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Os dois Ee titanteyy do homem: TS One c terapia e educacio Ee Rec mccan Cert oo VIAVERITA Abraio € 0 protétipo do homem, aquele que sonha — como ele alimentou seu sonho de ter com Sara uma descendéi cia, como ele aguardou o esperado! Ele manteve seu sonho ape- sar das condigdes contrarias, porque ele era um homem de fé e tinha a garantia de Deus. E & também 0 prototipo do homem como aquele que, embora seja 0 sonhador, precisa ver seus so- nhos morrerem para acolher o que chega, a realidade — e que alidade inesperada, adversa, absurda para a compreensdo, im Posta pelo mesmo Deus que havia garantido seu sonho! E ele ainda é 0 protétipo do homem por ser aquele que, em seu gesto, realiza em si, de modo auténtico, originario, essa condi¢ao essen- cial do Dasein: ser 0 vazio necessério ao vir-a-ser que caracteriza a existéncia Seu sactificio é paradigmatico, porque é 0 exemplo gritante que mostra essa condigdo prépria dos homens: fecundar a rea- lidade com seus sonhos e ao mesmo tempo servir de terra a ser fecundada pela realidade. Ele nao discute com a realidade. Ele nao pergunta: “Mas, Senhor, qual & 0 sentido disso? Por que essa contradigéo?” Ele aceita e, em seu gesto, realiza esta condigao propria dos humanos de ser hiimus, terra fértil que acolhe a semente que cai sobre ela. Abraio ¢ 0 exemplo, no mais alto grau, da total dis- Ponibilidade de aceitacéo dessa condicéo humana. f aquele que sempre responde ao chamado — Eis-me aqui A TERAPIA E A ERA DA TECNICA No inicio da pro! se pressionado diante de questdes que Ihe sao dirigidas referen tes teficdcia da terapia. Essas questdes surgem em conversas co- tidianas e muitas vezes sio postas pelo paciente que o procura (© que se quer saber, em suma, é se a terapia funciona, se ela ajuda mesmo na resolugéo dos problemas e se é um proceso muito demorado. Nesse momento, se ele trabalhar com um referencial da psicologia comportamental, por exemplo, ele encontraré mais (0, 0 terapeuta frequentemente sente- facilmente respostas. Mas, se ele estiver no referencial da Da: seinsanalyse, poder4 sentir alguma dificuldade em reconhecer, diante daquele que indaga, que a terapia nao dé garantia de um resaltado, néo visa a cura, ¢ leva tempo. Mas isso significa que a Daseinsanalyse nao tem compromisso com nada? Se esse fosse 0 caso, para que ela serviria entao? Ela produz algum efeito? Como Isso se avalia? Quits sio os seus critérios? Ha alguma medida objetiva que possa avaliar se a terapia produziu a mudanca, se ela correspondeu & demanda inicial? 123 E compreensivel que surjam essas questdes, pois elas fazem sentido em nossa época. Todos nds estamos imersos no mun- do a técnica. Embora nao haja propriamente conflito entre esse mBundo ¢ a nossa concepgio de terapia, reconhecemos que ela 10 se encaixa nos parametros que vigoram neste nosso tempo, eM que as palavras de ordem sio objet Como € que se tem o “controle de © “Produto” que ela oferece? Diante dessas questées todas, importante que pe um pouco a respeito do que é mundo da técnica, iade, pressa, controle. alidade” da terapia? Qual é emos sso que estamos chamando de Na linguagem corrente, técnica significa um modo de fazer alguma coisa, um meio para produzir algo. No mundo contem- porineo, porém, técnica nao é simplesmente isso, ela nao é um mero fazer humano, Ela nao é também apenas uma dimensio entre tantas outras que compéem 0 nosso mundo. Tendo como ponto de partida o pensamento heideggeria- no, ¢m A questo da técnica, podemos dizer que a técnica é0 que fudamentalmente caracteriza a nossa época, Esta é a época em que tudo pode ser produzido, em que tudo é factivel, de maneira cada vez. melhor e mais répida e, por isso, tudo pode ser substitu- {do Por um modelo mais novo, nao s6 no que diz respeito aos ar- tefatos, mas em todas as éreas. As novidades produzidas surgem a toda hora e se impdem rapidamente. Nossa época tornou ép0¢a na qual ndo hé mais lugar para mistérios, para nenhuma dimensio encoberta, para nada que recue diante do poder da ra- 240 ¢ da vontade. Se nao se conhece ou nao se sabe algo, é s6 uma questao de tempo; é porque ainda falta pesquisar mais, aprimo- rar 08 célculos, pois tudo é uma questio de calculo, e as conquis- tas Cientificas estdo ai e provam o poder do homem para produ ir Conhecimento itil ao progresso, para produzir mais técnicas, mais recursos para que tudo funcione melhor, para trazer faci- las lidades, bem-estar, satide, felicidade; para controlar as variaveis todas que possam interferir no desenrolar-se das situagdes, dos acontecimentos, da vida, para que tudo funcione de acordo com objetivos definidos como desejéveis. E, realmente, salvo certos acidentes de percurso, tudo funciona bem mesmo. E tudo colabora para que funcione, pois o homem esta con- vocado a cuidar do funcionamento, a olhar para anatureza como a matéria-prima a ser transformada para produzir todas as for mas possiveis de energia para manter 0 mundo funcionando; a natureza esta ai para isso mesmo, ser o fundo de reserva a ser explorado, transformado, armazenado, usado e, mais recente mente, reciclado. Nao s6 a natureza, mas todo o real é visto como aquilo que subsiste para ser explorado. Mesmo 0 homem, af ele csté inclufdo como 0 material humano, também como fundo de reserva a ser convocado pelas exigéncias da técnica. A técnica mantém 0 homem adequado Aquilo que lhe € proposto nesta época: ser aquele que, diante da natureza, diante de tudo 0 mais cue ele encontra, deve extrair dali algo que diga respeito a pro- cugao de algo. E, para que ele se sinta bem, até para que produ za bem, a técnica produz e vende as informagdes que o tornam ciente da importincia do descanso, do lazer, do aprimoramento cultural. Ela torna dispontveis no mercado os meios para que dle cuide de si, ou seja, de sua mente, de seu corpo, de sua vida social, de sua chamada vida pessoal. Ela diz. o que e como fazer para otimizar sua produgio, para ser alguém agregador, capaz de autocontrole, de lideranga, apto para ir em busca de seus in- teresses. Ela ensina também que é importante que ele se valorize, isso se chama autoestima, que ele seja dono de suas opinides, € isso se chama pretensamente autenticidade, o “seja vocé mesmo” Entretanto, mais do que em qualquer outra época, o homem hoje ¢jogado na impessoalidade, ele ¢ “todo mundo” Ele ¢ absorvido pela vontade auténoma da técnica. Em outros tempos, na Grécia dos filésofos, a palavra téc nica significava outra coisa. Techne designava 0 controle de um 1s

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