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O LIVREIRO

E
ntre os mais humildes comércios do mundo está o do livreiro.
Embora sua mercadoria seja á base da Civilização, pois que é
nela que se fixa a experiência humana, o livro não interessa ao
nosso estômago nem a nossa vaidade. Não é portanto
compulsoriamente adquirido. O pão diz ao homem: ou me compras ou
morres de fome. O batom diz á mulher: ou me compras ou te acharão
feia. E ambos são ouvidos. Mas se o livro alega que sem ele a
ignorância se perpetua, os ignorantes dão de ombros, porque é
próprio da ignorância sentir-se feliz em si mesma, como o porco com
a lama.

E, pois o livreiro vende o artigo mais difícil de vender-se. Qualquer


outro lhe daria maiores lucros; ele o sabe e heroicamente permanece
livreiro. E é graças a esta generosa abnegação que a árvore da cultura
vai aos poucos aprofundando as suas raízes e dilatando a sua fronde.
Suprima-se o livreiro e estará morto o
livro – e com a morte do livro
retrocederemos á idade da pedra,
transfeitos em tapuias comedores de
bichos de pau podre.

A civilização vê no livreiro o abnegado


zelador da lâmpada em que arde,
perpétua, a trêmula chamazinha da
cultura.
Monteiro Lobato (1882 – 1948),
escritor brasileiro.

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