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RESUMO: O objetivo desse trabalho é discutir o problema dos assentamentos das popu-
lações de baixa renda nas áreas de risco da cidade de Blumenau (SC) e as vantagens de se
utilizar a madeira como proposta para uma alternativa tecnológica na produção de habitações
para populações carentes. Pretende-se demonstrar também que muitos dos preconceitos exis-
tentes no Brasil em relação à utilização da madeira são oriundos do desconhecimento da sua
tecnologia e do atraso do país no setor da construção civil. Mas graças a caraterísticas especí-
ficas da madeira pode-se realizar propostas habitacionais que tragam benefícios para todos os
envolvidos.
Palavras-chave: habitação popular, áreas de risco, habitação popular em madeira.
ABSTRACT: In this paper we discuss the land occupation problem of low income popula-
tion at the city of Blumenau (SC) and the convenience of wood utilization as a techological
alternative to popular house design. We also want to demonstrate that a lot of the existing
prejudices about wood utilization are derived from technology ignorance and from the
country’s delay in the construction sector. But thanks to specific wood characteristics it is
possible to propose house designs that will benefit all the involved in.
Keywoords: popular habitation, risk areas, popular wood habitation.
1. Introdução
“Atentos, os especialistas do urbanismo se debruçam apaixonadamente sobre o
problema das grandes cidades. E surgem críticas, falam da poluição, do poder
imobiliário, da densidade brutal, do problema casa-trabalho, etc., mas quando se trata
das favelas, das crianças a perambular pelas ruas, do operário a sair de casa cedo, de
madrugada, para voltar só à noite sem ver os filhos, aí o tom se dilui acomodado,
como se tratasse de coisa natural e compreensível. Dentro desse quadro social
inqualificável, não seria possível construir a cidade do ano 2000…Mas é preciso
sonhar um pouco e modestamente…” (NIEMEYER, 1985)
O grande problema social do país, o alto número de desempregados, os baixos salários, além
da falta de políticas eficientes tem impossibilitado o acesso das populações de baixa renda a
casa própria. O resultado tem sido o assentamento irregular de pessoas em lugares de difícil
acesso, insalubres, sem nenhum tipo de abastecimento, nas piores regiões das cidades, com
características geomorfológicas impróprias para ocupação, passíveis de desmoronamentos,
deslizamentos e enxurradas. Como é caso da cidade de Blumenau.
Observou-se também, que sistemas construtivos realizados em madeira, são um dos mais ade-
quados para este tipo de situação em virtude deste material ser mais leve que a maioria dos
materiais utilizados na construção de edificações, comprometendo muito menos a fragilidade
do solo. Além disso pode, oferecer baixos custos, facilidade de transporte do material, rapidez
e facilidade de execução, já que este tipo de material é largamente conhecido e utilizado por
estas populações, já que a maioria das residências localizadas nas áreas de risco de Blumenau,
são em madeira. Estes fatores possibilitariam uma proposta com este tipo de material, per-
mitindo inclusive produção de habitações no sistema de autoconstrução, mutirão ou auto-
gestão.
Diante deste quadro, pretendemos mostrar neste artigo a situação da população de baixa renda
que estão assentadas nas áreas de risco da cidade de Blumenau, em Santa Catarina, e as pos-
sibilidades de lhes oferecer uma habitação digna e segura em madeira.
“A grande criatividade dos moradores das favelas se revela principalmente nos seus
espaços construídos. Tais espaços falam mais de suas necessidades do que mil
entrevistas...” (DUARTE, 1996)
Desde o século passado, com o surgimento da revolução industrial, o Brasil convive com o
problema do déficit habitacional brasileiro. As condições em que ocorreram a revolução
industrial e o capitalismo determinaram radicalmente a forma de vida da classe operária. O
problema da habitação surge neste momento.
A indústria funciona como um chamariz para as pessoas que trabalham no campo, cansadas
da exploração, das más condições de trabalho e da pouca perspectiva de melhora do padrão
de vida. Dirigem-se aos grandes centros, em busca de trabalho, que principalmente a indústria
tem a oferecer. Mas na realidade trocam a fome da área rural pela pobreza das cidades. O que
ocorreu de fato é que desde esta época somente uma minoria tem enriquecido, através da
proletarização de boa parte da população brasileira.
Os grande centros tem recebido desde então grandes contigentes de migrantes, enquanto que
o número de habitações é insuficiente para atender a todos, por causa das políticas sócio-eco-
nomicas e habitacionais que tem regido o país, esta situação tem provocado uma superval-
orização tanto no preço dos aluguéis como na aquisição de imóveis. O governo em vez de
tentar resolver o problema da habitação tem tornado a classe trabalhadora, dependente de suas
iniciativas, ao mesmo tempo que os trabalhadores vendem seu trabalho por qualquer salário
para poder sobreviver.
