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‘A evolu das iolas e das priticas podagdglcas da Antigudade até 0 séoulo XX Na sua obra A crise da cultura, Hannah Arendt (1972) afirma ‘como muitos outros pensadores, que a nossa época—o mundo mo derno, a modetnidade ~ se confronta com uma experiéncia total: ‘mente nova na hist6ria da humanidade: enfrentar o futuro sem apoi ar-se na tradigao, na religido ena autoridade. Essa experiéncia assu me hoje a forma de uma crise geral da cultura, de uma revolugae profuunda e radical dos nossos sistemas de valores ¢ de nossas cren- ‘sa8 mais estabelecidas, Essa crise nfo € verdadeiramente recente Nas péginas precedentes, evidenciamos o con- texto que est na origem do desenvolvimento da cultura intelectual na Grécia Antiga. Vimos que esse contexto era caracterizado por uma crise da cultura provocada pela emergéncia de um novo sistema politico (a democracia) e por diversas ou- tras experiéncias de descentramento em relacio as tradicbes e crencas estabelecidas. Essa crise acarretou, pela primeira vez na hist6ria, 0 desen- volvimento de um novo modelo de cultura base- ado no racionalismo ¢ no humanismo. Esse novo modelo enfatiza a iniciativa ¢ a autonomia do ser humano, assim como a palavra e o pensamento racional. Posteriormente, ele influenciaré toda a historia ocidental ¢ representara uma parte im- historia ocidental e representaré uma parte im- portante da heranca que a civilizagao grega anti- ga legaré as civilizacdes seguintes, romana, cristé € moderna, Também vimos brevemente que esse modelo de cultura é portador de uma nova con- cepeao de educagio ¢ da formacao do ser huma- no. Essa concepcao est4 baseada sobre uma nova ideia do conhecimento, percebido como resulta- do de uma atividade a0 mesmo tempo racional e formadora. A dimensao fundamental da educagao se mos- tra ao mesmo tempo na sua universalidade e na sua necessidade. Todas as sociedades humanas conhecidas se dedicam, efetivamente, a ativida- des educativas. Além disso, 0 que se chama de hominizacéo € impossivel sem educacao. Ao con- trario do animal, o ser humano deve, de certo modo, nascer duas vezes*. Nasce primeiro como animal, isto é, como um ser natural, e deve nascer ‘uma segunda vez como humane, isto €, como um ser de cultura. Ora, esse segundo nascimento tor- na-se possivel pela educacao, que garante assim a passagem ¢, até certo ponto, a ruptura entre a na- tureza e a cultura. Nesse espirito, poder-se-ia de- finir 0 ser humano como um animal educado. Essa definigao seria to valida e pertinente quanto as definigdes usuais como: o homem é um animal racional, um animal politico ou um homo faber. incompletas. Dito isso, podemos entretanto pro- por uma definigdo que nos pareca aceitavel. Ins- pirando-nos em Durkheim (1980), vamos definir a educagio como sendo a ago exercida pelos adul- tos sobre e com as criangas, a fim de integra-las a sua comunidade ¢ lhes transmitir a sua cultura, isto é, 0 conjunto dos saberes necessdrios a exis- téncia dessa comunidade. Essa existéncia exige igualmente o conhecimento do passado, do pre- sente e do futuro. Todas as sociedades humanas A integracdo 6 uma fungio de socializacao. Integrar as criangas é socializé-las, isto é, levé-las a aprender e memorizar as normas ¢ modelos so- ciais (de viver, fazer, pensar etc.), Nesse sentido, a educagdo é uma atividade profundamente social, enquanto a aprendizagem pode muito bem ser in- dividual. E sempre o individuo que aprende, mes- ‘mo que seja membro de um grupo, de uma classe. Ao contrério, a educacao necessita da presenca de outrem. Ela é pois uma atividade socialmente or- « ganizada, Cada sociedade tem, consequentemen- te, priticas educativas relativamente bem defini- das, exercidas por agentes particulares em fungdo de finalidades e modalidades precisas. A scleco, a conservacdo e a construgo da cultura se fazem pelo processo de transmisséo dos conhecimentos. Nessa ética, a transmissio da cultura nao é um processo passivo autométi- co, que reproduz mecénica e integralmente a cul- tura do pasado. Cada geragéo humana retoma essa cultura para modificé-la e adapté-la a novas situagdes e exigéncias, construindo assim, pouco pouco, uma cultura nova. Accultura transmitida pela educagao é dupla: * A cultura comum. No sentido amplo, tra- ta-se do conjunto dos conhecimentos que os membros de uma comunidade compartilham com as outras sociedades. Assim, a cada épo- ca da historia, as sociedades elaboram diver- sas concepgdes do mundo, do ser humano é de si mesmas (mitos, religides, filosofias, cién- cias, ideologias), que elas se esforcam em transmitir as geragdes seguintes e comparti- lhar entre si. Ocorre 0 mesmo, por um lado, * Acultura técnica. Trata-se de um conjunto de conhecimentos mais especificos, que é propriedade de grupos sociais (artesdos, téc- nicos, peritos, feiticeiros, xamis, profissio- nais, operdrios etc.). Mais especializada, a cultura técnica est, é claro, diretamente liga- da ao sistema produtivo da sociedade e tam- bém a diversas outras fungdes (controle so- cial, produgdo simbélica particular etc.) va- ridveis segundo as épocas e as sociedades, fungdes que exigem saberes espectficos.

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