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O Brasil e o Novo Desenvolvimentismo LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA uando visito outros paises, ou leio a mprensaestrangeira,s6 ougo elogios a0 Brasil. Um pats do hor doWarc”, segundo dirigentes de empresas ‘multinacionais. Posso, portanto, compreender 1 admiragio € a surpresa que a politica exter- nna do Brasil causa no exterior. Jé a admiragio em relagio 20 seu desempenho econdmico € para mim dificil de compreender. Desde os anos 1980, alguns paises asiaticos vém crescendo a texas muito maiores do que o Brasil A ‘promogio" do Brasil a nric nio mudou «esse quatdro ~ apenas levou muitos a pensar que mudou, Ainda que a taxa de crescimento do Pais tenba aumentado nos iltimos anos, pas- sando, em média, de 2% para 4% a0 ano, con~ tinua muito menor do que ada China ou a da India. Em 2010, 0 crescimento do pts foi mais clevado, 7,5%, mas esse resultado compensa a recessio de 2009, ¢ nao é sustentivel, jé que estd sendo alcangado a0 mesmo tempo em que © déficit em corita-corrente do Pais aumenta de forma perigosa. Nem a China nem a India padecem desse mal; crescem com superivit em conta-corrente. REIRA € professor titular do Departamento de Anise e Planejamento Ezond- mico da Fundagio Getilio Vargas, Sao Paulo, onde fentrou por concurso em abril de 1959. E presidente do Centro de Economia Politica, de cuja publicasio ‘wimestral, Revista de Economia Politica editor des- e198), Isto no significa que nao tenham ocor- +ido avangos na politica econémica. O grande aumento do salirio-minimo e a extensio do programa Bolsa Familia a um mimero muito ‘maior de brasileiros contribuiram para a expan- sio do mercado interno, No momento da crise financeira global de 2008, 0 nwpes e os de- mais bancos do governo central agiram de for- ‘ma contraciclica, aumentando fortemente seus cempréstimos as empresas. Uma politica indus- trial foi definida. Grandes grupos empresariais brasileiros passaram a ter apoio do governo. Gragas pressio do Ministério da Fazenda, © Banco Central diminuiu um pouco a taxa de juros real, Entretanto, em nome do combate a ‘uma inflagdo dominada desde 1994, continuou a adotar uma politica ortodoxa, propria do Con- senso de Washington, baseada em taxa de juros ainda alta e taxa de cimbio sobreapreciada, ou, ‘em outras palavras, baseada em déficit piblico em déficitem conta-corrente ~ duas poiticas perversas que levaram o Brasil a perder o mer- cado externo e vem freando 0 investimento ¢ 0 crescimento da economia brasileira A taxa de crescimento do Brasil continua, portanto, inferior e mais instavel do que a dos paises aidticos. Isto se deve a politica monetiria ‘ortodoxa do Banco Central - uma politica ba- seada na irresponsabilidade fiscal e na irrespon- sabilidade cambial (deficits desnecessérios em conta-corrente), que interessa aos competidores ricos do Norte, mas no interessa 20 Brasil. Seo Pais seguisse outra politica econdmica, se ado- 6 INTERESSE NACIONAL ~ ABRIL/JUNHO 2011 tasse de forma decidida os principios do novo desenvolvimentismo, ao invés de ficardividido entre este eo Consenso de Washington, poderia ‘aumentar sua taxa de investimento ¢ estar cres~ cendo a uma taxa pelo menos duas vezes maior do que a logeada desde que, em 1994, a alta i ‘lacio inercial foi controlada, ou um tergo maior do que a taxa média dos anos 2000. Por que faco essa afirmasio de forma t20 segura? Estaria eu repetindo o ke smo vulgar ¢ propondo que 0 governo incorra em deficits piblicos mais elevados para man- ter sustentada a demanda agregada? Pelo con- tririo, baseado na macroeconomia estruturalista do desenvolvimento que venho desenvolvendo, ‘nos tltimos dez anos,em colaboragao com usm competente grupo de economistas keynesianos c estruturalistas, estou propondo uma estratégia nacional de desenvolvimento, que denomino ovo desenvelvimentisma, que & substancial- mente mais austera e esponsével e leva a uma esianis- taxa de crescimento substancialmente maior do que aquela proporcionada pela ortodoxia con vencional. Estas ideias estio sendo desenvolvidas por virios economistas em diversos paises e foram por mim sistematizadas num livo, Globalizarda «¢ Competicao Rio de Janeiro, Campus-Elsevier, 2010) e num artigo com Paulo Gala (“Macroe- conomia Estruturalista do Desenvolvimento”, Revista de Economia Politica, 30 (4): 663-686, outubro de 2010). Macroeconomia estruturalista do desenvolvimento macrocconomia estruturalista do desen- wolvimento afirma que, embora 0 de- senvolvimento econdmico dependa também de fatores do lado da oferta (educagao, pro- sgresso técnico e cientifico, investimentos na infraestrutura, boas instituiges) seu ponto de cstrangulamento esti no lado da demanda. O desenvolvimento econdmico depende de uma taxa de investimento elevada, que depende da existéncia de oportunidades de investimentos lucrativos para as empresas, que, por sua vez, dependem da existencia de demanda interna ¢ demanda externa, Entretanto, essas duas de~ ‘mandas tendem a ser insuficientes nos paises cem desenvolvimento devido a duas tendéncias estruturais: a tendéncia dos saltios crescerem menos do que a produtividade (que deprime a demanda interna) ¢a tendéncia a sobrevalori- 2agiio ciclica da taxa de cambio, que coloca toda a demanda externa fora do alcance das empre- sas nacionais, mesmo que elas sejam eficientes ou competentes. A primeira