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HOSPITAL CENTRAL ROBERTO SANTOS

SERVIÇO DE PEDIATRIA
DESNUTRIÇÃO
Sara Gatto

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, ocorreu uma significativa redução na prevalência da desnutrição


energético-protéica (DEP) em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil, em detrimento
do aumento do sobrepeso e obesidade, fenômeno conhecido como “transição
nutricional”. Entretanto, a DEP ainda se configura como um importante problema de
saúde pública, especialmente em crianças menores de cinco anos. A desnutrição
energético-proteica (DEP) pode ser definida como uma doença multifatorial de alta
letalidade, capaz de promover diversas alterações fisiológicas na tentativa de adaptar o
organismo à escassez de nutrientes. A complexidade do diagnóstico e tratamento da DEP,
aliada à falta de preparo dos profissionais de saúde, fez com que a Organização Mundial
da Saúde (OMS-1999) elaborasse um manual abordando os aspectos fisiopatológicos e o
tratamento da DEP grave durante as fases de hospitalização, reabilitação e
acompanhamento em unidade de saúde.
A desnutrição pode ocorrer devido à oferta alimentar insuficiente em energia e
nutrientes (macro e micronutrientes) por um período de tempo (desnutrição primária), ou
ainda, pode decorrer do inadequado aproveitamento funcional e biológico dos nutrientes
disponíveis, que pode estar associada a alguma doença de base (desnutrição
secundária). São alguns exemplos de doenças que comumente cursam com desnutrição
na faixa etária pediátrica: cardiopatias congênitas, neuropatias, síndrome da
imunodeficiência adquirida, pneumopatias crônicas e síndrome do intestino curto.
Independente da etiologia evidencia-se uma clara associação entre a precocidade e
gravidade da desnutrição com aumento da mortalidade, comprometimento do
desenvolvimento cognitivo e motor, atraso escolar e redução da capacidade de trabalho
na vida adulta.
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Devido à mortalidade elevada decorrente da DEP grave, em 1999, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) publicou e divulgou um manual prático visando padronizar
condutas e capacitar os profissionais de saúde envolvidos no atendimento a crianças
gravemente desnutridas. Em 2005, o ministério da saúde publicou o Manual de
atendimento da criança com Desnutrição grave em nível hospitalar, este Manual adapta,
para a realidade hospitalar do país, o protocolo recomendado pela OMS por meio dos “10
Passos para o Manejo da Criança com Desnutrição Grave em Nível Hospitalar”. Com base
nestas duas publicações e revisão da literatura atual, propões-se o protocolo para manejo
do paciente desnutrido grave.

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de desnutrição é feito a partir da história clínica da criança, bem
como pelo seu exame físico e avaliação nutricional. As medidas de peso e estatura são
imprescindíveis para o diagnóstico. O uso da circunferência de braço é apontado como
uma medida simples, eficaz e de boa precisão para o diagnóstico de desnutrição grave,
sendo um fator preditor do risco de mortalidade.

A) AVALIAÇÃO NUTRICIONAL – Índices Antropométricos:


Peso/Idade  (P/I)
Estatura/Idade  (E/I)
Peso/Estatura  (P/E)

I) Classificação de Gomes modificada por Bengoa – válida para


crianças até 2 anos de idade:
Utiliza a relação P/I. Durante este período da vida o peso tem uma velocidade de
crescimento mais importante que a estatura, quando relacionado à idade e sexo:

P/I = Peso observado X 100


Peso esperado para a idade e sexo (p50)
(p50) – percentil 50 do padrão de referência (NCHS)

% Adequação P/I Estado de Nutrição


91 – 110 Eutrofia
o
76 – 90 Desnutrição Leve ou 1 Grau
o
61 – 75 Desnutrição Moderada ou 2 Grau
o
< 60 Desnutrição Grave ou 3 Grau

