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artigo

REFORÇO DAS FUNDAÇÕES DE


UM EDIFÍCIO ALTO NA REGIÃO
METROPOLITANA DO RECIFE
vencimento têm sido apresentadas aos meio fio da avenida principal da orla.
Alexandre Duarte Gusmão construtores: (i) o monitoramento deve As fundações projetadas e executa-
Universidade de Pernambuco e IFPE, ser encarado como um controle tec- das são superficiais do tipo sapatas
Recife, Brasil nológico da obra, a exemplo de tantos isoladas ou associadas, assentes no
gusmao.alex@ig.com.br
outros, como o controle da resistên- terreno natural na cota –4,40.
cia do concreto; (ii) o monitoramento
Jaime de Azevedo Gusmão Filho
permite um melhor entendimento do
Universidade de Pernambuco,
comportamento de uma edificação e
CARACTERIZAÇÃO
Recife, Brasil
gusmao.jaime@torricelli.com.br uma retroanálise dos parâmetros dos DO TERRENO E DA
solos, o que tem conduzido a projetos FUNDAÇÃO
Gilmar de Brito Maia mais arrojados (e nem por isso menos Durante a fase de projeto do edifí-
Gusmão Engenheiros Associados Ltda, seguros); (iii) o monitoramento per-
Recife, Brasil
cio, foram feitas várias sondagens de
mite identificar com mais segurança reconhecimento (SPT e rotativa). As
gilmar@gusmao.eng.br
as causas de eventuais patologias que
figuras 1 e 2, ao lado, mostram duas
possam surgir nos prédios, onde nor-
sondagens típicas do terreno, onde
malmente a fundação é colocada em
INTRODUÇÃO pode ser observada a presença de
suspeita (Gusmão, 2006).
uma espessa camada de argila sil-
Morfologicamente a cidade do Recife Este artigo apresenta um caso real de tosa com matéria orgânica (ou silte
apresenta duas paisagens muito dis- monitoramento dos recalques, onde a
argiloso), cinza escuro, muito mole a
tintas: os morros e a planície. A ocu- instrumentação permitiu identificar o
pação da cidade com edificações de mole, entre as cotas –14,50 a –24,00.
mau desempenho das fundações de
grande porte tem se dado, contudo, um edifício com 26 lajes construído O nível d´água freático aparece entre
apenas no espaço confinado entre na beira-mar da orla de Jaboatão dos as cotas –3,50 e –4,50. Alguns fatos
os morros e a orla marítima, que se Guararapes, na RMR. A partir dos resul- relevantes observados nas sonda-
constitui em uma grande planície de tados do monitoramento do prédio, gens devem ser ressaltados: (i) a es-
origem flúvio-marinha. foi concebido e executado um reforço pessura do arenito diminui na direção
Neste contexto geológico, o subsolo para as suas fundações. da praia (leste) e na direção sul; (ii) na
típico é muito variado e a prática atual parte sudeste da área da lâmina, pra-
de fundações no Recife é fortemente ticamente o arenito desaparece; (iii)
direcionada pelas características geo-
CARACTERIZAÇÃO apenas a Sondagem SP01 apresenta
lógico-geotécnicas do subsolo, ainda DA ESTRUTURA uma baixa resistência a penetração
que outros fatores influenciem na Trata-se de uma estrutura aporticada (NSPT) na cota de fundação (–4,40), o
escolha e sejam assim encontrados de concreto armado com 26 lajes e que pode indicar a presença de um
diversos tipos de fundação na cidade 62 pilares, sendo 18 na lâmina e 44 na bolsão de areia fofa na parte sudeste
(Gusmão Filho, 1998; Gusmão, 2005). periferia. As cargas verticais perma- do terreno.
Em função dessa diversidade de perfis nentes nos pilares da lâmina variam A figura 3 apresenta a fôrma das sa-
geotécnicos presentes na Região Me- de 3676 a 21705kN, enquanto que na patas da lâmina do prédio. Observa-
tropolitana do Recife – RMR, tem sido periferia variam de 100 a 1870kN. Há se que as sapatas dos pilares P2 a P8
prática usual o monitoramento dos ainda esforços devido à ação do ven- apresentam um formato pouco usual
recalques de edifícios. Para se conse- to na estrutura. para sapatas. A taxa de trabalho das
guir a desmistificação da medição dos Há um pavimento semienterrado na sapatas é da ordem de 450kPa para o
recalques, algumas estratégias de con- cota –1,90 m em relação ao nível de carregamento sem a ação do vento.
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Figura 1 – Sondagem de reconhecimento – Lado Oeste Figura 2 – Sondagem de reconhecimento – Lado Leste

