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JoAoO FERESs JUNIOR Maria Evisa MADER AMERICA/AMERICANOS No periodo estudado (1750-1850), o conceito de Amé- rica varia em torno de seis significados bisicos: (1) um significado geografico, mormente descritivo, que iguala a América, ou continente americano, ao Novo Mundo; (2) aessa detinigao, um sentido politico pode ser acrescentado para significar as possessoes coloniais das metrdpoles europeias; (3) América como fonte de abundancia ¢ pro- messa de um futuro mais praspero; (4) a versdo politica andloga da definigdo 3, ou seja, de América como espaco de liberdade, de novas formas politicas ¢ sociais algumas vezes associadas aos conceitos de republica, federalismo e democracia; (5) a negagdo de 3, isto é, a América como 0 continente imaturo ou degenerado, terra de animais pequenos e de homens primitivos e ferozes, de clima insa- Jubre; e, por fim, (6) a negagdo de 4, ou seja, o avesso 4 vida civilizada da Europa, escraviddo, instabilidade politica, violéncia ¢ facciesisma, muitas veres tamhém assaciados negativamente A repitblica, federalismo e democracia, Os verbetes referentes aos conccitos América ¢ ame- ricano nos principais dicionarios da lingua portuguesa produzidos nos ullimos trés séculos revelam muito pouca variagao semantica, Essa abservardo & consoante cam os tusas desses termos em discursas ¢ dacumentas politicos e mesnie em obras literdrias. Adentais, na maiaria das ve- zesem que foram usados, tais conceltns nde constitufam dentro dos argumentos materia de contenda semantica, Aplicando a categorizacio proposta por Reinhart Koselleck, América e americano nao assumiram propriamente 0 papel de conceitos-chave no periods estudado, pois nunca se tornaram objeto central da debate politico, nem foram dotados de definigies maltiplas ¢ antagonicas, proprias do cariter polissémico dos conceitos dessa categoria Contuda, tio podemos desprezar © fato de esses conceitos terem sida por veres incorporados a discursos politicos e debates importantes para a histéria do Brasil no periodo em questo. Devemas notar que a pouca variabilidade semantica io faz com que @ estuda dos conceitos de América e americano seja destituida de interesse, pais significadas que ndo se tornam controversos 20 janelas para a obser vacao do consenso social, das erencas ¢ das ideias mais profundas de um povo, comunidade ou grupo social. Ademais, como ji abservado alhures, a terminologia geogrifica, a despeito de sus aparente neutralidade valo: rativa, pode conter julgamentos morais fortes e ser usada como ferramenta de controle social e/ou justificagde para ages de politica internacional.” 26 O diciondrio da Lingua portuguesa composto pel Padre D. Rafiel Bluteau, publicado em 1728, contém um longo verbete América, A definigaa do termo ¢ simples: sindnimo de “mundo nova’, a quarta parte do mundo. De fato, a extensio do verbete nio se deve 4 abundancia de significados do concetto em si, mas & narrativa que se segue a sua definigio. Nela Bluteau relata que essa parte do mundo empresta sew nome de Américo Vespicio, que tomou posse dela em nome do “glorigsissime Rei de Portugal D. Manoel’. Ademais, o texto também informa que Christovio Colon (sic) somente se animou a empreender sua viagem de descoberta apés tomar posse, na IIha da Madeira, das cartas de navegacio de um pilota Portugués. “A um portugués deve este mundo o descobri- mento daquele novo mundo” Portanto, Blutesu apresenta a significado geogrificoassociado Aquele de pertencimento colonial. Depnis de afirmar a primado portugues sobre a novo continente, o verbete narra a viagem de Colombo ¢ descrevecom alguns detalhes a geografia do Novo Mundo, terminando com um comentirio sobre a fonética correta do termo, Logo em seguida, o continente ¢ divide em América setentrionale América meridional. Em cada uma dessas divisbes, sto enumeradas as caldnias e possesses das monarquias europeias e também os pavos “que nia tem Reis’, os indigenas, no vocabulirio contemporaneo. E