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| ENTREVISTA INTERVIEW 7 A COMUNICACAO E OS RITOS DO CALENDARIO NORVAL BAITELLO JR e JOSE ROBERTO BARRETO* Toto; Milton Peleg Jornalista, cientista politico e cientista das comunicacSes, mais de 25 livros ¢ uma centena de artigos publicados, Harry Pross é sem diivida um dos mais originais e ativos pensadores da comunicagao a atualidade. Nascido em 1923 em Karlsruhe, Pross foi jornalista, ‘editor de importantes jornais e revistas (dentre eles a Deutsche Rundschau), correspondente de jornais internacionais na Alemanha, professor da Hochschule fiir Gestaltung de Ulm, redator-chefe da Radio Bremen e, de 1968 a 1983, professor e diretor do Instituto de Ciencias da Comunicacao da Freie Universitat Berlin. Em sua visita a Sao Paulo, concedeu a seguinte entrevista exclusiva para a revista Projekt. Projekt: No Brasil 0 nidio ¢ a televi- ra o esclarecimento e para a infor- so sio prvados, ao contnirio da Repri- maco do piiblico. Foi este o nosso blica Feral da Alemanha, onde até hé erro. Os partidos politicos se fize- ppoucos anos nao havia rédio ow televi- ram representar fortemente dentro 'sZ0 comerciais. Como foi sua experién- do conselho curador e, com 0 esta- cia como redator-chefe da Radio Bre- _belecimento do Estado partidério, ‘men, urna institu de direito piblico? 05 partidos foram ficando cada vex e mais fortes. Em conseqtiéncia, pas- saram a controlar também a reda- Harry Pross: Nés pretendiamos ter cao da Rédio, Portanto, um tipo de uma rédio tao distante do poder es- _corrupeao partidaria, Bom, entio eu ‘ tatal quanto da iniciativa comercial, tive de partir para a briga, ja que eu administrada por um conselho cu: era independente, nao estava vin- rador nos moldes da BBC britanica, culado a nenhuim partido, Esta era Pensévamos que este modelo pode- minha concepeao de politica da mt ria ser ampliado e assim estariamos dia, que levei mais tarde para a uni- criando um espago de liberdade pa-_versidade, PRO) Ne7_ JUNHO EY Projekt: A faléncia do projeto do rio como veiculo de esclarecimento deve-se ‘10 modelo da insttuigho de direito i- bli? Harry Pross: Continuo consideran- do étima a idéia de uma imprensa desvinculada das insttuigoes de po- der — seja ele advindo do Estado ou do capital privado — mas nao se po- de redlizal ian que sejam rnelbo- res do que as pessoas que as exe- cutam. Projekt: Qual é, entio, o papel do jor- nalista na sociedade? Harry Pross: Depois de 45 anos de jornalismo, minha opiniao é que 0 jornalista tem uma funcao social im- portante porque ele interpreta 0 ca- lendétio, dia apés dia. O calendé- io € a pré-condigdo de toda ativi- dade social e sem calendério nao se pode coordenar, sincronizar esta atividade. O jornalista participa da sincronizacao diria, ele dé os sig- nificados do dia. Isto € um dos fun- damentos da nossa sociedade. Nao se pode deixar de enfatizar quao importante ¢ esta atividade. Projekt: Emr seus livros o senior cha- ma a atengo para os efeitos da “‘verti- calizagao dos valores". O que significa este conceito? Harry Pross: Os valores existem na cabeca das pessoas. Enquanto eles permanecem Ig, nao sao percepti- Veis para 0s outros. Estes valores sa0 ordenados de cima pata baixo. Isto esta relacionado provavelmente PROJEKT Ne JUNHO 1992 com a posicéo ereta do homem — ‘mas af podemos apenas especular — ou com a luz, que vem do alto. Esta orientagao de cima para baixo constrdi uma hierarquia de valores, desde um mais elevado até um me- ‘nos importante. Enquanto