HISTÓRICO
O prédio foi construído no final da
década de 80 (provavelmente entre
1987 e 1990), e sua ocupação pe-
los moradores foi iniciada no início
da década de 90. Segundo relatos
contidos nos relatórios e entrevis-
tas com alguns moradores, os da-
nos no prédio começaram a surgir
desde o início da sua ocupação.
Desde então, estes danos foram se
agravando, especialmente nos dois
pavimentos inferiores de garagem e
no mezanino.
Os danos incluíam fissuras e trincas
em alvenarias, vigas, lajes e pilares,
além de um acentuado desaprumo
do prédio nas direções leste e sul.
A partir de 1992 o prédio começou
a ser monitorado com medições pe-
riódicas de recalques e desaprumo
das fachadas. Além disto, havia um
acompanhamento da evolução de
Figura 3 – Fôrma das sapatas da lâmina do prédio algumas fissuras.

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Figura 5 – Curvas de isorecalques da lâmina
do prédio na última medição – antes do re-
Figura 4 – Evolução dos recalques da lâmina do prédio entre 1992 e 2002 forço (21/08/2002)

A figura 4 mostra a curva de evolução


dos recalques dos pilares da lâmina
entre 1992 e 2002. Observa-se que
os recalques absolutos variaram de
74,4 a 123,3 mm na última medição
(21/08/2002), e que as leituras não
mostravam uma tendência de esta-
bilização. Nesse período, a velocida-
de parcial de recalques se manteve
praticamente constante ao longo
daqueles 10 anos, com valor aproxi-
mado de 25m/dia, que corresponde a
9,1 mm/ano.
A figura 5 mostra as curvas de isorecal-
ques encontradas na última medição.
Observa-se que os maiores recalques
ocorreram nos pilares localizados na
área leste e sul do terreno (P11, P14,
P16 e P18), e com isso houve um de-
saprumo do prédio.
A figura 6 mostra a evolução do desa-
prumo do prédio entre 1998 e 2000. Figura 6 – Evolução do desaprumo do prédio entre 1998 e 2000 – antes do reforço
Observa-se que houve um cresci-
mento praticamente linear do de- É importante ressaltar que o excessivo do prédio. O acréscimo de carga nos
saprumo, cujo valor na direção leste desaprumo provoca uma translação do pilares da frente do edifício pode oca-
(1/175) já era superior a 1/200, que centro de gravidade do prédio para a sionar novos recalques diferenciais não
normalmente é considerado como sua frente, o que faz com que haja uma previstos, aumentando ainda mais o
limite para estruturas desse tipo. redistribuição de cargas na fundação desaprumo do prédio, e vice-versa.
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DIAGNÓSTICO tificou o aparecimento de todos os
danos observados. A figura 8 mostra
Com o objetivo de estabelecer um
a inclinação da piscina na laje da peri-
diagnóstico para os problemas que
feria do prédio.
tinham surgido no prédio, foi feito
um levantamento completo dos da- No ano de 2002, após uma negocia-
nos surgidos na edificação, especial- ção com o condomínio do edifício, a
mente nos dois pavimentos de gara- construtora ficou responsável pela
gem e no mezanino. O levantamento execução do reforço das fundações
mostrou que a maior parte dos danos do prédio, para permitir a estabiliza-
com fissuras se localizava nos pavi- ção dos seus recalques.
mentos de garagem, especialmente
no trecho de ligação da torre do pré-
dio com a sua periferia. REFORÇO DAS
Diante do quadro de danos e dos re- FUNDAÇÕES
Figura 7 – Mecanismo de desaprumo da es-
sultados do monitoramento do pré- Para o reforço das fundações foi con-
trutura
dio, concluiu-se que o diagnóstico cebida uma solução com microesta-
era que a torre do prédio recalcou Como as estruturas da torre e da pe- cas injetadas. Tais estacas são do tipo
mais que a periferia, e que os pilares riferia estavam ligadas sem qualquer autoperfurantes e consistem de bar-
localizados na área leste e sul do ter- tipo de junta, houve um desaprumo ras trefiladas com um furo central em
reno (P11, P14, P16 e P18) recalcaram da periferia no sentido inverso ao da toda a sua extensão. Essas barras são
mais que os demais, fazendo com que torre, ou seja, nos sentidos oeste e unidas por luvas reforçadas, tendo
houvesse um desaprumo da estrutu- norte (veja a figura 7). Este mecanis- em sua extremidade uma broca tri-
ra da torre nas direções leste e sul. mo de movimentação do prédio jus- cone reforçada com widea para per-