“Se trata de um modelo característico; os pobres das cidades é que ocupam as piores
terras nas partes mais densas e perigosas de uma cidade.”
Através dos anos a cidade transformou-se num pólo de desenvolvimento em vários setores,
atraindo pessoas oriundas de outras regiões em sua maioria do Oeste Catarinense e interior do
Paraná, com o objetivo de buscar melhores oportunidades de trabalho e de condições de vida.
No entanto, por falta de qualificação estas pessoas acabam sendo subempregadas, quando o
são, recebendo baixos salários.
Outra questão é que o ramo da indústria têxtil, responsável por boa parte da oferta de empre-
gos na cidade, passa por uma fase de crise e transformação, resultando num elevado número
de desempregados.
A exemplo de outras cidades brasileiras, o alto custo da habitação e de um terreno com infra-
estrutura, em um loteamento legalizado, em Blumenau, somado a falta de programas habita-
cionais acessíveis as pessoas de baixa renda e de um planejamento urbano preocupado com
estas questões, esta situação tem resultado num alto índice de ocupações irregulares na
cidade. Por falta de opção, estas populações tem-se alocado, na maioria dos casos, em áreas
impróprias para ocupação, como as encostas dos morros, consideradas como de risco, pelas
características geomorfológicas do solo, sem infra-estrutura e saneamento básico.
Blumenau está localizada na unidade chamada de escudo catarinense, “na Unidade Serra do
Tabuleiro, que é caracterizada pelas encostas íngremes e vales profundos. Nas áreas de en-
costas, o solo, em sua maioria, é formado por chamote, sendo pedregoso e mole, com a ex-
istência de lençol freático facilmente inchado com as chuvas, causando deslizamentos”
HUSCHER (1988). Sob análise geológica verifica-se que a cidade está situada sobre
depósitos sedimentados inconsolidados, área sedimentar quaternária. A região norte da cidade
possui solo firme e compacto, já a região sul (justamente onde estão a maior parte dos
assentamentos de baixa renda) é composta por rochas sedimentares bastante antigas, com a
predominância de dobras, trincas, folhetos e rachaduras, que caracterizam o Grupo Brusque e
por pertubações metamórficas como arenitos, ardósia e conglomerados, que caracterizam o
Grupo Itajaí.
Cumpre destacar que o homem ao realizar um mau uso do solo, por falta de conhecimento,
também pode ser um dos agentes que agravam ainda mais esta situação. Quanto a isto
CUNHA (1991), afirma que:
Isto ocorre quando as populações que moram nestes locais jogam lixo e entulho nas encostas;
ou, realizam cortes muito inclinados no morro; a fossa séptica encharca o terreno; existem
vazamentos de água; retiram a cobertura vegetal e derrubam árvores; constróem muros inade-
quados; ou ainda, a tipologia, fundações e localização da casa são incompatíveis com o tipo
de terreno, comprometendo a estabilidade do solo.
Existe uma relação muito forte entre catástrofe e pobreza. A cidade de Blumenau, pelo seu
perfil geomorfológico e pelo aumento da migração e do número de desemprega-
dos/subempregados existentes na cidade, propicia não só o assentamento irregular em áreas
consideradas de risco como a uma iminente ocorrência de tragédias como a já ocorrida no
bairro do Garcia anos atrás, onde morreram um número expressivo de pessoas.
Desta forma, verifica-se que necessita-se realizar urgentemente intervenções coerentes com a
realidade do município e destas populações; que resultem tanto na diminuição do grau de
riscos destas regiões, como em propostas claras e objetivas que venham de encontro aos an-
seios e necessidades da população carente que mora nas áreas de risco da cidade.
A madeira é um material que está presente na história da humanidade desde os tempos mais
remotos. Ao longo do tempo tem-se mostrado como um material extremamente confiável e
que merece cuidado como qualquer outro. Foi utilizada para os mais diferentes usos, graças a
suas qualidades como a excelente resistência a tração, compressão e flexão, rapidez de
extração, obtenção a preços relativamente baixos, leveza, ligeireza na construção, tenacidade,
rapidez de extração, qualidades térmicas e dependendo do sistema estrutural adotado, permite
ainda montagem e desmontagem, etc.