tendéncia decorre da oferta: mitada de mio de obra existente nos paises em desenvolvimento. A. grande vantagem desses paises, em relacdo aos paises ricos, esta em sua iio de obra barata, mas, como ela € abundan- te, tende a ser mal remunerada, o que cria um problema de insuficiéncia de mercado interno. Conforme Celso Furtado sempre salientou, a politica de desenvolvimento deve estar sempre preocupada em enfrentar esse problema, nfo apenas por uma questio de justiga social, mas também porque um desenvolvimento sadio € sustentado nio se coaduna com o aumento da desigualdade em paises nos quais essa des dade jé € muito grande, ‘A segunda tendéncia~a tendéncia a sobre- valorizasio ciclica da taxa de cambio ~ é nova na literatura econdmica. E uma critica tanto & teoria neoclissca ou ortodoxa, que afirma que a taxa de cimbio flutua suavemente em torno da taxa que equlibraintertemporalmente a conta- -corrente do pais, quanto & teoria Keynesia~ na, que afirma que ela flutua de forma volétl em torno desse mesmo equilfbrio. Ao invés, 0 que afirma a macroeconomia estrutualista do desenvolvimento & que, nos paises em desen= volvimento,a taxa de cimbio nfo é controlada pelo mercado, mas pelas crises de balango de ppagamentos. O ciclo comega com uma crise de balango de pagamentos, ou sej, com a sibita suspensio da rolagem da divida externa do pais em moeda estrangeira pelos credores externos 0 BRASIL B 0 NOVO DESENVOLVIMENTISSO ” ¢,em consequéncia, a forte desvalorizagio da ‘moeda local. Em seguida, depois do inevitével ajuste que o pais € obrigado a fazer, a taxa de cambio volta a se apreciar gradualmente, pu- zxada pela doenga holandesae, depois de algum ‘tempo, por déficits em conta-corrente causados pela politica de crescimento com poupanca ex- tema e pela tentativa de segurar a inflayio com o-cimbio. A divida externa volta a aumentar e, afinal, de repente, os credores externos perdem 4 confianga, suspendem a rolagem da divida externa, Acontece nova crise de balango de pa~ ‘gamentos ou novo sudden stp, que leva a moeda nacional a se desvalorizar violentamente. 1H quatro causas fundamentais para essa tendéncia: 1) a doenga holandesa, que atinge quase todos os paises em desenvolvimento; 2/0 “fetiche da poupanga externa’ a crenga de que 0s pafses deve incorrer em défict em conta- ~corrente financiado e financi-lo por entradas de capitais para crescer; 3) a estratégia perversa de procurar reduzir a inflagio a custa da apre- ciagio da moeda nacional; ¢ 4) 0 “populismo cambial”, ou seja, a estratégia politica de apre- ciar o cambio para aumentar os salérios reais e lograr reeleigao. No quadro da macroeconomia estrutura~ lista do desenvolvimento, 0 modelo da doenga hholandesa explica por que a taxa de cambio de ‘mercado tende para o equilibrio corrente, que ja € um equilbrio sobreapreciado, jé que nio viabiliza indistrias que utilizam tecnologia no estado da arte mundial; o modelo da taxa de substituigdo da poupanga interna pela externa ‘mostra quio equivocado € 0 feiche da poupan- ‘a externa; as duas iltimas causas da tendéncia A sobreapreciagio ciclica da taxa de cimbio nio ‘exigem explicasio adicional iquela presente em sua enunciagio. Doenga holandesa ddoenga bolandesa caracteriaa-se pela existéncia de duas taxas de cémbio de equilfbrio, podendo ser definida como uma sobreapreciagio permanente da taxa de cim- bio causada pelas rendas ricardianas (Ricardian rents) derivadas de recursos naturais abundan- tes ou de mao de obra barata, esta dltima quan- do acompanhada por elevada diferenca entre (0s salérios dos engenheiros de fabrica c 0s tra~ bathadores. ‘A produsio € a exportagio de commadi- fies que dio origem doenga holandess sio economicamente vidveis a uma taxa de cim- bio substa aquela necesséria para que 0s outros setores da economia, produtores de bens comercializaveis internacionalmente, que utilizam tecnologia no estado da arte mundial, sejam igualmen- te vidveis. A essa taxa, que é determinada pelo mercado, a conta-corrente do pais se mantém cquilibrada; denomino-a taxa de cimbio de “equilfbrio corrente”.A segunda taxa de equilt- brio, mais depreciada que a primeira ~a taxa de ‘cambio necesséria para que sejam competitivas as empresas que uilizam tecnologia avangada~ € a taxa de cambio de “equilibrio industrial” AA diferenga entre essas duas taxas indica a ‘gtavidade da doenga holandesa. Em um pais produtor de petréleo essa diferenga & geral- mente muito grande. Se, por exemplo, a taxa de cambio de equilibrio corsente nesse pais for de duas moedas do pais por dolar e a taxa de ‘cambio de equilibrio industrial for de dee moe das do pats por délar esse pais teré uma doenga ‘muito mais grave do que outro pais, neste caso produtor de soja cuja taxa de cambio de equi- brio corrente for igualmente de duas moe~ das do pais por délar, mas sua taxa de cmbio de equilbrio industrial for de trés moedas por dolar. No primeiro pais,a gravidade da doenga holandesa (que pode ser definida como a di- ferenga entre as duas taxas dividida pela taxa de equilibrio industrial) seré de 80%, enquanto ‘que no segundo pais sera de 33%. No primeiro pais, investimentos em outras indistrias de bens comercializaveis serio com- pletamente inviaveis se o pais nao neutralizar a doenga holandess; no segundo caso, algumas mente mais apreciada do que 8 INTERESSE NACIONAL ~ ABRit/suNHO 2011

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