interessante notar que no Diciondrio de Bluteau nao ha o verbete americano, ao pass que, nas varias ediges do Diciondrio de Antonio de Moraes Silva, produzidas no perioda em pauta (1789, 1813, 1823, 1831, 1844 ¢ 1858), ‘esse verbete existe, enquante América esti ausente, Cabe lembrar que o diciondrio organizado por Moraes Silva foi baseado no de Bluteau, ou seja, ele € produto de uma reforma daquele velho dicionario, az A definigio de americana no Moraes ¢ também muito simples ese repete em todas as edigties ¢o periodo, "Natural da América, ou pertencente 4 América’ seguida de uma citagio de padre Antonio Vieira (1608-1687); “Nao quero comparar estes meninos Malabares, com os Americanos, sendo com os Romanos” Apesar do parco interesse da citagao, ela serve para demonstear que 0 conceito ja estava em usa no século XVIL Vieira utiliza a palavea América sete vezes nos Sermaes. Em cinco delas, ela aparece junta- mente com Asia e Africa,’ em uma somente com Asia‘ e em uma outra semavizinhanga desses outras continentes.? Nessa hina passagem,o termo servesimplesmente como elemento retérico de uma comparagio reiterada, No Sermiio pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda (1640), América aparece novamente ao lado de Africae Asia, entre as terras dos barbaros conquistadas pelas portugueses a servigo de Deus. Desses usos, pode- mos perecber que 0 conceito pertencia categoria das possessdes coloniais partuguesas, ou seja, nomeava um dos continentes nos quais os pertugueses tinham colinias, @, portanto, finham que lidar com problemas similares: conflito com outras poténcias europeias, exploragio colanial, controle do territério e dos mares, do trifico, administracdo colonial ¢ dos powos ali residentes ete. A definigao de Bluteau também expressa esse ponte de vista colonial portugués, pois se apressa ent afirmar a primazia da Corea lusitana sobre as terras do Novo Mundo, Deve-se notar, contudo, que o Moraes de 1789 ja nie faz mengao 1 isso, aptando per uma definicao geografica mais estrita do termo, ao passo que 0 diciondrio de Eduardo de Faria, de 1849, editada em Portugal, repete de forma sintética © argumento da possessio do Novo Munda em nome do rei lusitano, 28 Otermo América era também utilizado no periodo em expresses compostas, tais como América portuguesa, espanhola, meridional e setentrional, A mais importante delas foi América portuguesa, que, até a independéncia, em 1822, era © termo mais wsado para se denominar a totalidade da colénia portuguesa ne Novo Munda. A pala- vra Brasil atéentio designava somente as capitanias sob o vice-reine do Rie de Janeiro" — também o termo brasileiro ndo eve um significado estavel até, pelo menos, o advent da independéne: Ainda que os diciondrios da lingua portuguesa tenham, se restringido definigao gengrafica de América, seria ingénuo desprezar a imensa carga semintica depositada sobre a conceito desde a descoberta da Novo Mundo, mormente pela contribuigdo de escritores europeus como Buffon, De Pauw, Olviedo, Montesquieu, Voltaire, Hume, Hegel, Kant € tantos outros, Duas opinides opostas se depreendem desse conjunto-de reflexdes, as duas formuladas cde uma perspectiva marcadamente europeia: umadeabun- dlincia e promessa de prosperidade, e outra de imaturidade, degeneragao, insalubridade e, partanto, incapacidade para avida civilizada. A versio negativa parece terside de alguna ‘uso nas disputas entre portugueses ¢ habitantes da colonia ~ principalmente apds a mudanga da Corte de Portugal para o Rio de Janeiro em 1808 — que perduraram até a consolidasao da independéncia do Brasil, Do lado portugues, era comum encontrarem-se argumentos apon- tando para a ingratidaodos brasileiros paracom Portugal Na Carta do compadre de Lisboa em resposta a outra do cam- padre de Belém ou juizo critico sobre a opinifte dirigida pelo “Astro da Lusitinia” de 1821, 0 Brasil édescrito como "um. gigante, em verdade, mas sem bragos, nem pernas; nio 29

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