Em função de todas suas excelentes características, toda uma tradição de uso e uma
tecnologia avançada, a madeira tem sido muito utilizada na construção de casas, prédios
industriais, ginásios, teatros, etc. em países desenvolvidos, como EUA, Japão, Canadá e
outros da Europa.
Nosso país possui uma grande quantidade de florestas e variedade de espécies, apesar disto a
madeira tem sido pouco explorada na construção de casas se fizermos comparativos com
países do primeiro mundo. Sua maior utilização ocorre no sul do país, em acabamentos e es-
truturas de telhados.
É um material que merece cuidados como qualquer outro. Seus inconvenientes, como
apodrecimento, deformações, agentes naturais, podem ser aplacados, na atualidade, através de
tratamentos internos e externos, que mantêm as suas excelentes características intactas por
grande período. Para que a madeira tenha um ótimo desempenho, é muito importante que se
conheça seus inimigos, para que possam ser combatidos.
DAVIS (1980) em seu livro, nos apresenta algumas propostas de sistemas construtivos real-
izados em madeira, para habitações de emergência e social. Como na cidade de Managuá, por
ocasião de grande terremoto que destruiu quase toda a cidade, onde foram construídas 11.000
cabanas de madeira. Um programa de ajuda do governo dos Estados Unidos, chamado Oxfam
World Neighbours, estudou e projetou casas onde foram utilizadas técnicas de construção se-
gura, sendo o sistema estrutural todo em madeira. Na Turquia, inclusive, foram lançados al-
guns anos atrás cartazes explicativos para a população sobre como construir casas seguras em
madeira.
Apesar do Brasil contar com uma das mais avançadas tecnologias na produção de celulose e
papel, continua muito atrasado na tecnologia de utilização da madeira para construções.
Destinando-a, basicamente, para a confecção de estruturas para coberturas, escoramentos e
formas para concreto armado, que acabam por se transformar, em lenha.
Mas é importante frisar que o preconceito é causado em sua maioria pela falta de informação
e conhecimento. Pois fora os mitos errôneos em relação a sua fragilidade, a sua utilização está
muito ligada a idéia de sub-habitação.
Poucas são as faculdades de engenharia ou arquitetura no país, que tratam a madeira com o
destaque que merece, provocando um quase que total desconhecimento, pelos profissionais da
área, das suas características, vantagens e propriedades.
O arquiteto Lima (MADEIRAS, 1992), acredita que o uso inadequado da madeira no Brasil
se deve a falta de tecnologia adequada e a projetos específicos para sua utilização.
Para CARUANA (1992), o aumento do uso da madeira nos países desenvolvidos ocorre da
necessidade de se obter construções mais racionalizadas e econômicas. Pois, “na medida em
que a madeira vai incorporando alta tecnologia, seu uso na arquitetura, antes considerado
antiquado e superado, passa a ser o mais inovador” e lamenta o atraso tecnológico e o
preconceito que o país tem em relação ao material.
E, complementa :
“...um país como o nosso, com uma situação privilegiada na linha do Equador (um
árvore que passa 25 anos para crescer nos países frios, aqui em oito anos já está pronta
para o corte), não pode prescindir da madeira como material de construção. E
acrescenta que enquanto as florestas brasileiras estão sendo transformadas em celulose
e papel, a Europa procura atualmente , aumentar suas florestas.”
No sul do país, graças a tradição dos imigrantes alemães, italianos, poloneses, etc. na con-
strução de prédios de madeira, o preconceito é menor e a utilização maior.
Para INO (1981), “a inexistência de uma estrutura de pesquisa eficiente e a dificuldade de di-
vulgação destas técnicas, gera um quadro precário de tecnologia construtiva em madeira no
país”.
Apesar deste quadro tem-se observado, em quase todo Brasil uma tendência ao uso de novos
produtos (forros, divisórias, painéis) como, também, uma ampliação na produção de casas
pré-fabricadas, que por sua vez, tem permitido melhor aproveitamento do material, mesmo
com processos ainda artesanais.
No caso de Santa Catarina, a madeira foi largamente usada, no estado, na fase de sua
colonização. Hoje, a situação é diferente, pois no processo de “transformação sócio-
econômica, a população de classe média-alta substituiu a madeira pelo tijolo” CLARO
(1990). A casa de madeira vem sendo realizada pela população de menor renda. E apresenta
como principal característica o fechamento feito com tábuas verticais e mata-juntas. O tijolo
foi incorporado na construção do banheiro e da cozinha (ou parte dela, como visto em alguns
casos). Esta incorporação do tijolo ao projeto de madeira foi precedido pela anexação de
cozinhas e banheiros.