Figura 8 – Inclinação da piscina na laje da periferia do prédio Desabamento do edifício Areia Branca

Rebaixamento do freático Colagem dos grampos

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furação de rochas brandas (arenito /
calcáreo) e com orifícios para injeção
de calda de cimento.
A perfuração é executada concomi-
tantemente com a injeção de calda de
cimento através de processo rotativo,
controlando-se a pressão, rotação e
o avanço da composição, podendo
reaproveitar a calda de cimento, pro-
veniente da perfuração de arenitos e
das camadas arenosas. Ao se atingir
o comprimento final de perfuração, a
microestaca estará pronta, acabada,
devendo-se apenas aguardar o tem-
po de cura da calda de cimento para
se executar a sua incorporação à es-
trutura. A figura 9 mostra a perfuratriz
usada na execução das estacas.
Devido às características das fun-
Figura 9 – Perfuratriz usada pela SEFE na execução das estacas
dações existentes e do subsolo, nos
locais previstos para as microestacas
foram executados furos nos blocos
de elevação e nas sapatas de concre-
to armado. Esses furos foram execu-
tados com equipamentos especiais,
providos de motores de alta rotação
e embreagem eletrônica, de modo
a permitir que coroas diamantadas
perfurem o concreto e cortem as bar-
ras de aço.
Concluída a perfuração das peças de
concreto, foram executadas perfura-
ções no arenito existente no subsolo,
com o auxílio de brocas tricônicas e sa-
patas de widea com diversos diaman-
tes crescentes, até se atingir o diâme-
tro estipulado no projeto (260 mm).
Foi, então, executada uma micro-
estaca piloto com cerca de 28 m de
comprimento, onde foi realizada uma Figura 10 – Prova de carga vertical a compressão na microestaca piloto
prova de carga a compressão. A pro-
va de carga foi levada até uma carga va carga-recalque, que para a estaca • 1ª etapa: Contemplaria as sapa-
máxima de compressão de 1979kN, mobilizar essa resistência de 1150kN tas SP (17+18), SP (15+16), SP
onde apresentou sinais de ruptura o recalque necessário foi de 5 mm. (12+13+14), SP (10+11) e SP9.
(veja a figura 10). A concepção inicial do projeto previa • 2ª etapa: Contemplaria as sapatas
Diante de tal resultado e do fato do o reforço das fundações de todos os dos pilares P1 a P8, e só seria exe-
problema do prédio não se tratar de pilares da lâmina do prédio. Poste- cutada se a 1ª etapa não condu-
instabilidade das fundações, mas de riormente, em função de discussões zisse à estabilização dos recalques
recalques excessivos, foi fixado um técnicas entre os diferentes profis- do prédio.
fator de segurança global de ruptura sionais envolvidos, ficou definido
da estaca de 1,70 e uma carga admis- que o reforço deveria ser executado Para o cálculo das cargas atuantes nas
sível de 1150kN. Ressalta-se pela cur- em duas etapas: estacas, foram considerados os cená-

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rios de carregamento permanente
e de atuação do vento em ambas
as direções. Para a distribuição das
estacas apresentadas no projeto, a
carga máxima nas estacas foi igual a
1215kN, ou seja, cerca de 6% acima
da carga nominal de projeto fixada
a priori. Como se tratava de um ce-
nário com carregamento transitó-
rio, este valor foi considerado como
aceitável.
Finalmente, para a definição da or-
dem de reforço das sapatas, foi feita
uma análise de interação solo-estru-
tura considerando-se os recalques
medidos. Essa análise permitiu que
Figura 11 – Reforço da sapata P9 (planta)
fosse estabelecida uma ordem de
execução das estacas que evitasse
a formação de “núcleos de grande
rigidez”, e que pudesse concentrar
o carregamento do prédio em pou-
cos pilares.
O projeto executivo de reforço pre-
viu as seguintes etapas (veja as figu-
ras 11 e 12):

• Execução de bloco de elevação em


concreto simples para permitir a
subida do equipamento de execu-
ção das estacas, evitando o rebai-
xamento do nível d´água freático.
• Furação nas lajes das sapatas para
ancoragem/colagem dos tirantes.
• Furação na lateral das vigas para
ancoragem/colagem dos grampos.
• Execução das estacas, precedida
da furação do concreto das lajes
Figura 12 – Reforço da sapata P9 (corte)
das sapatas e arenito.
• Execução dos tirantes, grampos e
armadura complementar do bloco
de incorporação (veja figura 13),
seguida da sua concretagem se-
gundo uma ordem pré-estabeleci-
da pela análise de interação solo-
estrutura.