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 Na presença de edema comprovadamente nutricional, independente do índice
P/I, a criança tem desnutrição grave ou de 3 o Grau (Bengoa)
A classificação de Gomes pode resultar em um diagnóstico falso-positivo para
desnutrição em crianças no primeiro trimestre de vida. Nessa idade, deve-se considerar
o aspecto clínico, vitalidade, atividade, número de dejeções, micções e sono. Deve-se
considerar ganho de peso ideal em torno de 30g/dia. Se o ganho for menor ou igual a
20 g/dia, existe risco nutricional.
II) Classificação de Waterlow:
Esta classificação é válida para crianças de 2 a 10 anos de idade. Utilizam-se os
índices de E/I e P/E, devido ao predomínio do crescimento estatural, fazendo com que
o peso varie mais com a estatura do que com a idade.
E/I = Estatura observada X 100
Estatura esperada para idade e sexo (p50)

P/E = Peso observado X 100


Peso esperado para estatura observada (p50)

Índice P/E (%)


E
/I  90  90

eutrofia desnutrição aguda (emagrecimento)
95

desnutrição pregressa (nanismo) desnutrição crônica
95

III) Classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS):


Adequada para crianças em qualquer faixa etária. É mensurada com desvio
padrão do escore Z, baseada numa mediana e não em variação de percentil do gráfico
NCHS. Não é válida para formas leves de desnutrição.
Escore Z = Medida (criança) – mediana de referência
Desvio padrão (para idade e sexo)

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Peso/Estatura Estatura/Idade
INDICADORES
Z Escore Z Escore

-3 ≤ DP < -2 -3 ≤ DP < -2
DEP Moderada
(70-79%mediana NCHS) (85-89%mediana NCHS)
Emagrecimento moderado Nanismo moderado
DP < -3 < -3 DP
DEP Grave (< 70 % mediana NCHS) (< 85 % mediana NCHS)
Emagrecimento grave Nanismo grave
 Na presença de edema comprovadamente nutricional a criança é considerada
com desnutrição grave.

B) FORMAS CLÍNICAS DA DESNUTRIÇÃO GRAVE

Achados clínicos e laboratoriais Marasmo Kwashiorkor


Alterações de crescimento (peso, altura) +++ +
Atrofia muscular +++ +++
Gordura subcutânea Ausente Presente
Edema Ausente Presente
Dermatoses Raras Comuns
Alterações dos cabelos + +++
Hepatomegalia Rara Freqüente
Atraso do desenvolvimento neuropsicomotor ++ ++
Atividade física Diminuída Muito diminuída
Diarréia +++ +++
Água corpórea Aumentada Muito aumentada
Potássio Baixo Muito baixo
Anemia Comum Muito comum

C) EXAMES LABORATORIAIS ÚTEIS PARA AVALIAÇÃO DA CRIANÇA COM


DESNUTRIÇÃO

Os exames laboratoriais são de difícil interpretação porque seus resultados


podem ser alterados pela desnutrição, podendo confundir o profissional de saúde.
Desta forma, devem ser solicitados de forma gradual, priorizando àqueles que possam
auxiliar no tratamento das condições associadas que motivaram a internação. Os
exames complementares, solicitados nos serviços de saúde para crianças com
desnutrição grave, podem ser reunidos em três grupos, que estão descritos a seguir:
Exames úteis para o tratamento:
 Hemograma
 Glicemia
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 Urina tipo I
 Parasitológico de Fezes com Baermann – Lâmina direta para giárdia e ameba
Culturas (hemocultura, coprocultura e urocultura)
Exames que podem ser úteis em determinadas condições:
 Radiografia de tórax
 Teste tuberculínico
 Sorologia para HIV
 Estudo do líquor
Exames de pouco valor para o tratamento:
 Proteínas totais e frações
 Eletrólitos
Outros exames: dependem da condição clínica associada e da necessidade da
investigação.

TRATAMENTO HOSPITALAR

Critérios de internação
- Presença de manifestações clínicas de edema simétrico (Kwashiorkor ou
Kwashiorkor-Marasmático) ou redução acentuada de panículo adiposo e de massa
muscular característica do marasmo;
- Presença com valores de peso/altura (comprimento/estatura) < - 3DP do padrão
de referência NCHS;
- Criança com outra forma de desnutrição aguda que não seja grave, mas que
apresente complicações que justifiquem sua internação, como por exemplo,
desidratação grave, choque, convulsão, sepse, recusa de líquidos ou que vomita tudo
que come, ou ainda crianças com patologias associadas.

