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ATOS ILOCUCIONÁRIOS EM SEARLE E A LINGUAGEM PARALINGUÍSTICA

(EMOTICONS e EMOJIS) NOS DIÁLOGOS EM REDES SOCIAIS

Patrícia Neumann1

No texto Uma Taxinomia dos Atos Ilocucionários, Searle (2002) tem os principais
objetivos de classificar os atos ilocucionários básicos e avaliar a classificação feita por Austin
de sua Teoria dos Atos de Fala. Searle propõe, então, uma taxinomia alternativa, na qual os
atos ilocucionários são divididos em assertivos, diretivos, compromissivos, expressivos e
declarações, em oposição à divisão de vereditivos, exercitivos, compromissivos, expositivos e
comportativos de Austin. Para Austin (1975), a linguagem não é usada apenas para descrever
coisas e fatos do mundo, mas também para fazer coisas, i.e., realizar ações. Há casos, segundo
ele, em que “dizer algo é fazer algo” (Ibid, 1975, p.29) [grifo do autor]. A fala representa o
mundo, segundo Diniz e Silva (2016), e também faz “coisas com palavras” (Ibid, 2016, p.58).
Searle concorda com Austin no que tange ao conceito do ato ilocucionário, aquele em
que se realiza “um ato ao dizer algo, em oposição à realização de um ato de dizer algo”
(AUSTIN, 1975, p.89) [grifo do autor], mas discorda de sua classificação por vários motivos,
já que nem todos os verbos são ilocucionários, não há princípio ou conjunto de princípios
claro na base da taxinomia, há sobreposição e heterogeneidade no interior de algumas
categorias, há no interior de certas categorias tipos de verbos bastante distintos, nem todos os
verbos no interior das classes realmente satisfazem as definições oferecidas e há uma
confusão entre verbos e atos. Em suma, esta discordância a Austin está em torno de que o
centro do ato de fala não é o verbo ilocucionário, mas o ato ilocucionário.
Isto leva Searle a fazer outra classificação possível e, conforme Marcondes (2003),
mais elaborada dos elementos que constituem o ato de fala. Os componentes da força
ilocucionária propostos por Searle faz com que haja uma “caracterização mais precisa e uma
identificação mais clara de cada força” (Ibid, 2003, p.33) nos assertivos, diretivos,
compromissivos, expressivos e nas declarações. Os atos ilocucionários realizam ações
mediante palavras, como dito anteriormente, afirmação que muda a forma com que a
linguagem vinha a ser tratada na Filosofia porque contrapõe a ideia de que o uso da
linguagem como comunicação nas situações particulares do cotidiano não poderia ser
analisado filosoficamente devido ao seu elevado nível de complexidade e variedade em cada
instante em que é utilizada pelos falantes e ouvintes (Ibid, 2003).

1
Acadêmica do curso de licenciatura em Filosofia, UNICENTRO, Paraná, Brasil.
Ditas estas palavras introdutórias, o objetivo que proponho desenvolver neste texto é
pensar, a partir da classificação de Searle, sobre o uso da linguagem paralinguística,
especificamente o que conhecemos por emoticons e emojis. Vimos que os atos ilocucionários
são falas (palavras) que realizam ações, sejam tais falas ditas ou escritas. O problema que me
norteia é analisar se os emoticons também podem ser um tipo de linguagem que realiza ações
(atos ilocucionários) ou se apenas expressam estados internos dos falantes e ouvintes.
Ressalto que, em Uma Taxinomia dos Atos Ilocucionários, Searle manteve sua análise à
linguagem de palavras e não objetivou a linguagem de representações tipográficas de
expressões. Embora sua obra tenha sido contemporânea (o texto de Searle foi escrito em
1979) ao surgimento dos emoticons2, em 1982, a popularidade dos mesmos só ocorreu anos
mais tarde. Assim, para chegar à análise que proponho, apresento o surgimento dos emoticons
e faço uma breve retomada dos tipos de atos ilocucionários de Searle.
Segundo Oliveira, Fernandes e Gomes (2016), uma língua está em constante mudança
tanto na fala quanto na escrita. O mesmo ocorre na escrita dos participantes do mundo virtual,
mais especificamente nas redes sociais, proporcionado pelo desenvolvimento da internet.
Inicialmente, as mensagens utilizavam apenas palavras sem o auxílio da linguagem não
verbal, i.e., dos elementos que venham a sugerir interpretações mais específicas da
informação linguística, ou seja, sobre o seu uso naquele contexto. Sem tais elementos, as
mensagens estavam mais suscetíveis de equívocos por parte do receptor.
Foi um equívoco de interpretação de uma mensagem, nos anos 80, que fez emergir a
criação dos emoticons. Naquele momento, não havia a comunicação virtual de massa tal como
hoje, mas na Universidade de Carnegie Mellon (USA) já havia a transmissão interna de
mensagens de assuntos formais. Um dia, um funcionário enviou uma mensagem que era uma
brincadeira para os colegas, a qual foi interpretada ao pé da letra, o que gerou sério mal
entendido. Isto mostrou a necessidade de haver elementos não linguísticos para expressar o
que o emissor quer dizer. Foi quando Scott Fahlman, às 11:44h, em 19 de setembro de 1982,
envia a mensagem aos seus colegas: “I propose that the following character sequence for joke
markers: :-)” (Ibid, 2016,p.1120). Eis a primeira vez, na história, que um elemento não verbal
é lançado na internet, junto também com a sugestão do emoticon para mensagens que não

