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entrevista Marcos Bagno Preconceito lingiiistico Entrevista concedida a CARLA VIANA, COSCARELLI, ELAINE CAFIERO JULIANA ANGELO. GONGAIVES. Mi Apresemtagio de CARLA VIANA, COSCARELLL. Mestre em Lingititica pela Univer- sidade Federal de Pernambuco e doutor em Filologia ¢ Lingua Portuguesa pela Univer- sidade de Sao Paulo, Marcos Bagno ¢ prof sor de Lingiitsica da Universidade de Brasilia (UnB) ¢ tem rrababbado com o ensi- no de portugués, sob 0 prisma da sociolin- gitstica, discutindo questdes polémicas como 0 preconceito lingiistico, a grumética tradi- cional ¢ 0 portugués brasileiro. Autor de livros como A lingua de Eulalia (Contexto, 1997), Preconceito lin- giifstico: 0 que & como se fax (Loyola, 1999), Lingiistica da norma (Loyola, 2001) ¢, mais recentemente, Nada na lis gua € por acaso: por uma pedagogia da vatiagio lingliistica (Pardbola, 2007), Bagno é famoso por sua militéncia contra 0 aque considera uma das formas mais sus € perversas de exclusto social: 0 preconceito lingitistico. Em sua lusa contra a discrimi- nasi social por meio da linguagem, defen- de, com todas as palavras, que 0 preconceito Lingitistico precisa ser reconhecido, denun- ciado e combatide. Em seus livros, cursos ¢ i449 jandjfev 2008 + PRESENGA PEDAGOGICA * 5 palestras, costuma problematizar a nogio de “erro” demonstrando sempre a riqueza das imimeras variedades lingitisticas que com- ‘poem a lingua portuguesa do Brasil e mos- trando que a lingua é um sistema dindmico, _flexivel e que varia conforme o que é exigido ipela situagio de comunicagio. Muito preocupado com o tratamento que é dado lingua portuguesa nas institui- es de ensino, Marcos Bagno diz ser neces- sario discutir com os alunos os valores sociais atribuidos as mais diversas variantes lin- sgittsticas, chamando a atengao deles para a diseriminagao que hd sobre determinadas sos da lingua. Defende também que os educadores precisam reconhecere respeitar 0 grande conhecimento lingitstco que os alu- ‘nos trazem para a escola, a fim de cviar for- ‘mas que posibilitem a ampliagao constante da competéncia comunicativa deles de modo democritico e nio-discriminador: Além de seus livros na drea da lin- gitttica, Marcos Bagno também é tradutor de insimeros livros, e autor de livros de lite- satura infaneil > i entrevista Marcos Bagno Presenga Pedagégica: Vocé participou do Plano Nacional do Livro Didético (PNLD) de 2008. Como vocé avalia a qualidade dos materiais didaticos publica- dos recentemente? Marcos Bagno: Infelizmente percebemos que ainda exis- tem virios autores que persistem em trabalhar de forma ultrapassada, principalmente nos tpicos dedicados & gramdtica tradicional. Este, inclusive, € 0 meu objeto de pesquisa no Pés-doutorado. Estou verificando como os conceitos lingiisticos aparecem nos livros didticos, Por outro lado, os livros aprovados apresentaram um padiao bbem semelhante, uma vez que muitos deles ja tratam a lingua como discurso e atividade social. Acredito que isso se deve ao fato de as editoras estarem preocupadas em adequar seus manuais aos principios do PNLD. PP: Qual foi o principal problema observado nos livros idaticos? Marcos Bagno: Em primeito lugar esté sobrando teoria. As vezes, um material faz um trabalho muito bonito com citura € produgao de textos, mas é fraco na parte de gramdtica. A nomenclatuta apresentada é enorme. Em uum livro, eu cheguei a contar 300 rermos, ¢ isso aparece sem nenhum objetivo. Além disso, muitas vezes a abor- dagem de nomenclatura e conceitos lingtifsticos é equi- vocada. A nogio de fonema, por exemplo, nao aparece adequada em nenhum livro. Todos eles concebem fone- ‘ma como 0 som da lingua, sendo que fonema, na tradi- -fo estruturalista, onde o conceito surgiu, é uma enti de abstrata, depreendida dos usos reais, varidveis, da lin gua. Por exemplo, o fonema /r/ presente em “porta” rem diversas realizagdes possiveis no portugués brasileito: vibrante simples, vibrante miltipla, aspirada, gucural, retroflexa etc. Esses, sim, s40 os “sons da lingua”, mas 0 fonema /t/ nao som, nao pode set gravado, por exem- plo. Na verdade, trata-se de um tipo de conhecimento tedrico muito abstrato, que até mesmo os alunos inician- “* PRESENCA PEDAGOGICA + v.14 + 5,79 jan./fe. 2008, tes de Letras tém dificuldade em aprender. Para que, entdo, insistir em apresentar esse conceito, ainda por cima distorcido, para alunos de 5* série? E 0 mais engra- gado € que essa visto “gramatiqueira” tradicionalista & ‘Go entranhada que muitos tépicos que deveriam ser tra- tados dentro de gramdtica sio deixados de fora, como coesto ¢ coeréncia. E como se a textualidade e a consti- tuigio de um texto estivessem fora da gramatica, PP: E quanto & variagio lingi ‘Marcos Bagno: Ainda faltam alguns ajustes, principal- ‘mente em relagio a fundamentos tedricos, ica? ‘mas isso no é culpa dos autores de livro didaticos. E culpa dos sociolin- giistas brasileros, que ainda nfo encontraram um discur- 0 acessfvel A maioria das pessoas, Ainda no conseguiram encontrar até mesmo uma nomenclacura, como mostra a confusio entre a norma culta ¢ norma padtio, que sio duas coisas totalmente distintas. A norma culta, na pes- quisa sociolingiistica brasileira, € 0 nome que se dé 20 conjunto das variedades faladas pelas pessoas que tém escolaridade superior completa, nascidas criadas em ambiente urbano. ‘Trata-se, portanto, de realizagées con- cretas, empiticas, da lingua, que podem ser gravadas ¢ analisadas (als, foram gravadas ¢ analisadas pelo Projeto NURC, que desde os anos 1970 vem investigando a norma culta brasileira). Por outro lado, a norma-padrao uma abstragio de lingua, um modelo idealizado baseado nos usos dos grandes escritores do passado e totalmente desvinculado da realidade contemporainea da lingua. Por iss0, existe um abismo largo e fundo entre a norma culta, cou seja,a lingua realmente falada pelos brasileiros privile- giados, ea norma-padrao, que é um cédigo enrijecido que se inspira em usos muito antigos e ultrapassados. PP: Entdo como deve agir o professor da Educagio Basica que, por estar sobrecarregado de trabalho, necessita recorrer freqtientemente ao livro didético? entrevista Marcos Bagno Marcos Bagno: Eu acho que os livros didéticos sfo fundamentais. Nao fago parte do grupo de pessoas que quer acabar com ele. Nossos professores realmente no tém tempo ¢, nem ‘mesmo, formagio adequada para elaborar todas as aulas, porque isso demanda muita pesquisa. Eu acho que o muito importantes, eu d livro didético auxilia nesse sentido, Por isso o PNLD & imporcante. Com ele conseguimos garantir que che- ‘gucm as escolas livros com um padrio minimo de quali- dade, ¢ eles t8m dado um grande salto de qualidade nos ‘limos dez anos. A visdo gramatiqueira tradicionalista é to entranhada que muitos tépicos que deveriam ser tratados dentro de ramatica sao deixados de fora, como coesao e coeréncia. PP: Existem livros didaticos ideais? Marcos Bagno: Eu fiquei maravilhado, por exemplo, com 0 livro Portugués: uma proposta para 0 letramento (Editora Moderna), de Magda Soares. Ela, sem usar um, linico termo gramatical, faz todo um trabalho exemplar para levar 0 aluno a utilizar certas construgdes sintaticas. ‘Além disso, as atividades levam o aluno a formular hipé- teses ea perceber como determinado efeito de sentido foi construido no texto. Isso ¢ ensinar gramdtica de maneira adequada. E incrivel como tem gramética no livro da Magda Soares ¢ ao mesmo tempo no tem nenhuma! E muito curioso © fato de que esse tipo de livro, muitas ‘yexes, nfio é bem recebido pelos professores. E isso acon- tece justamente porque a gramética nao aparece de forma explicita. Muitos pais acabam reclamando disso, ¢ os pro- fessores nao levam o trabalho adiante. PP: Como e quando a gramética deve ser ensinada? Marcos Bagno: Essa é uma questo delicada, porque gra- matica engloba muitas coisas. Para os Ieigos, em geral, gra- mitica € o estudo sistematizado, com nomenclatura dos fendmenos lingiisticos ¢ um determinado modelo de lin- gua idealizado, Saber gramitica, para essis pessoas, é saber colocasio pronominal, meséclise e outras coisas. Acham que usar a nomenclatura é saber gramatica. Eu, particular- mente, acho que 0 estudo sistematizado, com nomencla- tura, deveria ser deixado para o Ensino Médio, ou final da 8 série, Muitas vezes eu causo choque nas pessoas, em minhas palestras, quando elas me perguntam se é necessé- rio ou nao saber gramética. E eu sempre respondo que estudantes de Letras, por exemplo, tém a obrigacao de ter total dominio da gramstica, Nao para passar para os alu- ‘nos, mas porque devem ser especialistas. Quanto a “saber gramética’, qualquer criancinha de 6 anos de idade sabe perfeitamente a gramdtica de sua lingual PP: Deveria, entio, existir na graduagio disciplinas com o titulo, por exemplo, de gramética tradicional? Marcos Bagno: Na Universidade de Brasilia (UnB) os alunos de Letras fizeram 0 pedido de uma disciplina no curso que abordasse a gramética tradicional. Eu acho que deve existir. © nome nao importa, mas eu acho que é importante saber como surgiu a gramitica, os concei- 10s filoséficos em que ela se inspira etc. Na UnB nds temos uma disciplina com o nome de Oficina de gramdtica, em que os alunos analisam gramdticas normativas, em textos que discutem essas questées € depois criam propostas de > v4 n79s ane. 2008 + PRESENGA PEDAGOGICA * 7

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