“Dez passos para recuperação nutricional da criança com desnutrição


grave”:
O tratamento hospitalar da criança com desnutrição grave é dividido em três
fases, sendo que a duração mínima prevista é de 26 semanas:
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Fase I – Inicial/Estabilização
Esta fase compreende ações descritas nos passos 1 a 7 e tem a finalidade de:
- Tratar os problemas que ocasionam risco de morte;
- Corrigir as deficiências nutricionais específicas;
- Reverter às anormalidades metabólicas;
- Iniciar a alimentação cautelosamente.
Fase II – Reabilitação
Esta fase compreende ações descritas nos passos 8 e 9 e tem a finalidade de:
- Oferecer a alimentação de forma intensiva para assegurar o crescimento visando
recuperar grande parte do peso perdido, ainda quando a criança estiver hospitalizada;
- Fazer estimulação emocional e física;
- Orientar a mãe ou a pessoa que cuida da criança para continuar os cuidados em
casa;
- Realizar a preparação para a alta da criança, incluindo o diagnóstico e o sumário do
tratamento para seguimento e marcação de consulta, na contra-referência da alta
hospitalar.
Fase III – Acompanhamento
Esta fase compreende ações descritas no passo 10 e tem a finalidade de:
- Após a alta, deve-se encaminhar para acompanhamento ambulatorial/centro de
recuperação nutricional/atenção básica/comunidade/família para prevenir a recaída e
assegurar a continuidade do tratamento.
ESTABILIZAÇÃO REABILITAÇÃO ACOMPANHAMENTO
dias 1-2 dias 3-7 semanas 2-6 semanas 7-26
__________________________________________________________________________
1. Hipoglicemia --------->
2. Hipotermia --------->
3. Desidratação --------->
4. Eletrólitos ------------------------------------------------>
5. Infecção ----------------------->
6. Micronutrientes ----(sem ferro)---->----------------------(com ferro)------------------------------>
7. Alimentação inicial ------------------------>
8. Alimentação para recuperar o peso ----------------------------------------------------------------->
9. Estimulação sensorial ----------------------------------------------------------------------------------------->

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10. Preparar para alta ----------------------------------------------------------------------------------------->
Fonte: OPAS, 2000

PASSO 1 – Hipoglicemia
Crianças com desnutrição são de alto risco para desenvolver hipoglicemia devido
à menor reserva de glicogênio hepático e muscular e à menor quantidade de substrato
para a gliconeogênese. Por ser uma das principais causas de morte nos primeiros dias
de tratamento da desnutrição grave, a hipoglicemia deve ser prevenida e
imediatamente tratada.
Considera-se que tem hipoglicemia a criança com desnutrição grave cujo nível
de glicose sanguínea é inferior a 54mg/dl (menor de 3 mmol/l). A criança com
desnutrição grave hipoglicêmica, diferentemente da criança eutrófica, com freqüência
não apresenta sudorese e palidez. Seu quadro clínico é, na maioria das vezes, pode
ser inespecífico, apresentando sinais como baixa temperatura corporal (temperatura
axilar < 35°C ou retal < 35,5°C), letargia, perda da consciência, crises convulsivas,
dentre outros.
Tratamento
- Criança consciente:
50ml de glicose a 10% ou sacarose a 10%, via oral ou nasogástrica. Alimentar a
cada 2horas, durante todo o período. Repetir glicemia capilar após 30 minutos.
- Criança inconsciente, letárgica ou com convulsão:
5ml/kg de glicose a 10%, intravenoso em bolus e manter velocidade de infusão
de glicose (VIG) de 4-6mg/kg/min. Manter antibioticoterapia.
Se a criança já estiver consciente e sem convulsão, deve-se administrar solução
de glicose a 10% ou maltodextrina a 10% por via oral ou sonda nasogástrica ou iniciar
diretamente a alimentação com preparado alimentar de duas em duas horas, inclusive
no período noturno, por 24 horas, para prevenir reincidência de hipoglicemia.
PASSO 2 – Hipotermia
Crianças gravemente desnutridas também têm um alto risco de desenvolver
hipotermia, sendo outra importante causa de morte nos primeiros dias de internação.