2
Do inglês: emotion (emoção) + icon (ícone). O primeiro emoticon também é chamado de smiley. Os
emoticons são uma sequência de caracteres especiais com fins de expressar emoções, e.g. :-). Com
o desenvolvimento tecnológico, os emoticons foram modificados e, a partir dos anos 1995, surgem os
emojis no Japão (em japonês: e = imagem; moji = letra e, em português, emoji significa pictograma),
sendo estes pequenas imagens inspiradas nos mangas para substituir os caracteres e transmitir
instantaneamente pensamentos e emoções. O emoji é a versão do emoticon em forma de imagem,
e.g., (OLIVEIRA, FERNANDES e GOMES, 2016; MORO, 2016).
tivessem a intenção de brincadeira, sendo representado por :-( (OLIVEIRA, FERNANDES e
GOMES, 2016; MORO, 2016).
Inicialmente, os emoticons, e depois os emojis, hoje ambos utilizados, surgiram com o
objetivo de expressar estados internos, como um complemento da linguagem verbal.
Entretanto, parece-me que estes elementos não verbais não se restringem a expressar apenas
emoções, mas também atos de fala dentro da comunicação virtual. Vejamos este trecho de
diálogo entre duas pessoas na figura ao
lado. Conforme Oliveira, Fernandes e
Gomes (2016), esta figura:
apresenta um diálogo no aplicativo de mensagens
WhatsApp em que o usuário 1 diz estar no
mercado fazendo compras e pergunta ao usuário
2 se este precisa de algum produto. O usuário 2
afirma querer sorvete e pergunta a seu
interlocutor quais as opções de sabores do local.
Ao obter a resposta de que existem os sabores
chocolate e brigadeiro, o usuário 2 utiliza um
emoticon para expressar um sentimento de
indecisão, grafado a seguir: : /
Pode-se observar como apenas o uso
desta representação foi suficiente para que o
usuário 1 entendesse que o usuário 2 estava
indeciso no diálogo, isto se evidencia quando,
aquele pede para este decidir logo pois já estava
se dirigindo para o caixa do estabelecimento
(p.p.1121-1122). Fonte: Oliveira,
Fernandes e Gomes (2016).