Entretanto, não se pode ignorar os grandes desmatamentos ocorridos em todo território na-
cional, inclusive em Santa Catarina. Mas apesar disto segundo CLARO (1990), “há muitos
fatores positivos atuando no sentido de favorecer uma reversão do atual processo devastador
para uma utilização mais racional e recuperadora da madeira”.
O uso da madeira na construção de casas populares se justifica pelo fato de que este material
apresenta a possibilidade de se realizar um “projeto racionalizado, o corte estudado das peças,
a composição de painéis a partir de pequenos elementos colados, a utilização de pinus para
forração e mesmo para algumas peças estruturais, vem dando competitividade crescente a
estes sistemas. A possibilidade do aproveitamento das sobras de beneficiamento (serragem,
cavacos, pontas) na produção de painéis e forros muito vem contribuindo no aumento da efi-
ciência na utilização dos recursos madeireiros na construção” CLARO (1990).
Segundo Rabaroux, citado em CLARO (1990), os aspectos positivos para o uso da madeira
na construção são:
Tem-se ainda que considerar “que a solução dos problemas relativos a conforto térmico e
acústico, imunização, conservação e segurança contra fogo, depende em boa parte da
qualidade da madeira utilizada, o que reforça a importância do reflorestamento com base na
seleção de espécies de melhor qualidade genética”, CLARO (1990).
É importante destacar que a madeira é um material de rápida extração, pode ser trabalhada
com ferramentas simples; as habitações podem ser construídas com poucas pessoas; é uma
material presente culturalmente em nossa história; proporciona conforto e segurança;
dependendo do sistema construtivo adotado, permite ampliações e/ou modificações; e é de
fácil transporte; a partir das técnicas de reflorestamento, que devem ser cada vez mais
incentivadas, pode-se reduzir os custos, tem grande durabilidade e pode ser utilizada na
construção de qualquer tipo de prédio.
5. CONCLUSÃO
“...as obras em áreas de risco mais caras são aquelas que não são feitas”.
(FIGUEIREDO,1994)
Há quatro anos realizamos pesquisa nas áreas de risco de Blumenau, através do projeto de
pesquisa ARIS, SCHNEIDER (1996-2000). Neste período temos constatado a precariedade
em que vivem os moradores destes locais. Seja pela falta de saneamento e abastecimento de
água e luz, pela situação das habitações, fragilidade do solo, do desmatamento, dos cortes in-
adequados no terreno, e pelo descaso dos órgãos competentes, etc.
Nos questionários aplicados junto a esta população verifica-se uma certa conformidade com a
situação e a falta de esperança por mudanças e de possibilidades. Existem na atualidade ofi-
cialmente dezesseis áreas de risco na cidade, mas a cada dia surjem novos assentamentos em
locais onde não são permitidas ocupações. Mas também não existe um controle por parte dos
órgãos oficiais.
Verifica-se que a maior parte das habitações destes locais são em madeira, com tipologias
muito semelhantes uma das outras, sendo a cobertura em uma ou duas águas. É normalmente
construída de forma rápida pelos próprios moradores, amigos e vizinhos, revelando grande in-
timidade com o material.
Nas primeiras entrevistas realizadas em 1996 pode-se constatar que o sonho da maior parte
dos moradores era de poderem obter uma casa definitiva em alvenaria. Neste último ano de
pesquisa, observou-se uma certa mudança neste cenário. Não se sabe ao certo as causas, mas
pode-se verificar uma maior aceitação por habitações em madeira não só na fase tida pelos
entrevistados de como transitório, mas principalmente no uso definitivo.
Apesar de existirem no país vários preconceitos em relação a utilização da madeira como ma-
terial na produção de casas, verifica-se que possui: “facilidade de manuseio, grande
trabalhabilidade; grande resistência mecânica; é material proveniente de reserva renovável;
sua produção contribui para melhoria ambiental, é material orgânico, agradável ao tato e
confortável ao ser humano; grande flexibilidade ao ambiente construído; possibilidades de
reaproveitamento, baixa quantidade de energia gasta para sua obtenção e seu processamento”
INO(1992).
Pode-se destacar ainda leveza, facilidade de transporte, inserção na sociedade, é
culturalmente aceita, além de poder proporcionar facilidade de execução, rapidez e custos
menores. Atributos extremamente importantes para indica-la como material a ser utilizado na
produção de habitações populares em áreas de risco, mais especificamente no caso da cidade
de Blumenau.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INO, A. (1981). Sistema estrutural modular em eucalipto roliço para habitação. Tese de
doutorado, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo.