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o papiro
Mas, sem a menor dúvida, o mais célebre de todos os produtos
vegetais empregados na escrita é o papiro, de tanta importância histórica
em si mesmo e pelos textos que conteve. Segundo parece, quando
Moisés, aconchegado na sua barquinha de vime, foi largado a vogar sobre
o Nilo, sua mãe, querendo evitar que as correntes o carregassem, enca-
lhou-o entre os caules de papiro que cobriam as margens. Era essa e foi
essa a região histórica do papiro, mas ele se encontrava igualmente no
lago Tiberíades, na Síria, e nas águas do Eufrates. Nada se sabe do
momento em que se transformou o papiro em material de escrita, mas
tudo indica que se trate de época extraordinariamente longínqua. Plínio
cita como escritas em papiro obras do tempo de Numa e de Tarqüínio, e
até uma carta de Sarpédon, contemporâneo da guerra de Tróia. O Museu
Um papiro de
do Louvre possui um papiro que data de 273 anos a.C., escrito em hieró- Herculano.
glifos demóticos, que, como vimos, são a última transformação da escri- (Do livro de
Lecoy de Ia Marche,
ta egípcia. Pensa-se que os mais velhos papiros datem de 3500 anos, o Les manuscrits
que está de acordo com o que hoje se sabe da civilização egípcia. et Ia miniature.1
Plínio deixou, igualmente, uma descri-
ção histórica da maneira pela qual o papiro era
preparado:
Divide-se com uma agulha a haste do papiro,
cuja grossura é mais ou menos a de um braço,
em folhas bem delgadas, mas tão largas quanto
possível. A melhor folha é a do interior do tron- • '. • • o o_ •• ~ ()" N "-
co e assim sucessivamente, na ordem das cama-
das superpostas. Moldam-se as diferentes espé-
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cies sobre uma mesa umedeci da com água do ...... c. UM 'fr'[.~ ,...
Nilo. Esse líquido turvo exerce o papel de cola.
Sobre essa mesa inclinada colam-se primeira-
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mente as folhas em todo o comprimento do
papiro, aparando-as apenas em cada extremida-
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de, e em seguida colocam-se transversalmente ~ t rt"tXl'}..~..,
outras camadas em forma de trama. A seguir,
prensa-se o conjunto, obtendo-se uma folha que o •• ) '" ~fv r~o ...
é secada ao sol. As folhas são reunidas entre si, ...f\ , r:ért ""of'.~ ,.. ,
colocando-se em primeiro lugar as melhores e
assim sucessivamente. A reunião dessas folhas
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forma um scapus (mão) ... As desigualdades, os
defeitos do papiro, são polidos com um dente ou
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com uma concha, sem o que os caracteres pode- C<JAA ~ML-..""
riam desaparecer. Polido, ele é mais brilhante
mas não pega a tinta satisfatoriamente. Depois
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de juntá-lo com cola de farinha ou com miolo de pão cozido, de forma a
ter o menos possível camadas secas interpostas, e de torná-Io mais macio
que o próprio linho, adelgaça-se-o com um malho, põe-se nova camada
de cola, desfazem-se as dobras que se formaram e bate-se-o de novo com
o malho+".
Parte de um rolo de
papiro, contendo a
IIíada, de Homero.
(Do livro de Svend Dahl,
Histaire du livre. I
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PRÉ-HISTÓRIA DO LIVRO
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"-='---'-"'--'=====""""""""""""'---- PRÉ-HISTÓRIA DO LIVRO
o pergaminho
Seja como for, o grande material do reino animal empregado na
escrita foi o pergaminho. Sob a fé de Plínio, o Antigo (responsável por
tantas inexatidões de graves historiadores!), as histórias do livro costu-
mam repetir que Ptolomeu Epifânio, desejando combater a biblioteca de
Pérgamo, criada por Eumênio II (197-158 a.C.), que se mostrava perigo-
sa rival da de Alexandria, proibiu a exportação do papiro. Com isso, teria Pergaminho
contendo o texto
obrigado os engenhosos habitantes de Pérgamo a inventar um novo de uma obra de
material de escrita, extraído de peles animais, donde o nome de membra- Euripides.
IDa Histoire
na pergamena, pergamenum, pergaminho, que se lhe deu, depois de pre- du livre, de
parado, e cuja primeira menção se encontra num édito de Diocleciano, Svend üahl.l
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o LIVRO MANUSCRITO ---============
extremamente delicadas exigia trabalhadores especializados. Mas,
havia artistas universais que, a exemplo do decano de que fala a crôni-
ca de Saint-Trond, tomavam de uma simples pele de carneiro e a trans-
formavam em um missal iluminado e anotado, sem o concurso de
nenhum auxiliar. Os mosteiros eram, com efeito, na Idade Média, as
grandes usinas em que se confeccionava o livro. Cluny, entre outros,
tinha uma fábrica de pergaminho grandemente próspera no século XII.
Um dos principais oficios, nos conventos, era o de pergamenarius,
encarregado de preparar para os copistas as folhas de que se serviam.
Mas, a Universidade de Paris, nos belos dias de seu predomínio, fez
aos estabelecimentos monásticos uma concorrência temível e seculari-
zou em parte a fabricação do pergaminho. Sua numerosa população de
professores e estudantes consumia tal quantidade que dentro em pouco
foi necessário produzi-Io autonomamente e regulamentar-lhe a produ-
ção. Daí a importância adquirida na capital pela indústria e pelo comér-
cio do pergaminho, a ponto de ter dado o nome a uma das suas ruas. Os
pergaminhistas jurados de Paris, em número de quatorze (reduzidos a
quatro em 1488, em virtude da vulgarização do papel), examinavam as
peles, aprovavam-nas ou rejeitavam-nas e fiscalizavam a sua prepara-
ção. Submetiam-se a um juramento perante o reitor e pagavam-lhe uma
renda de 16 so/s parisis a cada maço de pergaminho trazido à cidade.
O monopólio, a especulação e a retenção lhes estavam interditos.
Gozavam do direito de fiscalizar a famosa feira do Lendit, o grande
mercado do pergaminho, onde todos os anos, no dia seguinte ao da
festa de São Barnabé, compareciam em procissão, numa fila interminá-
vel, estudantes e professores, advogados e comerciantes. O reitor abria
as operações com uma bênção solene; os pergaminhistas do rei, os
membros da Universidade escolhiam antes de todos as suas partes e
somente depois deles é que os compradores comuns eram admitidos.
Mais de um processo surgiu entre o reitor e a abadia de Saint-Denis,
entre a Universidade e os comerciantes, por causa desses privilégios, e
mais de uma vez os turbulentos estudantes transformaram em desor-
dem a festa do pergaminho, de tal maneira que ela acabou por ser
suprimida--.
520p. cit., p. 29 e s.
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