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AS ORIGENS DA ESCRAVIDAO NO CEARA Pedro Alberto de Oliveira 1. A criag&o da capitania do Ceard, em 1534, foi um simples acontecimento administrativo, sem repercussdo his- t6rica. 2. Os aspectos fisico-geograficos, mais do que sua for- mag&o econémica, determinaram a configuracio territorial da capitania. Suas fronteiras sio quase em sua totalidade na- turais. Ao norte e nordeste, o mar; ao leste, a chapada do Apodi e serras esparsas do planalto da Borborema; ao sul, a chapada do Araripe; ao oeste, a serra da Ibiapaba. 3. Numerosos rios, temporérios, cortam 0 territério cearense, destacando-se entre outros o Jaguaribe, o Pirangi, o Pacoti, o Curu, o Aracatiacu, o Acarati e 0 Coreati, em cujas bacias teve inicio o povoamento do civilizado, pois o silvicola j& era seu ocupante e dono natural. 4, As serras, em grande quantidade, desempenharam importante papel em sua histéria; ndo sé como refugio das populacgées flageladas nas grandes estiagens, mas também como centros importantes da economia cearense. 5. Pode-se mesmo afirmar que a geografia da capitania determinou suas fronteiras, condicionou sua forma de po- voamento e concorret para que o criatério fosse a tnica, sendo a principal, atividade econédmica que se poderia desen- volver nela, dentro do contexto histérico-econémico da época, Os rios e a pecudéria foram as bases de seu desenvolvimento e a razio de sua existéncia historica por tongos anos. 6. Até o infcio do século XVII a regio ainda ndo estava integrada ao dominio efetivo dos portugueses, tanto assim, que no livro de Diogo de Campos Moreno — Livro que dd ra- edo do Estado do Brasil —- a regiao que corresponderia & fu- tura capitania e provincia do Ceard, consta como “nova con- Rey. INST. DO CEARA, FORTALEZA,.99: 325-338, JAN./DEZ. 1979 325 quista”, referindo-se ao feito de Pero Coelho de Souza, que iniciou a conquista do Ceara (1603), na primeira década da- quele século. (1) Pero Coelho tentou escravisar grande quan- tidade de selvagens da capitania. Esses {ndios foram liberta- dos por decreto de 10/09/1611. (2) 7. Aconjuntura historica da época contribuiu para que o jovem Martin Soares Moreno, ex-acompanhante daquela expedigdo preadora de indios, prosseguisse a conquista. Esse ilustre guerreiro é apontado pela tradicféo historica como 0 eolonizador do Ceara. O certo é que nada teria realizado sem a ajuda dos jesuitas e dos indios. O silvicola catequizado amol- dou-se 4 cultura superior do reinol e seus descendentes. 8. Dentre muitos registros histéricos que atestam a presenca do silvicola ajudando o colonizador, nos primeiros tempos, destacamos o de Joao Brigido, no seu livro Epheme- rides do Ceard, onde textualmente afirma: “Martim Soares Moreno, tenente comandante interino da fortaleza do Rio Grande do Norte, nomeado capitao-mor do Ceara pelo gover- nador Diogo de Meneses, para colonizar a regiao, veio ter as suas plagas com dois soldados e um capeléo. Trouxe em sua companhia Jacatina, chefe indio potiguar, irmao do célebre Camario. ... Martins Soares, sob a proteg&io de Jacatina, que se diz ter sido o chefe da aldeia de Paupina ou da de Caucaia, fundou a capela e o fortim de N. Senhora do Amparo no mesmo sitio do estabelecimento de Coelho.” (3) 9. A invaséo de Pernambuco pelos holandeses atrasou o processo de colonizagéo do Ceara. Penetragiio povoadora pelo interior realmente ocorreu naquela época, mas o fato é que sO apés a expulsdo daqulees invasores, em 1654, reini- ciou-se a ocupacio efetiva da capitania. 10. O holandés hayia buscado o apoio do indigena para sua causa. A opress&o do colono portugués sobre esses, apesar da catequese jesuitica, concorreu para que tivesse havido muitas adesdes, Joao Brigido assim se reporta a esse fato: “Devem ter influido para a resolucio dos fndios os maus tratos, de que j4 comegavam a ser vitimas por parte dos por- tugueses, que os reduziam a cativeiro para suas lavras e ou- tros trabalhos. ... Garsmam, que trazia ordem expressa de Mauricio para nao cativar os indios, facilmente ocupou o pais, fazendo amizade com o chefe indio Algodo.” (4) Vale salientar que nao foi constante o bom relacionamento dos silvicolas da regiaéo com o elemento batavo, isso, principal- mente, depois do periodo de governo de Mauricio de Nassau. 326 Rey. Inst. Do Crand, FORTALEZA, 99: 325-338, JAN./DEZ. 1979 11. A safda dos holandeses trouxe ao territorio cearen- se muitas familias das capitanias vizinhas, que aqui se fixa- Tam com seus cabedais. O gado foi o fator basico desse fato, representando o elemento econédmico quase unico. 12. A ocupacio do Cearé teve duas frentes colonizado- Tas: uma tinha seu nticleo de procedéncia na Bahia, veio pelo chamado “sertéo de dentro”, penetrou pelo sul; a outra tinha como principais pontos de procedéncia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraiba, veio pelo “sertdo de fora”, e en- trou na capitania especialmente pelo litoral. As duas corren- tes encontraram-se no interior, na regiéo do médio Jagua- ribe. Com mais detalhes, Jofo Brigido se refere a esse fato assim: “os povoadores do Cariri vieram de Porto-Calvo, do Penedo, e da Cotinguiba, pelo riacho da Brigida. Pelo Rio- -do-peixe, vieram os povoadores do Icé e alto Jaguaribe, quase todos do centro da Paraiba, de Itabaiana, de Pernambuco, etc. Finalmente, as regides interiores do Jaguaribe, o litoral da capitania e o vale do Acarati receberam os seus povoadores da costa de Pernambuco, Paraiba, e principalmente do Rio Grande do Norte. Nestes tltimos pontos, a colonizacéo foi mais tardia.” (5) 13. Em 1656, chegaram & serra da Ibiapaba os padres Anténio Ribeiro e Pedro Pedrosa, reiniciando-se assim a ca- tequese do indigena naquela regido. Seguiu-se a vinda de Joao de Mello Gusm&o (1663), considerado o primeiro povoador propriamente dito que veio com familia para a capitania onde havia apenas a infantaria do presidio que cra mudada cada ano pelo governo de Pernambuco. (6) 14. Thomaz Pompeu, no comeco deste século, dizia que “triciando-se 0 povoamento do Ceara em meados do século XVII, em menos de 50 anos estava devassado e a criagao de gados se incrementara consideravelmente, ao ponto de con- correr para o abastecimento das vizinhas capitanias.” (7) 15. No fim do século XVII ainda ocorria a ocupacaio do Ceara. A precariedade de documentos daquela época dificul- ta definir-se com precisao histérica a data das primeiras ses- marias distribuidas no Ceara. Nio se levando em conta aque- la doada a Martim Soares Moreno, em 1621, pois nado teve continuidade, as primeiras datas de sesmarias doadas ocor- reram a partir de 1678. (8) Raimundo Giraéo complementa; “Essas sesmarias ou datas a principio eram timidamente lo- calizadas nas embocaduras dos rios Pacoti, Choré e Pirangi, mas depois de 1680 se amiudaram os pedidos, todos desejando localizar-se nas Areas marginais aos outros rios, principal- Rev. Inst. Do CEARA, FORTALEZA, 99: 325-338, JAN./DEZ. 1979 327

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