Foram executadas 102 estacas no pe-


ríodo de 21/07/2004 a 19/04/2005,
dentro das especificações do projeto.
Todas as etapas do reforço foram exe-
cutadas com o prédio em uso pelos
Figura 13 – Execução do bloco de incorporação Prova de carga na estaca-piloto moradores, interditando-se apenas o

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pavimento semienterrado por ques- • Na fase de execução das estacas,
tões de logística. A tabela 1 mostra houve uma aceleração dos recal-
as datas de finalização da incorpora- ques, decorrente do desconfina-
ção dos blocos às sapatas existentes mento do terreno, bem como das
(22/12/2004 a 23/05/2005). injeções. Isso também foi obser-
vado em outras obras que tiveram
MONITORAMENTO reforço das fundações.
Antes do início da execução do refor- • A estabilização dos recalques só
ço das fundações, o prédio já vinha ocorreu após um período aproxima-
sendo monitorado com medições de Tabela 1 – Concretagem dos Blocos
do de 600 dias depois da concreta-
recalques. No entanto, foi necessária gem dos blocos, com o início da in-
a instalação de novos pinos em todos A figura 14 apresenta a evolução dos corporação das estacas. O recalque
os pilares da lâmina, pois alguns já es- recalques dos pilares da lâmina des- médio nesse período foi de 7 mm,
tavam danificados. Houve ainda uma de o início do reforço das fundações ou seja, muito próximo do recalque
descontinuidade do monitoramento em 2003. Alguns fatos são bastante necessário à mobilização da carga
entre 21/08/2002 e 29/09/2003. relevantes: de projeto das estacas (5 mm).

Figura 14 – Evolução dos recalques da lâmina do prédio entre 2003 e 2008

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Escavação com estacas prancha

Figura 15 – Efeito do desabamento do Edifício Areia Branca nos recalques da lâmina do prédio Detalhe das estacas executadas no bloco de
elevação

Em 15/10/2004 houve um fato inu- Conclusão dos dados para as pesquisas sobre
sitado: o desabamento do Edifício desempenho de edifícios e intera-
O artigo apresenta um caso real
Areia Branca com 12 pavimentos, lo- ção solo-estrutura em andamento na
de monitoramento dos recalques,
calizado defronte ao prédio em ques- Universidade de Pernambuco, bem
onde a instrumentação permitiu
tão. Na ocasião, as estacas de reforço como aos engenheiros envolvidos no
ainda não estavam finalizadas, mas identificar o mau desempenho das
projeto, execução e monitoramento
não houve necessidade de desocu- fundações de um edifício na RMR
do reforço das fundações.
pação do prédio. Com o efeito do de- com 26 lajes. A partir dos resultados
sabamento do Edifício Areia Branca, o do monitoramento do prédio, foi
prédio recalcou cerca de 2 mm prati- concebido e executado um reforço LEITURAS
para as suas fundações. O reforço foi
camente uniforme (veja figura 15). COMPLEMENTARES
feito com o prédio ocupado e a esta-
Durante toda a execução do refor- Gusmão, A. D. (2005), Prática de Funda-
bilização dos recalques foi consegui-
ço, foi feito o monitoramento dos ções no Recife. Em Gusmão, A. D.; Gus-
da. Durante o reforço houve um fato
recalques. A frequência das leituras mão Filho, J. A.; Oliveira, J. T. R. e Maia, G.
era alterada em função dos próprios inusitado: o desabamento de um B. (Org.). Geotecnia no Nordeste. Recife,
resultados obtidos. Também foi feito prédio com 12 pavimentos localiza- vol. 1, p. 225-246.
um acompanhamento das principais do defronte ao prédio em questão, o
que provocou um recalque pratica- Gusmão, A. D. (2006) Desempenho de
fissuras pelo engenheiro residente no
mente uniforme de 2 mm. Fundações de Edifícações, XIII Congresso
condomínio do prédio. Após a esta-
Brasileiro de Mecânica dos Solos e Enge-
bilização dos recalques, observou-se nharia Geotécnica, Curitiba.
que os danos existentes não mais
evoluíram. Atualmente, estão sendo
AGRADECIMENTOS
Gusmão Filho, J. A. (1998), Fundações: do
recuperadas as fissuras e trincas nas Os autores agradecem ao condomí- Conhecimento Geológico à Prática da En-
vigas, lajes e paredes. nio do prédio pela permissão do uso genharia, Editora da UFPE, Recife.

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