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Considera-se hipotermia uma temperatura axilar abaixo de 35,0oC ou a
temperatura retal abaixo de 35,5o C ou, ainda, quando a temperatura estiver tão baixa
que não possa ser aferida no termômetro axilar disponível.
Tratamento
 Técnica Canguru: colocar a criança sobre a pele despida do tórax ou abdome da
mãe ou cuidador da criança - pele a pele - e manter devidamente cobertos mãe e filho.
 Vestir bem a criança (inclusive a cabeça), de acordo com a temperatura local.
 Cobrir a criança com cobertor previamente aquecido (friccionado, passado a ferro),
especialmente em locais de clima frio.
 Colocar aquecedor ou lâmpada próxima à criança. Evitar contato ou proximidade
excessiva com a fonte de aquecimento. Não use lâmpadas fluorescentes, pois não são
úteis para aquecimento e podem causar danos à visão.
 Acomodar a criança em cama que deve estar em uma parte mais aquecida do
ambiente hospitalar, livre de correntes de ar e, quando necessário, manter as portas e
janelas fechadas.
 Trocar freqüentemente as fraldas, roupas e lençóis molhados mantendo-os secos
para conservar a temperatura corporal da criança.
 Evitar exposição ao frio (ex: banho prolongado e exame físico em lugares abertos ou
com correntes de ar).
 Monitorar a temperatura ambiente (recomenda-se em torno de 25° a 30°C)
 Alimentar a criança a cada duas horas, inclusive no período noturno
PASSO 3 – Desidratação

Na criança com desnutrição grave é difícil avaliar o grau de desidratação e a


gravidade porque muitos dos sinais clínicos não são confiáveis. Esses sinais (letargia,
olhos encovados, pele pouco elástica, secura de língua e mucosas e ausência de
lágrima) podem estar presentes mesmo que a criança encontre-se hidratada. A via
enteral é a preferencial para hidratação da criança com desnutrição grave. Deve-se
indicar a via intravenosa apenas quando existem sinais evidentes de choque, pelo risco
de causar hiperidratação e levar à insuficiência cardíaca congestiva. Sonda

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nasogástrica deve ser usada em todas as crianças debilitadas, nas que vomitam ou
apresentam desconforto respiratório.
A solução para reidratação oral dessas crianças deve ter menos sódio e mais
potássio que a solução padrão de reidratação oral preconizada pela OMS. Deve
também, estar associada a uma mistura de minerais e eletrólitos. Essa solução é
denominada soro de reidratação oral para crianças desnutridas (RESOMAL).

Preparo do RESOMAL
Material Quantidade
Água 2 litros
SRO/OMS (padrão) 1 pacote
Açúcar 50 gramas
Mistura de eletrólitos/minerais(*) 40 ml
Fonte: OPAS, 2000
* Veja composição no passo 4.

Tratamento
- Criança consciente:
ReSoMal, 5ml/kg a cada 30 minutos por 2 horas, via oral ou nasogástrica e
posteriormente, 5-10ml/kg /hora nas próximas 4-10 horas.
Repor 50-100ml de ReSoMal para crianças abaixo de 2 anos e 100-200ml para
crianças maiores de 2 anos, após cada episódio de diarréia ou vômito.
- Criança inconsciente:
Solução glico-fisiológica 1:1 com solução salina a 0,9% e soro glicosado a 10%.
Essa solução terá uma composição de 5% de glicose e 0,45% de solução salina. Deve-
se administrar 15ml/kg, intravenoso por uma hora e monitorizar a criança
cuidadosamente para sinais de hiperidratação; se não houver melhorar, repetir a
hitradação venosa por mais uma hora. Asssim que possível, deve-se substituir a
hidratação venosa por hiratação oral ou nasogástrica com o ReSoMal no volume de
10ml/kg/hora.
Monitorização
A monitorização deve ser realizada a cada 30 minutos nas primeiras 2horas e,
em seguida, a cada 2 horas pelas próximas 6-12 horas, avaliando: freqüência
respiratória, freqüência cardíaca ou pulso, cor e volume da urina, freqüência e