Na concepção até então colocada


por Austin e reafirmado por Searle, poder-se-ia afirmar que este emoticon :/ do diálogo seria
um ato ilocucionário? Retomemos brevemente sua taxinomia em que os atos ilocucionários
assertivos têm por objetivo comprometer o falante com o fato, com a verdade da proposição;
os diretivos tentam levar o ouvinte a fazer algo por parte do falante, os compromissivos levam
o falante a se comprometer com uma ação futura, os expressivos têm sua verdade pressuposta
e, por conseguinte, não tratam de fazer com que o mundo corresponda às palavras nem às
palavras ao mundo e, por fim, as declarações objetivam garantir a correspondência entre o
conteúdo proposicional e o mundo a partir da realização bem-sucedida que um dos seus
membros produz.
Se partirmos da concepção literal do ato ilocucionário, no qual dizer algo com palavras
é fazer algo, os emoticons e emojis parecem não poder ser considerados atos ilocucionários
porque não são palavras, mas outro tipo específico de sequência de caracteres (emoticons) e
imagens (emojis) diferente delas. Entretanto, uma análise mais detalhada pode levar a uma
ressalva na concepção de ato ilocucionário, a de que determinadas sequências de caracteres e
imagens também podem dizer e fazer algo. Isto porque Searle não incluiu elementos
paralinguísticos em sua análise e, embora os emoticons e os emojis não sejam palavras
organizadas em proposições, eles ao menos influenciam a continuidade ou a pausa do diálogo,
já que as pessoas compreendem o que está a ser dito, pelo menos quando não há diferenças
culturais envolvidas. Mas para resolver possíveis mal entendidos quanto a isso, há, inclusive,
a Emojipédia, um dicionário que visa explicar a intenção de cada emoji disponível nas
diversas redes sociais.
No exemplo de Oliveira, Fernandes e Gomes (2016), o emoticon :/ foi compreendido
pelo usuário 1 como o que os autores chamam de sentimento de dúvida do usuário 2, o que
levou o usuário 1, inclusive, a dizer “decide logo” que, por sinal, na taxinomia de Searle é um
ato ilocucionário diretivo. O emoticon :/ não expressa apenas, a meu ver, um estado interno
emocional de dúvida, mas também poderia ser traduzido em proposições como, e.g., “não sei
qual sorvete escolher” ou “estou com dúvida de qual eu quero” ou ainda “não consigo decidir
entre chocolate e brigadeiro”. São várias as expressões linguísticas que podem ser expressas
por um emoticon, porém, não diretamente em palavras. Tais supostas proposições caberiam
em alguma das categorias de Searle?
Tendo em vista que tais proposições representadas pelo emoticon parecem afirmar
algo sobre o emissor, (Acredito que) não consigo decidir..., uma crença dele em relação ao
seu próprio estado, no caso, o de dúvida, penso que poderiam ser atos ilocucionários
assertivos se o emoticon que os representa fosse considerado um ato ilocucionário virtual. Os
atos ilocucionários virtuais poderiam ser divididos em atos ilocucionários do tipo proposição
(linguístico) e do tipo emoticons e emojis (paralinguísitico). O problema, entretanto, parece se
ampliar. Parece que não se trata mais somente de questionar se emoticons também podem ser
um tipo de linguagem que realiza ações (atos ilocucionários), mas de como é possível que
compreendamos tais sequências de caracteres visuais e virtuais e seus derivados emojis como
se fossem proposições sem sê-las literalmente. Na verdade, de que forma aprendemos a
compreender a linguagem não verbal, já que os emoticons representam situações vividas do
cotidiano em forma de sequência de caracteres ou imagens (emojis) e, ao compreender tais
elementos, realizamos coisas.
De volta ao exemplo de Oliveira, Fernandes e Gomes (2016), frente a uma sequência
de caracteres emitida pelo usuário 2 “ :/ ”, num contexto linguístico, o usuário 1 reage e diz:
“decide logo”, o que dentro do propósito do ato, segundo Searle (2002), o usuário 1 tenta
levar o 2 a fazer algo, uma ordem ou pedido. Mas como o usuário 2 chega a esse ato após ver
um emoticon em vez de uma proposição? Podemos pensar que um fator é o contexto já
aprendido quanto ao que indica o emoticon e que houve coerência entre emoticon e demais
proposições do diálogo. Mas também a capacidade de reconhecer diferentes sequências de
caracteres ou imagens como se fossem palavras, proposições e até mesmo conjunto de
proposições. Isto faz com que a complexidade se amplie ao se tratar da análise do uso
particular da linguagem que, em nossa época, incorpora de modo crescente elementos
paralinguísticos aos linguísticos.
Tal é o alcance dos elementos paralinguísticos que, atualmente, são utilizados até para
expressar provérbios, como os emojis dos três macacos sábios3, um com a mão nos olhos, um
nas orelhas e um com a mão na boca. Certo que tais compreensões dos emoticons envolvem a
cultura dos falantes que, ao menos em princípio, é transposta para o mundo virtual. Digo em
princípio porque a comunicação nas redes sociais parece ser espaço de criação de elementos
culturais novos com usos desconhecidos aos que não participam da rede.
Assim sendo, considero que o conceito de ato ilocucionário em Searle requer
atualização quando se trata da comunicação virtual nas redes sociais. Muito desta
comunicação não é dita em proposições, mas em emoticons e emojis, os quais são elementos
que levam os usuários a fazer algo quando os visualizam. Este fazer pode ser em uma análise
inicial, o ato de continuar a conversa, pausá-la ou encerra-la a partir de e/ou com os
emoticons. Nos diálogos reais não utilizamos emoticons e emojis, mas utilizamos as
expressões faciais e corporais, as quais também necessitam ser compreendidas entre os
falantes e ouvintes se quiserem ter maior êxito em nossas partilhas sociais. Ou seja, penso que
tão mais complexo que analisar o uso particular da linguagem verbal é analisar o uso da
linguagem não verbal e sua relação com a verbal. Tal problema me parece ser inevitável de
ser debatido em pleno século de comunicação virtual.

Referências
AUSTIN, John Langshaw. Quando Dizer é Fazer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1975.

DINIZ e SILVA, Hélcia Macedo de Carvalho Diniz. Avaliação da taxinomia alternativa de


Searle à classificação das forças ilocucionárias de Austin. 2016. 135f. Tese (Doutorado em
Filosofia). Pontifícia Universidade Católica. PUC. Rio de Janeiro. 2016.

3
Alusão ao provérbio japonês “não ver o mal, não ouvir o mal, não falar o mal”, para
dizer que os homens devem evitar ações que proliferem e fortaleçam aquilo que prejudique a si e aos
outros. Fonte: Emojipédia.
MARCONDES, Danilo. Desenvolvimentos Recentes na Teoria dos Atos de Fala. O que nos
faz pensar, n.17, 2003, p.p.25-39.

MORO, Gláucio Henrique Matsuchita. Emoticons, Emojis e ícones como modelo de


comunicação e linguagem: relações culturais e tecnológicas. Revista de Estudos da
Comunicação, n.17, v.43, 2016, p.p.53-70.

OLIVEIRA, Letícia de; FERNANDES, Patricia Damasceno; GOMES, Daniel dos Santos.
Leituras e Emojis em um mundo globalizado. Revista Philologus, ano 22, n.66, 2016,
p.p.1115-1126.

SEARLE, John Rogers. Expressão e Significado: estudos de teoria do ato da fala, 2ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2002.

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