esta hie- rarquia est na eabeca das pessoas, no hd problema. Mas nés ndo so- brevivemos 36 com a cabeca, preci samos também da barriga e por is- so dependemos da comunicagéo ‘com outras pessoas. Dai temos que ‘transpor nossos valores em signos, que 540 materializagSes percept veis 20s outros. Aquilo que era ima- terial toma-se concreto como signo. E € af que nossos valores sao colo- cados em prética e é af que surgem os confitos Eos conflitosnaacem ‘quando, por exemplo, a mie diz a0 seu filho “tire seu bringuedo dat” Ento a crianca responde '/mas et quero ele ai”. O brinquedo é um signo e para acrianga ele simboliza ‘um valor. E assim acontece em to- daa sociedade. Nés temos um ver- ticalismo dos valores que se torna perceptivel por meio do horizonta- ismo dos signos. E esta é a situa sa0 bésica tanto para o consenso quanto para o conflito. Projekt: Uma outnt imagem presente em seus escrites & a do retingulo,.. Harry Prose: B, née vivemos numa “euliura dos retingulos”, Pense nos quadros pintados desde a re- nascenca, pense no jornal, na tela da televisao, na arquitetura e em to- da a tecnologia, € naturalmente o retangulo é um meio de veiculagao de simbolos. Isto tudo significa que certas valoragées esto dadas a prio- ri: a oposigao entre “alto” e “bai x0", “esquerda’’ e “direita”, “den- tro” e “fora”, por exemplo. Projekt: Gostariamos que o Sr. falas- se sobre papel do ritmo e dos rites nos meios de comunicngio de massas Harry Pross: Na minha opiniao, 0 ritmo social desempenha um papel importante, pois ele funciona como elo entre o ritmo cosmolégico — por exemplo as estagdes do ano — eo ritmo biol6gico, o ritmo interno de eran GUIMARKES Fericcd ‘cada organismo. Até mesmo a me- dicina ja comeca a levar em consi- deragio 0 chamado “biorritmo”’, evitando operar os pacientes em ‘seus dias criticos. Assim, sem o rt- mo social, que concilia 0s ritmos in- dividuais entre sie com 0 ritmo cos- ‘mol6gico, nao haveria atividade s0- cial. A atividade social precisa ser cordenada em um rito de calendério, que constitui o rito bésico de toda sociedade. E por ele que se orienta ‘o sito do trabalho na sociedade i dustrial, enquanto na agricultura o ritmo cosmolégico desempenha 0 papel mais importante. E ai vem o3 veiculos de comunicagao de massa que naturalmente se aproveitam disto. As mais altas freqténcias da sociedade industrial esto no final dos ritos do trabalho, aquilo que chamamos de “lazer”. E quando comeca a luta pelas taxas de audié cia e pelos horsrios de transmissao. Nao & por acaso que 0s jomnais S40 ‘matutinos, vespertinos, diérios, se- manérios, ete, tudo em perfeita adequaca0 ao rito social, tirando pproveito dele para alcangar determi- nadas quantidades da atengio puiblica.. Projekt: E isfo fem « ver com aquilo que Sr. cham de“ Signatskonot hao €? Pois esta 6a nossa préxinn ques- fae: a “economia do sina!” fale um pouco sobre ela Hany Pross: O desenvolvimento da midia — dos meios de comunicaca0 interhumana, para sermos mais cl ros — obeciecen ao mesmo princi pio de milénios atras: para transmi- tir uma mesma mensagem, se de- ve empregar 0 menor esforgo pos- sivel para procurar alcangar 0 mé- ximo possivel de pessoas e abran- ser 0 maior espaco posstvel. Come- cemos pelo setor primaio, elemen- tar, dos contatos elementares. © ‘orador se posiciona na montanha para ser ouvido e, com isto, pode também ser visto. Pode, assim, por meio de gestos e mimica, dar maior PROJEKT —W7 JUNHO 1992

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