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características de vômitos e diarréia. É importante estar alerta para os sinais de
hiperidratação, que podem levar à insuficiência cardíaca.
PASSO 4 – Distúrbios Hidroeletrolíticos
As crianças com desnutrição grave apresentam distúrbios hidroeletrolíticos, que
devem ser avaliados de acordo com a fisiopatologia peculiar do desnutrido, para evitar
o manejo errôneo. Entre esses distúrbios, destacam-se:
- Baixa concentração do potássio intracelular que promove retenção de sódio e
água, reduzindo a contratilidade do miocárdio e acometendo o transporte de eletrólitos
através das membranas celulares.
- Excesso de sódio corporal, embora o sódio plasmático possa estar baixo;
- Deficiência de magnésio que prejudica a retenção de potássio.
Portanto, a hiponatremia não deve ser corrigida, porque na realidade existe um
excesso de sódio corporal. O potássio e o magnésio devem ser suplementados. O
edema da desnutrição nunca deve ser tratado com uso de diurético e nem com infusão
de albumina associada ao uso de diurético, pois o edema na DEP grave é multifatorial.
A OMS recomenda a adição de potássio e magnésio extras nos preparados
alimentares dessas crianças (3-4mmol/kg/dia e 0,4-0,6mmol/kg/dia, respectivamente).
Para correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, realizada em paralelo com a
reidratação, recomenda-se a utilização da mistura de eletrólitos e minerais com a
composição indicada pela OMS.
Composição química da mistura de sais eletrólitos/minerais para o preparo
da solução ReSoMal e preparados alimentares
Concentração
Quantidade Quantidade
Substância em mmol de 20 ml da
para 1000 ml para 2500 ml
solução
Cloreto de Potássio 89,5g 224g 24
Citrato de
32,4g 81g 2
Tripotássio
Cloreto de
30,5g 76g 3
Magnésio
Acetato de Zinco 3,3g 8,2g 0,3
Sulfato de Cobre 0,56g 1,4g 0,045
Água (quantidade
1000 ml 2500 ml
para completar)
Fonte: WHO, 2000

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PASSO 5 - Infecção
Na criança com desnutrição grave, os sinais habituais de infecção freqüentemente
estão ausentes. Na maioria das vezes, o processo infeccioso é suspeitado apenas
porque a criança se apresenta apática e sonolenta. Portanto, deve-se presumir que todas
possam apresentar infecção, sobretudo na presença de hipoglicemia, hipotermia, letargia
ou inconsciência, incapacidade de mamar ou beber líquidos. É importante fazer coleta de
culturas antes de iniciar a antibioticoterapia.

Recomendação para uso empírico de antibióticos

Para uma criança sem sinais aparentes de infecção, dê sulfametoxazol + trimetoprima:


- 25mg/kg/dia, via oral, de 12/12 horas durante 7 dias.

Para uma criança letárgica ou com condições tais como hipoglicemia, hipotermia ou com sinais
clínicos de infecção:
- Gentamicina: 7,5mg/kg de peso, IM ou IV, 1 vez ao dia por 7 dias, associado à
- Ampicilina: 50mg/kg de peso, IM ou IV a cada 6 horas, por 2 dias, seguido por:
Amoxicilina, 15mg/kg de peso, via oral de 8 em 8 horas durante 5 dias.
Obs: Se amoxicilina não disponível, dê Ampicilina, 25mg/kg via oral a cada 6 horas.
Fonte: OPAS, 2000.
Importante:
- Se a anorexia persiste depois de 7 dias de tratamento com antibiótico, mantenha
o tratamento até completar 10 dias;
- Bactérias patogênicas podem começar a crescer no intestino delgado. Assim
sendo, deve ser indicado o uso de metronidazol: 7,5mg/kg, 3 vezes ao dia, durante 7
dias, a todas as crianças admitidas com desnutrição grave;
- Infecções por parasitas: 100 mg de mebendazol, 2 vezes ao dia, durante 3 dias,
por via oral;
- Aplicar vacina com a tríplice viral (sarampo, caxumba, rubéola) aos 12 meses,
com reforço entre 4-6 anos de idade.

