalto dos maca- cas, com obvins roferéncius uo filme esériede televisao Pla het of the apes; ou Os Trapathdes na guerra dos planetas, ingpirado pelo enorme sucessode Star Wars; owainda 0 in erivel monstro Trapalhao (1981) que se originou também, dasérie de televisio O incrivel Hulk, Vale a pena observar aqui a crescente influéncia da televisao na produgao de parédias, mantendo também a mesma relagio de domina- ‘Ho pelo filme americano encontrada no cinema. Tal é 0 280 de, além do Hulk, o filme O homem de seis milhdes de eruzeiras contra as panteras (1978). A série dos Trapalhoes conta, como a base que garante 0 seu sucesso, com a extre- ‘ma popularidade dos quatro comediantes consagrada na televisio. Entretanto, a principal estrategia destes filmes se encontra no deslocamento operado em cima de herbis e personagens famoeos do Universo classieo infantojuvenil, sejam eles do cinema, da televisto ou da literatura, que s80 trazidos para situagdes bem mais préximas do eapectador. ‘Tal 6 a formula de filmes eommo Simbad, o maruyo Trapa- Théo (1976), O Trapathao na itha do tesouro 1975), Robin Hood, 0 Trapalhao da floresta (1977), 0 Trapathao nas mi rnas do rei Salomdo 1977), Cinderelo Trapal héo(1980), et, O publico adulto, entretanto, também nao ficou fora desta tendencia recentemente através de uma versao porno da historia da Branca de neve eos sete andes, conforme apre- sentada no filme Histérias que as nassas babds ndo conta- am (1980), Em alguns easos ocorre também a peeualiaridade da referancia ao titulo do filme original sem que eneontremos em sua narrativa tragos de parédia propriamente ditos. Bo faso,por exeriplo, da filme A banana mecdnica (1978), pro- dduzido em cima da expectativa provocada pela possivel in- terdigaode A laranja mecénicanoBrasil. Amesmaestrate- fia se aplica a Emanuelle tropical, cujo original s6 foi visto rho Brasil muito tempo depots. Entretanto Emmanuelo, 0 belo (1978), além do titulo, fol interpretado por Silvie Cris- tal, ele proprio uma parddia deSylvia Kristel. Tambem re centemente, o filme Nos tempos da vaselina (1979), se re- feriu de maneira direta ao titulo da produgio americana Grease (Nos tempos da brithantina). 0 filho do cheféo (1974}e Onanias, apoderoso machdo 1974) nao tem nada a ‘ver com oépico em duas partes de Coppola, O poderoso che- {fo a ndo ser pela utilizagio da lethbranca do titulo. Tam- bem de 1974, Exoreismo negro oO exoreista de mulheres ro- fletem o impacto causado pelo filme O exorvista, sem, neces sariamento, so constituirem em parédias do filme ameri- ano. Também, no final dos anos 70, devido ao sucesso das diseoteeas, prineipalmente como apresentadas em Em- 4

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