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394 Ensinamentos Fandamentais do Budismo Tibetans Este “eu” é 0 centro de iniimeras necessidades que Ihe patecem indispensaveis para asse- ‘gurar sua felicidade: eu preciso — para “mim!” — de boa comida, belas roupas, uma casa confor- tavel, amigos etc. E por isso que o terceiro verso diz: Concedais vussa graga para que nasga na corrente de consciéncia a auséncia de neessades Nossa mente é, durante o dia, atulhada por uma porgdo de pensamentos sem relagio com o dharma, Oramos, entio: Concedais vossa graga para que cesem os pensamentos profane. ‘A fonte de todos os softimentos reside na crenga que nossa mente existe realmente enquanto objeto, quando na verdade nfo possui nascimento, fim ¢ localizagio: ela é vazia, materialmente inexistente. O quinto verso resume esta natureza da mente, sublinhando seu cariter nio-nascido: Concedais vossa graza para que minha pripria mente realize-e como nio-nascida Por causa das perturbagdes como o desejo, o apego, a raiva, 2 aversio, o citime, a cegueira etc., somos tomados pelo jogo das aparéncias ilusérias. Essas aparéncias regem nossa vida presente, manifestam-se no sonho e também sio produzidas no bande. Oramos, entio: Con- cedais vssa graga para que as ilasies dissipemese por i mesmras. A realizagio da natureza vazia da mente — 0 mabanudra ~ também é a realizagio do corpo absoluto, o dharmakaya. O dharmakea, entretanto, nio esté dissociado da manifestagio. Quando nos referimos a sua conexo com as formas, falaremos, portanto, de formas vazias Da mesma maneira, falamos de sonoridades vazias ou ainda de atividade mental vazia. No entanto, essa vacuidade de todos os fenémenos sé é plenamente experimentada no estado de Buddha. No sétimo verso, oramos: Concedais vssa graga para que todas as aparéncias sejam reai- das como 0 dbarmakaya. O primeiro verso da prece ¢ um apelo ao lama, os seis outros referem-se a nossa pro- gressio espititual e nossa realizacio. Est s6 é possivel pela graca das Trés Joias e princi- palmente do lama; é por isso que os seis versos pedem a graga. E necessirio, ainda, que sejamos receptivos ¢ abertos, isto é, que roguemos do fundo do coragio, movidos por uma total sinceridade. Uma hist6ria tibetana ilustra o poder da devogio e da fé. O dente do Buddba ‘Uma velha senhora tibetana tinha um filho comerciante que ia freqiientemente 4 india para vender e comprar mercadorias. A velha senhora tinha uma fé muito grande no Buddha, tanto que seu maior desejo era possuir uma de suas reliquias. Por ocasifio de uma de suas viagens a India, ao descrever 0 itineratio para sua mie, o filho mencionou que passaria por Bodhgaya. Bodhgayal O lugar do Despertar do Buddha! — J que vocé vai a um local tio sagrado — disse a mae ~ tente trazer-me uma reliquia do Buddha ou pelo menos alguma coisa que lhe tenha pertencido. Eu prometo! ~ Respondeu o filho. mercador tomou entio 2 rota para a india, negociou em virias cidades em que tina previsto ir, passou por Bodhgaya, mas, ocupado com as compras e vendas, com os negécios, com 0 célculo dos lucros € a avaliacio da qualidade das mercadorias, esqueceu completa- mente a reliquia do Buddha. Quando chegou em sua cidade, a primeira pergunta da mie foi: = Vocé se lembrou da minha reliquia? ~ Sinto muito, no. ~ O filho aio tinha se lembrado. Budismo Esotérico 395 No ano seguinte, o filho realizou uma nova viagem & india. A mie renovow-the 0 pedido com insisténcia, para vé-lo voltar alguns meses mais tarde com as mios tio vazias quanto da primeira vez. Os negécios 0 ocuparam demasiadamente! Perspectiva da terceita viagem, terceiro pedido da mae que, impulsionada pela devogao e pelo desespero de ter um filho tio negligente, disse-Ihe: — Se vocé esquecer desta vez também de trazer-me o que eu pedi, quando vocé voltar, eu me matarei na sua frente. Eo filho, muito impressionado, prometeu nao esquecer de jeito nenhum. Pelas estradas da {ndia, ele lembrava da promessa da mile, mas o dias se passaram ea febre do comércio o ocupava mais e mais a cada semana. Voltou para o Tibete sem preocupar-se em Jevar nenhuma teliquia, Faltando um dia para chegar em casa, ele estava almocando, quando — horrot! — lembrou-se da promessa feita por sua mie. Ele sabia que ela era capaz de levi-la a cabo. O que fazet? De tepente, avistou um cadéver de um cachorro em decomposigio que nio se encon- trava muito longe dali. Uma luz brilhou em sua mente: dente de cachorro, dente de homem, a diferenca nia era muito grande; ele levaria para sua mie um “dente de Buddha”! Um objeto tio sagrado nfo poderia ser apresentado sem uma embalagem que mostrasse seu valot. Assim, nosso comerciante o envolveu com um brocado branco muito precioso, depois com um amarelo ¢ outro vermelho. A maravilha estava pronta. ‘Quando encontrou sua mie, esperou a pergunta dela com uma alegria no dissimulada: — Entio, fez boa viagem? Voce nfo esqueceu de novo meu pedido, nio €? — Mie, como eu poderia té-lo esquecido quando sua vida dependia dele? Bu Ihe trouxe um dente do Buddha. Vejal Com os olhos cheios de lagrimas, a velha mulher receben o precioso pacote ¢, com respeito infinito, desatou os brocados um por um até que aparecesse essa coisa extraor- initia, inacreditivel, espantosa: um dente do Buddhal Bla se apressou em colocat o dente sobre o altar, mandou cinzelar uma caixa de ouro para colocé-lo, depois, cada dia, recitou preces e dispés oferendas diante do santo objeto. As pessoas das redondezas juntavam-se a ela em grande niimero para testemunhat devocio. Apés algum tempo, o vulgar dente de cachorro comecou a produzir pérolas santas (tib. ringseli). Quanto 4 velha mulher, quando sua hora chegou, seu corpo desapareceu em um atco-fris ao mesmo tempo que uma chuva de flores cafa do céu. (O dente era apenas um dente de cachorro, a velha senhora estava enganada, mas o poder de sua devogio era tio grande que péde produzie tais prodigios. Lembrando-nos desse exemplo, devemos cultivar uma devogio semelhante, apoian- do-nos na pritica do gurs-ioga. $6 poderemos fazer isso evitando distragées exteriores dema- siadas, nfo nos deixando levar pela preguica e no deixando que as dividas nos perturbem. Nessas condicdes, somente, poderemos estar abertos para a graca.

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