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PASSO 6 – Deficiências de Micronutrientes
Todas as crianças com desnutrição grave têm deficiências de vitaminas e sais
minerais que precisam ser corrigidas. Uma das mais importantes deficiências de
vitaminas e que representa risco de vida e de cegueira para a criança, é a de Vitamina
A. Toda criança com desnutrição grave, que permanece com os olhos fechados, é
suspeita de ter lesão ocular por Hipovitaminose A e deve ter seus olhos examinados
com atenção, se possível por um oftalmologista.
Na criança com desnutrição grave, as deficiências de minerais mais
importantes são as de zinco, cobre, ácido fólico e ferro.
A) Tratar deficiência de Vitamina A
A.1. Crianças sem manifestações clínicas oculares
Deve ser feita a administração rotineira de vitamina A, em dose única por
via oral, no primeiro dia de internação, exceto se a criança já recebeu a vitamina A com
30 dias ou menos da data de internação.
Administração de Vitamina A de acordo com a idade da criança
IDADE DOSE
< 6 meses 50.000 UI
6 – 12 meses 100.000 UI
> 12 meses 200.000 UI
Fonte: OPAS, 2000
A.2. Crianças com manifestações clínicas oculares
Cegueira noturna, xerose conjuntival, xerose corneana ou ulceração de córnea ou
ainda o amolecimento da córnea - queratomalácia). Essas crianças devem ser tratadas
com doses altas de Vitamina A:
1˚ Dose: na internação
< 6 meses 50.000 UI
6 – 12 meses 100.000 UI
> 12 meses 200.000 UI
2˚ Dose: no 2˚ dia do internamento Dosagem específica para a idade
3˚ Dose (no mínimo, duas semanas depois da
Dosagem específica para a idade
2˚ dose
Fonte: OPAS, 2000
OBS: Na administração da vitamina A, a via oral é a preferencial. Se não puder
ser utilizada a via oral (criança com vômito, inconsciência ou anorexia intensa), deve-se
usar solução aquosa IM nas mesmas dosagens de acordo com a idade.

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B) Tratar deficiência de outras vitaminas
As deficiências de outras vitaminas devem ser suplementadas por meio dos
preparados alimentares e de crescimento rápido ou por medicamentos.
Composição da Mistura de Vitaminas para 1000ml dos preparados
alimentares
VITAMINAS QUANTIDADE POR LITRO
Hidrossolúveis
Tiamina (vitamina B1) 0,7mg
Riboflavina (Vitamina B2) 2,0mg
Ácido nicotínico 10mg
Piridoxina (Vitamina B6) 0,7mg
Cianocobalamina (Vitamina B12) 1ug
Ácido fólico 0,35mg
Ácido ascórbico (Vitamina C) 100mg
Ácido pantotênico (Vitamina B5) 3mg
Biotina 0,1mg
Lipossolúveis
Retinol (Vitamina A) 1,5mg
Calciferol (Vitamina D) 30ug
Α-Tocoferol (Vitmanina E) 22mg
Vitamina K 40ug
Fonte: OPAS, 2000
B) Reposição de micronutrientes em desnutridos graves.

MICRONUTRIENTES (via oral) Dose


Cobre* 0,2 mg/kg/dia. Dose máxima: 2 mg/dia
Zinco 2 mg/kg/dia. Dose máxima: 20 mg/dia
Ferro** 3 a 4 mg/kg/dia
Vitaminas 2 vezes o recomendado (RDA) para a
idade
Acido fólico 5mg no 1º dia e após: 1mg/dia
Fonte: OMS/MS, 2005.
* Cobre: Não oferecer cobre na fase aguda da doença infecciosa, colestase
de qualquer etiologia e em pacientes com disfunção hepática.
** Ferro: Iniciar o ferro após a fase de estabilização, quando livre de
infecções e em recuperação nutricional.

C) Multivitaminas:
Protovit ou Revitam Jr:
Idade Protovit Plus Revitam Junior (
(gotas) mL)
0 – 6 meses 12 1
6 m – 1 ano 12 1
1– 3 anos 15 1,5
4 – 6 anos 20 2
7 – 10 anos 25 2,5

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11 – 14 anos 30 3
Fonte: Protocolos de requerimentos nutricionais de acordo com o diagnóstico nutricional. Hospital
Infantil Nossa Senhora da Glória.

PASSO 7 – Reiniciar a alimentação cautelosamente


A alimentação correta da criança com desnutrição grave é tão importante quanto
qualquer outra medicação que ela receba e deve estar de acordo com as peculiaridades
da fisiopatologia da desnutrição grave e atender, adequadamente, as necessidades
nutricionais.
O Passo 7 é o início da fase de estabilização que, em geral, dura de 1 a 7 dias.
Nesta fase do tratamento, o objetivo é suprir a quantidade de energia e proteína
suficientes para manter os processos fisiológicos básicos da criança.
A quantidade e o tipo de alimentos são importantes e a via oral é a preferencial. A
administração por sonda nasogástrica só deve ser feita se a criança não aceitar a
alimentação por via oral ou, se aceitar nas 24 horas, uma oferta energética menor que
80 kcal/kg/dia. A via oral deve ser retomada tão logo quanto possível. A oferta líquida
total, incluindo soro por via endovenosa, não deve ultrapassar o volume de 120 a 140
ml/Kg/dia. Se há edema, usar o menor valor e, se houver perdas por vômitos e/ou
diarréia, aumentar a oferta.
Os preparados alimentares nesta fase devem:
 Ser
oferecidos em pequenos volumes e em intervalos freqüentes, de 2/2h ou de 3/3h
(dia e noite). As refeições noturnas são muito importantes para a boa evolução da
criança.
 Fornecer no máximo 100 Kcal/Kg/dia (80 Kcal/kg/dia - mínimo aceitável);
 Fornecer 1 a 1,5g de proteína/kg/dia;
 Ter baixa osmolaridade (280mmol/L) e baixo teor de lactose (13g/L);
 Se a criança estiver em aleitamento materno, deve ser mantida a amamentação, mas
assegure-se que ela receba primeiro o preparado alimentar, pois o valor calórico
fornecido pelo leite materno não é suficiente para garantir a velocidade de crescimento
rápido que a criança com desnutrição grave necessita para atingir a sua reabilitação.

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O preparado alimentar inicial (F inicial) contém 75 Kcal/100ml e 0,9g de proteína/100ml
para melhor atender às metas nutricionais estabelecidas. Veja a preparação e a
composição no final do passo 8.

PASSO 8 – Reconstruir os tecidos perdidos


As condições clínicas, principalmente o retorno do apetite e a melhora do estado
geral da criança (em geral na segunda semana de tratamento), indicam quando se deve
dar início a esta fase de tratamento da desnutrição grave.
Para promover o crescimento rápido, é necessária uma ingestão energético-
protéica mais alta (150-220 Kcal/kg/dia e 4-5g de proteína/kg/dia), capaz de promover
ganho de peso e, conseqüentemente, a formação de novos tecidos. Durante esta fase é
necessária uma abordagem intensiva para atingir alta ingestão alimentar e ganho de
peso superior a 10g/kg/dia. Para isso, deve ser utilizado o preparado alimentar para
crescimento rápido (F de crescimento rápido) que contém 100 Kcal/100ml e 2,9g de
proteína/100ml. Veja a preparação e a composição a seguir. Recomenda-se uma
transição gradual entre a fórmula inicial e a fórmula usada para crescimento rápido. Os
procedimentos a serem seguidos são:
 Substituir o preparado alimentar usado na fase inicial, na mesma quantidade que a
criança já vinha ingerindo, pelo preparado para fase de crescimento rápido, por 48 horas,
mantendo a mesma freqüência da oferta;
 Após 48 horas, aumentar 10ml no volume de cada refeição sucessivamente, até que
a criança deixe sobras. Usualmente, isso ocorre quando o volume oferecido, nas 24
horas, for de cerca de 200ml/kg/dia do preparado alimentar para a fase de crescimento
rápido.

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Preparação das dietas F-inicial e F-de crescimento rápido
________________________________________________________________________________________
Ingrediente Quantidade

__________________________________________________________________________________________
F-inicial F-de crescimento rápido
__________________________________________________________________________________________
Leite 35g 110g
Açúcar 100g 50g
Óleo vegetal 20g 30g
Mistura mineral 20 ml 20 ml
Água para completar 1000 ml 1000 ml

__________________________________________________________________________________________
Composição das dietas F-inicial e F-de crescimento rápido
___________________________________________________________________________________
Componente Quantidade por 100ml

__________________________________________________________________________________________
F- inicial F-de crescimento rápido
___________________________________________________________________________________
Energia 75kcal (315kJ) 100kcal(420kJ)
Proteína 0.9g 2.9g
Lactose 1.3g 4.2 g
Potássio 3.6 mmol 5.9 mmol
Sódio 0.6 mmol 1.9 mmol
Magnésio 0.43mmol 0.73mmol
Zinco 2.0mg 2.3mg
Cobre 0.25 mg 0.25mg
Percentagem de energia de:
Proteína 5% 12%
Gordura 32% 53%
Osmolaridade 333mOsmol/l 419mOsmol/l
____________________________________________________________________________________

PASSO 9 – Afetividade, estimulação, recreação e cuidado


A consolidação da reabilitação da criança internada com desnutrição grave objetiva:
- Estimular a criança para que consuma o necessário para alcançar uma recuperação
completa;
- Introduzir na dieta alimentos disponíveis no domicílio e instruir a família sobre a
forma de prepará-los, tanto para tratar a criança como evitar que ocorram recaídas;
- Dar ênfase à estimulação emocional e física para favorecer a recuperação
nutricional e promover o bom desenvolvimento físico e mental da criança;
- Corrigir outros problemas que afetem a saúde da criança e instituir um plano de
medidas preventivas que a proteja.
PASSO 10 – ACOMPANHAMENTO
A criança com desnutrição grave atinge é considerada reabilitada e, idealmente,
está pronta para alta hospitalar quando seu peso/altura atinge 85-90% da mediana do

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padrão de referência NCHS (-1DP). Essa reabilitação geralmente ocorre dentro de
quatro a oito semanas de tratamento. A depender de seu estado nutricional na alta, das
condições da família e da sua facilidade de acesso aos serviços de saúde, é importante
que a criança seja contra-referida para o ambulatório do hospital ou para uma Unidade
Básica de Saúde, para que o acompanhamento clínico e nutricional seja continuado até a
sua completa reabilitação.
Para autorizar a alta da criança antes da sua completa recuperação é necessário
que ela tenha sido tratada de acordo com o protocolo de atenção preconizado pelo
Ministério da Saúde, tendo sido cumpridas todas as orientações contidas nos Passos 1
a 9 e que sejam atendidos todos os critérios estabelecidos abaixo:
- Criança com 12 meses ou mais de idade;
- Ter completado o esquema de antibiótico;
- Aceitar bem a alimentação oferecida;
- Apresentar ganho de peso superior a 10g/kg/dia por três dias consecutivos;
- Não apresentar edema;
-Ter recebido suplementos de zinco, potássio, magnésio e de outros minerais e
vitaminas por duas ou mais semanas;
- Assegurar-se de que a mãe ou cuidador da criança tenha possibilidade de
acompanhá-la e tratá-la adequadamente em casa;
- Estar recebendo a dieta adequada para a idade, há, no mínimo, dois dias antes
da alta, e cuidador esteja participando no preparo da alimentação.

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REFERÊNCIAS

1. Ministério da saúde. Manual de atendimento da criança com desnutrição grave


em nível hospitalar. Brasília 2005.
2. Lima AM et AL. Protein-energy malnutrition during hospital stay: physiopathology
and treatment. Rev Paul Pediatr 2010;28(3):353-61.
3. World Health Organization. Management of severe malnutrition: a manual for
physicians and other senior health works. World Health Organization.
Geneva,1999.
4. Ashworth A. Treatment of severe malnutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr
2001;32:516-8.
5. Waterlow JC. The nature and significance of nutritional adaptation. Eur J Clin
Nutr. 1999 Apr;53 Suppl 1:S2-5.
6. Golden MHN, Ramdath D. Free radicals in the pathogenesis of kwashiorkor. Proc
Nutr Soc 1987;46:53-68.
7. Nichols BL, Dudley MA, Nichols VN, Putman M, Avery SE, Fraley JK, Quaroni A,
Shiner M, Carrazza FR. Effects of malnutrition on expression and activity of
lactase in children. Gastroenterology 1997; 112: 742-51.

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